nathalie, Autor em INESC

Depois do desmonte, reconstruir

O fatídico domingo 8 de janeiro de 2023 foi a dramática expressão do que foram os quatro anos do governo Bolsonaro. Desrespeito ao povo brasileiro e à Constituição, destruição das instituições. Uma verdadeira operação de terra arrasada, que envergonhou o Brasil e o mundo. A eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva trouxe a esperança de que a democracia poderia voltar ao seu curso. Imperfeita e inacabada, mas infinitamente melhor do que os rastros de desmonte e morte deixados por Bolsonaro. Mas, o desafio não é pequeno e recursos orçamentários expressivos serão necessários para fazer face aos nossos imensos déficits econômico, social e ambiental.

O desmonte operado pela gestão Bolsonaro nestas áreas alcançou proporções inimagináveis. Foi uma estratégia deliberada de redução do tamanho do Estado. Assim, por exemplo, entre 2019 e 2022 o orçamento da função saúde, retirando os gastos com Covid-19, diminuiu 8% em termos reais, apesar das demandas reprimidas e do aumento da população. É um valor que corresponde a R$ 12 bilhões a menos para a área, que já vinha sofrendo problema crônico de falta de recursos imposto pelo teto de gastos.

Os recursos da função educação, por seu turno, foram caindo em termos reais ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, passando de R$ 131 bilhões em 2019 para R$ 127 bilhões em 2022, uma diminuição de 3% para uma política historicamente subfinanciada. Na área ambiental, a queda no quadriênio foi de 17% em termos reais, pois em 2019 a execução financeira foi de R$ 3,3 bilhões, passando para R$ 2,7 bilhões em 2022.

Se por um lado, o governo tirava recursos destinados à população, por outro inundava seus aliados com benesses. Esse foi o caso do orçamento secreto, um mecanismo que permitiu ao relator do orçamento destinar verbas a parlamentares das bases de Bolsonaro e de Lira, presidente da Câmara. O instrumento, inaugurado em 2020, gastou mais de R$ 30 bilhões no triênio 2020 a 2023.

O resultado foi a piora generalizada das condições de vida da população brasileira. A expressão mais perversa dessa deterioração foi a volta da fome, flagelo que havia sido superado em 2014. O número de 33 milhões de pessoas que não têm o que comer não é compatível com uma economia do porte da do Brasil em tempos de paz. Além disso, o desmatamento explodiu, batendo recordes atrás de recordes, contribuindo para o aquecimento global e para transformar o Brasil em paira junto à comunidade internacional.

Essa gigante operação de desmonte teve vários objetivos como os de diminuir o tamanho do Estado para entregar suas funções ao setor privado e liberar recursos para financiar as eleições, tanto dos aliados como as presidenciais de 2022. Houve também um componente de incompetência devido a equipes totalmente despreparadas para os cargos que ocupavam. Talvez o exemplo mais emblemático tenha sido o do general Pazuello, que não sabia o que era o SUS quando assumiu a pasta da Saúde  durante a pandemia mais mortal do século.

Felizmente, Bolsonaro perdeu as eleições de outubro de 2022. A aliança vencedora, liderada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, conseguiu negociar com o Congresso Nacional recursos adicionais para 2023 no âmbito da Pec de Transição. Foram aprovados R$ 145 bilhões para o Programa Bolsa Família e para as áreas de assistência social, saúde, educação e meio ambiente entre outras. Apesar de serem insuficientes diante do enorme déficit social e ambiental que caracteriza o Brasil do inicio de 2023, foi um respiro que irá possibilitar o processo de progressiva reconstrução da institucionalidade federal.

Doravante, passados os primeiros meses de gestão, em que o governo precisou frear o desmonte, reorganizar as instituições e recompor minimamente políticas públicas essenciais fica o desafio de implementar uma reforma fiscal que tenha como objetivos centrais combater as desigualdades e promover a realização dos direitos humanos. Para isso, do lado das receitas, a reforma tributária deve caminhar na direção de sua progressividade, fazendo com que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos. Deve, ainda, corrigir profundas distorções resultantes do racismo e do patriarcado que caracterizam nossa sociedade. E, em relação aos gastos, as novas regras que irão substituir o teto de gastos, precisam possibilitar um crescimento expressivo e sustentado das despesas correntes e dos investimentos, incluindo mecanismos para fazer face aos momentos de crise. Esse movimento é necessário para que o Brasil avance na consolidação de sua democracia.

Lula reúne as condições para eleger-se presidente do Brasil

Ontem, 02 de outubro de 2022, aconteceu o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil. Pouco depois das nove da noite tínhamos o veredito: haveria segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Fomos pegos de surpresa pela quantidade expressiva de votos que o candidato-presidente recebeu, 43%, mais do que anunciavam todas as pesquisas de opinião publicadas nos últimos tempos. Passado o susto, e analisando com mais calma os resultados, avaliamos que é bem possível Lula ganhar em 30 de outubro próximo.

No começo da apuração e até a abertura de pouco mais de 50% das urnas, Bolsonaro estava liderando o pleito. Quando Lula assumiu o primeiro lugar, a diferença era pequena e, finalmente, Lula alcançou 48% dos votos contra 5 pontos percentuais a menos para Bolsonaro. Além disso, ministros que haviam sido responsáveis por uma gestão desastrosa no governo federal elegiam-se como parlamentares: o general Pazuello, o pior ministro da Saúde que este país já teve, que foi um desastre na gestão da pandemia, foi o deputado federal mais votado no estado do Rio de Janeiro; Ricardo Salles, o ministro de Meio Ambiente que incendiou a Amazônia e flexibilizou as normas ambientais, encontra-se entre os deputados federais mais votados do estado de São Paulo, teve muito mais votos que Marina Silva, que também foi ministra do Meio Ambiente e que é uma ambientalista mundialmente conhecida; Damares Alves, ministra da Família e dos Direitos Humanos, uma pastora antidireitos e antifeminista, levou a vaga para o Senado do Distrito Federal. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, passa a ocupar a vaga de Senador no Rio Grande do Sul e, o ministro de Infraestrutura, Tarcisio de Freitas, responsável pelas privatizações do governo Bolsonaro, está a poucos votos de ser o governador do Estado de São Paulo.

Percebeu-se que o bolsonarismo possui raízes muito mais profundas do que imaginávamos. Ficamos atônitos com o fato de a população eleger aqueles e aquelas que são responsáveis por suas péssimas condições de vida: 63 milhões de pessoas pobres, 33 milhões de pessoas passando fome, 35 milhões de subempregados e desempregados, 40 milhões de trabalhadores informais e quase 700 mil pessoas mortas por Covid-19, entre tantas outras mazelas.

A brutal desigualdade que caracteriza o país pode explicar parte desse resultado – no Brasil o 1% mais rico se apropria de metade da renda nacional – associada à grande parte da população que vive na absoluta incerteza, não sabe se vai ter trabalho, comida ou casa no dia seguinte. Vive com medo da polícia, das milícias do campo e da cidade e do tráfico: todo ano, morrem mais de 40 mil pessoas assassinadas. Esse temor e a falta de confiança nas instituições – os governos, o sistema de justiça, os políticos e o movimento sindical, entre outras – que pouco ou nada trazem de bom na sua percepção, contribuem para que as pessoas se refugiem em espaços onde se sentem seguras, a família e as religiões cristãs. E, essas dimensões são muito bem exploradas pela extrema direita.

Outra possível explicação é que esse estado de permanente insegurança acaba acirrando o individualismo e o salve-se quem puder, minando os valores de solidariedade, fraternidade e igualdade, bases de estados de bem-estar social. Esse mal estar, tão bem traduzido por Zigmunt Bauman no seu conceito de modernidade líquida, não só aflige brasileiros como muitos outros povos. Em parte explicaria o crescimento da extrema direita nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Hungria, Polônia, Suécia e agora na Itália com a eleição de Giorgia Meloni, uma fascista declarada.

Soma-se a isso a existência de uma elite acostumada a saquear e que nunca se importou com a miséria. Ao contrário, precisa dela para enriquecer ainda mais. Para tal, explora mão de obra pagando salários aviltantes, desmata nossos biomas, invade terras indígenas e terras públicas, captura as instituições públicas para que trabalhem ao seu favor. O projeto defendido por Lula ameaça esses privilégios.

A extrema direita construiu discursos e meios para veiculá-los, sem qualquer vergonha e pudor, porque inventam, mentem e distorcem os fatos, que dialogam com as incertezas de grande parte da população e que tranquilizam os abastados.

Mas, existem boas notícias. Lula tem atualmente mais de 5 milhões de votos de vantagem em relação à Bolsonaro, falta muito pouco para chegar na metade mais um dos votos válidos. Lula ganhou entre os empobrecidos e no Nordeste do Brasil e o PT elegeu no primeiro turno três governadores, podem aumentar essa base no segundo turno. Os parlamentares da federação partidária Brasil da Esperança que apoiam Lula aumentaram sua presença no Congresso Nacional. Ademais, Lula possui uma energia fora do comum e uma capacidade de mobilizar e dialogar como poucos. Como ele mesmo disse, nunca foi fácil e quando ganhou foi sempre no segundo turno.

Agora é hora de explicar o que será feito concretamente para melhorar as condições de vida das pessoas e dialogar para aumentar os votos contando com nosso apoio. Isso Lula sabe fazer e, assim, a esperança voltará ao Brasil em 30 de outubro, no segundo turno das eleições.

Se Bolsonaro perder, a extrema direita ainda ganha: como fortalecer a democracia na pós-eleição?

As eleições presidenciais de 2022 estão eivadas de tensões e contradições. Se por um lado não há dúvidas para o campo democrático e popular que urge tirar Jair da presidência da República, por outro a alternativa politicamente viável que se apresenta tem chances diminutas de promover mudanças que resultem em processos verdadeiramente equitativos e inclusivos. Mais do que nunca, nós, organizações e movimentos sociais, temos que nos unir e pensar o futuro com esperança e utopias para encontrar formas econômicas, sociais, culturais e políticas que retomem, fortaleçam e ampliam um pacto social baseado na solidariedade e na igualdade.

A deliberada política de terra arrasada

O Brasil de 2022 está mergulhado em crises há alguns anos, que foram agravadas pela pandemia da Covid-19, especialmente em função do projeto de “terra arrasada” implementado pelo governo Bolsonaro. Na década de 2010, chamada por muitos de “perdida”, o PIB per capita caiu 0,6% ao ano em média, segundo informações do Ibre/FGV, um dos piores resultados dos últimos cem anos.

A esse quadro se somam as consequências dramáticas do Sars-Cov-2, que levou mais de 670 mil pessoas, sendo que a maior parte desses óbitos poderia ter sido evitada se o governo federal tivesse agido à contento. Além dessas mortes, que deixaram milhares de famílias e crianças desamparadas, o país mergulhou num pântano de desesperos. O crescimento do desemprego, subemprego, desalento e da informalidade, o agravamento da precarização das relações de trabalho e a queda da renda resultaram no aumento da pobreza e da fome. Atualmente o país convive com um contingente de 33 milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar e nutricional grave. Isso corresponde a um aumento de 73% em apenas dois anos e equivale a toda a população do nosso vizinho Peru.

A questão ambiental também ganhou proporções dramáticas, uma vez que nossos biomas estão em chamas e muito pouco tem sido feito para coibir essa destruição em massa. Além disso, a disputa por terra e territórios liderada por mega obras de infraestrutura, por grandes empresas do agronegócio e da mineração e por empreendimentos ilegais de madeira e garimpo, entre outros, tem resultado na escalada da violência contra os povos das florestas, das águas e do campo, contra defensores de direitos humanos e contra jornalistas.

Desde o golpe de 2015 que tirou Dilma Rousseff da presidência da República, os governos Temer e Bolsonaro puseram em marcha uma verdadeira operação de desmonte das políticas públicas federais e de suas instituições, o que contribuiu para diminuir a cobertura e piorar a qualidade dos serviços públicos prestados à população. Dados e análises do Inesc revelam o desfinanciamento de diversas ações da União no período 2019-2021 acompanhado, em grande medida, de assédio institucional aos servidores públicos que atuam cumprindo suas funções de promoção de direitos humanos[1].

A tentativa de golpe

A esse desmantelamento das instituições públicas federais se associa uma instabilidade política permanente. O presidente Bolsonaro e seus aliados estão empenhados em difundir suspeitas sem comprovação sobre a lisura do sistema eleitoral brasileiro. Para tanto, vêm lançando sucessivas ofensivas contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contando, inclusive com o envolvimento de integrantes das Forças Armadas. Além disso, o discurso de ódio estimulado por Jair e sua entourage tem resultado em violência política. O caso mais recente é o do brutal assassinato de um guarda municipal petista, Marcelo Arruda, por um policial penal federal bolsonarista no Paraná, em 09 de julho.

É nesse quadro explosivo que Bolsonaro gesta um golpe. No século XXI não é preciso aguardar por tanques nas ruas para que a democracia seja assassinada. O golpe acontece sempre que se questiona as regras do jogo, quando se tenta sistematicamente destruir as instituições do Estado Democrático de Direito, quando se mina a confiança da população no sistema eleitoral, quando se ataca a legitimidade da oposição ou a liberdade de imprensa. E tudo isso é a realidade no Brasil.

O golpe vem sendo preparado em plena luz do dia, e só não se sabe ainda se será consumado antes ou depois da abertura das urnas, a depender do cenário desenhado pelas pesquisas eleitorais. Uma coisa é certa: Bolsonaro e os militares já deixaram claro que não admitem largar o poder por nada nesse mundo. O voto popular para eles é apenas um mero e desprezível detalhe.

A aliança esquerda-direita para ganhar as eleições

Com o intuito de ganhar as eleições, se possível no primeiro turno, Lula, do Partido dos Trabalhadores e o candidato favorito nas intenções de voto, vem costurando uma ampla aliança esquerda-direita. Se, por um lado, a parceria com Alckmin quebra resistências em setores até então críticos ao petista, por outro, se as urnas lhe derem a presidência da República, corre-se o risco de um ganho essencialmente simbólico, pois os responsáveis pelos processos de espoliação e exclusão permanecem no poder.

Essa aliança é sobretudo masculina e de alma branca.

Dificilmente, em caso de vitória, será possível implementar medidas efetivamente transformadoras nas áreas econômica, cultural, social, ambiental e climática. Pouco provavelmente essa aliança poderá em quatro anos debelar as principais mazelas que afligem grande parte da população brasileira como as desigualdades extremas, a pobreza, a fome, o racismo, o sexismo e o patriarcado, além das interseccionalidades dessas múltiplas opressões. As promessas não cumpridas poderão resultar na volta da extrema direita, dessa vez mais fortalecida.

A extrema direita fortalecida

Ainda que o resultado do pleito eleitoral não esteja dado, existem fortes possibilidades de vitória do Lula. Contudo, o bolsonarismo vai ficar, pois o voto no Bolsonaro não é para rejeitar “algo pior”, é um voto orgânico, de cerca de 30% da população que expressa a presença de ideias fascistas na sociedade brasileira. Essas ideias, que de alguma forma estavam contidas por conta do processo de redemocratização, foram “liberadas” por Bolsonaro.

Essa parcela da população cultua valores antidemocráticos, autoritários e violentos e trabalha com um forte sentimento de indiferença e falta de empatia em relação as outras pessoas que não são de seu grupo – não há qualquer tipo de indignação diante de mais de 670 mil mortes por Covid-19 ou dos 33 milhões de pessoas passando forme ou, ainda, de crianças estupradas e mortas.

São organizados e estratégicos. Souberam utilizar de forma eficiente o universo digital com mecanismos de desinformação e de mentiras, sem qualquer preocupação com valores éticos ou morais. E, encontram eco na sociedade. A pesquisa Cara da Democracia no Brasil, realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, fornece pistas para tentar compreender mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias.

De acordo com a pesquisa, no Brasil, o dobro dos indivíduos se diz mais à direita do que à esquerda no espectro político. E mais: é grande o número de pessoas que acreditam em teorias da conspiração. Para 20% dos entrevistados a Terra é plana; 21% estão convencidos que a cloroquina cura a Covid-19; e, 27% não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores pois, 49% acreditam que a China criou o Sars-Cov-2 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que entendem que há uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo.

O bolsonarismo explora e alimenta essas sinistras ideias e conspirações se apoiando em setores religiosos e ultra conservadores. Este é o caso de um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação. As pessoas, em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus crescentes anseios, parecem cada vez mais presas e hipnotizadas. As redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos.

Assim, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão atuando na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estas pessoas não estão mais escondidas e suas táticas são debatidas, em âmbitos nacional e internacional, em conferências, artigos, livros e documentários, sendo cada vez mais difícil de abalar ou desconstruir. Como escreveu Marcos Nobre no livro Limites da Democracia “perdendo ou ganhando a eleição em 2022, o bolsonarismo já ganhou. Derrotá-lo será tarefa para muitos anos”.

A luta por projetos emancipadores

A vitória do Lula em outubro de 2022 trará muitos desafios porque a aliança política construída para derrotar Bolsonaro envolve setores pouco afeitos a profundas transformações sociais. Além do mais, o contexto nacional e internacional não é promissor tendo em vista as consequências sociais e econômicas da Covid-19 e do conflito na Ucrânia, que resultam em inflação alta, desemprego e fome.

Com isso, nós, organizações e movimentos sociais do campo democrático e popular precisaremos doravante atuar em diversas frentes para de fato contribuir para criar um horizonte de mudança e de ruptura. Antes de mais nada, lutar para eleger Lula no primeiro turno e tirar Bolsonaro da presidência da República. Pressionar fortemente, por meio de grandes mobilizações e de propostas populares, os poderes públicos para que atuem na realização progressiva dos direitos humanos para, além de “incluir os pobres no orçamento”, como não cansa de repetir o candidato Lula, pôr o povo no Estado. Multiplicar e visibilizar iniciativas transformadoras como contraponto à um modelo econômico que expolia e expropria. Aperfeiçoar estratégias culturais de disseminação de valores emancipadores, inclusivos e democráticos, talvez ressignificando o uso maciço das mídias digitais……

[1] A esse respeito, ver estudo do Inesc realizado em parceria com a Ina sobre a Funai: https://inesc.org.br/fundacao-anti-indigena-um-retrato-da-funai-sob-o-governo-bolsonaro/

Uma bomba em gestação

Enquanto o Congresso Nacional e a mídia discutem o orçamento secreto, a PEC dos Precatórios e o financiamento do Auxílio Brasil, e o Banco Central eleva mais uma vez a taxa Selic, aprofundando a recessão econômica, uma tormenta de insatisfações parece estar sendo gestada, pois os empobrecidos estão cada vez menos assistidos.

Menos recursos para as transferências de renda

As ações de transferência de renda vêm sendo implementadas de forma errática e não dão conta de enfrentar os graves problemas sociais que caracterizam o Brasil dos dias de hoje: o aumento da pobreza, da miséria, da fome e do desemprego, a precariedade das condições de educação e os problemas de saúde decorrentes da pandemia da Covid-19.

As despesas com o Auxílio Emergencial decresceram sistematicamente, apesar do agravamento da crise econômica. Foram gastos cerca de R$ 300 bilhões em 2020 e estima-se que serão dispendidos por volta de R$ 100 bilhões em 2021. Para o ano que vem, calcula-se que o Auxílio Brasil irá despejar na economia algo como R$ 86 bilhões. A diminuição dos recursos é o resultado da queda dos valores per capita do benefício e do encolhimento do número de pessoas atendidas. Em abril de 2020, 68 milhões de pessoas recebiam, no mínimo, R$ 600 por mês e, em outubro de 2021, cerca de 39 milhões de pessoas eram beneficiadas mensalmente com pelo menos R$ 150. Se é bem verdade que a partir de novembro o Auxílio Brasil entrou em cena com valores maiores, também é verdade que mais de 25 milhões de famílias ficaram totalmente desamparadas, do dia para a noite, sem qualquer processo de transição, pois o número de beneficiários caiu para 14 milhões. Foram, assim, novamente jogadas para a miséria sem chances de encontrar emprego.

O Auxílio Brasil nasce problemático

O Auxílio Brasil já nasceu problemático, com um desenho de múltiplos benefícios que pulveriza as ações, desperdiça recursos e encarece a gestão do programa.  Esses pequenos benefícios, a saber, auxílio esporte, auxílio creche, auxílio iniciação cientifica, auxílio inclusão produtiva rural e auxílio inclusão produtiva urbana, isoladamente, não serão suficientes para resolver os problemas que pretendem enfrentar, resultantes do desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional, educação infantil, emprego e renda, promoção da agricultura familiar e esportes, entre outras.

Outro problema será a implantação de sistemas de monitoramento das condicionalidades, que irá requerer a alocação de recursos expressivos tanto nas áreas federais responsáveis pelas políticas – de assistência social, educação infantil, esporte, geração de emprego e renda e promoção da agricultura familiar – quanto nos municípios, especialmente na gestão do CadÚnico e no monitoramento das famílias.

O desfinanciamento das políticas sociais

Soma-se a esses outro drama, o do desfinanciamento das principais políticas sociais do Brasil[1]. Desde 2016, quando o Teto de Gastos foi implantado, as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar e nutricional, entre outras, vêm perdendo recursos em termos reais.

No caso da saúde, sem levar em conta os créditos suplementares destinados ao enfrentamento da Covid-19 nos anos de 2020 e 2021, o orçamento se mantém estável, ficando muito aquém do necessário, tendo em vista o histórico subfinanciamento da área, associado ao crescimento da população e a demanda represada por conta da prioridade outorgada à prevenção e tratamento do Sars-Cov-2.

Nos últimos anos, a educação perdeu cerca de 20% de seu orçamento em termos reais, o que é dramático considerando o número expressivo de crianças e adolescentes que ficaram fora da escola durante a pandemia ou que assistiram as aulas de forma precária.

Quanto a área de assistência social, os recursos destinados ao SUAS caíram para pouco menos da metade entre 2016 e 2020. E, no que tange a segurança alimentar e nutricional, apesar da fome crescente, foi desmontada a institucionalidade criada para esse fim, programas e ações foram encerrados e áreas relevantes desfinanciadas. O caso mais emblemático desse abandono é o do Programa Nacional da Alimentação Escolar (Pnae), que atende mensalmente mais de 40 milhões de escolares e que perdeu 20% de seu orçamento em termos reais entre 2016 e 2020.

Esse abandono dos empobrecidos por parte do Estado, associado a uma economia que tarda a retomar, nos faz pensar que no ano que vem essas insatisfações podem desembocar nas ruas. Aí não haverá Teto de Gastos que resista.

 

[1] A esse respeito ver as seguintes publicações do Inesc:

https://inesc.org.br/obrasilcombaixaimunidade/

https://inesc.org.br/umpaissufocado/

https://inesc.org.br/analise-do-projeto-de-lei-orcamentaria-anual-ploa-2022/

O orçamento da União “solta a mão” de crianças e adolescentes

“La cuestión de infancia constituye una cuestión radicalmente ética, toda vez que refiere a las grandes preguntas sobre la responsabilidad que la humanidad contra e frente a sus nuevas generaciones. La ética no es un juicio, sino un cuestionamiento por la capacidad de la sociedad construir humanidad, de sostener procesos de humanización”, (Cussiánovich, 2010, p. 19)[1]

 

A primeira pergunta que fazemos é: a nossa sociedade tem cumprido com a responsabilidade ética, portanto, com a função de construir humanidade ao permitir que milhares de crianças e adolescentes sejam violentadas brutalmente no Brasil?

As crianças e os adolescentes foram abandonadas pelo governo Bolsonaro e seus corpos e vidas têm sido alvo da política de morte do mesmo modo em que a sociedade corrobora quando não questiona e nem se movimenta contrária a tanta violação e destruição. Crescem a pobreza, a fome, a violência, o trabalho infantil e o abandono escolar entre tantas outras mazelas. E, concomitantemente, diminuem os recursos públicos voltados para esse grupo da população. Nada de especial foi feito para eles durante a pandemia, apesar do impacto na sua saúde mental, pois lutam contra o isolamento, o luto, a mudança das aulas escolares, majoritariamente precária, para o aprendizado remoto e a necessidade de trabalhar para completar a renda da família.

Com o intuito de minimizar as terríveis consequências para o futuro que esse quadro acarreta, urge mais do que nunca dar respostas efetivas. O governo federal precisa implementar imediatamente um amplo plano de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes com recursos a altura dos desafios postos.

Dados estarrecedores

O Unicef e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) acabaram de lançar dados estarrecedores em relação à violência perpetrada contra crianças e adolescentes no período recente. De acordo com o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano. Além disso, de 2017 a 2020, 180 mil sofreram violência sexual – uma média de 45 mil por ano.

O estudo evidencia que a violência se manifesta de forma diferenciada a depender da idade da pessoa. Assim, as crianças são agredidas no geral por alguém conhecido. Já os adolescentes são assassinados fora de casa, vítimas da violência urbana. A maioria das mortes violentas é de adolescentes: das 35 mil mortes violentas de pessoas até 19 anos identificadas entre 2016 e 2020, mais de 31 mil tinham entre 15 e 19 anos, o que corresponde a 89% do total.

Racismo – adolescentes negros são 4 em cada 5 vítimas

Ainda de acordo com o estudo do Unicef e do FBSP, em todas as idades, as principais vítimas de mortes violentas são os meninos negros. Esse perfil se agrava na adolescência: 90% do total de mortes são de meninos de 15 a 19 anos e 80% deles são negros. Os assassinatos ocorrem com arma de fogo e são perpetrados por autor desconhecido, ainda que se saiba o vergonhoso papel que as policias desempenham nesse campo.

A violação de direitos vivenciada por crianças negras é corroborada por outros dados. De acordo com o IBGE, em 2019, 1,8 milhão de crianças com idade entre 5 e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil, o que equivale a 4,6% do total. Dessas, dois terços eram negras.

A educação também exclui pretos e pardos. Ainda de acordo com o IBGE, em 2019, dos 10 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos de idade que deixaram de frequentar a escola sem ter completado a educação básica, 71,7% eram negros. A maioria afirma ter parado de estudar porque precisava trabalhar.

A taxa de analfabetismo também é quase três vezes maior entre negros. Cerca de 10 em cada 100 negros com mais de 15 anos não sabem ler nem escrever, enquanto entre brancos são 3,6% os analfabetos.

Violência sexual e urbana: duas facetas diferentes de uma mesma violência – a de gênero

Enquanto os poderes do Estado, tanto Executivo quanto Legislativo, se preocupam com criminalizar a discussão de gênero nas escolas, as violências marcadas por papéis de gênero continuam se perpetuando e destruindo vidas de meninas e meninos no Brasil. O machismo e o patriarcado convencem os homens a terem poder sobre as mulheres e na intersecção com o adultocentrismo (concepção de que os adultos têm domínio sobre as crianças e adolescentes e devem ditar seu modo de ser) objetificam meninas, o que faz com que a perpetração de violências sexuais seja naturalizada. Não à toa, a grande maioria das vítimas de estupro é de meninas, 86%, chegando a 91% nas faixas etárias de 10 a 19 anos, segundo dados do Unicef e FBSP. A maior notificação de casos se deu na faixa etária de 10 a 14 anos, mas ainda assim, 17 mil crianças na primeira infância, de 0 a 4 anos, foram violentadas no Brasil entre os anos de 2017 e 2020.

Já no que diz respeito às mortes violentas, em que meninos são as maiores vítimas em todas as faixas etárias, diz de um papel de gênero atribuído culturalmente à masculinidade a partir também de uma concepção machista em que homens devem vivenciar a vida pública e urbana sendo fortes e lidando de modo irracional com os conflitos sociais. Em que pese a relação com a questão racial, aonde meninos negros carregam estereótipos e vivenciam o racismo quando são lidos como violentos e desorganizadores da ordem social, seu corpo fica, portanto, na mira do Estado representado por suas forças policiais.

A discussão de gênero nas escolas e em todos os espaços sociais não se faz apenas importante, mas urgente para enfrentamento das violências sofridas por crianças e adolescentes.

O abandono do governo federal

Uma boa explicação para esse quadro assustador pode ser dada pelo descaso da área federal em relação ao atendimento de crianças e adolescentes. Um universo de cerca de 70 milhões de pessoas que requer uma olhar intersetorial, pois crianças e adolescentes são impactadas por todas as políticas públicas, saúde, educação, assistência social, cultura e segurança pública, entre outras.

Há algum tempo o governo federal vem abandonando esse grupo da população. O Inesc tem alertado que nos últimos anos os recursos da União para crianças e adolescentes vêm minguando. Com efeito, na publicação O Brasil com baixa imunidade – Balanço do Orçamento Geral da União 2019 mostramos que uma das principais intervenções voltada para crianças e adolescentes viu sua execução financeira cair 90% em termos reais entre 2012 e 2016, passando de R$ 503,45 milhões para R$ 51,69 milhões. Trata-se da subfunção assistência à infância e ao adolescente que envolve ações implementadas por diversos ministérios, Apoio à estruturação e qualificação dos conselhos tutelares; Construção, reforma, equipagem e ampliação de unidades de atendimento socioeducativo e; Promoção, defesa e proteção dos direitos da criança e do adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, entre outras.

A partir de 2017 verifica-se um aumento dos recursos gastos que alcançam R$ 463,15 milhões em 2019. Esse incremento de verbas se deu pela prioridade outorgada à primeira infância pelo governo à época e ressoada pelo governo atual inserindo o programa Criança Feliz que absorve hoje mais de 95% desses recursos. Em 2020, esse valor volta a cair, conforme evidenciamos em outra publicação, Um país sufocado – Balanço Geral da União 2020.

O Criança Feliz, criado no final de 2016, tem como objetivo dar assistência médica e psicológica à crianças na primeira infância, de 0 a 3 anos de idade. A despeito das críticas que podem ser feitas ao programa, a aposta em si é importante, porque objetiva contribuir para o desenvolvimento integral da criança e poderia ser mais um espaço de prevenção das violências domésticas. No entanto, sua gestão isolada sem considerar a intersetorialidade e os escassos recursos e pouca execução do orçamento para outras políticas que também são destinadas à primeira infância, nos levam à compreensão que o objetivo de priorizar este grupo fica apenas no discurso.

O declínio dos recursos para crianças e adolescentes também é observado em outras áreas como a educação infantil, a atenção integral à saúde da criança, sistema nacional de atendimento socioeducativo e o combate ao trabalho infantil. Não há qualquer medida de combate ao racismo e de enfrentamento às violências contra meninos e meninas.

No que diz respeito à execução financeira em 2021, dos R$ 451 milhões destinados para a assistência à criança e ao adolescente, com correção inflacionária, apenas 59,3% desse recurso foi executado até este mês (outubro). Do já minguado orçamento para educação infantil (R$ 154,2 milhões), o valor de execução até este mesmo mês foi de 55,4%. Do total do orçamento autorizado para saúde da criança, apenas 22,4% foi executado e para enfrentamento do trabalho infantil, 1,2%[2].

Vê-se, pois, que progressivamente a União foi abandonando as crianças e os adolescentes em anos recentes. Nesse contexto, não é de se estranhar os terríveis números recém lançados pelo Unicef e o FBSP assim como outros dados que refletem um quadro dramático desse grupo da população.

A urgência da resposta

A situação é tão dramática que, em 2019, de cada dez pessoas em situação de pobreza quatro eram crianças e adolescentes. O quadro certamente se agravou com as consequências da pandemia da Covid-19.

Os dados revelam, pois, que esse grupo da população enfrenta, no início de sua vida, restrições que comprometem seu desenvolvimento, sua vida presente e suas oportunidades para o futuro. Urge, pois, retomar a Política dos Direitos da Infância e Adolescência pondo em prática seus princípios basilares, a saber: proteção integral, não discriminação, universalidade e prioridade absoluta. É irônico da parte das pessoas que defendem a redução da idade penal quando crianças e adolescentes são muito mais vítimas das violências e violações de direitos do que as cometem.

Urge, ainda, retomar a participação social, desmobilizada pelo governo Bolsonaro por meio do enfraquecimento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda. E, esse controle social deve incluir as vozes e intervenções de crianças e adolescentes para que todos e todas possam exercer a política na vida em sociedade.

Se nosso país não é capaz de oferecer dignidade e se mobilizar a favor da proteção de crianças e adolescentes, não pode ser considerado como parte de uma humanidade.

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[1] Cussiánovich, A. (2010). Paradigmas de las culturas de infancia como formas de poder. Lima, Perú: Diskcopy S.A.C. Tradução livre do trecho: “pensar a infância constitui uma questão radicalmente ética, pois se refere às grandes questões sobre a responsabilidade que a humanidade assume perante as novas gerações. A ética não é um julgamento, mas um questionamento da capacidade da sociedade de construir a humanidade, de apoiar processos de humanização”.

[2] De acordo com o portal Siga Brasil do Senado Federal. Acesso em 25 de outubro de 2021.

Por que a política monetária interessa os defensores de direitos humanos?

Sabe-se muito pouco sobre política monetária para além de alguns economistas e dos técnicos do Banco Central (Bacen). Contudo, urge sua democratização, pois o impacto que ela causa é de grande monta. Não é possível alcançar justiça social, racial, regional e de gênero se a política monetária não for orientada para a realização de direitos humanos.

O que é a política monetária?

A definição convencional, e atualmente hegemônica, de política monetária entende que se trata de um conjunto de medidas adotadas para gestão da moeda nacional, e assim da taxa de juros, do credito e da inflação.

Uma inflação alta e persistente é problemática por diversas razões, mas, sobretudo, porque diminui o poder de compra das pessoas, especialmente dos empobrecidos. E mais, o brasileiro ainda convive com o fantasma da hiperinflação dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, quando os bens e serviços eram remarcados diariamente, pois a alta mensal de preços chegou a alcançar patamares acima de 80%.

A solução proposta pelo governo para controlar a inflação, no atual regime de política monetária, é aumentar a taxa de juros, pois assim se contém o consumo e o investimento. Com juros mais elevados, os consumidores diminuem sua demanda por crédito (cheque especial, empréstimos etc.), pois seu pagamento será mais caro. Situação semelhante acontece com os empresários, que deixam de tomar dinheiro emprestado para fazer investimentos. Menos produtos na praça e menos pessoas comprando resultam na diminuição dos preços e, consequentemente, da inflação.

O principal operador da política monetária é o Banco Central (Bacen) que tem como prioridade controlar a inflação e, para tanto, atua na taxa de juros seguindo as orientações e metas estabelecidas pelo Comitê de Política Monetária (Copom). O Copom é composto por diretores do Bacen. As diretrizes da política são definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) que atualmente é integrado pelo Ministro da Economia, que é o presidente do Conselho, o Presidente do Banco Central e o Secretário Especial de Fazenda.

Quais são os problemas dessa política monetária?

Confunde o meio com o fim

Sem dúvida, o controle da inflação é extremamente relevante em sociedades complexas, pois seu impacto pode ser devastador tanto economicamente quanto politicamente e socialmente. Contudo, não pode ser um fim em si mesmo, mas um meio para um objetivo maior como a realização dos direitos humanos, central nos Estados de Direito. Esse é o caso do Brasil que inseriu na Constituição de 1988, no Artigo 6º, os direitos sociais como direitos fundamentais.

Não é representativa da população brasileira

Tanto os que tomam decisões quanto os que executam a política monetária são, na sua absoluta maioria, homens brancos e ricos com poucos conhecimentos ou interesse sobre as consequências sociais de suas ações. Esse fato associado a um objetivo único, o de controlar a inflação, tem, por vezes, efeitos perversos. Por exemplo, as atuais lideranças do Bacen insistem em aumentar juros, pois consideram que a atual inflação é decorrente de um excesso de demanda. . Juros altos significam menos crédito na economia, menos circulação de recurso e, portanto, mais recessão econômica. Também significa que é mais caro para o Estado se financiar via emissão de títulos públicos, que ficam mais caros.

Esses tomadores de decisão defendem, ainda, mais arrocho fiscal, isto é, mais cortes de gastos públicos, que, em sua opinião, só contribuem para inundar a economia de dinheiro e, consequentemente, pressionar a inflação para cima.

Essa combinação de juros em alta com medidas de austeridade tem resultado no aumento da fome, da pobreza, do desemprego, do desalento e do subemprego. E não tem contribuído para a retomada da economia.

É sabido que a atual alta de preços não decorre de excesso de consumo, pois o povo brasileiro está cada dia mais empobrecido e o Estado cada vez menos presente. As causas da inflação são essencialmente resultantes do aumento de custos de produção (elevação do preço do petróleo, das tarifas de energia, dos preços das matérias primas importadas por conta do cambio muito valorizado, entre outras razões).

Insensíveis às realidades das pessoas que sofrem, os dirigentes do Banco Central negam qualquer possibilidade de avaliar sua atuação, insistindo no erro e contribuindo para aumentar a pobreza e as desigualdades.

É capturado pelo setor financeiro

Em geral, os dirigentes do Bacen são provenientes do setor financeiro, que vem lucrando consideravelmente com a política de juros em alta. Apesar da crise econômica prolongada que se abate sobre o Brasil, esse setor aumenta seus ganhos de forma exponencial.

Tal captura é também responsável pelo Brasil ocupar lugar de destaque entre os países com maiores taxas de juros do mundo. Com isso, são impostas as pessoas taxas escorchantes, que podem passar de 150% ao ano, gerando um sistema de exploração por meio de crédito único no mundo.

Essa captura pelo setor financeiro é também responsável pelo debate em torno da independência do Banco Central, que nada mais é do que assegurar aos banqueiros uma blindagem contra as necessidades da população e permitir que as finanças e recursos coletivos sejam geridos de forma discricionária pelo andar de cima.

É racista e sexista

As consequências de uma política monetária que erra o alvo são dramáticas, pois a alta de juros para diminuir a quantidade de moeda em circulação pode resultar em aumento do desemprego, da pobreza e da desigualdade, além de piorar a situação financeira de famílias endividadas.

As pessoas mais atingidas por esses fenômenos são essencialmente negras e mulheres. Portanto, cada decisão do Banco Central redunda no enriquecimento de alguns poucos, os chamados rentistas, e no empobrecimento de muitos, aumentando as distâncias que separam negros de brancos, mulheres de homens e pobres de ricos.

Por que disputar a política monetária?

Vimos que a atual condução da política monetária é capturada pelo setor financeiro, não cumpre com os objetivos constitucionais, pois não é orientada para a realização dos direitos humanos, e acaba contribuindo para acirrar as desigualdades.

Há algo de muito errado nisso.

Diante da importância dessa política precisamos disputá-la para que de fato contribua para a inclusão econômica e social. Precisamos: (a) alterar o objetivo central da política visando primordialmente à realização de direitos humanos e tendo o controle da inflação como meio para tal. Portanto, a definição das taxas de juros deve estar a serviço da justiça e não da contenção da inflação ou da dívida pública; (b) abrir o Conselho Monetário Nacional à participação de ministros das áreas social e setorial bem como dos trabalhadores e dos movimentos e organizações da sociedade civil para que as vozes dos mais afetados por essa política sejam incorporadas nas suas decisões; (c) desenvolver atividades de formação em política monetária com o intuito de democratizar seu acesso a grande parte da população; (d) instituir cotas de gênero e raça nos concursos públicos do Banco Central e implementar a paridade de gênero e raça na diretoria do Bacen.

 

Anna Peliano e as políticas de alimentação e nutrição no Brasil

 

No Brasil, a história recente da política nacional de alimentação e nutrição se confunde com a de Anna Peliano, pesquisadora do Ipea, que dedicou boa parte de sua vida profissional a refletir sobre as causas da fome. Ela também foi personagem importante no desenho e na implementação de relevantes iniciativas federais na área.

As origens

Como ela gostava de lembrar, uma das principais referências, tanto no Brasil como no mundo, foi o pernambucano Josué de Castro que, de maneira inovadora para a época, mostrou que a fome era essencialmente um problema político. Ele caracterizou seu pensamento por romper com algumas falsas convicções que imperavam em seu período (e que ainda se fazem presentes nos dias atuais) de que a fome e a miséria do mundo eram resultantes do excesso populacional e da escassez de recursos naturais.

Em seus livros, provou que a questão da fome não se tratava do quantitativo de alimentos ou do número de habitantes, mas sim da má distribuição das riquezas, concentradas cada vez mais nas mãos de poucas pessoas. Por isso, acreditava que a problemática da fome não seria resolvida com a ampliação da produção de alimentos, mas com a distribuição não só dos recursos, como também da terra para os trabalhadores nela produzirem, tornando-se um ferrenho defensor da reforma agrária.

Josué de Castro também está na origem dos primeiros passos da política de alimentação e nutrição que foram dados no âmbito das políticas trabalhistas do governo Getúlio Vargas. Foi fundador e dirigente dos primeiros órgãos voltados para a questão alimentar. Em 1940 foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps) com os objetivos de promover a instalação de refeitórios em empresas maiores, fornecer refeições nas menores, vender alimentos a preço de custo a trabalhadores com família numerosa, proporcionar educação alimentar, formar pessoal técnico especializado e apoiar pesquisas sobre alimentos e situação alimentar da população.

Cinco anos depois, foi instalada a Comissão Nacional de Alimentação (CNA), com funções de definir a política nacional de alimentação, estudar o estado de nutrição e os hábitos alimentares da população, acompanhar e estimular as pesquisas relativas às questões e problemas de alimentação, trabalhar pela correção de defeitos e deficiências da dieta brasileira estimulando e acompanhando campanhas educativas, e contribuir para o desenvolvimento da indústria de alimentos desidratados. Em janeiro de 1946 fundou-se o Instituto Nacional de Nutrição (INN).

Deste projeto ambicioso sobreviveu apenas a merenda escolar, sob o controle do Ministério da Educação a partir de 1955. Na época, a merenda recebia significativos apoios do Programa das Nações Unidas para Alimentação (PMA) e da USAid, que atuaram para introduzir alimentos formulados no programa.

Nos anos de 1950 e 1960 vários estudos e inquéritos revelaram a gravidade da situação alimentar no Brasil: todos apontavam para altos índices de desnutrição, com déficit calórico e proteico acompanhado de anemia e, ao menos em algumas regiões do Nordeste, hipovitaminose A. Paralelamente, um amplo estudo do Ministério da Saúde, em 1955, identificava o bócio endêmico como grave problema de saúde pública.

A institucionalização

Um fato novo ocorreu em 1972 quando foi criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde com os objetivos de: assistir o governo na formulação da política nacional de alimentação e nutrição; elaborar o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (Pronan), promover e fiscalizar a sua execução e avaliar os resultados; e, estimular pesquisa científica.

É nesse momento que Anna Peliano entra em cena como jovem pesquisadora, participando da elaboração das duas edições do Pronan, entre 1973 e 1979. O programa definiu como público prioritário as gestantes, nutrizes e crianças até sete anos de idade na população de baixa renda e os escolares de sete a 14 anos.

O Pronan ofereceu o primeiro modelo de uma política nacional de alimentação e nutrição incluindo distribuição de cesta de alimentos in natura, amparo ao pequeno produtor rural por meio da aquisição de sua produção, combate às carências nutricionais específicas (anemia ferropriva, hipovitaminose A e bócio), promoção do aleitamento materno, alimentação do trabalhador e apoio à realização de pesquisas e capacitação de recursos humanos. Além da merenda, que passou a denominar-se Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), nos anos seguintes foram implantados, sob a égide do Pronan, 12 programas e ações de alimentação e nutrição[1] implementados por diversos ministérios e órgãos federais (i. e, Saúde, Trabalho, Educação, Agricultura e Legião Brasileira de Assistência – LBA).

Os fracassos

Como dizia Anna Peliano, “o que foi bom não funcionou e o que funcionou não foi bom”. Ainda que esses programas, juntos, mobilizaram recursos da ordem de US 1 bilhão em 1989 e que muitos deles possuíam desenho adequado, eles apresentavam diversos problemas, tais como: irregularidade no atendimento, baixas coberturas, distribuição de alimentos de má qualidade, distribuição de alimentos formulados caros e pouco aceitos pelos beneficiários, centralização da gestão em Brasilia, o que contribui para episódios de corrupção, e superposição de programas gerando desperdício de recursos, entre outros.

Em 1986 foi realizada a primeira Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, como desdobramento da famosa 8ª Conferência Nacional de Saúde, na qual se reivindica a participação social e a alimentação como direito de cidadania. Ali começa a se gestar para o Brasil a ideia de segurança alimentar e nutricional.

Diante das inúmeras dificuldades vivenciadas nos anos de 1970 e 1980, o Inan acaba sendo extinto em 1997. Os programas de combate às carências nutricionais específicas e de promoção do aleitamento materno foram absorvidos por áreas do Ministério da Saúde. O Pnae e o PAT se mantêm ativos até hoje. Os demais foram extintos ou reeditados anos depois.

As reviravoltas

Com a redemocratização do país e a fome resultante da década de 1980, chamada de “perdida”, a sociedade pressiona os poderes públicos por respostas. Em 1992, o Movimento da Ação da Cidadania contra a Fome, à Miséria e pela Vida mobiliza o Brasil inteiro e insta o presidente Itamar Franco a tomar medidas.

Anna Peliano entra novamente em cena. Como diretora do Ipea coordena a elaboração do Mapa da Fome, que identificou e localizou, por município, 32 milhões de pessoas passando fome. A convite de Itamar, organizou a elaboração do Plano Nacional de Combate à Fome e ajudou a criar, no âmbito da Presidência da República, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), integrado majoritariamente pela sociedade civil e presidido por representante da sociedade civil, na ocasião, o Bispo Dom Mauro Morelli. Anna Peliano assume como conselheira e, ao mesmo tempo, exerce o papel de secretária-executiva do Conselho com apoio da equipe do Ipea. Em 1993 foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar que contou com a presença do Presidente Itamar Franco e que reuniuem Brasília mais de mil representantes da sociedade civil e do governo.

Sob a égide do Consea foram desenhadas e implementadas diversas iniciativas, especialmente nas áreas de distribuição de alimentos e de fortalecimento do Pnae. Contudo, conforme constatou o próprio Ipea, no geral, essas iniciativas limitaram-se à esfera das políticas compensatórias. Tal constatação merece duas análises. A primeira, positiva, salienta que a distribuição de alimentos rompeu a inércia secular da sociedade brasileira diante do problema da fome e, paralelamente, permitiu dar uma resposta, ainda que parcial e de curtíssimo prazo, à falta de alimentação das populações empobrecidas.

A segunda leitura enfatiza o lado negativo dessa concentração em políticas compensatórias: não se utilizou a mobilização da sociedade civil e a influência lograda pelo Consea na ação governamental para a formulação de políticas que gerassem mudanças estruturais e que permitissem reduzir a necessidade de políticas compensatórias.

De todo modo, avaliou-se na época que a ação contra a fome tinha alcançado três grandes contribuições para tornar a sociedade brasileira mais democrática e justa: ter politizado o problema da fome; ter logrado uma mobilização da sociedade civil impar; e ter ampliado, por meio do Consea, a participação cidadã na formulação e controle das políticas públicas.

Com a eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o tema da fome sai da agenda pública e entra o da pobreza. A experiência do Consea foi insumo para a estratégia Comunidade Solidária. Anna Peliano foi convidada a ser secretária executiva do Comunidade Solidária, abrigado na Presidência da República com apoio do Ipea. A partir dos erros e acertos da implementação do Plano de Combate a Fome do Presidente Itamar, criou-se uma intervenção que, de forma inovadora para a época, buscou articular e coordenar ações – federais, estaduais e municipais – em territórios empobrecidos, a partir de um pacto federativo. Apostava-se que a convergência e a integração das ações contribuiriam para que aqueles territórios pudessem se desenvolver.

A avaliação externa da Comunidade Solidária revelou que nos municípios mais pobres onde atuou observaram-se avanços na convergência e integração intersetorial de programas, especialmente entre as áreas de alimentação, saúde e educação. É a essa integração que se creditou, em grande parte, uma queda expressiva das internações e dos óbitos de crianças menores de 5 anos por deficiências nutricionais, no período 1994/97.

É da também dessa época a elaboração da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) no âmbito do Ministério da Saúde. A PNAN foi sendo atualizada até recentemente.

Contudo, apesar dos avanços no combate à fome, à miséria e à pobreza, a década de 1990 se encerrou com a presença de várias das dificuldades tradicionais: falta de prioridade política, recursos insuficientes para garantir um atendimento adequado, ausência de uma política mais agressiva na área do abastecimento popular, falta de flexibilidade para atender as demandas das comunidades locais e de um efetivo controle e participação da sociedade. Assim, a Comunidade Solidária, no seu formato original, acabou sendo abandonada no segundo mandato de FHC.

Os anos 2000 e a alimentação como direito

Com a eleição do Presidente Lula em 2003, o tema da fome voltou com toda força para a agenda nacional. Foi recriado o Consea, lançado o Fome Zero e elaborados os Planos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, além de criado o Sistema Nacional de Alimentação e Nutrição ancorado num pacto federativo.

A pergunta recorrente à época era: qual a melhor forma de assegurar alimentação para as pessoas que passavam fome? A experiência com os programas de distribuição de alimentos nos ensinava que esse modus operandi não servia mais. O governo anterior tinha posto em marcha diversos programas de transferência de renda que também apresentavam problemas, pois tinham baixa cobertura, eram fragmentados e, em alguns casos, superpostos. Daí veio a ideia de promover a fusão e a expansão desses programas, foi quando nasceu o Bolsa Família. Anna Peliano também fez parte do grupo interministerial que, durante semanas, debateu qual seria o melhor formato desse novo programa. O Bolsa Família passou a ser carro-chefe do Fome Zero.

Outra iniciativa importante liderada pelo Conselho foi a criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), semelhante ao Procab dos anos de 1970. A proposta era, por um lado, assegurar mercado institucional para os agricultores familiares e, de outro, abastecer entidades sociais com alimentos in natura ou pouco processados.

A grande conquista dos anos 2000 foi a aprovação pelo Congresso Nacional, em 2010, de emenda constitucional que transformou a alimentação em direito social. O Consea teve papel decisivo nesse resultado que, havia anos, constituía-se em demanda de importantes setores da sociedade.

No primeiro mandato da presidenta Dilma, novamente a fome sai de cena e entra o tema da extrema pobreza. Assim, é lançado em 2012 o Brasil sem Miséria que se articulou em torno de três eixos: garantia de renda, para alívio imediato da situação de pobreza; acesso a serviços públicos, para melhorar as condições de educação, saúde e cidadania das famílias; inclusão produtiva, para aumentar as capacidades e as oportunidades de trabalho e geração de renda entre as famílias mais pobres do campo e da cidade.

O resultado desse acúmulo, que passou por altos e baixos, avanços e retrocessos, é que em 2014 o Brasil saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas. Finalmente, havia-se erradicado a fome no Brasil, ainda que permanece inaceitavelmente presente em populações específicas, como os povos indígenas, por exemplo.

O final não é feliz

Mas, num curto espaço de tempo, especialmente nos últimos três anos, o governo desfez quase tudo o que tinha sido construído até então. Ao abandono dos empobrecidos pelo Estado soma-se uma grave crise econômica que se arrasta há tempos e leva consigo milhões de pessoas que não conseguem se alimentar adequadamente. A situação só não é pior porque ainda sobrou o Bolsa Família que, contudo, também está sendo progressivamente dilapidado.

É nesse quadro de grandes retrocessos que Anna Peliano sai de cena nos deixando órfãos de experiência e de grandes ideias. O que podemos e devemos fazer em sua homenagem é lutar por um Brasil não somente livre da fome, mas alimentando seu povo adequadamente, com produtos pouco processados, oriundos da agricultura familiar e que respeitem a diversidade cultural da nossa população.

 

Anna Peliano faleceu no dia 19 de agosto de 2021. Por pelo menos 20 anos tive o privilégio de trabalhar, conviver e aprender com ela. Faz-me imensa falta.

 

[1] Ministério da Saúde/Inan: Programa de Suplementação Alimentar (PSA); Programa de Alimentos Básicos em Áreas de Baixa Renda (Proab); Programa de Racionalização da Produção de Alimentos Básicos (Procab); Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (Pniam); Programa de Combate às Carências Nutricionais Específicas (Pccne); Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan); Ministério da Educação: Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae); Programa de Alimentação dos Irmãos dos Escolares (Paie); LBA: Programa de Complementação Alimentar (PCA); Ministério do Trabalho: Programas de Alimentação do Trabalhador (PAT); Presidência da República: Programa Nacional do Leite para as Crianças Carentes (Pnlcc); Ministério da Agricultura: Programa de Alimentação Popular (PAP).

Chega de comida fake

A Contra-Cúpula

Entre os dias 25 e 28 de julho de 2021, centenas de organizações da sociedade civil, de todo o mundo, representando agricultores familiares, pescadores, sem-terra, migrantes, mulheres, trabalhadores, povos indígenas, consumidores, pesquisadores, entre outros, se reunirão virtualmente para protestar contra a Pré-Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU, que fará um pré encontro oficial também esta semana, em Roma

Esta contra-mobilização reflete preocupações sobre a direção da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU (UNFSS, na sua sigla em inglês), que será realizada em setembro próximo. Apesar das alegações de ser uma “Cúpula dos Povos” e uma “Cúpula de Soluções”, a organização e as propostas que estão sendo discutidas vão na direção de uma maior concentração corporativa, intensificando as cadeias de valor globalizadas insustentáveis, tecnologias excludentes e a secundarização do papel dos Estados na definição de políticas públicas.

A fome no Brasil

A fome voltou a ser realidade no Brasil. Os dados mais recentes, de 2020, revelam que cerca de 20 milhões de pessoas não tem o que comer. Isso representa 9% da nossa população, valor mais de duas vezes superior ao observado em 2013, de 4,2%.

Como era de se esperar num país tão desigual como o nosso, há imensas diferenças entre grupos populacionais. As pessoas em situação de extrema pobreza vivenciam a fome 2,5 vezes superior à média nacional. Entre os desempregados essa situação é seis vezes maior, e quatro vezes mais alta entre aquelas com trabalho informal. A fome entre as pessoas negras, especialmente as mulheres, e aquelas que habitam as regiões Norte e Nordeste e a área rural também é bem mais severa.

As causas desse grave flagelo e de sua piora em tempos recentes são várias, como detalhamos em artigo anterior, contudo, um dos determinantes centrais dessa situação, tanto no Brasil como no resto do mundo, é que a alimentação vem sendo dominada pela lógica privada do capital, transformando o alimento em mercadoria, aprofundando doenças e desigualdades econômicas e sociais.

O mal da Revolução Verde associada à financeirização das economias

Tal modelo foi baseado na implementação da Revolução Verde que articula um conjunto de estratégias privadas com apoio do poder público para aumentar maciçamente a produção de alimentos: intensiva utilização de sementes de alto rendimento, fertilizantes e pesticidas; irrigação e mecanização da agricultura; uso de novas e poucas variedades genéticas de sementes fortemente dependentes de insumos químicos; e, uma política privada de armazenamento estratégico para garantir a regularidade do abastecimento.

Neste contexto, coube à indústria alimentícia utilizar o excedente gerado nos ganhos contínuos de produtividade na agricultura, destinando-os para ração animal, combustíveis (i. e, etanol, biodiesel) e alimentos industrializados. O aprimoramento da tecnologia e o aumento da escala de produção da indústria alimentícia, com uso de ingredientes e aditivos alimentares de custo muito baixo, possibilitaram aumentar a disponibilidade e reduzir o preço dos produtos alimentícios industrializados.

Assim, nos últimos 40 anos, o Brasil e o mundo vivenciaram mudança rápida e intensa no sistema alimentar, que tem impactado o padrão de saúde e consumo alimentar da população com a substituição de refeições preparadas com base em alimentos e ingredientes oriundos das nossas terras e dos nossos territórios por produtos ultraprocessados. Esses produtos são obtidos total ou parcialmente de ingredientes industriais, os quais podem ser retirados de algum alimento ou formulados sinteticamente, são vazios de vida, nutrientes, cultura e natureza, são alimentos fake.

A comida fake

A maior disponibilidade de ultraprocessados se explica também por mudanças nas formas de distribuição. Com efeito, o desenvolvimento da indústria alimentícia foi acompanhado pela ascensão dos supermercados, que são parte integrante de cadeias multinacionais que atuam como instrumentos de empresas transnacionais para ofertar aos consumidores uma ampla variedade de ultraprocessados ou comida fake. Os supermercados seguem a racionalidade capitalista contemporânea de desregulamentação e liberalização financeira como condição essencial para a mundialização do capital.

O que se observa hoje é a intensificação de um sistema alimentar cada vez mais concentrado e comandado por poucas empresas transnacionais. Em torno de dez grandes transnacionais controlam os agrotóxicos, as sementes e os transgênicos. A aquisição de alimentos também está nas mãos de poucos, pois a maior parte do volume de vendas de varejo no Brasil está distribuída entre um número ínfimo de redes nacionais e internacionais de supermercados.

A crescente financeirização da economia tem se estendido à produção de alimentos a fim de assegurar remuneração antecipada pela venda ou para não perder recursos com a variabilidade do câmbio. Assim, a mercadoria-alimento pode ser vendida por determinado preço hoje e a entrega será no futuro, daí seu caráter meramente especulativo. Com a crise imobiliária de 2008, os alimentos apresentaram destacada importância no mercado de commodities, visto seu caráter de bem necessário, atrativo e estável.

O agricultor não exerce mais o papel de controle de sua produção, pois grandes investidores financeiros se transformam em proprietários de milhões de toneladas de alimentos que viram nesse mercado uma oportunidade de especular e aumentar seus lucros, reforçando o círculo vicioso da inflação alimentar. Além do mais, o agronegócio avança destruindo terras e territórios pertencentes a agricultores familiares, povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais. Além de resultar no aumento da pobreza e da miséria, esse processo destrói modos de produzir e hábitos alimentares centenários e comprovadamente sustentáveis.

E, o consumidor perdeu as conexões com o alimento de verdade, pois cada vez mais consome produtos que são tudo menos alimentos. Com isso crescem as doenças associadas à má alimentação (sobrepeso, obesidade, diabetes, hipertensão, alguns tipos de câncer, entre outras). Esse modelo de produção de alimentos fake gera injustiça, desigualdade e fome.

A sindemia da fome, obesidade, mudança climática e Covid-19

As consequências dessa captura privada e privatizante do alimento, tanto pelas transnacionais do agronegócio quanto do setor financeiro, são dramáticas. A melhor prova disso é que o mundo produz mais calorias do que o necessário para atender as necessidades básicas da população, contudo, cerca de 10% dos habitantes do nosso Planeta passam fome, o que representa algo em torno de 800 milhões de pessoas.

E, perversamente, a pandemia da fome convive com a do sobrepeso e da obesidade: cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo possuem peso acima do esperado e mais de 650 milhões são obesas.

Essas duas endemias globais interagem com as mudanças climáticas resultando numa sindemia, isto é, a sinergia entre as pandemias e um meio ambiente adverso que reforça as doenças: a intensificação das secas ou das enchentes em todo o mundo em decorrência do aquecimento global tem forte impacto na disponibilidade dos alimentos e seus preços, resultando na diminuição de seu consumo e no aumento correlato da ingestão de ultraprocessados, contribuindo para piorar tanto a fome quanto o excesso de peso. E de maneira complementar este modelo de produção ancorada no agronegócio e nas grandes cadeias agroalimentares contribui enormemente com a emissão de gases efeito estufa.

O quadro se agrava com a doença provocada pelo Sars-Cov-2, uma vez que pessoas com fome ou com sobrepeso ou obesidade ou, ainda, vivendo em condições precárias em decorrência de eventos climáticos extremos são muito mais suscetíveis de morrer de Covid-19 do que as demais.

Comida de verdade é possível

Para combater esse sistema adoecido, a organização autônoma dos povos argumenta que a UNFSS desvia os problemas reais que o planeta enfrenta neste momento crítico. Resultante de uma parceria entre a ONU e o Fórum Econômico Mundial (formado pelas 1000 maiores corporações do mundo), a Cúpula é coordenada pela ex-presidente da Aliança pela Revolução Verde na África (AGRA) e, portanto, no seu centro estão os atores corporativos. Além disso, a Cúpula carece de mecanismos de transparência e de accountability. Desvia energia, massa crítica e recursos financeiros das soluções reais necessárias para enfrentar as múltiplas crises da fome, clima e saúde.

Urge uma transformação radical dos sistemas alimentares corporativos em um sistema alimentar justo, inclusivo e verdadeiramente sustentável que assegure o direito de todos à comida de verdade.

A contra-mobilização à UNFSS defende a produção de alimentos em pequena escala, o encurtamento dos circuitos de produção e consumo de bens alimentícios, o conhecimento tradicional, direitos aos recursos naturais e os direitos dos trabalhadores, povos indígenas, mulheres e gerações futuras. Defende, ainda, a implementação de políticas públicas ancoradas numa transformação agroecológica e baseada em sistema alimentares participativos e inclusivos, que assegurem direitos humanos e estejam protegidos de conflitos de interesse.

 

** Se quiser acompanhar a programação até o dia 28/7 acesse: https://www.foodsystems4people.org/take-action-2/

 

 

A nova lei do gás: o que significa em termos de transição energética?

Na última quinta-feira, 8 de abril, foi sancionado o novo Marco regulatório do Gás. Após 7 anos de tramitação, o projeto, originalmente apresentado em setembro de 2013, foi aprovado em março de 2021. A nova Lei nº 14.134/2021, veio para regulamentar medidas relativas ao transporte de gás natural e sobre atividades de escoamento, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, gaseificação e comercialização de gás.

Mas o que ela significa em termos de avanço em prol de uma transição para fontes mais limpas, e como ela está situada dentro das políticas energéticas levadas a cabo pelo governo Bolsonaro?

Os compromissos climáticos brasileiros

Desde meados de 2020, o Energy Policy Tracker, alimentado pelo Inesc no que se refere aos dados brasileiros, está monitorando as políticas energéticas, com o foco naquelas destinadas ao enfrentamento da crise provocada pela pandemia. Dentre as medidas rastreadas, várias ações de fomento ao setor de petróleo e, em especial, de gás natural, chamam atenção, pois privilegiam fontes não renováveis e retiraram incentivos das renováveis, eólica e solar.

Dessa forma, o país vem sinalizando um descompasso com as orientações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para reduzir a produção de combustíveis fósseis em 6% ao ano de forma a limitar o aquecimento global. É importante lembrar que a partir de 2015 o Brasil se tornou signatário do Acordo de Paris, que hoje é o principal instrumento de cooperação internacional focado na redução das emissões de gases de efeito estufa e na adaptação às mudanças climáticas globais. Naquela oportunidade, o Brasil assumiu o compromisso de uma redução de 37% nas suas emissões até 2025, tomando como base 2005.

A partir do Energy Policy Tracker, conseguimos monitorar quais têm sido os esforços do governo para implementar (ou não) tal compromisso. Algumas políticas relacionadas a combustíveis fósseis merecem atenção especial, à luz da aprovação da Lei do Gás:

  • Em janeiro de 2020, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) editou uma resolução que trata dos procedimentos para controle das queimas e perdas de petróleo e gás natural nas atividades de exploração e produção no setor. A ideia é, por meio das reduções dos percentuais de perda, implementar ferramentas de otimização e aproveitamento do gás como recurso energético.
  • Em fevereiro de 2020, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou um grupo de trabalho de diagnóstico e monitoramento das áreas e ativos utilizados na exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, localizados nas Águas Jurisdicionais Brasileiras.
  • Em julho de 2020, foram concedidos incentivos fiscais por meio da redução da alíquota de royalties, para até cinco por cento, devida por empresas de pequeno e médio portes nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Os royalties são uma compensação financeira devida pelas empresas com produção de petróleo e gás natural no Brasil e, como regra geral, as alíquotas incidem sobre a produção mensal do campo produtor, podendo variar de 5% a 15%. Importante ressaltar que tal incentivo vem em cima de uma grande estrutura de benefícios fiscais já obtidos pelo setor de exportação de petróleo e gás, principalmente por meio do Repetro.

O que é a Lei do Gás

Podemos concluir, neste sentido, que as políticas energéticas já estavam preparando o campo para a Lei do Gás e para o contínuo fomento à produção de petróleo brasileiro. Mas o que é a Lei do Gás e o que ela significa em termos de políticas energéticas e de transição para uma matriz energética limpa?

A nova lei, sancionada sem vetos, pretende reduzir a participação da Petrobras ao longo da cadeia produtiva ao mesmo tempo que incentiva a entrada de novos agentes comerciais. Há alguns anos a Petrobrás vem se desfazendo de suas participações nas cadeias de transporte e distribuição do gás natural.

Em resumo, a outorga das atividades de transporte, importação e exportação, estocagem, acondicionamento, escoamento e comercialização foi alterada e o novo regime será o de autorização, e não mais de concessão. A autorização para prestação de serviços públicos é desprovida de qualquer diretriz constitucional, ou lei que discipline esse regime da matéria, ou seja, os termos são definidos em cada lei setorial, por meio de regulamento, ou até nos próprios contratos.

O agente privado que obter a autorização se torna responsável pela coordenação da capacidade dos gasodutos em conjunto com outras empresas transportadoras que tenham acesso ao gasoduto, não mais a Petrobrás. As autorizações serão por tempo indefinido e só poderão ser revogadas se a empresa pedir o cancelamento, falir, descumprir gravemente as obrigações contratuais ou interferir ou sofrer interferência de outras companhias da indústria do gás; ou se o gasoduto for desativado.

Impactos ambientais da expansão do gás natural

Os defensores desse projeto acreditam que o fomento à indústria do gás poderá ajudar a reduzir o preço da energia elétrica. Além disso, o gás natural normalmente é apresentado como mais limpo que outras fontes como o petróleo e o carvão, pois sua queima emite menos poluentes quando comparado aos demais combustíveis fósseis. A expectativa é o crescimento do setor de gás brasileiro, à medida que os mecanismos para viabilizar a desconcentração do mercado forem sendo implementados. Além do mais, o marco regulatório determina que a ANP acompanhe o mercado e estimule a competitividade.

Entretanto, a utilização do gás natural na geração de energia elétrica sob o argumento da diminuição das emissões dos gases do efeito estufa, no contexto brasileiro, segue na contramão da transição energética diante da abundância solar e eólica no continente, fontes de energia mais limpas. Segundo a ONU, o mundo está caminhando para produzir muito mais carvão, petróleo e gás natural do que seria consistente com a limitação do aquecimento global e o atendimento das metas climáticas.

Também não podemos desconsiderar que as termelétricas demandam altos volumes de água, devido aos sistemas de resfriamento adotados, a demanda de energia e às pressões nos sistemas hídricos pela agricultura e adensamento da malha urbana. As centrais estão sendo construídas em lugares onde a água é cada vez mais escassa. De acordo com estudos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a maioria dos empreendimentos hoje em operação ou em planejamento estão em regiões onde ocorrem situações de estresse hídrico, o que acirra os conflitos pelo uso desse recurso tão fundamental. Por isso, é necessário ter cuidado com as consequências ambientais da expansão do gás no Brasil que este novo marco proporcionará.

Bolsonaro: a fome como projeto

Segundo dados recém-lançados da Rede Penssan, em dezembro de 2020, mais de 19 milhões de brasileiros viviam em situação de insegurança alimentar grave, semelhante à fome. A interrupção do Auxílio Emergencial desde então contribuiu para piorar esse cenário, e muito.

Mas, por que há fome no Brasil? Os argumentos são vários, pois o problema é complexo.

Porque há desigualdade e pobreza

Diferentemente do que muitos alardeiam, a fome no Brasil não tem nada a ver com o crescimento excessivo da população ou com a insuficiência de alimentos. Muito pelo contrário, a taxa de fecundidade no Brasil vem caindo e atualmente atinge níveis inferiores a media mundial. Quanto a produção de gêneros alimentícios, o país está entre os campões mundiais de produtores de soja, milho, café, açúcar e carnes entre outros.

Um dos problemas centrais da fome no Brasil é a falta de recursos para comprar comida. E, a desigualdade abissal que caracteriza o país, onde poucos têm muito e muitos não têm quase nada, piora a situação.

Soma-se a isso, nos dias de hoje, a inflação de alimentos. Dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos realizada pelo Dieese mostram que o custo da alimentação disparou no último ano. Os preços do conjunto de alimentos básicos, necessários para as refeições de uma pessoa adulta aumentaram em todas as 17 capitais pesquisadas, com variações entre 16,76% a 33,17%.

Note-se que esse fenômeno tem várias causas, podendo-se destacar a desvalorização cambial, o abandono da política de estoques reguladores por parte do governo federal e fatores climáticos, em decorrência de longos períodos de estiagem ou de chuvas intensas. Esse expressivo aumento afeta principalmente a população de menor renda uma vez que o peso da alimentação no orçamento dessas famílias é muito maior.

Outro aspecto relevante diz respeito a carga tributária que pesa mais em quem tem menos porque incide especialmente sobre o consumo, onerando sobremaneira a cesta básica adquirida pelos mais pobres. Segundo estudo do Ipea, atualmente, a fatia da população de menor renda paga cerca de 26,7% do que ganha em impostos sobre o consumo, enquanto os mais ricos arcam com apenas 10,1%.

Em resumo, as pessoas que vivem em situação de pobreza são triplamente penalizadas: porque não têm rendimentos adequados e porque seu baixo poder aquisitivo fica ainda menor em função da inflação dos alimentos e dos impostos.

Porque o agronegócio e a grande indústria de alimentos produzem doença e exclusão

Na cadeia alimentar, cada vez menos empresas competem entre si. Hoje, um pequeno número de corporações globais organiza a agricultura e os padrões de consumo de alimentos em escala mundial. E a tendência dominante é a crescente concentração do sistema agroalimentar internacional, com aumento do controle das multinacionais sobre a produção e o consumo de alimentos.

Por exemplo, quatro empresas dominam a importação e a exportação de commodities agrícolas: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company. Essas empresas comercializam, transportam e processam diversos produtos alimentares. Possuem navios oceânicos, portos, ferrovias, refinarias, silos, moinhos e fábricas. Juntas, representam 70% do mercado mundial de commodities agrícolas.

Esses poderosos grupos capturam os poderes públicos, nacionais e internacionais, na defesa exclusiva de seus interesses e, assim, influenciam leis e processos que resultam na expansão do monocultivo; na diminuição das proteções socioambientais e climáticas; na aquisição de terras por meio da expulsão dos proprietários originários como agricultores familiares, povos indígenas e outras comunidades tradicionais; em volumosos incentivos fiscais; no envenenamento das pessoas por meio da utilização em massa de agrotóxicos; e, outras vantagens que geram exclusão, miséria e adoecimento.

No varejo o quadro é semelhante. Os grandes supermercados definem os preços e os intermediários repassam as perdas para os agricultores e as agricultoras, que são o elo mais frágil da cadeia. Assim, por exemplo, no Brasil, apenas três empresas, Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart se apropriam da maioria do total faturado pelo setor.

Essa assimetria de poder resulta na exclusão de pequenos agricultores e vendedores, como quitandas, mercearias, feiras e outros, provocando pobreza e desigualdade, especialmente no campo. Uns, porque não conseguem competir com os preços praticados pelos supermercados e outros porque não conseguem vender devido as exigências das grandes redes varejistas que vendem alimentos.

O poder dos conglomerados privados não para por aí. Empresas transnacionais como Unilever, Nestlé, Mondeléz, Coca-Cola, Pepsico e Danone aumentaram seu faturamento no Brasil vendendo alimentos ultraprocessados, que chamamos de “comida porcaria”. Alimentos ultraprocessados são vazios em nutrientes e ricos em sal, açúcar, gorduras e outras substâncias químicas, são sopas em pacote, sorvetes, pães, bolachas, lasanhas, pizzas, hambúrgueres, refrigerantes, refrescos, entre outros. Esses produtos resultam no aumento do sobrepeso e da obesidade que, por sua vez, provocam doenças como hipertensão, diabetes e diversos tipos de câncer. E mais, por ser mais baratos e de fácil consumo, contribuem para que a população abandone a ”comida de verdade”, o nosso tradicional arroz com feijão e farinha.

Em resumo, o agronegócio não é nada pop. Produz exclusão e fome em toda sua cadeia.

Porque o Brasil não fez a reforma agrária

Para além da insuficiência da renda e da crescente industrialização das atividades agrícolas, a fome no Brasil também se explica pela concentração de terras nas mãos de grandes empresas e fazendeiros que expulsam trabalhadores do campo e das florestas de suas terras.

A desigualdade fundiária no Brasil é expressiva e vem aumentando. Segundo dados do IBGE, apenas 1% dos estabelecimentos agropecuários reúne quase metade da área rural ocupada para fins econômicos. Essa concentração é resultado de um modelo de disputa, onde o agronegócio hegemônico desaloja de suas terras e territórios camponeses, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais. Com isso, nos últimos 20 anos, as culturas agrícolas voltadas para exportação, como soja e milho, cresceram exponencialmente, enquanto as plantações de itens da cesta básica, como arroz e feijão, tiveram expressivas reduções de área.

O modelo de produção de alimentos altamente concentrador e baseado na monocultura não só produz e reproduz desigualdade, fome e pobreza como destrói o meio ambiente e contribui para o aquecimento global. Por ser altamente dependente de insumos e tecnologias caras, geralmente não adequadas a utilização do solo, esse modelo agrava os problemas ambientais visto que as práticas agrícolas adotadas são conflitantes com o uso sustentável da terra e a proteção da biodiversidade.

Em resumo, a concentração da terra associada a uma agricultura centrada na monocultura intensiva em capital prejudica triplamente as pessoas que vivem em situação de pobreza gerando fome: os agricultores e trabalhadores do campo perdem suas terras e são forçados a imigrar, engrossando os subempregados das periferias das cidades; esse processo de desenraizamento das origens resulta no abandono de hábitos alimentares tradicionais e saudáveis e na adesão aos ultraprocessados. Por fim, o modelo de produção alimentar hegemônico contribui para o aquecimento global, gerando eventos climáticos extremos, como inundações e secas, que atingem especialmente os mais pobres.

Porque há racismo

No Brasil, a discriminação racial, ou seja, a convergência do preconceito e do racismo prejudica indivíduos somente em razão de suas características físicas ou culturais. A análise das estatísticas oficiais mostra que as desigualdades econômicas e sociais entre negros e brancos não se alteraram nas últimas décadas.

No caso da fome não é diferente. Segundo os dados recém-lançados da Rede Penssan, a prevalência da insegurança alimentar grave entre domicílios cuja pessoa de referência era negra alcançou 10,7% no final de 2020; entre os brancos esse percentual era menor, de 7,5%. Os dados do IBGE sobre o tema revelam desigualdades mais acentuadas e que se mantiveram no tempo.

A persistência de altos índices de desigualdades raciais que o processo de exclusão a que está submetida a população negra na sociedade brasileira está diretamente relacionado ao fenômeno da discriminação racial. De fato, a perpetuação, ao longo das décadas, de tais níveis de desigualdade indica a manutenção de um processo ativo de discriminação de indivíduos em razão de sua cor que opera em diferentes esferas da vida social, como a educação e o mercado de trabalho. Paralelamente, a reprodução de preconceitos e estereótipos raciais legitima os procedimentos discriminatórios. A desigualdade racial emerge, assim, como fruto de um processo complexo, no qual se pode identificar a ação de diferentes fenômenos: o racismo, o preconceito racial e a discriminação racial.

Em resumo, a maior parte das pessoas que passam fome é negra e isso ocorre essencialmente em decorrência do racismo.

Porque o governo Bolsonaro acabou com as políticas de segurança alimentar e nutricional

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil foi estruturando importante conjunto de políticas e programas de promoção da segurança alimentar e nutricional. Tratava-se de intervenções que conjugavam ações de fortalecimento da agricultura familiar e de abastecimento, de distribuição de alimentos, de transferência de renda, de promoção da alimentação saudável e de valorização de hábitos culturais ancestrais e tradicionais. A centralidade do tema passou a se refletir na instalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em 1993/94 e depois a partir de 2003, que assessorava o Presidente da República na área. O Consea passou a se articular em 2006 com a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) que era responsável pela implementação da política. Essa institucionalidade era reproduzida nos estados e municípios conformando, assim, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

O resultado desse esforço pode ser observado na queda continua do número de pessoas passando fome no Brasil. Em 2014, as Nações Unidas anunciaram que o país tinha saído do Mapa da Fome, que é anualmente lançado pela FAO.

Contudo esse quadro mudou com o governo Bolsonaro que extinguiu o Consea e a Caisan bem como toda uma série de ações voltadas para o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional no país. As consequências se fizeram sentir rapidamente com o aumento da pobreza e da miséria. O quadro se agudizou com a pandemia da Covid-19 e com o fim irresponsável do Auxílio Emergencial em dezembro de 2020.

Em resumo, há fome no país porque os poderes públicos abandonaram seu papel central na realização progressiva do direito humano à alimentação adequada.

Essa combinação explosiva de Estado deliberadamente ausente, com agronegócio em franca expansão e mecanismos contínuos de discriminação e de preconceitos, raciais e sociais, resulta em miséria e fome. O Brasil de Bolsonaro nos envergonha, pois valoriza o que há de mais repugnante na nossa sociedade: o racismo e o abandono do povo à sua própria sorte.

Brasília, 06 de abril de 2021.

Por que o Auxílio Emergencial é tão importante?

O Auxílio Emergencial, criado pela Lei 13.982 de 2 de abril de 2020 como medida para enfrentamento das consequências da pandemia da Covid-19, distribuiu benefício monetário a cerca de 68 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza: foram cinco parcelas de R$ 600,00 e 4 parcelas de R$ 300,00 entre os meses de abril a dezembro de 2020.

São muitas as razões que justificam a manutenção do Auxílio Emergencial a R$ 600,00 até o final da pandemia da Covid-19. Vejo pelo menos quatro: conter a crise sanitária mantendo o distanciamento social, combater a pobreza extrema e a fome, diminuir as desigualdades, incluindo as desigualdades de gênero e raça, e injetar recursos na economia evitando o pior.

O Auxilio Emergencial contribuiu para conter a crise sanitária

O Brasil enfrenta neste mês de fevereiro de 2021 um momento dramático da crise sanitária decorrente da pandemia da Covid-19: segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) são mais de 253 mil óbitos associados ao crescimento da mortalidade e ao colapso do sistema de saúde. A falta de controle da disseminação do vírus é uma das mais importantes causas desse quadro. Estudos recentes têm demonstrado a centralidade do distanciamento social para diminuir a transmissão da doença. E mais: o expressivo aumento de casos e da mortalidade em decorrência do Sars-Cov-2 verificados nas últimas semanas é a mais dramática expressão do relaxamento dessas medidas desde o final de 2020.

Conter a crise sanitária mantendo o distanciamento social torna-se urgente. Pesquisa realizada em 241 regiões de 9 países da América Latina e na África mostrou que a pobreza está associada a maior mobilidade. Disso decorre que mais ajuda monetária é igual à mais isolamento, daí a importância do Auxilio Emergencial para manter as pessoas em casa.

O Auxilio Emergencial aliviou a fome

Dados produzidos pelo Ibre/FGV a partir da Pnad-Covid revelam que o Auxílio Emergencial no valor de R$ 600,00 por mês contribuiu para que a extrema pobreza no Brasil chegasse ao seu nível mais baixo da história recente, 2,3%. Como a maior parte dos recursos do Auxílio se destinou a compras de alimentos, o impacto desse programa na fome foi inegável.

O fim do benefício em dezembro de 2020 associado a uma economia que ainda não se recuperou da pandemia e à números de casos e mortes por Covid-19 em alta devem elevar a parcela de brasileiros vivendo em pobreza extrema a 10% a 15% da população, algo entre 21 milhões e 31 milhões de pessoas, segundo informações produzidas pelo Ibre/FGV.

Daí que espanta que o governo tenha deixado de gastar R$ 29 bilhões que foram autorizados, mas não executados em 2020. Esses recursos teriam possibilitado ampliar o número de beneficiários ou o valor do benefício, contribuindo ainda mais para diminuir a pobreza.

O Auxilio Emergencial diminuiu as desigualdades

Os benefícios do Auxílio Emergencial não param por aí. O programa contribui para diminuir as desigualdades de renda: ainda segundo o Ibre/FGV, o índice de Gini caiu mais de 3% entre maio e agosto de 2020.

As desigualdades regionais também encolheram. Prova disso, de acordo com cálculos do Ibre/FGV, é que após a redução registrada do Auxílio Emergencial em setembro, de R$ 600,00 para R$ 300,00, a pobreza extrema teve maior alta no Nordeste.

Outro impacto extremamente alvissareiro do Auxílio é ter resultado no combate as desigualdades de gênero e raça. Com efeito, estudo publicado pelo Made/USP mostra que no caso de domicílios chefiados por mulheres negras, o Auxilio Emergencial mais do que compensou a perda da renda do trabalho em decorrência da Covid-19. E mais: antes da pandemia a renda per capita dos domicílios chefiados por homens brancos era 2,5 vezes superior à renda per capita dos lares chefiados por mulheres negras. Com o Auxílio Emergencial, essa razão caiu para 2.

O encerramento do programa no final de 2020 irá resultar no aumento das desigualdades regionais, de gênero e raça.

O Auxilio Emergencial “segurou” a recessão econômica

Não fosse pelo Auxílio, que injetou mais de R$ 300 bilhões na economia, a recessão em 2020 teria sido muito maior. Análises do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA/USP mostram que o tamanho do tombo estimado para o PIB brasileiro em 2020 seria da ordem de 8,4% a 14,8% e o Auxílio Emergencial não tivesse sido adotado. O dado oficial só será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início de março de 2021, mas as projeções convergem para uma queda em torno de 4,5% em relação a 2019.

Ou seja, se o Auxílio não tivesse sido adotado, mesmo no melhor dos casos (queda de 8,4% do PIB), a economia brasileira teria tido uma contração quase duas vezes maior que a observada no cenário com o Auxílio. No caso mais pessimista, que prevê retração de 14,8% da economia sem o programa, o tombo seria cerca de três vezes maior que o verificado na realidade.

O estudo confirma, portanto, que o Auxílio Emergencial impediu uma recessão ainda mais profunda no Brasil em 2020.

Prorrogar o Auxílio Emergencial até o fim da pandemia é urgente e necessário

Por todas essas razões, urge prorrogar o Auxílio Emergencial no valor de R$ 600,00 por mês até quando o país consiga debelar a pandemia. De imediato, é inadiável decretar novamente a Calamidade Pública para que o orçamento fique liberado das suas amarras e emitir créditos extraordinários para custear o programa. Para outorgar maior sustentabilidade ao gasto, o Congresso Nacional deve aprovar uma reforma tributária que taxe os super ricos assim como votar medidas que tornem nosso sistema tributário mais justo e progressivo. Deve, ainda, acabar com o Teto de Gastos, pois as consequências econômicas e sociais da pandemia ainda irão perdurar por um bom tempo. Cabe ao Congresso mostrar ao povo brasileiro seu compromisso com a justiça e, para tal, estabelecer regras fiscais que se subordinem aos direitos humanos, à estabilização do ciclo econômico e à viabilização do aumento dos investimentos públicos destinados à resolução das nossas inúmeras carências sociais e ambientais.

 

Crédito da foto: Sérgio Lima

Crimes de Bolsonaro: mortes por Covid-19, fome e racismo

O presidente Bolsonaro é responsável pelas milhares de mortes por Covid-19 no Brasil em função de uma administração federal incapaz de conter a crise sanitária adequadamente e incapaz de imunizar a população brasileira satisfatoriamente. Ademais, sua falta de empatia com os mortos e suas famílias e sua recorrente desqualificação da pandemia e seus efeitos contribuem para que parte da população ignore as necessárias medidas de distanciamento social e de proteção (uso de máscaras, lavagem das mãos), contribuindo para o alastramento da doença. O presidente Bolsonaro é responsável pelo expressivo aumento da fome observado em janeiro de 2021, essencialmente em função da desativação do Auxílio Emergencial. Também é responsável pelo racismo institucional praticado pela sua administração, uma vez que a maior parte das pessoas que morrem de Covid-19 e que passam fome é negra.

O ano de 2021 se inicia com a fome rodando lares de milhões de brasileiros. Segundo a FGV Social, são 27 milhões de pessoas que vivem em situação de miséria, isto é, com uma renda mensal menor do que um quarto de salário mínimo. A pessoa tem pouco mais de oito reais por dia para, além de se alimentar, pagar aluguel, passagem de ônibus, recarga de telefone, remédios, água, luz e roupas, entre outras despesas. Impossível! A conta não fecha.

Para termos uma ideia da dramaticidade da situação, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessário para a população arcar adequadamente com os custos mensais seria de pouco mais de cinco mil reais para uma família de quatro pessoas, o que equivale a uma renda per capita de um salário mínimo, mais de quatro vezes superior à renda das pessoas que vivem na miséria.

O que nos deixa mais atônitos é que o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do planeta. Produz muito mais do que o necessário para alimentar os mais de 210 milhões de pessoas que habitam seu território. Então, qual o problema?

O problema tem várias causas, mas duas são centrais: as desigualdades que fazem com que essas pessoas não tenham renda suficiente para se alimentar e viver adequadamente e o desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional que, entre os anos de 2003 a 2016, contribuíram para tirar o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas. As duas causas traduzem a ausência de Estado.

Com efeito, a partir de 2016 se consolida a narrativa de que o Estado no Brasil gasta muito e gasta mal. Por isso foram implementadas medidas, constitucionais, infraconstitucionais e administrativas que diminuíram os recursos para as políticas públicas (Teto de Gastos, contingenciamentos e cortes orçamentários) e que vêm desmontando as instituições de proteção social (reforma trabalhista, reforma da previdência, privatizações, progressiva eliminação da participação social, revisão dos critérios para diminuir o número de beneficiários, fechamento do Ministério do Trabalho e Emprego, entre tantas outras medidas).

No caso específico de políticas de combate à fome, o governo Bolsonaro fechou o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), conhecido internacionalmente pela sua experiência bem sucedida, bem como desativou o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e deixou de consolidar e ampliar o Programa Bolsa Família reconhecido pela sua efetividade no combate à pobreza extrema.

As sucessivas medidas de cortes de recursos públicos e de desmonte das instituições de proteção social afetam proporcionalmente mais os negros, em especial as mulheres negras e, portanto, revelam o perverso racismo da administração Bolsonaro. Isto porque, a absoluta maioria dos que passam fome são pessoas negras.

Note-se, contudo, que o Congresso Nacional é cúmplice desses crimes, pois vem aprovando leis que não só expropriam o povo como excluem milhões de pessoas por causa de sua cor.

A melhor prova dos crimes cometidos pela administração Bolsonaro é o Auxílio Emergencial. Resultado de ampla pressão da sociedade junto ao Congresso Nacional, Bolsonaro teve que implementá-lo, muito a contragosto. Depois, quando viu que renderia votos, reescreveu a história e se apropriou do que não era seu.

O Auxílio teve impacto extremamente relevante na diminuição da miséria e na redução das desigualdades, especialmente em relação as mulheres negras. É o que mostra estudo recente e extremamente interessante e inovador, de Lygia Sabbag Fares, Ana Luíza Matos de Oliveira, Luísa Cardoso e Luiza Nassif-Pires. A partir de dados da Pnad-Covid, a pesquisa apresenta evidências de que a crise econômica afeta desproporcionalmente mais famílias chefiadas por mulheres negras e demonstra a importância que o Auxílio Emergencial teve em mitigar tais efeitos. As autoras mostram que a renda do trabalho de famílias chefiadas por homens brancos, homens negros, e mulheres brancas, respectivamente, chegou a ser 2,55, 1,41 e 1,88 vezes maior que a das famílias chefiadas por mulheres negras em agosto de 2020. Contudo, graças ao Auxilio Emergencial, a renda das famílias chefiadas por mulheres negras tornou-se mais próxima à renda de todos os outros grupos, mesmo quando comparado ao período pré-pandemia.

O que esses dados revelam, para além da importância de programas de transferência de renda para combater a miséria e a pobreza, é que o Estado tem papel central não só no combate à fome, como no enfrentamento das desigualdades estruturais que caracterizam o Brasil: classe, raça e gênero.

É por isso que o ato deliberado de desativar o Auxílio Emergencial deve ser considerado crime de lesa pátria que se soma à responsabilidade pelas mortes de Covid-19, consequências de um governo homicida, sexista e racista, que ofende o Brasil.

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