O Projeto de Lei do Orçamento 2026 (PLOA) enviado pelo governo ao Congresso Nacional prevê recursos específicos para a promoção dos direitos das comunidades quilombolas. No que se refere à principal política pública para este público, regularização fundiária, houve redução no comparativo com a PLOA 2025: de R$ 103,6 milhões para R$ 92,3 mihões, uma queda de 11%. No entanto, este valor ainda pode aumentar uma vez que o autorizado em 2025 foi de R$ 108,6 milhões, R$ 5 milhões a mais que a proposta do Executivo para aquele ano.
Aquém do necessário
Esses valores, no entanto, estão muito aquém do que seria uma política pública real de titulação dos territórios quilombolas, que aguardam desde a Constituição de 1988 pela regularização de seus territórios. Atualmente, são 345 processos abertos junto ao INCRA, sendo que o atual governo publicou 32 decretos de regularização, 4 deles de titulação total. A Fundação Cultural Palmares já certificou 4.171 mil comunidades no Brasil. De acordo com a ONG Terra de Direitos, em levantamento publicado em 2023, no ritmo de titulações que precedeu aquele ano, o Brasil demoraria mais de 2 mil anos para titular todos os territórios quilombolas.
Se considerarmos os vultosos recursos destinados ao agronegócio, na casa dos bilhões de reais, vê-se como a estrutura das políticas públicas pensadas para o campo não priorizam a reparação histórica necessária e reconhecida constitucionalmente para essas populações, nem o seu papel crucial para a agricultura familiar, a preservação ambiental e o combate às mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, iniciativas em âmbito estadual tentam facilitar a aquisição de terras devolutas para latifundiários, como é o caso de São Paulo, estado que tem 56 comunidades certificadas e 27 aguardando regularização.
Para fomento a produção local, essencial para a soberania alimentar e nutricional assim como para a autonomia econômica dessas comunidades, existem três ações orçamentárias que podem impactar as comunidades quilombolas, todas de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) . Para Apoio e fortalecimento ao etnodesenvolvimento e ao acesso à terra e ao território dos povos e das comunidades tradicionais e quilombolas (21GB), o PLOA 2025 previu R$ 16 milhões, e o PLOA 2026, R$ 9,8 milhões, uma queda de 38,7%. Para Promoção e fortalecimento da comercialização, do abastecimento e do acesso aos mercados para a agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais (21B9), o corte foi maior: de R$ 37,5 milhões na PLOA 2025 para apenas R$ 2,8 milhões na PLOA 2026 (92,5% menos). Para Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), para todos os públicos, também houve redução de 51%, de R$ 253,1 milhões na PLOA 2025 para R$ 121,6 milhões na PLOA 2026. Em 2024, apenas 0,3% do recurso de ATER foi direcionado especificamente para comunidades quilombolas.
Falta recursos para combater a fome
Para alimentos a serem distribuídos para grupos específicos em situação de insegurança alimentar, entre eles os quilombolas, a proposta do governo para o próximo ano também é inferior à de 2025: de R$ 120,7 para R$ 109 milhões, uma diminuição de 9,6%. Uma redução no combate emergencial à fome só faz sentido se o fomento à produção local, principalmente de alimentos, tiver investimento, e não é o que verificamos com os dados do parágrafo anterior.
No âmbito do Ministério da Igualdade Racial (MIR), estão previstos R$ 42,1 milhões, R$ 4,1 milhões adicionais em relação à PLOA 2025, porém R$ 3,2 milhões a menos que o orçamento autorizado pelo Congresso Nacional o ano passado. Se a tendência se mantiver, isso significa que há margem para negociar aumento de recursos junto aos parlamentares.
É inegável o compromisso do presidente Lula com as comunidades quilombolas, cujas políticas públicas foram completamente desmontadas nos governos Temer e Bolsonaro. Este compromisso está materializado nos decretos de regularização fundiária publicados em número recorde em relação a governos anteriores, a criação de áreas específicas para gestão dessas políticas no MIR e no MDA, a criação de políticas específicas de saúde e educação, e a retomada de ações integradas como o Programa Aquilomba Brasil e o Quilombo das Américas. No entanto, quando o Arcabouço Fiscal fala mais alto, é no orçamento para este público que identificamos cortes em ações que já estão sub-financiadas há anos. Este caminho, infelizmente, está na contramão da urgente realização dos direitos para as comunidades quilombolas.

