Mulheres inspiradoras 2017: Hub das Pretas

O projeto Hub das Pretas foi listado entre os trabalhos de mulheres inspiradoras em 2017. A organização feminista Think Olga divulgou lista com 200 mulheres ou coletivo de mulheres com trabalhos relevantes e inspiradores em diversas áreas.

O Hub das Pretas entrou na lista pela categoria Arte & Entretenimento, com destaque para a websérie produzida pelo coletivo, a Sonho de Preta Conta. Filmada em julho de 2017 durante o Festival Afrolatinas, a websérie de 12 episódios contém depoimentos de mulheres negras que reafirmam a necessidade de renovação de sonhos e utopias, mesmo em tempos difíceis.

O projeto Jovens Mulheres Negras – ou  Hub das Pretas – envolve diferentes organizações e coletivos que atuam no combate ao racismo e ao sexismo em quatro cidades: Brasília, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo.

Em Brasília, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é a instituição de referência do projeto. A assessora política do Inesc, Carmela Zigoni, comemorou a menção ao projeto Hub das Pretas pela ONG feminista que pauta ações e campanhas importantes para os direitos das mulheres. “O movimento de mulheres negras no Brasil é histórico e o projeto veio pra somar. O protagonismo é delas”, ressaltou.  Carmela explicou que a iniciativa tem como proposta “ser um espaço de encontros, oportunidades, vivências de mulheres jovens negras que desejam enfrentar o machismo e o racismo”.

De acordo com Layla Maryzandra, que atua como articuladora, mobilizadora e educadora no projeto em Brasília, em um ano e meio o coletivo realizou 22 encontros, entre oficinas de comunicação, eventos autogestionados, atividades no Festival Latinidade e intercâmbio entre as cidades envolvidas no projeto. Para ela, o Hub é mais um dos projetos incentivadores para  fortalecer e contribuir com a luta racista e sexista.

“Tendo em vista o retrocesso de direitos instaurados nos últimos tempos  e o processo de reorganização dos diversos movimentos sociais no país, sobretudo de mulheres negras, o fato de sermos citadas em ´Mulheres Inspiradoras de 2017’ nos dá mais um fôlego para construir – hoje e para as gerações futuras – a concretude de outros mundos possíveis, para além das brechas do que a cultura patriarcal, eurocêntrica e racista nos coloca”, analisou Layla.

Duas integrantes da equipe do Inesc, Helena Rosa e Dyarley Viana, contaram seus sonhos na  websérie Sonho de Preta Conta. Confira os episódios aqui

Por que revogar a Emenda Constitucional 95

Para avaliar políticas públicas, inclusive a política fiscal, utilizamos alguns “testes” fundamentados em princípios internacionais de direitos humanos que constam na Metodologia “Orçamento e Direitos”, desenvolvida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Com base nesta metodologia, colocamos à prova a Emenda Constitucional nº 95, também conhecida como “Teto dos Gastos” , “PEC do fim mundo” ou ainda “Novo Regime Fiscal”.

A emenda, que completa um ano hoje (15/12), congela por vinte anos as despesas primárias, onde estão inscritos os investimentos em políticas públicas promotoras de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Nos cinco testes realizados, abaixo detalhados, a EC 95 falhou em todos.

1. Financiamento do Estado com Justiça Fiscal

A política fiscal envolve tanto a forma como o Estado se financia (arrecadação tributária) quanto a forma como realiza despesas desse orçamento público. Esse primeiro teste avalia a arrecadação tributária e nele o Brasil falhou, porque seu sistema tributário é extremamente regressivo.

Isso ocorre porque a maior parte dos tributos são indiretos. Incidem sobre o consumo, pesam mais sobre quem ganha menos. Já em países mais desenvolvidos, a maior parte dos tributos são sobre a renda, progressivos, como demonstrado no Gráfico 1.

Gráfico 1: Composição da carga tributária, em %

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Fonte: OCDE

Como os tributos sobre o consumo não levam em consideração a capacidade contributiva de cada pessoa, proporcionalmente eles acabam pesando mais sobre quem ganha menos. Estudo do Ipea demonstrou que entre os 10% mais pobres, a carga tributária é de 32%, enquanto entre os 10% mais ricos, a carga tributária é bem menor, de 21%.

Quando detalhamos mais quem compõe cada um desses grupos, observamos que entre os 10% mais pobres, a maioria é de mulheres negras e entre os 10% mais ricos, a maioria é de homens brancos. O resultado disso é que são as mulheres negras pobres quem mais pagam proporcionalmente tributos no Brasil, conforme atesta estudo do Inesc.

Com um sistema tributário tão regressivo, os efeitos positivos dos investimentos sociais em políticas públicas promotoras de direitos são praticamente inviabilizados. Numa comparação internacional realizada pelo Monitor Fiscal do FMI, o Brasil está em uma das piores posições na capacidade da sua política fiscal reduzir desigualdades.

O resultado disso é que o Brasil segue como um dos países mais desiguais do mundo – um país onde apenas seis homens concentram a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros mais pobres (dados da Oxfam Brasil). Para obter não apenas uma nota melhor na avaliação, mas também uma melhora no equilíbrio fiscal, é essencial que o Brasil, em vez de congelar gastos públicos, realize uma reforma tributária com justiça fiscal, onde quem ganha mais, contribui mais. Exatamente o oposto do que o atual governo fez com a EC 95. O que deve ter teto é a desigualdade, reforçada pela atual forma de arrecadação tributária injusta e ineficiente.

2. Uso máximo de recursos disponíveis

Os Estados signatários do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) comprometem-se a adotar medidas, principalmente nos planos econômico e técnico, utilizando o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

O Brasil também está reprovado nesse teste, porque a EC 95 adota um princípio contrário: o “uso mínimo de recursos disponíveis”, uma vez que coloca um teto para as despesas sociais, mas deixa completamente liberadas as despesas financeiras. A consequência disso é que o país tem experimentado uma expressiva transferência de recursos públicos de programas sociais relevantes para os serviços da dívida pública – o que significa uma redistribuição inversa e sem precedentes dos recursos públicos destinados às populações vulneráveis para as mais ricas, como podemos ver no Gráfico 2.

Gráfico 2: Variações orçamentárias nominais de programas selecionados do Brasil, 2014-2017

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Fonte: Siga Brasil | Elaboração: Inesc


3. Realização progressiva de direitos

O Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e CESR, lançou em 14 de dezembro um Informe sobre os efeitos das medidas de austeridade adotadas no Brasil sobre os direitos humanos em três setores: Políticas de Proteção para as Mulheres, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Farmácia Popular.

Por meio de uma análise minuciosa do orçamento, de seus objetivos e resultados, conseguimos avaliar se o direito que a política pretende garantir está progredindo ou regredindo. As três políticas públicas avaliadas falharam no teste, uma vez que sofreram importantes cortes orçamentários e perda de resultados, efeitos do primeiro ano de vigência da EC 95. Nesse cenário, o Brasil corre sério risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência desprotegidas.

A título de ilustração vejamos o que aconteceu com o Programa de Aquisição de Alimentos. O Gráfico 3 revela a brutal queda de recursos que o programa sofreu e seus efeitos na diminuição do número de agricultores beneficiados por região.

Gráfico 3: Quantidade de agricultores beneficiados por região; dotação e execução orçamentária

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Fonte: SigaBrasil e PAA Data | Elaboração: Inesc
*Orçamento executado e beneficiários em 2017 correspondem a uma projeção anual baseada na tendência de gasto até junho de 2017

4. Não discriminação

Para combater a discriminação e promover uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, o orçamento de um governo pode e deve incorporar o combate às discriminações em relação à gênero, raça, etnia, casta, região, deficiência, migração, etc.

Nesse teste, a EC 95 também não passa, pois os cortes orçamentários estão sendo feitos de forma discriminatória. Por exemplo, nas políticas de combate à violência contra a mulher os cortes afetaram desproporcionalmente as mulheres mais pobres, negras e jovens (entre 18 e 30 anos), já que tanto os casos de violência doméstica quanto de homicídios as atingem mais.

O desmonte do PAA decorrente das medidas de austeridade atingiu especialmente os grupos mais vulneráveis do campo e da floresta, que antes eram beneficiados pelo estímulo à produção e comercialização de seus produtos alimentares: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, e mulheres. Por fim, os cortes seletivos no orçamento do programa Farmácia Popular, eliminando a rede pública do programa, afetaram o acesso da população mais vulnerável aos medicamentos essenciais. Isso porque muitos municípios brasileiros são extremamente pobres e não despertam o interesse da rede privada de farmácias.

5. Participação social

O Brasil, que chegou a alcançar o 6º lugar no Índice de Orçamento Aberto (OBI, na sigla em inglês) em 2015 está piorando também no quesito participação social. Junto com os cortes orçamentários impostos pela EC 95, vieram os cortes de informação. O Relatório do Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher, que deveria ter sido publicado em junho, ainda não está disponível para acesso público. Dados sobre a rede de serviços especializados para mulheres vítimas de violência de 2017 também não estão online. No PAA, os dados de 2017 sobre beneficiários não constam no PAA Data. E os dados sobre farmácias do SAGE – Sala de Apoio a Gestão Estratégica do Ministério da Saúde também foram reduzidos. Nos três casos, para obter informações para o estudo “Direitos Humanos em tempos de austeridade”, foi necessário recorrer à Lei de Acesso a Informação.

Igualmente grave é que todos esses cortes orçamentários e mudanças nas políticas foram feitas sem consulta aos Conselhos das políticas de cada uma dessas políticas, como o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNM), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS).

A EC 95 está reprovada por não se encaixar em nenhum aspecto dos princípios internacionais de direitos humanos, nem permitir cumprir os compromissos assumidos perante as Nações Unidas relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Essa é a razão pela qual a EC 95 deve ser revogada, para que o Brasil volte a cumprir seu objetivo de Nação previsto na Constituição Federal, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; com erradicação da pobreza e redução das desigualdades.

Direito ao meio ambiente não se negocia

 

Tú no puedes comprar el viento

Tú no puedes comprar el sol

Tú no puedes comprar la lluvia

Tú no puedes comprar el calor

(Latinoamérica; Calle 13)

No Brasil, assim como em muitos outros países e lugares deste planeta, a semana de direitos humanos deveria ser um bom momento para nos alimentar de balanços e reflexões que são urgentes. Uma visão retrospectiva nos reforça a noção de que os direitos humanos são uma construção histórica. Pessoas foram e são presas, assassinadas, coagidas e torturadas apenas por lutarem por liberdade e por uma sociedade mais justa. A luta pelos direitos humanos é, assim, uma batalha permanente em favor da emancipação e da autonomia de homens e mulheres contra a opressão, as injustiças, pelo reconhecimento de suas identidades, pelo direito à vida e à liberdade.

O contexto em que vivemos hoje, de múltiplas crises – climática, econômica, institucional, política e moral – combinadas em escala global, nacional e local, nos mostra o quanto esta batalha é atual e ainda mais essencial na longa trajetória de construção do que queremos ser como humanidade. Nos mostra também a importância de estarmos atentos e sermos resistentes aos retrocessos e à desconstrução de direitos. Isto exige um esforço tremendo, não só porque são muitas as ameaças nesse sentido, mas também porque algumas são sutis.

A Constituição Brasileira de 1988 formulou muito bem o direito ao meio ambiente, como consta em seu Artigo 225:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Este direito está hoje sob ameaça explícita quando se tenta, por exemplo, aprovar uma Nova Lei de Licenciamento que flexibiliza os requisitos e regras para concessão de licenças que impactam, muitas das vezes de forma irreversível, o meio ambiente e a vida das pessoas. Ou quando se tenta fragilizar outras legislações, instituições e políticas socioambientais vigentes que garantem o domínio de povos indígenas, quilombolas e assentados, entre outros, sobre suas terras e territórios. Enfim, as ameaças explícitas são muitas e vem de muitos lados.

Mas existem ameaças que aparecem disfarçadas de solução para a preservação do meio ambiente e que são igualmente perigosas. É o caso da tentativa de inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono (offsets), como parte dos esforços globais para redução de emissões de gases de efeito estufa assumidos multilateralmente no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Em resumo, trata-se de colocar um preço no carbono retido por florestas e, depois, vendê-los para países e setores que não conseguirem cumprir com seus próprios compromissos de redução de emissões.

Mecanismo tão engenhoso tem sido propagado por grupos de interesse político e econômico como solução efetiva para os países que detêm amplas extensões de floresta tropical, como o Brasil, conseguirem recursos necessários para protegê-las. O argumento subjacente é o de que os Estados disponibilizam pouco orçamento para esta proteção e, em tempos de austeridade fiscal, os recursos são ainda mais escassos. Apresenta-se assim um lugar mais “vantajoso” para buscar dinheiro – o mercado – como se isto não tivesse consequências para todos nós.

Não faltam argumentos técnicos e políticos para mostrar que se trata de um grave equívoco que coloca em risco, entre outras coisas, a integridade ambiental do país e do planeta (veja mais em Por que os offsets florestais são uma falsa solução).

Diante desse cenário, na semana de direitos humanos vale reforçar como argumento contrário a esta solução financeira para proteção de florestas um valor e uma ideia muito simples que deveriam ser caros ao processo de construção da nossa humanidade: não se pode colocar preço em tudo.

Construindo saídas de emergência: formação e educação popular para assegurar direitos

Que o cenário brasileiro não anda bem para os direitos humanos, infelizmente, não é mais novidade. O avanço das políticas neoliberais, calcadas em restrições de direitos e manutenção de privilégios dos setores mais ricos, só não nos desespera mais do que a nossa dificuldade em resistir a esses inúmeros ataques. Diante dessa conjuntura aterradora, as leituras melancólicas se multiplicam, muitas vezes nos deixando ainda mais paralisadas e, portanto, com mais dificuldade de organizar a mobilização necessária.

Para quebrar este ciclo vicioso, faz-se necessário ir à direção contrária. Diante do esgarçamento institucional que vivemos e dos constantes retrocessos, o que nós – os que apostamos na realização progressiva dos direitos humanos – precisamos fazer é investir em alternativas fundamentadas no poder popular. No lugar do desespero, o fortalecimento de laços comunitários; em vez da retaguarda, a aposta na política de base e nos movimentos sociais como forças propulsoras. Para construir essas que podemos chamar de “saídas de emergência”, as possibilidades são diversas.

Optamos, como Inesc, por investir nos processos transformadores da educação popular como uma das nossas prioridades. Há alguns anos, construímos a metodologia “Orçamento e Direitos” com o objetivo de oferecer formação aos diversos públicos, de crianças a adultos, com base nos Direitos Humanos e a partir do trabalho de acompanhamento do orçamento público, que já desenvolvíamos. Para tal, nos referenciamos no PIDESC (Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais), adotado na XXI Assembleia da ONU, em 1966, e ratificado pelo Brasil, em sua legislação, em 1992.

De acordo com o Pacto, os Estados nacionais devem se comprometer a utilizar o máximo de recursos disponíveis para a garantia dos direitos e combater as descriminações estruturais, como as de raça e gênero. A esses pilares, acrescentamos ainda o assegurar da justiça fiscal, a realização progressiva de direitos e a participação popular. Em conjunto com parceiros e movimentos sociais, discutimos cada uma dessas proposições, de modo a analisarmos as políticas públicas e seus respectivos orçamentos. Foi desse diálogo que nasceu nossa metodologia de análise, que esse ano passou por uma cuidadosa reformulação, pautando os processos formativos por nós oferecidos.

Nosso principal objetivo com essa nossa metodologia é apresentar uma ferramentas que possibilite enxergar por outras lentes o que os diversos governos estão propondo (ou não) como políticas para viabilizar direitos.  Ao nos debruçarmos sobre os elementos dessas políticas a partir desse olhar, também construímos o entendimento de que temos de participar da formulação das políticas e apresentar o que julgamos necessário para garantir o bem-viver a todas as pessoas, com especial atenção aos grupos marginalizados, que sofrem inúmeras violações de direitos por parte do próprio Estado.

Seguindo as premissas da educação popular, acreditamos que para assegurar direitos precisamos de formação libertadora, calcada na autonomia das sujeitas e sujeitos de direitos. Desta forma, partimos dos conhecimentos prévios dos sujeitos, emergidos de seus cotidianos, que alimentam os processos formativos, como temas geradores.  Além disso,  a forma como pensamos os processos formadores deve em si mesmo servir como estratégia para o incentivo à participação popular.

Em consonância com essas reflexões e com a atual necessidade de construir as saídas de emergências, ao longo de 2017 realizamos formações com diversos públicos, em todas as regiões do país. Além de crianças e adolescentes de escolas públicas e sistema socioeducativo, com os quais já trabalhamos há algum tempo, houve oficinas com as redes de bibliotecas comunitárias, com agricultores familiares organizados na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com povos indígenas ligados à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e com movimentos por direito à cidade, vinculados à Rede Cidades. Dialogamos sobre políticas de cultura, educação, saúde indígena, agricultura familiar, mobilidade urbana. Esses processos fortaleceram movimentos e reforçaram os laços das redes, possibilitando que, juntos, conseguíssemos problematizar conteúdos antes tidos como de difícil acesso.

As avaliações que até agora tivemos das oficinas realizadas nos trouxeram alguns depoimentos importantes sobre o caminho escolhido. “A forma de compartilhamento favorece o fortalecimento de vínculos”; “ter oportunidade de partilhar ideias e mostrar que temos objetivos em comum”; “incentivo à participação”, “método de integração” e “abordagem complexa e interativa, garantindo aprendizagens de conteúdos áridos”, são alguns dos retornos recebidos.

Para além da nossa satisfação com o que temos escutado, sabemos que os frutos a serem colhidos desses diversos processos são de médio e longo prazo. O que esperamos dessa aposta nas formações a partir da metodologia “Orçamento e Direitos” é uma maior incidência no ciclo das políticas públicas e a afirmação da atuação em rede para fortalecer as lutas. Colaborar para uma participação popular consolidada e consistente, que abra caminhos e trincheiras para barrar os retrocessos, criando possibilidades de transformação: essa tem sido uma das nossas tentativas de contribuição para sairmos desse cenário melancólico em que nos encontramos.

Estudo “Direitos Humanos em tempos de austeridade”

O Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, corre o risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência, em sua maioria negras e jovens, desprotegidas. Esses são alguns dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completou um ano de vigência.

Os dados fazem parte de estudo produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), lançado nesta quinta-feira (14/12) durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados.

>> Acesse o resumo executivo do Estudo

>> Acesse o estudo completo

 

Racismo institucional: a triste realidade de quem paga impostos e não recebe retorno algum

Em artigo publicado em 2014, afirmamos que a “Casa Grande” havia se “renovado” nas eleições, considerando o perfil de eleitos e eleitas para a Câmara e o Senado, com menos de 10% de mulheres, menos de 4% de negros, pouquíssimos jovens e nenhum indígena. Pois bem, três anos depois, podemos afirmar que, mais que uma metáfora, uma realidade: o projeto de poder em curso desde o golpe é completamente perverso para a população negra brasileira, que ainda experimenta os piores indicadores sociais, e tende a retroceder nos pequenos avanços alcançados em tempos recentes.

Chamamos a este cenário de “projeto de poder”, porque combina diversas medidas que afetam e afetarão a população por muitos anos. Proponho agregar dois adjetivos a este projeto: ele é machista e racista. Isso porque os mais impactados são as populações negra, indígena e os povos e comunidades tradicionais, entre eles, os quilombolas.

O governo fala em “corte de gastos”, mas a redução orçamentária acontece de forma seletiva. Houve aumento de recursos para pastas que beneficiam determinadas áreas, como o agronegócio e a mineração, e redução drástica para políticas sociais. E é essa combinação que se torna tão perigosa para os negros, negras e indígenas. Vejamos alguns exemplos:

Mais recursos para mineração e menos para quem é afetado por ela

O orçamento do Ministério de Minas e Energia aumentou em 75% (R$4,04 bilhões em 2017 para R$ 7,06 bilhões em 2018), enquanto houve redução para agricultura familiar (36,3%)[i], igualdade racial (31,3%)[ii], indígenas (5,9%)[iii] e meio ambiente (12,2%)[iv], no mesmo período. Ou seja, provavelmente serão intensificados investimentos em grandes projetos energéticos, ao mesmo tempo em que são reduzidas as medidas de promoção da sustentabilidade de comunidades quilombolas e indígenas.

Vale registrar que o recurso para distribuição de cestas de alimentos para grupos tradicionais, entre os quais indígenas e quilombolas, caiu 99,4% no novo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA); o orçamento previsto para a regularização fundiária de territórios quilombolas encolheu em 52,3% (de R$4,9 para R$2,3 milhões) e o recurso destinado ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos indígenas e comunidades tradicionais chegou a zero na proposta orçamentária para 2018.

Isso significa que uma comunidade quilombola ou indígena, afetada por um projeto de mineração, não acessará recursos para produção sustentável local, nem cestas básicas, que são emergenciais, e também não terá acesso a políticas especificas de promoção e proteção de suas culturas.

Segurança alimentar ameaçada

E o problema não para no campo, afinal, “se o campo não planta, a cidade não janta”. Quando o recurso para a segurança alimentar e nutricional é reduzido em 83,8%[v], impactando negativamente a comercialização da agricultura familiar (Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, por exemplo) e o fomento à agroecologia, impacta a alimentação da população como um todo, porém, mais especificamente os grupos sociais que tem menor poder aquisitivo para consumo de alimentos saudáveis, não processados, etc. Considerando que as pessoas negras encontram-se nos extratos de menor renda e acesso a alimentos, podemos inferir que este será o grupo mais prejudicado com a redução das políticas de agricultura familiar, no urbano.

Mulheres e jovens negros mais expostos à violência

As mulheres negras, maiores vítimas do feminicídio, são as que têm menos acesso a todos os serviços públicos e as que mais morrem vítimas do aborto inseguro no país. O recurso para as políticas públicas voltadas para a superação da violência e promoção da autonomia das mulheres teve corte de 69,7[vi]% na PLOA 2018, e para o Programa Bolsa Família, que atende majoritariamente mulheres negras e seus filhos, a redução é de 11%[vii].

O Brasil mata, por ano, 30 mil jovens, sendo 77% negros (pretos e pardos)[viii], e tem a terceira maior população carcerária do mundo, composta majoritariamente de negros e negras. Ainda assim, o recurso para investimentos em educação e saúde foram congelados, por meio da Emenda Constitucional 95, por 20 anos. A pasta de juventude foi reduzida em 28,7%, e o país não tem um plano de redução de homicídios, mas sim uma “bancada da bala” forte e atuante que pretende armar civis como forma de solução para o problema da violência.

Mobilidade social da juventude negra em risco

Ainda que a reforma trabalhista tenha impactado menos a população negra – em sua maioria pertencente ao mercado informal –, este grupo social sofrerá os efeitos em cadeia desta reforma, com aumento da precariedade nos extratos com maior formalidade, somado ao atual índice de desemprego (13%) e à reforma iminente da previdência. Outro fenômeno que poderá decorrer das reformas trabalhista e da previdência, ao lado do ajuste fiscal, é ver estudantes negros e negras formados na universidade e… sem trabalho.

Resultado de conquistas dos movimentos negros, as cotas, ao lado das políticas de permanência e fomento à pesquisa, estariam promovendo de fato a mobilidade social da juventude negra – processo que poderá ser interrompido no futuro muito próximo. Combina-se, assim, a redução no recurso para a educação, com redução de bolsas de estudo e recurso pra pesquisa; o elevado corte orçamentário na SEPPIR, onde se localiza a coordenação de ações afirmativas e a baixa execução orçamentária: até novembro de 2017, foi gasto somente 6% do recurso do Programa 2034 – Promoção da igualdade racial e superação do racismo.

Todas estas medidas estão sendo tomadas sem diálogo com a sociedade e participação social. Também denunciamos, já em 2014, que “as forças econômicas e conservadoras se deram nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (‘bancada da bala’) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988.”

Mais impostos, menos direitos

Segundo estudo do Inesc, no Brasil, as mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os outros grupos (homens e mulheres brancas, e homens negros), pois o sistema é regressivo, ou seja, paga-se muitos impostos ao consumir qualquer produto e taxa-se pouco as pessoas ricas. Na prática, ocorre que uma mulher negra que recebe o benefício de transferência de renda no valor de 85 reais ao mês (que talvez seja sua única fonte de renda), ao utilizar o recurso para comprar alimentos, estará pagando cerca de 19% de impostos, ou seja, 22 reais. Já um homem branco de classe média que recebe entre R$4.150 e R$6.225 ao mês, compromete entre R$568,55 e R$852,82 com alimentação (POF, 2009), de modo que os tributos pagos nestas despesas giram entre R$125 e R$187 reais, ou seja, 3,01% dos seus rendimentos.

É neste mesmo país que bilhões em impostos são sonegados ao ano (R$ 453,0 bilhões ou 7,7% do PIB em 2015), por empresas e “cidadãos”. Como apontou artigo do Inesc, os direitos cabem sim no orçamento; o que não cabe é a sonegação de impostos e os privilégios. Este é o país do golpe – patrimonialista, machista e racista. Onde os negros pagam mais impostos e não recebem melhorias de vida para suas famílias e comunidades. Este é o Brasil do racismo institucional.

 


[i] Programa 2012 – Fortalecimento e dinamização da Agricultura familiar: de 9,73 bilhões para 6,19 bilhões.

[ii] Programa 2034 – Promoção da igualdade racial e superação do racismo: de 24,2 milhões para 16,6 milhões.

[iii] Programa 2065 – Proteção e promoção dos povos indígenas: de 1,49 bilhões para 1,40 bilhões.

[iv] Ministério do Meio Ambiente: de 3,98 bilhões para 3,49 bilhões.

[v] Programa 2069 – Segurança Alimentar e Nutricional: De 736,3 milhões para 119,4 milhões.

[vi] Programa 2016 – Políticas para mulheres, promoção da igualdade e enfrentamento da violência: de 81,6 milhões para 24,8 milhões.

[vii] Programa 2019 – Inclusão social por meio do Bolsa Família, do Cadastro Único e da articulação de políticas sociais.

– De 29,78 bilhões para 26,50 bilhões.

[viii] http://www.mapadaviolencia.org.br/

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Medidas de austeridade levaram a queda de até 83% em programas sociais

As políticas de austeridade adotadas por Dilma Rousseff em 2015 e intensificadas a partir da ascensão de Michel Temer à Presidência resultaram em uma expressiva queda nos investimentos em programas sociais e de direitos humanos no Brasil.

Divulgado nesta quinta-feira 14, um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais revela uma queda de até 83% em políticas públicas voltadas à área social nos últimos três anos.

Segundo o estudo, a área que mais perdeu recursos desde 2014 foi a de direitos da juventude, com queda de 83% nos investimentos. Em segundo lugar, vêm os gastos com programas voltados à segurança alimentar, reduzidos em 76%.

Na sequência, surgem as políticas para mudanças climáticas, com queda de 72%. A área de moradia digna sofreu perdas de 62%, assim como a de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. A Promoção da Igualdade Racial perdeu 60% em recursos e os programas para mulheres, 53%. Os cortes foram calculados com base em dados do site Siga Brasil (veja abaixo).

 

Em meio à redução nos investimentos sociais, os gastos do governo com o pagamento da dívida cresceram de forma expressiva no período. Os custos com juros da dívida interna aumentaram 90%. Já o refinanciamento da dívida externa resultou em um aumento de 344% nos gastos.

O estudo alerta para os cortes drásticos em programas alimentares, que “ameaçam um retorno da forme e da desnutrição”. O informativo revela que o governo Temer reduziu os investimentos em políticas de segurança alimentar em 55% apenas em 2017.

Um dos exemplos citados pelos pesquisadores é a queda significativa no Programa de Aquisição de Alimentos do governo federal. O informativo lembra que o PAA teve uma queda de 31% no orçamento deste ano na comparação com 2014. Nos últimos três anos, o corte na área foi de 69%.

Em relação às políticas para mulheres, a queda também é significativa. Programas voltados ao fortalecimento da autonomia das mulheres, à promoção da igualdade de gênero e à provisão de serviços para mulheres em situação de violência sofreram cortes drásticos. O orçamento do Programa de Políticas para as Mulheres de 2017 foi estabelecido 96,5 milhões de reais, mas apenas 32,2 milhões foram liberados até o momento.

O estudo relaciona às quedas de investimentos nessas áreas em 2017 à aprovação da Emenda à Constituição que congelou os gastos públicos no País por 20 anos. Os efeitos do projeto que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior passou a ter efeito neste ano, com exceção às áreas da Saúde e Educação, que terão o teto aplicado a partir do próximo ano. Ainda assim, esses setores sofreram quedas orçamentárias em 2017 de 17 e 19%, respectivamente.

O estudo critica a adoção do teto de gastos como solução para o déficit fiscal no País. “Ainda que a queda dos preços das commodities, a fraca geração de receita e as altas taxas de juros decorrentes da política monetária sejam avaliadas por todos como sendo as principais causas dos crescentes déficits fiscais do Brasil, o governo brasileiro decidiu adotar cortes orçamentários pró-cíclicos afetando principalmente os investimentos em direitos humanos, na proteção social, na mudança climática, nos jovens e na igualdade racial e de gênero.”

Leia a íntegra do estudo aqui

Direitos humanos em tempos de austeridade (Resumo executivo)

Infância negligenciada, socioeducativo lotado

Segundo o relatório “Um Rosto Familiar: A violência nas vidas de crianças e adolescentes” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em 2017, o Brasil subiu para o quinto lugar no ranking mundial de homicídio de adolescentes. O relatório evidencia um aumento alarmante de mortes de adolescentes pela violência.

Considerando o dado raça/cor, a taxa de homicídio de negros é três vezes maior do que de adolescentes brancos – 75% dos adolescentes vítimas de homicídios são negros ou multirraciais. Outro dado importante é a região onde moram, mostrando que maior risco corre quem vive na região nordeste. Ainda de acordo com o relatório, o risco de morte por homicídio de meninos é 13 vezes maior do que de meninas.

O censo do sistema socioeducativo revela semelhanças com os dados do relatório do Unicef. A maioria dos adolescentes que cumprem medida de internação são pretos/pardos, variando a proporção de região para região. E o maior contingente de adolescentes em privação de liberdade é masculino.  O documento mostra que 68% do total de atos infracionais cometidos pelos adolescentes são roubo e tráfico. Ou seja, práticas relacionadas a estratégias de sobrevivência.

Mesmo sendo as maiores vítimas do abandono e da violência, os adolescentes em situação de exclusão são criminalizados por uma sociedade intolerante e preconceituosa. Muito desta postura é fruto de uma mídia sensacionalista, que adota uma abordagem condenatória em função de condições étnico-raciais, territoriais e de situação de pobreza. Alimenta-se a falsa e insustentável ideia de que a redução da idade penal é a solução para a violência no país.

Sabe-se que a prática do ato infracional não é fruto de escolha autônoma de adolescentes. A ausência de políticas públicas para a juventude ou a adoção de políticas públicas discriminatórias (que privilegiam determinada população em detrimento de outras); a falta de investimentos em áreas estratégicas, as enormes desigualdades sociais, o apelo radical pelo consumo e a repressão das forças policiais contra jovens negros são os principais motores da perversa engrenagem que leva adolescentes para o circuito da criminalidade. Há uma nítida relação entre a negligência do Estado e o ato infracional.

No momento histórico de redução de direitos, de avanço do conservadorismo e congelamento de gastos, este quadro tende a piorar. O discurso moralista e preconceituoso alimentado por áreas conservadoras da sociedade acirra animosidades, alimentando o ódio por adolescentes e convencendo de que, com encarceramentos, a violência se reduzirá. O recrudescimento de punições nunca levou à redução da violência. Os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça indicam que o Brasil detém a terceira maior população carcerária do mundo. Não há lógica: as cadeias estão abarrotadas e o Brasil ainda figura como país violento.

Uma vez cumprindo uma medida socioeducativa, os adolescentes deveriam receber do Estado educação exemplar, numa instituição de cunho fundamentalmente educativo, visando novas possibilidades de convivência com a sociedade. Se levarmos em conta o abandono e o contexto em que se encontravam antes da medida ser aplicada, são necessários esforços redobrados para reparar tudo o que foi negligenciado em suas comunidades. A educação durante a medida socioeducativa deve assegurar escolarização de qualidade e diferenciada, atividades de arte e de cultura, esportes e profissionalização, exatamente como preconiza o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

O projeto político-pedagógico nas unidades deve movimentar humanidades, estimular pensamentos sobre a sociedade e seus problemas, fomentar falas, contribuir para que se compreenda o respeito como importante dimensão das relações humanas, ajudar a compreender as diversidades, provocar a percepção sobre responsabilidades. Nunca calar. Pensar e falar são ações imprescindíveis para uma educação verdadeiramente emancipadora.

Assim, o Estado brasileiro está em débito duplamente com a população mais jovem. Primeiro, por não promover direitos em todos os territórios e segundo porque ainda não investe nas medidas socioeducativas como prevê a lei. Sem investimentos, não é possível garantir direitos.

Vamos falar sobre Crianças, Adolescentes e Jovens?

Audiência debate impactos negativos do Teto de Gastos aos direitos humanos no Brasil

O Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, corre o risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência, em sua maioria negras e jovens, desprotegidas. Esses são alguns dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completa nesta semana um ano de vigência.

Os dados fazem parte de estudo produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), que será lançado nesta quinta-feira (14/12) durante audiência pública a ser realizada na Câmara dos Deputados, às 9h30, para discutir os impactos negativos do Teto dos Gastos sobre os direitos humanos da população brasileira.

<<< Leia a íntegra do estudo aqui >>>

O estudo mostra que a austeridade no Brasil, além de seletiva, desrespeita a Constituição ao mesmo tempo em que coloca em risco décadas de progresso socioeconômico. Também constam no documento propostas de alternativas ao novo regime fiscal.

A audiência pública é desdobramento da relatoria especial sobre as consequências da política de austeridade e congelamento do investimento público lançada em outubro pela Plataforma Dhesca Brasil – rede formada por 40 organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos. A relatoria investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.

Entre as principais recomendações apontadas no relatório, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas e a realização de uma consulta junto à população sobre as emendas constitucionais 95 (teto de gastos) e 93 (desvinculação das receitas da União).

Segundo Denise Carreira, coordenadora da relatoria especial da Plataforma Dhesca, a ideia é promover formas de engajamento da população em relação ao tema em diferentes espaços, por meio de uma consulta popular e a realização de rodas de conversa, entre outras ações.

Organizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara em parceria com Oxfam Brasil, Inesc, Conectas Direitos Humanos e Plataforma Dhesca, a audiência pública terá a participação de economistas, parlamentares, representantes de movimentos sociais, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e Anistia Internacional Brasil.

Serviço

Data: 14/12/2017

Horário: 9h30

Local: Plenário 14- Câmara dos Deputados

Contatos para imprensa:

(61) 98139 5569 – Maria Mello

(61) 98229 3659 – Silvia Alvarez

Vamos falar sobre Justiça Fiscal?

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Juventudes, direitos violados e esperança

As desigualdades no Brasil são abissais. Conforme atesta relatório recentemente lançado pela Oxfam Brasil[1], os 5% mais ricos possuem renda equivalente à de 95% da população! Dito de outra forma, uma trabalhadora que ganha um salário mínimo mensalmente levará 19 anos para receber o equivalente ao que um super-rico ganha em apenas um mês! Esse é o tamanho das nossas desigualdades.

É impossível crescer de forma sustentável com esses níveis de desigualdades que nos colocam entre os países mais injustos do mundo.

O que mais preocupa é que os jovens – que representam um quarto da nossa população, em torno de 50 milhões de pessoas – são fortemente afetados pelas desigualdades, o que compromete seu pleno desenvolvimento, bem como o do nosso país. Vejamos:

Os jovens têm mais dificuldades de encontrar trabalho. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego entre os jovens no Brasil atingiu em 2017 sua maior taxa em 27 anos. Atualmente, cerca de 30% dos jovens brasileiros estão sem trabalho, um em cada três. Esses dados são mais de duas vezes superiores à média internacional, que é da ordem de 13%.

Os jovens brasileiros não têm boas chances de acessar uma educação de qualidade. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no Brasil, cerca da metade da população maior de 15 anos (40%) possui baixa escolaridade e não completou a Educação Básica[2]. E mais: o Brasil está entre os piores países do mundo em termos da qualidade de educação. Nessas circunstâncias é muito difícil encontrar empregos decentes que possam garantir uma vida digna.

Pois é, o número de “nem nem” vem aumentando. Atualmente, de cada quatro jovens, um não estuda e não trabalha[3]. Quando a economia piora, os jovens são os mais afetados e os que mais demoram a se recuperar.

A juventude é a maior vítima da violência letal: o Brasil está entre os 10 países que mais matam seus jovens. São mais de 30 mil homicídios por ano, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[4]! O Estado brasileiro ainda não foi capaz de formular e implementar uma política efetiva de redução de homicídios. E qual o resultado da omissão do poder público em relação ao tema? Mais de 350 mil jovens foram assassinados entre 2005 e os dias de hoje.

Os jovens também sofrem as consequências do racismo e do sexismo, estruturantes das desigualdades no Brasil. Por exemplo, os negros representam somente um quarto dos diplomados, apesar de serem maioria na população. E mais: a chance de jovens pretos completarem um curso universitário de engenharia é a metade da que tem brancos e, no caso de odontologia, é cinco vezes menor que a de um branco. A maior parte de jovens desempregados é de mulheres.

Não é de se estranhar a pouca atenção que é dada aos jovens quando observamos sua sub-representação nos nossos partidos políticos. Pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) nas últimas eleições nacionais (2014) revelou que apesar dos jovens representarem mais de 20% da população, apenas 6,8% das candidaturas eram de jovens. A situação piorou depois do pleito eleitoral: dos parlamentares eleitos, somente 4,3% tinham menos de 29 anos.

O desinteresse pela juventude também é característica do governo Temer, que vem desconstruindo a política e a institucionalidade voltadas para esse grupo da população. A maior expressão desse descaso foi a nomeação de Bruno Filho (PMDB) para a Secretaria Nacional da área, quem, por ocasião das chacinas nos presídios de Roraima e de Manaus no começo de 2017, afirmou que “tinham que ter matado mais presos” e que “deveria haver uma chacina por semana”.

Apesar das adversidades enfrentadas a cada dia, os jovens brasileiros são sonhadores e aguerridos. Pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ)[5] revelou que é muito clara para eles a percepção sobre a capacidade da juventude de mudar o mundo. Cerca de nove em cada dez entrevistados responderam que os jovens podem mudar o mundo, sendo que para sete, eles podem mudá-lo e muito. E mais: entre os assuntos que os jovens consideram mais importantes para serem discutidos pela sociedade estão a desigualdade social e a pobreza.

Nessa semana de mobilização em torno dos direitos humanos, chamamos a atenção para os direitos dos jovens. Urge a retomada das políticas a eles destinadas. Urge sua inserção no movimento da reforma do sistema político para que conquistem o espaço político que lhes é de direito. A juventude brasileira vem mostrando vigor e disposição para lutar. As ocupações, as mobilizações e as massivas presenças nas frentes de resistência são exemplos claros de que não serão aceitos retrocessos. E assim vamos nos inspirando nas letras do nosso Gonzaguinha: “Eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé é na fé da moçada, que não foge da fera e enfrenta o leão. Eu vou à luta é com essa juventude, que não corre da raia a troco de nada…”.

 


[1] A esse respeito, ver: https://www.oxfam.org.br/a-distancia-que-nos-une

[2] A esse respeito, ver: http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002470/247056por.pdf

[3] A esse respeito, ver: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf

[4] A esse respeito, ver: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017

[5] A esse respeito, ver: https://issuu.com/participatorio/docs/agenda_juventude_brasil_-_pesquisa_

Direito à Cidade – cidade de quem e para quem?

Semana dos #DireitosHumanos

Quando falamos de direito à cidade, nos referimos a um direito coletivo, que pressupõe o compartilhamento do espaço público democraticamente, de maneira a combater desigualdades.  Sabemos, no entanto, que esse direito está longe de ser assegurado: a maioria das cidades brasileiras são segregadas e privatizadas.

Em geral, nos espaços ocupados pela parcela da população com maior renda, há equipamentos públicos, boa infraestrutura e segurança, ao passo que aqueles ocupados pela população mais pobre são carentes de equipamentos e a segurança pública costuma existir apenas para segregar e oprimir. O transporte público, como está estruturado, acaba reforçando as desigualdades, ao garantir que os/as que residem nas periferias só tenham direito à mobilidade para irem e voltarem de seus trabalhos. O tempo gasto nesses deslocamentos pendulares é alto e crescente, assim como o preço das tarifas – o que compromete boa parte da renda já bastante afetada com os custos de moradia, alimentação, vestuário.

A especulação imobiliária, com o apoio dos governantes – muitas vezes eleitos com financiamento de empresas de ônibus, empreiteiras e empresas de coleta de resíduos sólidos – determina para onde vão as cidades, o que deve ou não valorizar e quando. Desta forma, as pessoas são expulsas para lugares cada vez mais distantes, dependentes de um transporte precário, sem acesso à saúde, educação e outros serviços básicos por perto.  Equipamentos de cultura e lazer, então, são vistos como supérfluos.

Para se ter uma ideia, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios 2015/2016, realizada pela Codeplan/DF, quando apresenta os dados relativos à escolaridade, mostra que as regiões tais como Sudoeste, Lago sul, Plano Piloto e Lago Norte abrigam o maior número de pessoas com formação superior, coincidindo com os níveis mais altos de renda. Enquanto que as mais baixas taxas de escolaridade estão na Estrututural, Itapoã, Paranoá, que também possuem as mais baixas rendas. Ou seja, o direito à cidade, da mesma forma que pavimenta o caminho de acesso aos outros direitos, quando ausente, facilita todos os tipos de violações possíveis.

Podemos ainda nos deter mais atentamente na realidade de duas das cidades acimas citadas, comparando a renda familiar da Estrutural e do Lago Sul, regiões com mais baixa e mais alta renda do Distrito Federal, respectivamente. Enquanto a primeira apresenta média de renda de dois salários mínimos e meio, a outra possui renda de 27 salários mínimos e meio; ou seja, o desigualtômetro (indicador usado no Mapa das Desigualdades, elaborado pelo Inesc, Nossa Brasília e Oxfam) é de 11 vezes. Já no que tange à renda per capita, o desigualtômetro salta para 15 vezes. Com relação à escolaridade, no Lago Sul, 69% (de uma população de 29 mil pessoas) da população possui ensino superior, enquanto que na Estrutural apenas 1,5% (de uma população de 39 mil pessoas) concluiu esta fase de ensino. Neste caso, o desigualtômetro é de 34,6 vezes.

Essas desigualdades se aprofundam ainda mais porque as cidades não são pensadas por quem nelas vivem, não havendo ambiente de participação para discutir e deliberar sobre os espaços públicos. Para nós, do Inesc, a participação popular é um pilar fundamental da realização dos direitos humanos em geral, e do direito à cidade em específico. Por isso, temos trabalhado, junto à Rede Cidades, no projeto MobCidades:  Mobilidade, Orçamento e Direitos, que conta com o apoio da União Europeia. Participam da iniciativa 10 movimentos e cerca de 80 organizações que discutem direito à cidade, passando por temas que vão desde as formas de deslocamento, passando pela acessibilidade, interações raciais e de gênero no espaço público.

O direito à cidade deveria incluir a voz das pessoas que nela habitam nas decisões sobre seus rumos, sobre suas vidas. Como todo direito social, pensá-lo sem a participação popular é retirar parte de sua potência, pois são as pessoas que habitam e fazem a cidade as que de fato conhecem suas necessidades, demandas e desejos. Foi esse o recado das jornadas de 2013, ainda muito mal interpretadas pelos detentores dos poderes político e econômico. É também esse o recado que continuamos construindo.

*Cleo Manhas, Leila Saraiva e Yuriê Baptista são assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e educadores no projeto MobCidades

Vamos falar sobre direito à cidade?

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Desconstruindo a “austeridade”: os mais pobres continuam pagando a conta

É certo que desde 2015 a população vem sofrendo com cortes orçamentários em áreas essenciais para o bem-estar dos brasileiros. Mas o ano de 2017 – quando se consolidou um projeto político que não passou pelo crivo das urnas – foi marcado pelo desmonte avassalador de políticas públicas que apontavam para a garantia dos direitos humanos.

A Emenda Constitucional 95, conhecida como “teto dos gastos”, é a medida-símbolo desse projeto irresponsável que está levando o Brasil de volta ao mapa da fome e aumentado a desigualdade que tanto separa pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e homens. Em vigor há um ano, a EC 95 congelou o gasto público real por vinte anos e, dessa maneira, tornou constitucional a austeridade, impedindo qualquer futuro governo eleito sem uma maioria absoluta de determinar o tamanho dos investimentos em direitos humanos.

Mas, afinal, o que é essa tal “austeridade” tão defendida por governos quando se deparam com uma crise econômica e fiscal? Em economia, a austeridade significa um maior rigor no controle dos gastos. Mas quais gastos? Essa é a questão: criou-se um mito de que os “gastos” que devem ser cortados são justamente os investimentos em serviços públicos, atingindo principalmente os setores mais vulneráveis da sociedade, como os negros e as mulheres.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Oxfam Brasil e a Center for Economic and Social Rights (CESR), vai apresentar nesta Semana dos Direitos Humanos dados de um estudo sobre os efeitos perversos da EC 95, mostrando que a austeridade no Brasil, além de seletiva, desrespeita a Constituição e impede o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU- ao mesmo tempo em que coloca em risco décadas de progresso socioeconômico.

Outro mito criado em torno do tema da austeridade é o de que a população brasileira é totalmente contra o aumento de impostos. A pesquisa recente da Oxfam Brasil/DataFolha revelou que para 71% dos brasileiros, os muitos ricos devem sim pagar mais impostos para financiar educação, saúde e moradia. Nós já sabemos que existem outras soluções para a crise fiscal. Taxar as grandes fortunas em uma reforma tributária progressiva e justa é uma das medidas defendidas pelo Inesc para alcançarmos uma sociedade menos desigual.

Nesta semana queremos reafirmar a necessidade dos Direitos Humanos delineados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948. Acesso à saúde, educação, moradia, alimentação adequada e a uma vida socioambiental saudável é essencial. Não é opcional. Que coloquem teto para a desigualdade no Brasil, não para os direitos.

 Vamos falar sobre Orçamento Público?

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Fórum denuncia genocídio de negros brasileiros a conselho da ONU

A alta taxa de homicídios de jovens negros levou o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) a protocolar denúncia contra o Estado brasileiro em relatorias do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A denúncia foi formalizada em 22 de agosto e divulgada nesta quarta-feira (29/11), no aniversário de um ano do fórum, que reúne movimentos em defesa da igualdade racial, como a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa).

A denúncia tem como principal base o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Assassinato de Jovens, do Senado, finalizado em 2016. Na página 145, o documento afirma, em sua conclusão, que a comissão, desde o início, “se deparou com uma realidade cruel e inegável: o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem e negra”.

A expressão genocídio aparece já no capítulo 1 do relatório, cujo título é O genocídio da população negra. “É a que melhor se adequa à descrição da atual realidade em nosso país com relação ao assassinato dos jovens negros”, diz o texto.

Advogado do fórum, Daniel Teixeira argumenta que o Estado assumiu a existência do genocídio ao produzir o documento. “Textualmente, o Estado Brasileiro, por meio de uma de suas casas legislativas, reconhece que há um genocídio em curso contra os jovens negros”, disse. “É tão naturalizada essa situação dos jovens negros, que é um dos únicos casos na história em que o próprio país a assume”.

Consta ainda no relatório da CPI que um jovem negro é assassinado no Brasil a cada 23 minutos, e que, entre as vítimas de homicídio no país, 53% são jovens, 77% são negros e 93% são do sexo masculino.

A denúncia foi apresentada a diferentes relatorias do conselho: a de afrodescendentes, a de racismo, a de questões de minorias e a de execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais. O texto será avaliado pelas relatorias, que podem pedir esclarecimentos e fazer vistorias no país, além de emitir um posicionamento formal na próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos, em março.

A intenção do fórum é gerar pressão internacional para a implementação de políticas que enfrentem o problema, como as que foram recomendadas pelo relatório.

Para Hélio Santos, do Instituto Baobá, uma das entidades integrantes do fórum, só foi possível encerrar a segregação racial na África do Sul com pressão estrangeira.

“Acreditamos que haverá, como na África do Sul, o reconhecimento de um absurdo. Entre os 10 mais ricos, o Brasil é o único de maioria negra. É uma situação avassaladora. A palavra genocida também cabe se pensarmos no impacto demográfico: são 23 mil homens [assassinados por ano], com idade entre 12 e 29 anos. Homens que ainda não procriaram. Durante 10 anos, são menos 230 mil pessoas”.

A denúncia endossa as recomendações da CPI no Senado e também traz proposições próprias, como a formulação de um Plano Emergencial de Políticas para a Juventude Negra e uma CPI da Segurança Pública.

A coordenadora Executiva do Instituto Odara, Valdecir Nascimento, defendeu que é preciso cobrar a responsabilidade do estado, mas também é necessário discutir a falta de sensibilidade da sociedade e da mídia em relação às mortes.

“Precisamos de novas formas de comunicar e implodir o imaginário que a mídia criou sobre a população negra brasileira. Não basta colocar negros na TV se você não implodir esse imaginário racista”, disse a coordenadora. Ela criticou a associação constante de periferias e favelas à criminalidade.
“A mídia não consegue enxergar as riquezas dessas comunidades. Ela tem um olhar cotidiano de desqualificação”.

Divulgado neste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência mapeou que, entre 2005 e 2015, a taxa de homicídios entre negros subiu 18,2%, enquanto a de não negros caiu 12,2%.

Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Ministério da Saúde, o estudo mostrou que a taxa de homicídios da população negra em 2015 foi quase 2,5 vezes maior que a da população não negra.

Vamos falar sobre Gênero, raça e etnia?

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Novo Banco de Desenvolvimento: uma aposta para o futuro?

Por Nathalie Beghin*, para o Outras Palavras

Organizações da sociedade civil dos países que integram os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e também de outros países, vêm apostando no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). Há razões para essa aposta, como também existem motivos para preocupação.

O NBD, com três anos de idade, mas apenas um de efetiva operação, foi criado na esteira da insatisfação dos países emergentes com as instituições financeiras internacionais (IFI´s) existentes. Tais instituições dão pouco espaço de comando e, por vezes, negam-se a respeitar a soberania desses países. Mais: não dispõem de recursos suficientes para assegurar a expansão de infraestruturas, imprescindível para o crescimento das economias em desenvolvimento.

Com efeito, estimativas de diversas organizações (como a da Unep e a OCDE) apontam que os recursos necessários até 2030 para a infraestrutura global (transporte, energia, comunicação, saneamento, entre outros) variam de 57 a 89 trilhões de dólares, a depender da metodologia adotada, sendo que grande parte dessas necessidades vem dos países emergentes. Diante da incapacidade de as instituições financeiras internacionais tradicionais alavancarem tais montantes, o chamado Sul Global optou pela criação de novas organizações, como o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura e o Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado Banco dos Brics.

Na tentativa de pressionar o Novo Banco a seguir o caminho do desenvolvimento sustentável, organizações da sociedade civil estão apostando em um diálogo institucionalizado com o NBD, que tem se colocado como uma alternativa às velhas práticas multilaterais, lançando mão de uma narrativa atrativa que anuncia uma institucionalidade voltada para as demandas de desenvolvimento das economias do Sul.

O banco opera, por exemplo, sob o princípio da paridade das decisões dos países membros – o que é bastante inovador, considerando o excessivo peso dos países do Norte nas instituições financeiras multilaterais tradicionais. Essa lógica mais democrática e inclusiva do NBD adota o sistema de “cada país um voto” e não o de “cada dólar um voto”, daí que a África do Sul, com um PIB de 300 bilhões de dólares, tem o mesmo peso da China, que apresenta um produto interno bruto de 11,2 trilhões de dólares, 37 vezes maior, de acordo com a classificação do Banco Mundial.

Outra característica atraente é que o NBD propõe-se a trabalhar na promoção da sustentabilidade, o que amplia a visão em relação às velhas estratégias de combate à pobreza adotadas até agora. O Banco busca ainda executar seus projetos respeitando a soberania dos países, de modo a se contrapor às chamadas ingerências promovidas pelas IFI’s tradicionais por meio das condicionalidades.

O NBD tem a intenção de ser leve, inovador e efetivo. Para tal, diz que terá estrutura enxuta – não mais do que 400 pessoas quando em plena operação, número que dista dos mais de 10 mil empregados do Grupo Banco Mundial, por exemplo. Propõe-se a aprovar projetos em apenas seis meses e a utilizar produtos financeiros adequados às realidades dos seus sócios (empréstimos em moedas locais, bônus verdes etc.). Por fim, diz-se disposto, desde o início, a dialogar com os diversos atores econômicos e sociais interessados na sua atuação.

É no marco dessa disposição ao diálogo, que organizações da sociedade civil reuniram-se com a cúpula da instituição na sede do Banco em Xangai, no final do mês de outubro. Foram discutidos temas como as políticas e estratégias, as operações, as modalidades de financiamento, a dimensão de gênero e a participação social. Se é verdade que existem entendimentos comuns sobre o ineditismo do NBD, é também verdade que enormes preocupações perpassam muitas de nossas organizações da sociedade civil e suas redes.

Dentre estas inquietações pode-se destacar a pouca clareza sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, abrindo brechas para o financiamento de projetos que violam direitos. Por exemplo, o banco considera que a energia renovável, como a eólica e a solar, contribui para o desenvolvimento sustentável. Tanto é assim, que o primeiro empréstimo para o Brasil, tomado pelo BNDES, foi nessa área. Entretanto, é sabido que a energia eólica, a depender de como é gerada, pode apresentar severos danos ambientais (como degradação de solo, desmatamento, destruição da biodiversidade) e sociais (deslocamentos de produtores familiares e populações tradicionais de suas terras e territórios, grilagem de terras, doenças provocadas pelos ruídos e contaminação de solos, especulação mobiliária). Como não existem informações detalhadas sobre os projetos aprovados, é impossível avaliar os impactos.

A falta de transparência é outro problema ainda não solucionado pelo banco. Não se sabe quais os critérios e procedimentos adotados pela instituição para aprovar projetos. Até agora, foram aprovados 11 projetos nos cinco países Brics, num valor total de 3 bilhões de dólares, e não existem maiores detalhes sobre o teor desses empréstimos. Associada a esta limitação, encontra-se a ausência de envolvimento da sociedade e, em especial, das comunidades afetadas pelos projetos, no seu desenho, implementação e monitoramento.

Outra questão que preocupa bastante nossas organizações é o fato de que a estratégia do banco e suas políticas (Informação, Ambiental e Social) foram elaboradas sem qualquer consulta pública, sem referências aos direitos humanos e com lacunas, como a ausência da dimensão de gênero – que é central para assegurar o desenvolvimento sustentável. A imprecisão quanto às diretrizes operacionais para avaliação de riscos e externalidades socioambientais e para a prestação de contas, além da inexistência de mecanismos de participação social nos níveis internacional, nacional e local são outras preocupações igualmente relevantes.

Estamos em um momento extremamente interessante, no nascedouro de uma organização que reúne as condições para se diferenciar. Resta saber se o NBD se dispõe a aceitar o desafio proposto pelas organizações da sociedade civil de ser efetivamente socioambientalmente inclusivo e participativo. Por ora, vamos apostando nessa trajetória, sem deixar de ser vigilantes.

*Nathalie Beghin é coordenadora da assessoria política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e esteve na reunião em Xangai representando o Inesc e a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

Vamos falar sobre Agenda Internacional?

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MP 795 rouba o futuro do país e das próximas gerações no planeta

Congresso está prestes a aprovar a MP 795 que permite que empresas que exploram petróleo e gás no Brasil não paguem os principais impostos federais: Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)

Como?

As empresas irão considerar todos seus custos para reduzir a base de cálculo dos impostos que terão a pagar. Não sobrará quase nada para tributar!

O governo brasileiro deixará de arrecadar cerca de US$ 7,48 por cada barril de petróleo produzido.

Somente no campo de Libra, onde a reserva é estimada em 10 bilhões de barris recuperáveis,
o governo brasileiro abrirá mão de arrecadar US$ 74,8 bilhões ou R$ 240,8
bilhões ao longo de 25 anos.

Estimativas de especialista mostram que a MP isentaria as petroleiras em pelo menos R$ 1 trilhão ao longo de 25 anos. Isto, considerando somente os campos já explorados hoje.

Em média seriam R$ 40 bilhões por ano de isenção. Sabe o que isso significa? 35% de todo o gasto do governo federal com saúde em 2016 ou 36% de todo o gasto com educação.

E não para por ai…
A MP não rifa somente a chance de ter recursos para políticas públicas no Brasil.

Com lucros extraordinários, as empresas estrangeiras irão se fartar de petróleo: o potencial de extração no pré-sal é estimado em 176 bilhões de barris recuperáveis.

Sabe o que isso significa? que este petróleo queimado liberaria 74,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera; o aquecimento sem volta do planeta!

Por todos os motivos, diga não à MP 795!

INESC

Organizações denunciam falta de transparência do Governo de Brasília

Governo de Brasília não divulga o Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado à Câmara Legislativa do DF

É obrigação do poder executivo, todos os anos, elaborar e enviar ao legislativo pelo menos duas leis que objetivam guiar o uso dos recursos públicos no ano seguinte: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), a qual deve ser enviada pelo executivo ao legislativo até o dia 15 de setembro, devendo ser aprovada na casa até o fim do ano legislativo.

Apesar do discurso de transparência e participação social repetido intensamente pelo atual governador durante sua campanha, a participação social neste processo se deu apenas com uma audiência pública que tinha por objetivo coletar sugestões da sociedade sobre o PLOA, porém não houve nenhum processo de diálogo, debate ou devolutiva por parte do executivo sobre as propostas apresentadas.

Ao enviar o projeto para a Câmara Legislativa do DF, é de praxe que o documento fosse divulgado pelo executivo, como o fazem diversas prefeituras e governos em todo o país, contemplando os princípios de transparência ativa que fazem parte da legislação brasileira e os princípios de boas práticas políticas que deveriam ser parte de todos os gestores públicos.

O que foi divulgado no portal da Secretaria de Planejamento do DF (SEPLAG) foram apenas alguns documentos que compõem o imenso texto da PLOA, porém, o arquivo mais importante, o Anexo XX – DEMONSTRATIVO DAS METAS FÍSICAS POR PROGRAMA, EVIDENCIANDO A AÇÃO E A UNIDADE ORÇAMENTÁRIA, que é justamente o que especifica quanto cada uma das ações orçamentárias poderá utilizar em 2018, não consta nos documentos disponíveis para download.

No dia 5 de outubro, entramos em contato por telefone com a SEPLAG informando a ausência do documento e solicitando a sua disponibilização. Fomos informados que no mesmo dia o arquivo seria disponibilizado no site, o que não aconteceu. No dia 6 de outubro, a Coordenadora de Transparência da Subcontroladoria de Transparência e Controle Social do DF também foi informada. Na última semana, no dia 16 de novembro, um novo contato telefônico foi realizado com a SEPLAG, porém, até a data de hoje o documento não foi disponibilizado.

Aproveitamos o momento para reforçar a necessidade de que estes arquivos, em sua maioria tabelas, sejam disponibilizados em formatos abertos e não proprietários, como a Lei de Acesso à Informação determina. Atualmente, o Governo de Brasília só os disponibiliza em formato PDF, o que impossibilita uma análise criteriosa das informações.

Assim, denunciando a falta de transparência do Governo de Brasília, solicitamos que os princípios da transparência ativa sejam adotados pelo Governo de Brasília e que os arquivos do Projeto de Lei Orçamentária de 2018 sejam completamente disponibilizados no site, em especial o Anexo XX, em formato aberto e não proprietário.

Assinam esta carta:

Movimento Nossa Brasília
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Associação Andar a pé
Bike Anjo DF
Bicicentro Comunitário Mercado Sul VIVE
RUAS
Brigadas Populares – Distrito Federal
Valores
Bicicleta Livre
Rodas da Paz
Movimento Passe Livre do Distrito Federal e entorno

Inesc ganha prêmio de participação legislativa

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) recebeu, na tarde desta terça-feira (21), o prêmio “Selo Participação Legislativa”, concedido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. A premiação agraciou entidades da sociedade civil que tiveram atuação relevante na Câmara em 2016.

O Inesc ficou em 1º lugar na categoria de maior número de participantes em eventos propostos.  No final de 2016, frente à proposta de emenda constitucional, conhecida como ‘teto dos gastos’, que congelaria os gastos públicos por 20 anos e também dos projetos de reforma trabalhista e da previdência, o Inesc requereu a realização de um ciclo de debates sobre o futuro da seguridade social no Brasil.

A demanda foi acatada pela Comissão de Legislação Participativa e foram realizadas audiências públicas, com ampla participação da sociedade civil, na Câmara dos Deputados, em Brasília, e também nas cidades de Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE). Nesta última, a lotação da Assembleia Legislativa fez com que pessoas acompanhassem o debate do lado de fora.

Para Grazielle David, assessora política do Inesc, o fato das audiências públicas contarem com grande assistência demonstra o interesse da sociedade em debater tanto sobre o tema da seguridade social quanto da política fiscal no Brasil. A emenda constitucional EC 95 e a reforma trabalhista acabaram aprovadas pelo Congresso Nacional, a despeito da reprovação de grande parte da população, “mas continuamos resistindo e debatendo sobre os efeitos perversos dessas medidas e os interesses por trás da proposta de reforma da previdência, prevista para entrar em votação ainda esse ano”, afirmou Grazielle.

Durante a cerimônia de premiação, Grazielle agradeceu à deputada Luiza Erundina, que endossou a proposta do ciclo de debates, e a todos os membros da Comissão que, segundo ela, cumpre um importante papel de facilitar o processo de incidência no legislativo pela sociedade civil, permitindo e ampliando a capacidade de realização de audiências públicas com temas diversos. “O Inesc também tem essa missão de estimular a participação social e o entendimento sobre o tema do orçamento público para a promoção de direitos. O prêmio demonstra o compromisso do Inesc com sua missão junto à sociedade brasileira” ressaltou. “Essa parceria nas audiências foi muito importante, porque permitiu que a sociedade, de fato, se envolvesse no tema”, concluiu.

Para entender um pouco mais sobre a questão, assista ao vídeo sobre como se constrói o orçamento público para a garantia de direitos:

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Apenas 6% do recurso federal para promoção da igualdade racial foi executado

Apesar do Congresso Nacional ter autorizado um orçamento de cerca de R$22 milhões para as políticas de promoção da igualdade racial (Programa 2034) em 2017, até ontem (20), Dia Nacional da Consciência Negra, apenas R$ 1,4 milhão (6%) desse recurso tinha sido executado. Nenhum centavo foi gasto, por exemplo, com o Disque Igualdade Racial, que atende vítimas de racismo.

Para 2018, o cenário é ainda mais grave: a proposta orçamentária para o próximo ano (PLOA 2018) prevê redução de 34% em relação à dotação inicial de recursos para essa área, que vai passar a contar com apenas R$16 milhões. Além disso, desapareceu o orçamento para “apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais”. Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, a redução orçamentária proposta pelo governo Temer para políticas de promoção da igualdade racial, “revela os mecanismos do racismo institucional e um flagrante descaso com os jovens e as mulheres negras deste país”.

Estudo do Inesc sobre as implicações do sistema tributário nas desigualdades de renda mostrou que, pelo caráter regressivo da carga tributária brasileira, as mulheres negras são as que proporcionalmente mais pagam impostos. Para Carmela, essa população deveria ter seus direitos garantidos por meio do orçamento público, “mas a realidade é que mulheres negras ganham menos, têm dificuldade em acessar serviços como saúde e educação, não conseguem representatividade política e sofrem uma série de violências cotidianamente”, ressaltou.

Racismo institucional no DF

As políticas de promoção da igualdade racial também sofreram duros golpes na esfera distrital. No Distrito Federal – onde 56% dos habitantes se declaram negros/as – levantamento feito pelo Nosso Coletivo Negro, em parceria com o Inesc, mostrou que entre 2015 e 2017 o governo local não executou nenhum centavo em medidas de combate ao racismo, como estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

De acordo com o estudo, parcialmente divulgado em setembro (5/9), o orçamento do Governo do Distrito Federal em 2015 previa a destinação de R$ 41,2 mil para a realização de políticas públicas de igualdade racial. Desse total, apenas R$ 35,2 mil foram efetivamente disponibilizados. No entanto, nenhum centavo do dinheiro foi gasto pela Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEDESTMIDH).

Vamos falar sobre Gênero, Raça e Etnia?

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Algumas coisas estão fora da ordem, do tempo e do espaço na COP-23

Hoje (17) foi o último dia de intensas negociações da COP-23 –  a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que deveria estar acontecendo nas Ilhas Fiji, mas em decorrência da falta de infraestrutura, aconteceu em solo alemão. Assim, o símbolo da COP, representando a presidência do país-sede,  foi uma palmeira e uma onda do mar, mas o clima real era de árvores amareladas perdendo sua força num inverno que se aproxima na cidade de Bonn. O outono na Alemanha é muito bonito.

A COP-23 elaborou uma primeira versão do que está sendo chamado de o “Livro de Regras”, que pretende ser um texto mais detalhado do Acordo de Paris (APA), cobrindo todos os órgãos subsidiários SBSTA (sigla em inglês para Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice) e SBI, (sigla em inglês para Subsidiary Body for Implementation). O documento foi aprovado cheio de colchetes, que em linguagem diplomática significa que todos colocaram suas posições, mas longe ainda de um acordo, de modo que muitos temas em debate ainda serão submetidos a demoradas negociações.

O fato é que os tempos das negociações não estão equilibrados com os impactos reais que estão ocorrendo em função da mudança climática e da manutenção de um modelo de desenvolvimento que insiste em manter privilégios e intensificar desigualdades. A conclamada “nova economia”, recorrentemente referida pela diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, tem implicações diretas na vida de milhões de pessoas que ficarão desempregadas e sofrerão, cada vez mais, os efeitos da mudança de clima. O propalado salário universal, que toma corpo nos debates do Banco Mundial e FMI, é um grande colchão para amenizar o desastre que está sendo anunciado para um futuro não muito distante.

Mas, vamos às questões que me pareceram mais relevantes nessa COP-23:

A Plataforma Indígena nasce no Acordo de  Paris (APA), em 2015, e tem como objetivo incluir os conhecimentos indígenas e de comunidades tradicionais dentro do debate e das soluções para a mudança climática.  Desde então, houve intensas negociações nas reuniões intermediárias, resultando, inclusive, em um grande encontro patrocinado pelo governo canadense, onde se estabeleceram princípios e bases comuns para serem apresentados na COP-23. O texto foi debatido e aprovado e agora seguirá para as negociações dentro dos órgãos subsidiários  SBSTA e o  SBI  e da próprio UNFCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima)

Uma questão que parece ambígua no texto aprovado da Plataforma Indígena é o financiamento dos membros do Grupo de Trabalho, por parte da UNFCC, que terão a responsabilidade de acompanhar as negociações, efetivar a governança e construir o plano de trabalho. Aqui poderá se estabelecer uma desigualdade de tratamento em prejuízo da plena participação dos e das representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que definitivamente não tem condições financeiras de acompanhar estes processos.

A segunda questão se refere ao financiamento e ao caráter contencioso desde sua origem. São três os principais fundos de financiamento dentro do guarda-chuva da UNFCC:  o GEF, o Fundo Verde de Clima e o Fundo de Adaptação. As nações mais ricas e industrializadas se comprometeram, há sete anos, a levantar US$ 100 bilhões por ano, até 2020, para atacar os problemas de emissão dos gases de efeito estufa e a adaptação aos efeitos da mudança climática. Entretanto, até agora, o Fundo Verde só conseguiu levantar cerca de US$ 10,3 bilhões, muito aquém daquilo que havia sido acordado. Além disso, as decisões de financiamento que vem sendo tomadas são alvo de críticas pela falta de transparência.

Os Fundos de Clima, em geral, podem estar sendo bloqueados em decorrência de mudanças nas regras da cooperação dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e isso vem colocando mais pedras no caminho da efetivação desse compromisso.

Por fim, existe sempre nestas negociações a dimensão política, que ao fim e ao cabo, é a que define tudo. Em seu discurso, Angela Merkel teve que explicar, com constrangimento, o inexplicável: o aumento do uso do carvão como energia. A redução dessa produção de fonte energética pode lhe causar prejuízos políticos irreparáveis no plano nacional. Do outro lado, o governo nortre-americano, que bloqueia os debates, ameaça tirar dinheiro dos fundos dos trabalhos científicos do IPCC. Já o presidente francês Macron propõe substituir a doação de US$ 2 milhões feitas pelos EUA, até antes da era Trump. O Brasil, por sua vez, ignora toda a tendência mundial e amplia subsídios a combustíveis fósseis, na contramão da história e do tempo.

Os que duvidam dos efeitos da mudança climática, ou se orientam por fé religiosa cega, retrógrada e conservadora, ou por má fé daqueles que querem continuar o modelo de lucro fácil nas costas do trabalho mal pago da maior parte da população e do esgotamento da rica biodiversidade do planeta. Em ambos os casos, são forças poderosas que persistem e atuam dentro do jogo político. E, sem dúvida, pelo andar da carruagem e pelo estado da arte das negociações, vivemos tempos de guerra, um tempo de luta. O que prevalecerá saberemos em breve. Muito breve mesmo.

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