Nos dias 14 e 15 de agosto, nossa assessora política, Cleo Manhas, participou do XII Seminário Prazer em Ler: Bibliotecas Comunitárias na Promoção do Direito Humano à Leitura, em São Paulo.
Inspirada pelos debates e trocas de experiências vivenciados nesses dias, ela escreveu um texto sobre o universo das bibliotecas comunitárias, as quais descreve como mosaicos: nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, mas que ao se juntarem, formam algo iluminador, com potencial transformador. Confira:
Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias
Por Cleo Manhas. assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Mosaico: a figura que vem à mente é uma peça de mosaico colorido, criado para reciclar o que aparentemente não teria outro destino a não ser o descarte e se transforma em obra de arte. O poder de criar vidas das cinzas. É desta forma que percebo as bibliotecas comunitárias. Pequenos núcleos incrustados em lugares onde um senhor chamado Estado não quer entrar, pois não quer combater uma injustiça conhecida por desigualdade.
Desde jovens desejamos salvar o mundo das intempéries criadas pela própria humanidade, com pensamentos grandiosos, projetos volumosos e poderosos. Com o passar do tempo e com mais experiência, vamos percebendo os mosaicos, nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, fagulhas, enfim, que ao se juntarem formam algo iluminador, com potencial transformador. Assim são os inúmeros projetos espalhados pelos cantos das cidades e dos campos. Levando uma vida nova às pessoas, uma vida ampla, com a qual não ousavam sonhar e agora encontram nas páginas mágicas dos livros. E também nas vozes de mediadores e mediadoras de leitura, que conseguem traduzir letras em histórias, lapidando palavras para ampliar o mundo e transportar para além dos muros das aldeias.
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, nos apresentou em seu livro acerca da “democratização da democracia”, ou “contra o desperdício da experiência”, que há em vários cantos revoluções silenciosas, que mudam o destino das pessoas, que fortalecem grupos e permitem que juntos sejam mais poderosos e anseiem por justiça. E essas experiências precisam ser sistematizadas, reaplicadas e perpetuadas. Precisam entrar para a história, aquela não contada nos livros tradicionais, ocupados com as nobrezas, os eternos mandatários, os patrimonialistas, os patriarcas – ontem de botas e guaiacas, hoje de terno e gravata.
Esses pequenos pontos de luz vão escrevendo e publicando as “outras” histórias, de resistência, luta e sobrevivência, na arte dos encontros periféricos, nos saraus que as fazem mais fortes porque juntas. Nos chamados Slams de poesia em diferentes periferias ou juntando todas elas para trocar energias para os novos rounds de uma luta cotidiana contra o racismo, o machismo, as desigualdades que marcam os corpos.
Onde meninos negros como Bruninho crescem e percebem que podem sonhar para além de serem atendentes das lojas dos shoppings centers, recebendo os “pleibas” do andar de cima, que os subjugam todos os dias. Que percebem que não precisam alisar os cabelos para ficar com franjas “de emo”, pois os seus cabelos crespos constituem, também, suas identidades e os fortalecem para a batalha diária de se manterem vivos, pois o capitalismo mata um menino negro a cada 6 minutos.
Onde meninas tomam microfones em suas mãos, a princípio com nervosismo – afinal foram criadas ouvindo e sentindo que não são do espaço público – e relatam vivências, desenvolvem sororidade com as “manas”, transformam-se em seres do espaço público para lutar contra o patriarcado. Revolução cotidiana que acontece todos os dias em vários cantos, com ou sem mediação, mas sempre com pessoas autônomas, soberanas, que sabem que precisam fortalecer suas identidades periféricas para tomar as cidades, para mostrarem as caras e lutar por direitos, cada vez mais raros. Pessoas raras! Luz Ribeiro diz em sua poesia, “Não me vista de culpa, já sei me cobrir de alegria”. Ou Mel Duarte, que mostra a cara dizendo “(…) sou filha da luta, da puta, a mesma que aduba esse solo fértil, a mesma que te pariu!
Experiência que tem urgência de escrita para multiplicação, espaços poderosos de soberania sem senhores, ao contrário, facilitam a autonomia, mudam vidas, multiplicam ativistas. Aprendi só agora que biblioteca não é espaço intocável, de silêncio e solidão, mas de encontros, trocas, festas, teatros, músicas, leituras coletivas de construção de mosaicos. Vida longa às bibliotecas comunitárias, contra o desperdício da experiência, pelo compartilhamento desse saber coletivo.
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