A crise política brasileira, o golpe parlamentar-judicial contra a democracia brasileira, o futuro da esquerda e o avanço das forças conservadoras no Brasil e no mundo foram temas da entrevista que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos concedeu à revista Carta Capital, publicada na edição desta semana.
Boaventura afirma que a onda neoliberal que atinge hoje o Brasil chegou com força em Portugal há cinco anos, mas foi brecada pela resistência dos setores progressistas portuguesas. Para barrar os retrocessos defendidos pelo governo Temer e maior parte do Congresso brasileiro, como a PEC 241 (agora que chegou ao Senado, virou PEC 55), reforma do ensino público e reformas trabalhista e previdenciária, será preciso que a esquerda brasileira esteja unida com esse propósito.
O sociólogo português esteve no Brasil para lançar o livro A Díficil Democracia – Reinventar as Esquerdas, tendo participado de algumas palestras na III Bienal do Livro de Brasília e na Universidade de Brasília (UnB) para discutir o tema. Em suas análises, Boaventura afirma que boa parte das irrupções democráticas dos últimos 30 anos ocorreram em períodos de reforço do neoliberismo. “Foi assim nas transições da ditadura para a democracia dos anos 80 e nos protestos de 2011, depois de a crise financeira de 2008 ter aumentado o poder global do capital financeiro que a tinha provocado e “resolvido” a seu favor.”
Sobre o impeachment de Dilma Rousseff, Boaventura afirma na entrevista à Carta Capital que foi uma “passagem brusca e sem respaldo constitucional de uma democracia de baixa intensidade”, e que os sistemas político e eleitoral do Brasil têm limites para refletir a vontade das maiorias e que há uma grande distância entre esses sistemas e os cidadãos, “maior agressividade dos poderes fáticos, menor proteção social das classes mais vulneráveis, menos confiança na intervenção moderadora dos tribunais”.
Mas o que chamou mesmo atenção do sociólogo foi a participação “agressiva” do Poder Judiciário brasileiro na concretização do golpe, justamente num momento histórico, em que o sistema judicial poderia se afirmar como “um dos pilares mais seguros da democracia brasileira”. “Por que é que esta oportunidade foi tão grosseiramente desperdiçada? O sistema judicial deve uma resposta à sociedade brasileira.”
Boaventura não se surpreendeu com as primeiras medidas tomadas pelo governo Temer, “são um receituário neoliberal global” para criar novas oportunidades de acumulação de capital por meio de privatizações, redução da despesa pública – principalmente nas políticas sociais – e aumento da repressão a movimentos sociais.
“Devemos notar que a lógica da austeridade já se tinha instalado no segundo mandato de Dilma. Mas há uma diferença qualitativa. Com o governo do PT essa lógica traduzia-se em algumas medidas de emergência e com a crença equivocada de permitirem a curto prazo o regresso à normalidade de uma governação minimamente inclusiva no plano social. Com o governo Temer, tais medidas, um menu imenso, são a nova normalidade.”
Leia aqui a íntegra da entrevista com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
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