Contra a cultura da violência, empatia e políticas públicas

20/05/2019, às 13:37 (atualizado em 26/06/2019, às 12:04) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc
Falas e medidas do presidente reforçam cultura da violência sexual, que afeta principalmente crianças e adolescentes

Quando um presidente da república afirma que “quem quiser vir fazer sexo com mulher, fique à vontade” e ainda diz que o país não é um paraíso gay, legitima com palavras proferidas e outras não ditas que mulheres estão à disposição das vontades alheias. Simultaneamente, deixa evidente o quanto teme que o Brasil seja referência para a homossexualidade, como se fosse um demérito.

Ao tratar de violência sexual, que afeta crianças e adolescentes, não podemos nos deter somente ao ato da conjunção carnal e considerar que a violência teve origem no momento da agressão. A violência é uma construção processual fundamentada por uma cultura que permite que ela aconteça. O ato do agressor não é solitário, por trás de seu gesto há terreno propício respaldado no comportamento de muita gente. A trama é tão bem tecida que, para muitos, a violência não é percebida como tal.

Assim, embora extremamente brutais, os estupros coletivos, para homens e meninos que a praticam, não passam de uma diversão. A violência pressupõe a ausência de empatia. A fala que disponibiliza sexo com mulheres (leia-se também meninas) legitima o desprezo por suas vidas, desejos, vontades e dignidades. Em uma sociedade centrada no adulto, e que é racista, machista e homofóbica, a cultura que impera exclui a percepção de inúmeras pessoas da categoria humana.

Crianças e adolescentes são as principais vítimas

O Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que do total de 22.918 casos de estupro registrados pelo sistema de saúde em 2016, 50,9% foram cometidos contra crianças de até 13 anos. As adolescentes de 14 a 17 são 17% das vítimas e 32,1% eram adultas. As pessoas com algum tipo de deficiência também representam 12,2% do total de casos de estupros coletivos.

Observa-se que todos os dados relativos à violência sexual são subestimados. Ainda segundo a pesquisa, “os estudos mais conservadores estimam que o número de registros equivale a, no máximo, 10% da quantidade real de estupros de cada ano, ou seja, esse número é muito pior”. Atribui-se às campanhas feministas o aumento de denúncias, possibilitando conhecer o problema em uma dimensão um pouco mais realista, o que é essencial para a elaboração de políticas públicas que produzam efeitos na redução na violência sexual.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz em seu artigo 5º que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Portanto, é papel de todas as políticas públicas desvendar as raízes da violência sexual e atuar para proteger crianças e adolescentes, para responsabilizar os agressores, mas sobretudo prevenir, criar um mundo seguro para a vida transcorrer em patamares dignos e felizes. A tarefa é hercúlea no momento de desmonte do Estado e com os cortes e censura na educação.

Educar para construir novas sensibilidades

Na revista Descolad@s nº 6, produzida por adolescentes do projeto Onda do Inesc, a matéria intitulada “Educação de Gênero: construção de novas sensibilidades”, de Maria Castanho, 17 anos, dá dicas do que fazer. Para ela, a educação de gênero tem o objetivo de estimular o desenvolvimento da percepção sensível sobre todos os gêneros; motivar a convivência e o respeito entre os diferentes gêneros; desnaturalizar os papéis de gênero; fortalecer a ideia de que o corpo é nosso e de que a nossa sexualidade é determinada pelos nossos desejos; combater a educação sexista, que atribui a meninos mais oportunidades e controle sobre suas vidas e para as meninas, a noção do corpo como objeto sexual e do qual elas não têm controle nem poder de decisão; enfrentar a violência contra mulheres combatendo as raízes do feminicídio; enfrentar relacionamentos abusivos; e por fim, superar a cultura do estupro.

Em tempos em que a voz da autoridade máxima celebra mais as armas do que educação, que a educação sexista é defendida com radicalidade e, ainda, que o debate de gênero é censurado nas escolas, as perspectivas não são boas. Ainda assim, é hora de confiar nas vozes das ruas e acreditar que crianças e adolescentes podem inaugurar uma nova ordem social em que prevaleça a ética e o respeito em suas relações.

Categoria: Artigo
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