Uma bomba em gestação - INESC

Uma bomba em gestação

13/12/2021, às 18:54 (updated on 12/08/2025, às 11:01) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc
Agravamento da crise econômica, fim do Bolsa Família e mais de 25 milhões de famílias fora do Auxílio Brasil. Haverá reação em 2022?

Enquanto o Congresso Nacional e a mídia discutem o orçamento secreto, a PEC dos Precatórios e o financiamento do Auxílio Brasil, e o Banco Central eleva mais uma vez a taxa Selic, aprofundando a recessão econômica, uma tormenta de insatisfações parece estar sendo gestada, pois os empobrecidos estão cada vez menos assistidos.

Menos recursos para as transferências de renda

As ações de transferência de renda vêm sendo implementadas de forma errática e não dão conta de enfrentar os graves problemas sociais que caracterizam o Brasil dos dias de hoje: o aumento da pobreza, da miséria, da fome e do desemprego, a precariedade das condições de educação e os problemas de saúde decorrentes da pandemia da Covid-19.

As despesas com o Auxílio Emergencial decresceram sistematicamente, apesar do agravamento da crise econômica. Foram gastos cerca de R$ 300 bilhões em 2020 e estima-se que serão dispendidos por volta de R$ 100 bilhões em 2021. Para o ano que vem, calcula-se que o Auxílio Brasil irá despejar na economia algo como R$ 86 bilhões. A diminuição dos recursos é o resultado da queda dos valores per capita do benefício e do encolhimento do número de pessoas atendidas. Em abril de 2020, 68 milhões de pessoas recebiam, no mínimo, R$ 600 por mês e, em outubro de 2021, cerca de 39 milhões de pessoas eram beneficiadas mensalmente com pelo menos R$ 150. Se é bem verdade que a partir de novembro o Auxílio Brasil entrou em cena com valores maiores, também é verdade que mais de 25 milhões de famílias ficaram totalmente desamparadas, do dia para a noite, sem qualquer processo de transição, pois o número de beneficiários caiu para 14 milhões. Foram, assim, novamente jogadas para a miséria sem chances de encontrar emprego.

O Auxílio Brasil nasce problemático

O Auxílio Brasil já nasceu problemático, com um desenho de múltiplos benefícios que pulveriza as ações, desperdiça recursos e encarece a gestão do programa.  Esses pequenos benefícios, a saber, auxílio esporte, auxílio creche, auxílio iniciação cientifica, auxílio inclusão produtiva rural e auxílio inclusão produtiva urbana, isoladamente, não serão suficientes para resolver os problemas que pretendem enfrentar, resultantes do desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional, educação infantil, emprego e renda, promoção da agricultura familiar e esportes, entre outras.

Outro problema será a implantação de sistemas de monitoramento das condicionalidades, que irá requerer a alocação de recursos expressivos tanto nas áreas federais responsáveis pelas políticas – de assistência social, educação infantil, esporte, geração de emprego e renda e promoção da agricultura familiar – quanto nos municípios, especialmente na gestão do CadÚnico e no monitoramento das famílias.

O desfinanciamento das políticas sociais

Soma-se a esses outro drama, o do desfinanciamento das principais políticas sociais do Brasil[1]. Desde 2016, quando o Teto de Gastos foi implantado, as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar e nutricional, entre outras, vêm perdendo recursos em termos reais.

No caso da saúde, sem levar em conta os créditos suplementares destinados ao enfrentamento da Covid-19 nos anos de 2020 e 2021, o orçamento se mantém estável, ficando muito aquém do necessário, tendo em vista o histórico subfinanciamento da área, associado ao crescimento da população e a demanda represada por conta da prioridade outorgada à prevenção e tratamento do Sars-Cov-2.

Nos últimos anos, a educação perdeu cerca de 20% de seu orçamento em termos reais, o que é dramático considerando o número expressivo de crianças e adolescentes que ficaram fora da escola durante a pandemia ou que assistiram as aulas de forma precária.

Quanto a área de assistência social, os recursos destinados ao SUAS caíram para pouco menos da metade entre 2016 e 2020. E, no que tange a segurança alimentar e nutricional, apesar da fome crescente, foi desmontada a institucionalidade criada para esse fim, programas e ações foram encerrados e áreas relevantes desfinanciadas. O caso mais emblemático desse abandono é o do Programa Nacional da Alimentação Escolar (Pnae), que atende mensalmente mais de 40 milhões de escolares e que perdeu 20% de seu orçamento em termos reais entre 2016 e 2020.

Esse abandono dos empobrecidos por parte do Estado, associado a uma economia que tarda a retomar, nos faz pensar que no ano que vem essas insatisfações podem desembocar nas ruas. Aí não haverá Teto de Gastos que resista.

 

[1] A esse respeito ver as seguintes publicações do Inesc:

https://inesc.org.br/obrasilcombaixaimunidade/

https://inesc.org.br/umpaissufocado/

https://inesc.org.br/analise-do-projeto-de-lei-orcamentaria-anual-ploa-2022/

Categoria: ArtigoBlog
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Subsídios aos combustíveis fósseis caem, mas ainda são quase o triplo do destinado às fontes renováveis, aponta Inesc

23/10/2025, às 10:09 (updated on 29/10/2025, às 14:36) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Subsídios à produção somaram R$ 40,7 bilhões, queda de apenas 2,84% em relação a 2023

No ano de 2024, os benefícios fiscais concedidos pelo Governo Federal à indústria de combustíveis fósseis e ao segmento de energia renovável somaram R$ 65,72 bilhões, dos quais R$ 47,06 bilhões (71,6%) foram para petróleo, gás e carvão, enquanto R$ 18,65 bilhões (28,4%) beneficiaram fontes renováveis. Embora esse total tenha diminuído em relação a 2023, quando chegou a R$ 99,83 bilhões, o Brasil ainda mantém uma disparidade na distribuição dos subsídios ao setor de energia: para cada R$ 2,52 destinados às fontes fósseis, apenas R$ 1 é gasto com renováveis.

Os dados fazem parte da 8ª edição do estudo Subsídios às Fontes Fósseis e Renováveis (2023-2024), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que acompanha há quase uma década o impacto nos cofres públicos de benefícios como o Repetro, considerado o maior regime especial de tributação do país, que atingiu R$ 13,6 bilhões em 2024. O Repetro foi criado em 1988 para desonerar importações e exportações de bens da indústria de petróleo e gás, quando a Petrobras ainda detinha o monopólio da exploração de petróleo e o pré-sal não havia sido descoberto. Mesmo assim, foi prorrogado até 2040, garantindo vantagens fiscais às petrolíferas, incluindo as estrangeiras.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, lembra que a Lei Complementar nº 214/2025 (Reforma Tributária sobre o consumo), aprovada neste ano, trouxe avanços nessa direção, com a criação do Imposto Seletivo e a obrigatoriedade de avaliação a cada 5 anos de todos os regimes especiais de tributação, quanto à eficiência, eficácia e impacto climático e socioambiental. “Essas medidas representam um avanço institucional essencial para corrigir distorções e alinhar a política fiscal à transição energética”, afirma. “A queda dos subsídios aos fósseis acompanhada dessas medidas sinaliza que o Brasil está dando passos na direção da reforma dos subsídios aos fósseis. Tais avanços deveriam encorajar o governo a assumir uma postura mais assertiva na COP 30, pautando iniciativas também no campo do multilateralismo climático”, completou.

Baixo impacto na inflação

Os subsídios ao consumo de combustíveis foram cortados em 84%, passando de R$ 39,8 bilhões para menos de R$ 7 bilhões entre 2023 e 2024. Isso ocorreu devido à volta da cobrança de PIS e Cofins sobre gasolina, diesel e gás de cozinha — o que gerou economia de R$ 33 bilhões aos cofres públicos. Apesar da redução dos incentivos ao setor, os preços não dispararam: a gasolina subiu apenas 10,21%, o diesel 3,41% e o etanol 20,46%, mantendo-se competitivo com um crescimento de 33,4% no consumo.

Pelos dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), é possível que o aumento nos preços só não tenha sido menor porque as distribuidoras de combustíveis não repassam integralmente a redução dos preços praticada pelas refinarias. Em outras palavras, o desconto não chega totalmente aos consumidores, pois desde a privatização do setor durante o governo Bolsonaro, essas empresas podem ter priorizado aumentar suas margens de lucro.

Fontes renováveis de energia

A chamada geração distribuída (modelo em que consumidores produzem sua própria energia, principalmente solar, por meio de painéis em residências, comércios ou pequenas usinas) vem crescendo no Brasil, impulsionada por subsídios que saltaram de R$ 7,14 bilhões em 2023 para R$ 11,58 bilhões em 2024.

Para o Inesc, embora essa produção independente seja positiva, ela é custeada por todos os consumidores, já que parte dos custos da rede é paga por quem não possui sistemas fotovoltaicos. Como agravante, o Operador Nacional do Sistema (ONS) não tem controle direto sobre a geração distribuída, o que pode causar desequilíbrios em momentos de sobreoferta e obrigar o desligamento temporário de usinas contratadas — processo conhecido como curtailment.

As compensações pagas às grandes geradoras (como as termoelétricas, por exemplo) acabam onerando novamente o consumidor final. “Isso demonstra o quanto os subsídios são capazes de interferir no planejamento do setor elétrico”, explica Cássio Carvalho, assessor político do Inesc.

Com tarifas residenciais crescendo acima da inflação, o relatório alerta para a importância de todas as políticas de incentivo considerarem a justiça socioambiental e a proteção de famílias de baixa renda de custos indevidos. O Inesc reforça a urgência para a revisão de benefícios às fontes de energia fóssil ou renovável para eliminar os chamados “subsídios ineficientes” — que distorcem o mercado, estimulam o consumo e dificultam o combate às mudanças climáticas.

“Os subsídios aos combustíveis fósseis não podem ser vistos como algo imutável. É possível rever desonerações e redirecionar recursos públicos de modo planejado e equilibrado, fortalecendo as finanças do Estado e impulsionando uma transição energética justa”, conclui o pesquisador.

O relatório completo pode ser acessado no link: inesc.org.br/subsidios-fontes-energeticas-2024

Categoria: Notícia
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