Um rápido olhar para o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2021 parece trazer boas notícias para a política indigenista. O projeto de lei prevê R$11,49 milhões a mais para o principal órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e R$6,1 milhões a mais que a dotação atual do órgão no ano em curso. É importante, no entanto, que façamos duas observações.
Em primeiro lugar, esse pequeno acréscimo está longe de remediar os impactos de anos de estrangulamento. Os R$648,6 milhões atribuídos para a Funai em 2021 estão, por exemplo, muito distantes dos R$870 milhões atribuídos à fundação em 2013. A queda orçamentária contínua é aliada da reorientação do atual executivo para política indigenista, marcada por um retorno ao viés militarizado e assimilacionista do órgão.
Em segundo lugar, boa parte dos recursos apontados no PLOA 2021 estão sujeitos à aprovação legislativa, devido ao sufocamento orçamentário fruto da regra de ouro: dos R$648,6 milhões atribuídos para a Funai em 2021, R$ 338,6 mi estão sujeitos à aprovação do congresso. Desses, boa parte é para gastos com a já precária estrutura do órgão: são R$230,2 milhões condicionados destinados a pessoal e encargos sociais.
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É importante ressaltar esse alto índice de recursos condicionados à aprovação legislativa, mesmo que nos últimos dois anos o governo tenha sido autorizado pelo congresso a quebrar a regra de ouro. Isso porque os 52% dos recursos condicionados no PLOA 2021 para Funai contrastam com os 20% na mesma situação no PLOA 2020. O quadro levanta ainda mais suspeitas se considerarmos que, mesmo com os valores condicionados de 2020 aprovados pelo Congresso, até agora nada deste recurso foi executado pela Funai no ano em curso. Parece até mesmo que estamos diante de uma diretriz tácita, seguida pela chefia da Funai, de seguir reduzindo os gastos do órgão para aproximá-lo mais do orçamento não condicionado – o que basicamente impossibilitaria a atuação indigenista no ano que vem.
Por fim, é bom retomarmos a situação da Funai em 2020 para termos a dimensão real da gravidade da situação. Mesmo diante do violento impacto do novo coronavírus nos territórios indígenas, os gastos executados pelo órgão indigenistas seguem a passos lentos. Até o início de setembro, apenas 58% da dotação atual da Funai foi efetivamente pago (R$376,9 milhões). O quadro torna-se ainda mais dramático quando analisamos as ações finalísticas do órgão. Apenas 30% dos recursos destinados para regularização, demarcação e fiscalização das terras indígenas e para proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário (ação orçamentária 20UF) foram executados, (R$6,3 milhões). Já a ação que passou a reunir todos os demais direitos indígenas (direitos sociais, gestão ambiental e territorial, preservação cultural etc.) teve apenas 14% dos seus recursos efetivamente pagos até agora (R$6,5 milhões). Mesmo a ação orçamentária criada a partir da atribuição de recursos extraordinários para contenção da pandemia teve apenas 50% de seu orçamento executado (R$9,2 milhões). Ou seja, até o nono mês de um ano dramático, apenas R$22 milhões foram gastos em ações finalísticas pelo órgão indigenista.
Simultaneamente, crescem as ameaças de toda sorte aos territórios: além do avanço da Covid-19, também abundam invasões, perseguição de lideranças, projetos de altos impactos para as comunidades e destruição dos biomas por elas ocupados. Como nunca deixou dúvidas o atual mandatário do governo federal, a crise da política indigenista não é crise, é projeto.
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