O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) analisou a proposta do governo federal para o orçamento do meio ambiente em 2022 (PLOA 2022). Na perspectiva comparativa com os orçamentos previstos e executados em 2020 e 2021, os dados apontam para uma pequena melhora na proposta do Executivo, fruto do desgaste político do governo Bolsonaro na condução irresponsável da gestão ambiental.
No entanto, os estragos seguem em curso, devido aos baixos orçamentos e à baixa execução, e também em função de mudanças significativas no modo de operar as políticas de fiscalização ambiental, do licenciamento e da gestão de áreas protegidas. Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e autora da nota técnica “Meio Ambiente e o PLOA 2022”, o estudo reforça a análise, compartilhada por especialistas, de que está em curso a “fragilização das políticas socioambientais e das suas formas implementação, que levaram décadas para serem construídas”.
A nota técnica completa com os dados pode ser acessada aqui.
#1 Orçamento para fiscalização ambiental ganha reforço, mas é insuficiente e corre risco de não ser executado
O orçamento para fiscalização e controle do desmatamento no Ibama (ações 214M e 214N) e no ICMBio (214P) apresenta uma melhora na previsão orçamentária para 2022, em especial se comparado aos irrisórios números propostos pelo governo nos PLOAs anteriores. A previsão de orçamento para as três ações no PLOA 2022 é de R$328 milhões, ante os R$135 milhões previstos em 2021.
Esta melhora relativa se deve a solicitação do governo de créditos adicionais devido ao descontrole do desmatamento e aos problemas gerados pelo desmonte das políticas ambientais produzidas por ele próprio. Contudo, o desempenho na execução mostra-se problemático.
“A ação 214M, por exemplo, dá suporte financeiro à contratação de brigadistas para o combate aos incêndios. Mas, sua baixa execução em 2021, no momento auge das queimadas, mostra as dificuldades que o Ibama tem para gastar recursos. Isso não pode ser dissociado da falta de pessoal, nem do desmonte das normativas que orientam as atividades de fiscalização do órgão”, explica Alessandra Cardoso.
#2 O orçamento para gestão das UCs (ICMBio) é menos de 1 real por ha/ano
A principal ação finalística do ICMBio é a de Apoio à Criação, Gestão e Implementação das Unidades de Conservação Federais (ação 20WM), na qual estão concentradas todas as atividades relativas à Política de Áreas Protegidas.
Houve uma melhora na previsão orçamentária da ação 20WM, com o valor de R$122 milhões no PLOA 2022. No entanto, isto representa, em média, R$0,73 por hectare de Unidade de Conservação Federal, que hoje ocupam um total 166 milhões de hectares; ou seja, menos de um real por ha/ano.
Para Alessandra Cardoso, o orçamento estrangulado do ICMBio foi utilizado pelo governo para justificar a transição para a gestão privada das Unidades de Conservação no Brasil, o que se estrutura legal e institucionalmente por meio do Programa Adote um Parque. Organizações como o Grupo Carta de Belém e a Terra de Direitos, apontam que a concessão das UCs à iniciativa privada impacta diretamente no controle do território e da sociobiodiversidade.
#3 Ibama conta com apenas 198 funcionários para analisar todos os processos de licenciamento ambiental federais em curso no país
Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PL) que cria uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto aprovado na Câmara já foi amplamente abordado por especialistas unânimes na avaliação de que a proposta tornará o Licenciamento Ambiental ainda mais frágil.
O orçamento do Ibama para o licenciamento federal, juntamente com o seu combalido quadro de pessoal, expressa o cenário de fragilização do órgão que é o principal instrumento de política ambiental no país. Segundo o órgão, o quadro efetivo de analistas ambientais na Diretoria de Licenciamento Ambiental (DILIC) e Coordenações é de 198 pessoas. É com este quadro que o Ibama precisa dar conta de todos os processos de licenciamento federais em curso no país.
Além da insuficiência de pessoal, os recursos especificamente disponíveis para o acompanhamento dos processos de licenciamento (ação 6925) são extremamente reduzidos e estão estancados desde 2020 na casa dos R$4,6 milhões.
#4 O orçamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) reflete a inércia e omissão do governo quanto a questão climática
O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), gerido pelo Ministério do Meio Ambiente e definido em lei, visa estimular a realização de estudos e a execução de projetos que estimulem o conhecimento e a mitigação das mudanças climáticas.
Além de uma pequena parcela para a administração do Fundo, os seus recursos tem como destino as seguintes ações em 2022:
- A execução pelo MMA por meio da ação “Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (20G4)”, com a pequena dotação no PLOA 2022 de R$ 525,9 mil reais;
- O repasse pelo MMA, e execução pelo BNDES, de recursos por meio da ação “Financiamento Reembolsável de Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (00J4)”, com previsão no PLOA 2022 de R$ 444 milhões. O valor está R$ 121 milhões acima do disponível no orçamento para 2021, o que reflete em síntese, a previsão de maior receita oriunda do petróleo, principal fonte que alimenta o FNMC.
Os recursos executados pelo MMA por meio da ação 20G4 têm como destino politicamente orientado pelo governo o “Programa Nacional Lixão Zero”. Em 2020, estes recursos foram empenhados com indícios de irregularidades.
No caso do BNDES, os empréstimos com recursos do Fundo Clima têm sido destinados para o setor de energia, em especial para a fabricação de álcool e geração elétrica baseada em biomassa, notadamente cana, e orientada prioritariamente ao setor agropecuário. Segundo informações do próprio BNDES, os recursos do Fundo Clima sob sua administração apresentavam um saldo de R$425 milhões em julho de 2021, já descontados os R$446 milhões com operações ainda não contratadas, mas previstas pelo Banco.
Para Alessandra Cardoso, “o represamento da execução dos recursos pelo BNDES e a priorização estabelecida pelo governo de destinação de recursos em benefício do agronegócio e do setor sucroalcooleiro precisam ser discutidas e reorientadas”.
A problemática execução do Fundo Clima é objeto de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 708), em que o Supremo Tribunal Federal analisa “a omissão do governo federal em virtude de sua inércia quanto à adoção das medidas de proteção ambiental pertinentes à mitigação das mudanças climáticas”.
#5 A quase totalidade dos recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente não é executada pelo Ministério
A situação do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) é preocupante, pois os recursos não estão sendo executados pelo Ministério do Meio Ambiente. Nada foi pago nas linhas de Reserva de Contingência – Financeira (0Z00) e nem de Fomento a Projetos de Desenvolvimento Sustentável e Conservação do Meio Ambiente (20N1) em 2020 e 2021. Os únicos gastos executados foram na linha de Administração da Unidade (2000), ainda assim com valores irrisórios. Em 2021, por exemplo, apenas R$20.280 foram pagos dos R$263.693 previstos na dotação atual.
Cerca de 90% dos recursos do Fundo tem sido colocada como Reserva de Contingência o que, na prática, representa recursos que têm grandes chances de não serem utilizados para os gastos correntes com a política de meio ambiente.
Recomendações para a tramitação do PLOA 2022
A nota técnica do Inesc recomenda que, durante a tramitação do PLOA 2022 no Congresso Nacional, ações orçamentárias chaves sejam reforçadas, ampliando-se, assim, o espaço de pressão para que o governo não utilize o falso argumento da falta de recursos para alimentar a máquina de destruição ambiental sob seu comando. O texto sugere quatro prioridades para emendas nos orçamentos para os órgãos ambientais:
- Reforço adicional às ações de fiscalização ambiental, o que também contribuiria para ampliar a pressão para novos concursos no Ibama e ICMBio;
- Priorização no uso dos recursos previstos para o FNMA para a ação finalística 20N1- Fomento a Projetos de Desenvolvimento Sustentável e Conservação do Meio Ambiente, eliminando a previsão de uso dos recursos do Fundo para a Reserva de Contingência;
- Reforço adicional à ação de Apoio à Criação, Gestão e Implementação das Unidades de Conservação Federais (20WM). Isto reforçaria sua capacidade de gestor público das áreas protegidas, contribuindo para reduzir a pressão para extinção do ICMBIo e para sua transformação em mero gestor de concessões de Parques à iniciativa privada.
- Ampliação de recursos para a ação Licenciamento Ambiental Federal (6925).
- Priorizar a destinação dos recursos do FNMC para a ação “Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (20G4)” em detrimento da ação “Financiamento Reembolsável de Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (00J4)” destinada ao BNDES para empréstimos.