Entrevista: Mobilidade Urbana como direito de viver a cidade

10/08/2017, às 16:42 | Tempo estimado de leitura: 19 min
Foto:Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas (02/2015)

Por Maurício D’Paula, Agência Jovem de Notícias (São Luís/MA) – Movimento Nossa São Luís

A Constituição Brasileira assegura no Art. 6º os direitos sociais dos cidadãos brasileiros,   utilizando como instrumento a lei que garante que todo brasileiro tenha o mínimo de dignidade para o seu desenvolvimento social. Em linhas gerais são propostas abstratas, que precisam ser regulamentadas por outras leis específicas, para que assim sua aplicação seja real.

O direito constitucional de ir e vir, por exemplo, permite que os cidadãos se desloquem por todo o território nacional. Entretanto, para melhorar a fluidez em grandes avenidas, algumas cidades restringem a circulação de veículos longos durante o dia. Ou seja, o direito do motorista se torna limitado, mas a maior parte da população é beneficiada. Por esse entendimento, compreende-se que os direitos sociais servem como um norteador para que gestores públicos criem leis que melhorem a qualidade de vida do cidadão.

Em decorrência das manifestações de 2013, que levou milhares de pessoas às ruas contra o aumento nas tarifas do transporte público, em 2015 o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 74/2013, que incluiu o transporte público como um direito social. Mas poucas pessoas sabem disso, e de lá para cá pouco mudou. Na prática, tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais e prefeituras deveriam incorporar o transporte na lista de prioridades, definindo no orçamento público os percentuais de investimento nessa política.

Dois anos após a aprovação da PEC 74/2013, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 84/2015 que pretende incluir a acessibilidade e a mobilidade urbana como direito social. O primeiro passo já foi dado com a aprovação da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso em junho deste ano.

Na contramão desse avanço, apesar de a política nacional ter sido aprovada em 2012, os municípios brasileiros ainda não conseguiram elaborar o Plano de Mobilidade Urbana, obrigatório a todo município com mais de 20 mil habitantes.

Pensar a mobilidade como um direito social sem que os municípios avancem na elaboração dos Planos aparenta antagônico, mas não é! Pelo contrário, é uma maneira de legitimar ainda mais as diretrizes estabelecidas na Política de Mobilidade.

Conceituar mobilidade urbana é um grande desafio, principalmente porque é muito comum reduzir o conceito à transporte público de qualidade, fluidez do trânsito, etc.  Esses conceitos passam a incorporar o dia a dia das redações jornalísticas, o universo político e aos poucos vai chegando ao conhecimento da população, porém de forma ainda  lenta.

Pensar a mobilidade como um direito é desafiador, e ter a mobilidade como um direito à cidade… é possível.? Quando falamos em mobilidade urbana, de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, referimo-nos à “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”, ou seja, todas as formas, maneiras e condições pelas quais as pessoas transitam na cidade, quer seja a pé, de carro, moto, cadeira de rodas, ônibus. Algo estreitamente ligado à forma como nos relacionamos com a cidade, como vivemos a cidade.

O geógrafo britânico David Harvey em seu artigo “The right to the city”, aponta que a cidade é fruto das relações sociais que nós fazemos dela e com ela:

A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos desejamos. O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade (…) O direito à cidade, como constituído agora, está extremamente confinado, restrito na maioria dos casos à pequena elite política e econômica, que está em posição de moldar as cidades cada vez mais ao seu gosto”.

Para esclarecer a conexão entre a mobilidade e o direito à cidade, entrevistamos a Assistente Social articuladora do Movimento Nossa São Luís, Suelma Kzam, que também é representante da Rede Social Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis (Rede de Cidades) em São Luís (MA).

A Rede de Cidades, em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC-DF), iniciou o Projeto Orçamento e Direito à Cidade, que irá atuar na formação de Organizações da Sociedade Civil para o monitoramento dos gastos públicos com mobilidade.

ANJ Com toda a rapidez que existe na vida urbana, quer seja no trânsito ou no processamento das informações, a relação das pessoas com a cidade foi alterada?

Suelma – Hoje em dia a cidade não é mais pensadas para pessoas. Os centros urbanos são desenhados para os veículos automotivos, para o comércio… as cidades são pensadas muito mais numa perspectiva mercadológicas, que numa perspectiva social. Então as pessoas que tem planejado a cidade não pensam ela mais como um espaço para viver, para transitar, sim como um ambiente para atender demandas do mercado, para fomentar exclusivamente o ambiente de negócio.

ANJ – Qual público você destaca como o mais afetado pela falta de mobilidade urbana?

Suelma – Aqui estamos considerando as pessoas em geral. Mas se a gente for considerar as minorias, que são as pessoas com deficiência, as pessoas que possuem dificuldades de mobilidade, as mulheres – que são aquelas que mais utilizam a cidade, que mais se locomovem – a gente vai perceber o quanto os grandes centros urbanos acabam sendo frios para as pessoas. As crianças, por exemplo, já não existem vias públicas para que elas brinquem. Nesse aspecto, se formos pensar, estamos considerando uma série de negação de direitos: o direito da criança brincar e do lazer, que é um direito assegurado no Estatuto da Criança e do Adolescente; o direito da pessoa de ir e vir, pois não temos calçadas estruturadas para que as pessoas possam se locomover; as vias públicas não são seguras para as pessoas realizarem grandes percursos a pé ou de bicicleta; entre outros.

Quando a gente pensa nas mulheres, por exemplo, a gente tá negando o direito dessa mulher andar numa determinada rua, porque ela sabe que aquele percurso que ela vai fazer a pé oferece risco dela ser abusada sexualmente, as vias não são iluminadas – isso é um outro fator que nega o direito das mulheres transitar – as mulheres são aquelas que vão ao supermercado, que vão buscar as crianças na escola, poderiam fazer o trajeto a pé, mas muitas vezes não fazem por conta desses fatores que a gente abordou.

AJN – Uma cidade que atende à necessidade da população é uma cidade mais inclusiva?

Suelma – A própria Lei diz isso: o direito básico ao ser humano é o direito de ir e vir. Então quando a gente tem esse direito negado, falando, por exemplo do aspecto urbanístico e arquitetônico da cidade, está negando o direito de andar a pé, a gente está impedindo as pessoas de usarem um direito essencial. A população acaba sendo mais sedentária porque não podem caminhar ou não podem usar a bicicleta. A cultura em vigor é que andar de bicicleta é ser desprovido de recursos financeiros para custear uma passagem, quando na verdade não é isso. Se a gente tiver, por exemplo, ciclovias, elas seriam utilizadas, pois hoje as bicicletas competem espaço com os carros e isso é um risco.

AJN – Hoje as cidade concentram parte nos seus serviços nas regiões administrativas, que em geral são nos centros das cidades. Como você analisa essa necessidade da população se deslocar para ter acesso aos serviços públicos?

Suelma – Isso é outro fator. Hoje as cidades metropolitanas acabam sendo cidades dormitórios, pois as pessoas acabam se deslocando de cassa para o trabalho e às vezes os serviços básicos estão fora de seus domicílios, enquanto esses serviços poderiam estar em seus municípios.

ANJ – O Plano de Mobilidade ainda é um desafio para as cidades com mais de 20 mil habitantes. O que falta para avançar nessa pauta?

Suelma – Eu vejo que não é encarado como uma prioridade. Pouco se fala sobre mobilidade nas cidades brasileiras, a não ser que as tarifas aumentem de preço. Quando há esse aumento as pessoas se mobilizam, só que não é apenas isso, existem muitas coisas importantes para serem tratadas, de pensar a cidade para as pessoas. Ainda não existe esse olhar por parte do governo, nem da sociedade de modo geral. As pessoas precisam conhecer mais o que é mobilidade, elas precisam estar cientes que discussão é essa. Talvez se elas conhecessem isso, elas poderiam cobrar mais os governantes e controlar a aplicação dos investimentos.

Vamos falar sobre Direito à Cidade?

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Categoria: Notícia
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