Representantes da Pan-Amazônia discutem impactos socioambientais em Belém

Foi realizada hoje (9/11)  em Belém (PA) um dos encontros preparatórios para o Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA), que será realizado no ano que vem em Tarapoto, no Peru, para articular movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais dos nove países que integram a Amazônia (Brasil, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Suriname, Guiana e Guiana Francesa) no fortalecimento da autonomia dos povos que vivem na região.

Nossa assessora política Alessandra Cardoso participou juntamente com representantes de comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas, que falaram sobre os impactos socioambientais nas populações locais, e articularam a construção coletiva e processual de um conjunto de proposições para o Fórum Social Pan-Amazônico. Outros pré-encontros serão realizados nas regiões do Baixo Amazonas, BR 163 e Transamazônica/Xingu.

O encontro em Belém desta quarta-feira contou com o apoio de diversas organizações, como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) Amazônia e Fundo Dema.

O Fórum Social Pan-Amazônico tem como objetivo mobilizar o debate de propostas para enfrentar os grandes desafios da região, como a pressão de grupos econômicos que visam explorar os recursos naturais e construir grandes obras de infraestrutura que ameaçam os povos da floresta.

Conjuntura e propostas

Guilherme Carvalho, coordenador do Programa da FASE na Amazônia, avalia que há semelhanças entre os cenários políticos dos países da região, como Peru e Brasil, que, segundo ele, apresentam um governo conservador voltado para uma política macroeconômica baseada na privatização e em uma maior abertura do mercado.Por isso, uma das propostas do fórum é analisar a relação da Pan-Amazônia no contexto da expansão do capital e dos novos acordos políticos que se constroem.

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A China seria um dos atores mais relevantes neste cenário, segundo Carvalho, pois vem interferindo economicamente nas negociações de projetos estratégicos da região. “Ainda não conseguimos mensurar o poder que a China tem adquirido nos últimos anos, a influência que ela tem nas políticas nacionais, seja nos acordos comerciais, seja pelos investimentos diretos. É hoje o primeiro ou segundo parceiro da grande maioria dos países da Pan-Amazônia”, analisa.

Camila Moreno, autora do livro Brasil Made in China (Fundação Rosa Luxemburgo, 2015), afirma que, entre 2009 e 2013, o intercâmbio comercial entre Brasil e China aumentou 125,7%, passando de US$ 36,9 bilhões para U$$ 83,3 bilhões em produtos como soja, minério de ferro e petróleo. Neste cenário, movimentos populares e comunidades tradicionais e indígenas têm denunciado violações de direitos ambientais e humanos e, por conta disso, lideranças têm sido ameaçadas por grandes empresas, afirma Carvalho. “Por isso, o Fórum se propõe a discutir formas inovadoras de articulação e construção de plataformas de lutas e mobilizações sociais na região, de modo a combater a criminalização dessas organizações”, explica.

Também está na pauta do Fórum o debate sobre as mudanças climáticas e os mecanismos de mercado propostos para a diminuição de seus efeitos, como os créditos de carbono. A chamada “financeirização da natureza“, defende Carvalho, “tem um impacto terrível sobre as terras dos povos indígenas, extrativistas e quilombolas”.

Vamos falar sobre questões socioambientais?

“Responsabilidade fiscal não deve ser baseada em cortes de programas sociais”

Se você não tem um diagnóstico correto das causas da crise econômica que afeta o país atualmente, dificilmente encontrará solução adequada para resolvê-la. E aplicar um ‘remédio’ com base em diagnóstico errado ou negligente pode ser fatal. É o que ocorre com o governo Temer, conforme explicou detalhadamente nossa assessora política Grazielle David ontem em uma audiência pública realizada segunda-feira (7/11) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado para discutir os impactos da PEC 55 (ex-241) na Saúde e demais políticas públicas.

“A grande crise que vivemos não é de despesas primárias em excesso, pelo contrário, ela se manteve estável – e até diminuiu – nos últimos anos. A grave crise que nós temos é de excesso de despesas financeiras, com juros e amortização da dívida, e especialmente de queda de receitas. Portanto, se o diagóstico é de crise de receita, porque estamos tratando de despesas?”, questionou Grazielle durante a audiência.

“A responsabilidade fiscal não deve ser baseada em cortes de programas sociais, assim como a proteção dos direitos humanos não pode depender da situação econômica de um país”, afirmou, acrescentando que os governantes têm o dever de proteger seus cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, em tempos de dificuldade, por meio de políticas públicas adequadas.


Clique aqui para assistir à íntegra da audiência pública realizada na CDH do Senado.

O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que a aprovação da PEC 55, que estabelece um novo regime fiscal no país, limitando gastos e investimentos públicos por 20 anos, deixará a saúde pública ainda mais precária. Para Grazielle, é lamentável que o governo Temer considere os recursos usados em áreas sociais como ‘gastos’, e não como ‘investimentos no futuro do país’.

Segundo Grazielle, a PEC 55/2016 atinge diretamente as transferências para estados e municípios referentes à compra de remédios, realização de exames complexos, cirurgias seletivas e na vigilância sanitária, num quadro que vê como “extremamente grave” devido ao agravamento de doenças como a dengue e zika.

Grazielle David também apresentou estudos segundo os quais que para cada R$ 1 investido em Saúde, há um crescimento de R$ 1,75 no Produto Interno Bruto (PIB). Argumentou também que se a regra prevista na PEC 55/2016 estivesse valendo desde 1996, os investimentos em saúde seriam R$ 175 bilhões inferiores ao atual.

Clique para baixar a apresentação de Grazielle durante a audiência (arquivo PDF).


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Aproveitando, vamos falar sobre Orçamento e Direitos?

Livro desmistifica suposta neutralidade do movimento Escola sem Partido

O movimento Escola Sem Partido vem fazendo muito barulho nos últimos anos, acirrando os debates sobre os os conteúdos escolares e os processos de aprendizagens. Ganhou força e visibilidade a partir de 2014, com a tramitação de diversos projetos de lei por todo o país, que em geral pedem restrições ao que é ensinado nas salas de aula – seus defensores criticam a ‘doutrinação ideológica’ promovida nas salas de aula e defendem uma suposta ‘neutralização escolar’. Do jeito que falam, parece que são neutros e desprovidos de qualquer ideologia. Nada mais falso.

“O movimento Escola Sem Partido pretende categorizar alguns conteúdos como ‘doutrinários’, em detrimento de outros. A abordagem de gênero e raça na escola, fundamental no combate ao machismo, à homofobia e ao racismo, seriam supostamente “doutrinários”, pois atentariam contra valores morais da família”, afirma  Roberto Catelli Jr., coordenador de projetos de educação da Ação Educativa. Para ajudar a combater essa onda de desinformação sobre o movimento, a Ação Educativa lançou o livro “A Ideologia do Movimento Escola Sem Partido – 20 Autores Desmontam o Discurso”, com 18 artigos que “expõem claramente a natureza autoritária de um movimento que esconde sua própria ideologia na tentativa de silenciar visões de mundo divergentes”, afirma Vera Masagão Ribeiro, doutora em Educação pela PUC-SP e coordenadora executiva da Ação Educativa, na apresentação do livro.

Um dos artigos do livro, “Nada Mais Ideológico Que ‘Escola Sem Partido'”, é de Cleo Manhas, assessora política do Inesc e pode ser lido aqui. Outros autores são Daniel Cara (Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação), Frei Betto, Leonardo Sakamoto, Juliane Cintra, Fernando Penna e Moacir Gadotti, entre outros.

O livro está à venda na sede da Ação Educativa, para retirada imediata (aceitamos somente em dinheiro). Endereço: Rua General Jardim, 660, Vila Buarque, São Paulo/SP. A venda também está disponível na livraria Martins Fontes, acesse aqui.

 

 

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A economia colaborativa cresce como reflexo de uma sociedade menos egoísta

Por Gláucia Chaves, do Correio Braziliense.

Em sua recente visita ao Brasil, o sociológo francês Michel Maffesoli afirmou que estamos vivendo a “era dos sentimentos”. Antigos paradigmas estão sendo quebrados, conceitos como “sucesso” e “felicidade”, sendo ressignificados. Para ele, a competitividade está dando lugar ao espírito coletivo. Diversidade e respeito às diferenças hoje falam mais alto que o individualismo. Muita gente concorda com Maffesoli e o pensamento de que vivemos em uma era “líquida”, como prega o filósofo Zygmunt Bauman, começa a chamar a atenção. O mundo em rede, quando adaptado para a vida profissional, também ganha um nome: economia colaborativa.

Os adeptos dos novos vínculos de trabalho têm um perfil específico: não querem apenas trabalhar, querem algo que faça sentido. Querem trocar ideias, experiências, economizar, preservar o meio ambiente e, claro, ganhar dinheiro. As relações econômicas também mudaram. Há algumas décadas, o caminho de um profissional de sucesso era escalar cargos dentro de uma mesma empresa até chegar à chefia — ainda que, para isso, esse indivíduo tivesse que permanecer na mesma organização por toda a sua vida profissional. Hoje, a sociedade parece querer redefinir o próprio conceito de ser bem-sucedido.

Rotatividade de empregos, habilidades múltiplas, parcerias e a busca por ofícios que fazem sentido para o trabalhador são a nova ordem. A era comandada pelos afetos, de acordo com estudiosos do tema, já começou. Escolhemos alguns poucos exemplos que estão fazendo a diferença em Brasília. Vamos conhecer juntos?

Coletivo da Cidade

Por fora, a casa não tem nada de diferente das outras da Cidade Estrutural: paredes sem reboco, a poeira vermelha na porta. Por dentro é que a coisa se transforma. O Coletivo da Cidade funciona como um espaço de aprendizagem que reúne vários outros coletivos e iniciativas sociais. Jaqueline de Sousa, 30 anos, faz parte da coordenação do trabalho pedagógico do coletivo. Há cinco anos, quando o projeto começou, ela explica que o trabalho consistia basicamente em minicursos para crianças e adolescentes sobre idiomas, desenho, grafite, direitos humanos e outros temas de interesse da comunidade.

O projeto nasceu como uma continuidade de outro trabalho, que atendia pais e filhos para a criação de vínculos e melhoria da convivência familiar em comunidade. Desde 2012, em parceria com a Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh), o espaço funciona com sala de aula para meninos e meninas de 6 a 15 anos, no período em que os jovens não estão na escola. Atualmente, a parceria mais forte é com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “Eles se aproximaram da gente com uma proposta de construção coletiva do projeto Observatório de Crianças e Adolescentes, o Oca”, detalha Jaqueline.

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A perspectiva do Oca era fortalecer a metodologia do Coletivo, que se propõe a transformar os jovens em protagonistas de suas próprias vidas. “É trabalhar o olhar deles na comunidade, para que possam monitorar o território, intervir, reconstruir juntos, acreditando no potencial de transformação que eles têm.” O trabalho do coletivo funciona a partir das chamadas rodas de aprendizagem. Cada uma contempla um eixo do saber, como criar, cuidar, conviver e brincar. Cada um dos verbos tem atividades específicas que contribuirão para que os saberes dos jovens sejam desenvolvidos. “Fomos amadurecendo isso e, hoje em dia, temos trabalhos bem concretos das crianças e adolescentes que se organizam em torno dessas rodas”, completa.

Os projetos feitos pelos integrantes do coletivo vão de objetos a videoclipes, passando pela produção de um jornal, o Voz da Quebrada, e até mesmo intervenções literais, como o projeto Beco da Esperança. A ideia deste último foi transformar um local sujo, cheio de lixo e perigoso em uma horta comunitária. “Os adolescentes foram especialmente protagonistas nesse processo de diálogo com a comunidade”, completa Jaqueline. Foram eles, inclusive, os responsáveis pelas reuniões com vizinhos, pelo planejamento, proposta, captação de parceiros e diálogo com representantes governamentais. Ajudá-los a encontrar os próprios caminhos é o principal objetivo da iniciativa, mas apurar o olhar dos mais novos para o mundo ao redor é tão essencial quanto o protagonismo. “Queremos que eles saiam dessa perspectiva de estudar para sair daqui. Aqui é um território de possibilidades, mas do que de problemas. O que temos que fazer é enxergar juntos.”

Cleo Manhas faz parte de um dos projetos desenvolvidos no Coletivo da Cidade. A assessora política do Inesc explica que um deles é o Mapa das Desigualdades, um levantamento para esquematizar a quantas anda a saúde, a educação, a mobilidade e outros indicadores das diferentes regiões do Distrito Federal. “A ideia é atuar pelo direito à cidade, torná-la mais democrática, sem tanto distanciamento entre o centro e a periferia”, explica. Outro projeto atuante no coletivo é o Engenheiros Sem Fronteiras, iniciativa internacional exportada para cá graças ao idealismo do estudante da Unb Tales Ferreira, 24 anos. “Trouxemos alguns projetos que já estavam sendo feitos em outros lugares, como as oficinas de sabão ecológico, de ciência para crianças e de aquecedores de chuveiro”, lista.

Leia aqui sobre outros projetos abordados pela reportagem.

Vamos aproveitar para falar mais sobre crianças, adolescentes e jovens?

Prefeitos eleitos de 32 municípios detêm mais de 10% do PIB local

Diversos municípios brasileiros elegeram, no pleito deste ano, prefeitos com renda expressiva em relação aos próprios produtos internos brutos (PIBs). O PIB de um município é formado pela soma das riquezas produzidas na localidade. Uma pesquisa feita pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revelou que 15,2% (782) dos prefeitos eleitos declararam patrimônio maior que 1% do PIB do município pelo qual se elegeram. Em 32 municípios – a maior parte nas regiões Centro-Oeste e Nordeste –, os prefeitos eleitos declararam um patrimônio equivalente a 10% do PIB municipal.

Um dos maiores expoentes dessa estatística está em Mato Grosso. O prefeito de São José do Xingu, Luiz Carlos Castelo, tem um patrimônio equivalente a 36,9% do PIB do município que assumirá em 2017. A maior parte do seu patrimônio declarado de R$ 51,7 milhões se refere a cabeças de gado, equipamentos agrícolas e imóveis. O PIB de São José do Xingu é R$ 140 milhões.

Já Jonas Muniz, novo prefeito de Cruz, no Ceará, tem patrimônio de R$ 40,3 milhões, segundo última atualização do site do TSE. O município tem PIB de R$ 124,4 milhões. O patrimônio de imóveis, veículos, dentre outros, representa 32,4% às riquezas de sua cidade.

Em Santo Expedito, município no estado de São Paulo, o prefeito reeleito, Vandi, declarou patrimônio equivalente a 25,2% do PIB da cidade, pouco mais de um quarto da renda local. São R$ 6,9 milhões em imóveis e cabeças de gado, dentre outros, enquanto a cidade gera R$ 27,5 milhões.

Mato Grosso é o dono da maior média de patrimônio entre os prefeitos eleitos. São R$ 2,8 milhões de média, seguido de Mato Grosso do Sul (R$ 1,7 milhões). O estado com menor média é o Amapá, com R$ 364 mil de patrimônio médio.

Patrimônios individuais

Os três prefeitos com maior patrimônio declarado são empresários. O novo prefeito de São Carlos (SP), Airton Garcia, tem renda declarada ao TSE de mais de R$ 439,6 milhões. O italiano naturalizado brasileiro Vittorio Medioli, novo prefeito de Betim (MG), tem patrimônio declarado superior a R$ 352,5 milhões. João Dória, eleito prefeito de São Paulo (SP), declarou patrimônio superior a R$ 179,7 milhões.

Os três declaram, em seu patrimônio, participações em empresas, fundos de investimentos e imóveis. Dória, por sua vez, também declara obras de arte no valor de R$ 33 milhões. Já o prefeito de São Carlos informa ainda ter fazendas em Tocantins e São Paulo.

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Para a assessora política do Inesc, Carmela Zigoni, os números mostram que o Brasil ainda vive uma política dominada pelos mais ricos. “No Brasil existe uma desigualdade estruturante. As elites se reproduzem no poder. Não há uma política que gere diversidade. Sabemos que os representantes do povo são homens brancos de alto poder aquisitivo e com mais 40 anos”. De acordo com a pesquisa, 62% dos prefeitos eleitos são homens de cor branca.

Para ela, a mudança desse quadro passa por uma alteração no sistema político do país. “O mais importante é fazer uma discussão ampla sobre a reforma do sistema político. Tanto no sistema eleitoral, que não traz todos os segmentos da sociedade para o Poder Legislativo, quanto para a questão cultural; uma mudança cultural para que as pessoas votem pensando que a diversidade é importante”.

Mulheres e indígenas

A pesquisa do Inesc também mostrou um número de mulheres eleitas muito inferior ao de homens. Foram apenas 11% de mulheres eleitas para prefeituras. Considerando todos os 68.755 prefeitos e vereadores eleitos, as mulheres representam 13,4% (9.226).

Os números vão de encontro à lógica da lei que determina o número mínimo de mulheres candidatas por partido. Carmela avalia que as candidaturas de mulheres são as menos dotadas de investimento dos partidos, que as colocam apenas para cumprir a cota mínima. Apesar do aumento de 10% nas candidaturas de mulheres nos últimos oito anos, o número de eleitas teve um acréscimo bem menor, de 1%.

Além disso, existe a questão racial. Do total de prefeitas eleitas, 457 (71,29%) são brancas, 168 (26,21%) pardas, 10 (1,56%) pretas, 5 (0,78%) amarelas e 1 (0,16%) indígena. Do total de vereadoras eleitas, 4.862 (66,67%) são brancas, 2.536 (32,83%) são pardas, 330 (3,85%) são pretas, 38 (0,52%) são amarelas e 21 (0,23%) são indígenas.

Eentre os indígenas, tanto homens quanto mulheres, a participação política é muito pequena. Foram eleitos apenas seis prefeitos. Desses, dois são de Pernambuco, e na Paraíba, Acre, Amazonas e Pará um prefeito indígena foi eleito. Entre os candidatos indígenas a vereador, 160 foram eleitos. Apenas nos estados do Piauí, Rio de Janeiro e de Sergipe não haverá representantes indígenas nas câmaras de Vereadores pelos próximos quatro anos.

Vamos falar sobre reforma do sistema político?


Fazer reforma política é mais do que “limpar as eleições”

Texto de José Antonio Moroni, do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e representante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, publicado na edição especial da revista Galileu dedicada ao tema, “Reforma política: o que falta para a população ter mais poder?”

O artigo de Moroni:

A crise política, que culminou com a deposição da presidenta Dilma, é consequência do nosso sistema político. Sistema altamente elitista, em que a única expressão da soberania popular é o voto, alicerçado no poder econômico e na exclusão de vários segmentos da população. É a “democracia sem povo”.

Fazer a reforma do sistema político é ter em mente duas questões que se complementam: qual reforma e como fazer. Constituinte? Plebiscito? Congresso faz, e do jeito dele? Qual conteúdo? O que queremos enfrentar? Que sistema queremos construir? Respostas fundamentais para a construção de um novo modelo democrático.

Quais são os sujeitos políticos reconhecidos como tal para fazer a reforma? Não são só os partidos. A reforma tem que construir uma nova forma de poder, alicerçada na soberania popular, na democracia direta e nas diversas formas pelas quais a sociedade se organiza. Sobre o conteúdo, não é apenas para “limpar as eleições”.

Isso não muda a lógica do poder. Além de melhorar o sistema eleitoral, com a proibição do financiamento privado e com mecanismos de inclusão de mulheres, população negra, indígena, homoafetiva, pessoas com deficiência, jovens etc., precisamos fortalecer o poder de decisão do povo. É fundamental que o povo possa convocar plebiscito e referendo, e que determinadas questões só possam ser decididas por meio desses instrumentos.

Não existe reforma do sistema político sem a democratização da comunicação e do sistema de Justiça. Reforma do sistema político é pensar como democratizar as relações de poder em todas as esferas e espaços, e isso só a soberania popular é capaz de fazer.

Leia aqui a íntegra da reportagem especial da revista Galileu sobre reforma política.

Vamos falar mais sobre reforma do sistema político?

Acordo de Paris entra em vigor; desafio é ampliá-lo

O Acordo de Paris para o combate às mudanças climáticas entra nesta sexta-feira, 4, em vigor em tempo recorde, menos de um ano depois de ter sido fechado na capital francesa por 195 países, com o desafio de acelerar e incrementar suas ações, a fim de evitar os piores impactos do aquecimento global.

Até esta semana, 94 países adotaram o Acordo, criando um momento de empolgação diante de um problema complexo. As emissões de gases de efeito estufa precisam cair, mas continuam subindo, enquanto o planeta está cada vez mais quente – a expectativa é de que 2016 vai bater o recorde, pelo terceiro ano seguido, como o mais quente desde o início dos registros.

Ao mesmo tempo, novos cálculos confirmam que as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) -, compromissos que cada país ofereceu como contribuição ao acordo, ao serem somadas, ficam bem aquém do necessário para limitar o aquecimento do planeta a menos de 2°C até o fim do século. Estão mais distantes ainda do 1,5°C, valor mais desejado para evitar danos aos países mais sensíveis à mudança do clima.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) fez nesta quinta-feira, 3, o alerta de que o mundo só vai alcançar a meta dos 2°C se fizer um corte adicional de 25% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação ao que já estava previsto para ser reduzido. O dado consta do Gap Report, relatório que todo ano mede a lacuna entre as ações que a humanidade está tomando para diminuir a quantidade de gases que é lançada na atmosfera e o quanto de fato precisaria ser feito.

Pela conta, em 2030 todos os países juntos deveriam emitir no máximo 42 gigatoneladas de CO2 equivalente (a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono), mas, considerando o ritmo de ações atuais e os compromissos assumidos pelos países junto ao Acordo de Paris, a emissão do mundo estará entre 54 e 56 gigatoneladas. Com isso, a temperatura subiria de 2,9°C a 3,4°C até 2100, na comparação com os valores pré-industriais.

A rápida entrada em vigor do acordo passa um sinal claro a quem ainda não o ratificou, mas também a empresas, mercado financeiro e setores que de algum modo estão ligados ao problema, que o mundo está comprometido de verdade a resolvê-lo. A expectativa é de que também acelere ações justamente para fazer a conta fechar.

Próxima Conferência da ONU sobre Clima será no Marrocos

Na próxima segunda-feira, começa em Marrakesh a 22ª Conferência do Clima da ONU, que terá a missão de dar o pontapé inicial nesse processo. Será a primeira oportunidade para as partes que já ratificaram o Acordo de Paris começarem a decidir como se dará sua adoção. Desse grupo fazem parte os dois maiores emissores do planeta – China e Estados Unidos – e também pesos pesados na discussão, como Índia, União Europeia e Brasil.

Na prática, porém, a entrada em vigor, comemorada como um arroubo de vontade política até então inédita nas negociações de clima – principalmente quando Estados Unidos e China tomaram a dianteira do processo -, não significa que imediatamente os países começarão a adotar novas medidas para cumprir suas metas.

O acordo passa agora por um processo burocrático para definir algumas regras do jogo e só então torná-lo de fato operacional. É preciso definir, por exemplo, o conjunto de informações que os países terão de apresentar quando forem comunicar suas NDCs; como será o monitoramentos dos resultados; como se dará o mecanismo de mercado e o financiamento.

Vamos falar sobre questões socioambientais?


A verdade, afirma o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe da delegação brasileira, é que não se esperava que o acordo entraria em vigor tão rápido. Quando foi fechado, em dezembro do ano passado, se considerava que isso só ocorreria em 2020.

“A entrada em vigor marca um momento político favorável e demonstra consenso da comunidade internacional sobre a urgência de ações que devem ser tomadas para combater a mudança do clima”, disse nesta quinta em coletiva à imprensa. Mas não quer dizer que a pressa não foi importante, ressalta. Segundo ele, vai acelerar os trabalhos de implementação.

Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o principal ganho da entrada em vigor é justamente que a partir de segunda já haverá o primeiro espaço formal para começar a regulamentação. “Quase cem países já ratificaram. Isso vai impor um censo de responsabilidade para tirar o Acordo de Paris do papel.”

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Política fiscal y derechos humanos en tiempos de austeridad

La Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) abordó por primera vez en el marco de sus audiencias temáticas, el vínculo entre la política fiscal y los derechos humanos en Octubre de 2015 (156° período de sesiones). El informe presentado por una coalición de organizaciones que trabajan en los campos de los derechos humanos, la justicia fiscal y el desarrollo, sentó las bases de un debate largamente pospuesto en la región: la injusticia fiscal como un asunto de derechos humanos. El informe ponía en relieve el rol de las políticas fiscales regresivas e injustas en la profundización de las desigualdades en la región pero también ponía énfasis en su potencial transformador y redistributivo, así como en las obligaciones de los Estados de usar sus recursos para garantizar los derechos humanos.

El debate sobre la política fiscal en el marco del Sistema Interamericano de Derechos Humanos no solo es un debate actual y necesario sino una pieza fundamental en el acercamiento de las agendas económicas y de derechos en la región. Las decisiones macroeconómicas, incluidas aquellas en materia tributaria y presupuestaria, influyen y determinan el nivel de goce efectivo de los derechos humanos; los ministerios de economía y finanzas, así como los parlamentos cuanto toman decisiones en estos campos, tienen un enorme poder en el establecimiento de las prioridades de los gobiernos sobre cómo se recauda y en qué se gastan los recursos públicos. El manejo de los recursos financieros para la protección de los derechos cobra mayor importancia en contextos de crisis o de reducción del crecimiento económico como el que atraviesa la región.

Tradicionalmente en América Latina, al igual que en otras regiones, los gobiernos han respondido a los periodos de crisis económica con la adopción de medidas de austeridad fiscal – caracterizadas por: a) una reducción drástica de los presupuestos destinados a brindar servicios públicos básicos y programas de protección y seguridad social, b) una subida de los impuestos indirectos regresivos que recaen más sobre las clases medias y la población más pobre, c) una disminución en la protección a los derechos laborales, y d) una privatización de los bienes y servicios públicos. Esto sucede a pesar de la evidencia existente sobre los efectos contraproducentes de las políticas de austeridad fiscal para salir de una crisis económica, y de que existen varias alternativas para expandir el espacio fiscal (ej. aumentar los ingresos fiscales de forma equitativa, combatir la elusión y evasión tributaria, frenar los flujos financieros ilícitos, re-priorizar el gasto público), medidas que podría contrarrestar la necesidad o la severidad de la austeridad y proteger de mejor manera los derechos humanos a través del ciclo económico. Lamentablemente, en el actual contexto de desaceleración económica en América Latina, varios países han empezado a adoptar paquetes de medidas de austeridad y otras reformas más o menos visibles dirigidos a implementar la receta tradicional de medidas de austeridad.

Con el fin de profundizar los argumentos y evidencia expuestos en la audiencia temática regional antes mencionada, la coalición de organizaciones que auspiciaron dicha audiencia organizaron un diálogo internacional “Política Fiscal y Derechos Humanos en Tiempos de Austeridad” con el auspicio de la Unidad de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de la CIDH, en el marco del 157° periodo de sesiones, llevado a cabo en Abril de 2016. El diálogo convocó a distinguidos/as expertos/as miembros de organismos del Sistema de Naciones Unidas y del Sistema Interamericano de Derechos Humanos, así como a funcionarios de organismos intergubernamentales y representantes de la sociedad civil de la región, con el propósito de analizar la evidencia de los impactos iniciales de las medidas de austeridad en 3 algunos países de la región (México, Colombia y Brasil), destilar las lecciones aprendidas sobre el rol de los mecanismos de derechos humanos del Sistema universal y europeos durante la crisis económica del 2008 y analizar los estándares y principios de derechos humanos que los Estados deberían tener en cuenta en el diseño y la implementación de sus políticas fiscales en contextos de crisis económica.

Temas del diálogo

En sus presentaciones introductorias, el Presidente de la CIDH, James Cavallaro, el Comisionado Paulo Vannuchi y la Directora Ejecutiva Adjunta del Center for Economic and Social Rights (CESR) Gaby Oré Aguilar, destacaron el significado y la importancia del rol de la CIDH en el abordaje de la política fiscal en el contexto de contracción económica que atraviesa la región. En consonancia con el desarrollo normativo y jurisprudencial de los organismos de derechos humanos de las Naciones Unidas, se enfatizó la forma en que los estándares y principios de derechos humanos que se derivan de los tratados internacionales y regionales pueden guiar de manera oportuna las políticas de los Estados en materia fiscal, para evitar el deterioro en los derechos humanos que acarrea la implementación de las medidas de austeridad fiscal, especialmente sobre los sectores en situación de vulnerabilidad y exclusión social.

Fecha: 11 de Abril de 2016

Hora: 6:30 PM – 8:30 PM (Registro desde las 6:00 PM)

Lugar: Comisión Interamericana de Derechos Humanos – 1889 F St., N.W., Washington, D.C., U.S.A. 20006

PROGRAMA

Encontro nacional reúne gestores, movimentos sociais e acadêmicos para discutir governo aberto

Movimentos sociais, acadêmicos, gestores públicos e cidadãos se reunirão no próximo dia 29 de novembro em São Paulo para o I Encontro Brasileiro de Governo Aberto, para debater propostas, estudos e ações relacionadas ao tema.

A inscrição para participar do encontro é gratuita e pode ser feita aqui.

Até o dia 10 de novembro serão aceitas propostas de mesas, grupos de trabalho e oficinas, que podem ser submetidas aqui.

Na programação do encontro no dia 29/11 estão confirmadas a participação de Emilene Martinez Morales (México), coordenadora da Sociedade Civil da Parceria para o Governo Aberto (OGP, na sigla em inglês) para América Latina, a apresentação dos Planos de Ação locais (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte) da Parceria para o Governo Aberto, roda de debate com o público, grupos de trabalho e oficinas, e lançamento dos Planos de Ação locais e nacional, seguido de discussão sobre o futuro da Parceria no Brasil.

O I Encontro Brasileiro de Governo Aberto tem apoio do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Clique aqui para saber mais sobre a parceria para o governo aberto (OGP).

FAO lança consulta pública do relatório sobre sistemas alimentares e nutrição

O Painel de Especialistas do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (HLPE-CSA), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), lançou uma consulta pública na Internet da Versão Zero do Relatório sobre Sistemas Alimentares e Nutrição. A consulta tem como objetivo recolher sugestões para o relatório que será lançado na sessão de outubro de 2017 do CSA.

O relatório tem como objetivo analisar as formas pelas quais os sistemas alimentares influenciam os padrões alimentares e a nutrição e também indicar soluções e destacar políticas e programas eficientes para que os sistemas alimentares protejam e promovam a boa nutrição. “Inúmeras instituições e grupos tem elaborado documentos e promovido eventos sobre este tema. O relatório do HLPE tem a importância de, uma vez aprovado, conduzir formalmente as discussões no cenário multilateral internacional”, avalia a conselheira Elisabetta Recine, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

“Há temas fundamentais que não estão presentes ou fortes o suficiente e que precisam de estímulo da consulta pública para aparecerem, tais como centralidade dos direitos humanos, gênero, agrotóxicos, transgênicos, agricultura familiar, agroecologia, papel regulador do Estado, centralidade da comida para promover a nutrição, entre outros”, conclui ela.

A consulta pública tem prazo até 5 de dezembro deste ano. Para acessá-la, clique aqui.

Vamos falar mais sobre soberania e segurança alimentar e nutricional?


Consulta pública sobre relatório para Conselho de Direitos Humanos da ONU é prorrogada

Quem quiser dar contribuições e recomendações ao texto do III Relatório Brasileiro ao Mecanismo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU agora terá mais tempo. O prazo da consulta pública foi prorrogado até o próximo dia 19 de novembro, segundo informação divulgada pela Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

O objetivo da consulta é expor a público o conteúdo do informe brasileiro, a fim de receber contribuições e recomendações ao aprimoramento do texto.

O documento está disponível no site da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e as contribuições podem ser encaminhadas por meio de formulário próprio. Após o fechamento do texto, o relatório será enviado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

No segundo trimestre de 2017, o Brasil passará pela terceira vez pelo Mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O projeto visa oferecer acesso fácil e organizado às informações e documentos relacionados à revisão do Brasil, incluindo materiais relacionados às suas duas passagens anteriores, em 2008 e 2012.

Aqui você encontrará as recomendações feitas ao Brasil por seus pares e os compromissos voluntários assumidos pelo país em relação aos direitos humanos. Poderá também acessar os relatórios preparados pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) para cada sessão, além dos relatórios-sombraelaborados pelas organizações da sociedade civil. Saiba mais aqui.

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Sociólogo Boaventura Santos faz radiografia da crise política brasileira e aponta caminhos

A crise política brasileira, o golpe parlamentar-judicial contra a democracia brasileira, o futuro da esquerda e o avanço das forças conservadoras no Brasil e no mundo foram temas da entrevista que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos concedeu à revista Carta Capital, publicada na edição desta semana.

Boaventura afirma que a onda neoliberal que atinge hoje o Brasil chegou com força em Portugal há cinco anos, mas foi brecada pela resistência dos setores progressistas portuguesas. Para barrar os retrocessos defendidos pelo governo Temer e maior parte do Congresso brasileiro, como a PEC 241 (agora que chegou ao Senado, virou PEC 55), reforma do ensino público e reformas trabalhista e previdenciária, será preciso que a esquerda brasileira esteja unida com esse propósito.

O sociólogo português esteve no Brasil para lançar o livro A Díficil Democracia – Reinventar as Esquerdas, tendo participado de algumas palestras na III Bienal do Livro de Brasília e na Universidade de Brasília (UnB) para discutir o tema. Em suas análises, Boaventura afirma que boa parte das irrupções democráticas dos últimos 30 anos ocorreram em períodos de reforço do neoliberismo. “Foi assim nas transições da ditadura para a democracia dos anos 80 e nos protestos de 2011, depois de a crise financeira de 2008 ter aumentado o poder global do capital financeiro que a tinha provocado e “resolvido” a seu favor.”

Sobre o impeachment de Dilma Rousseff, Boaventura afirma na entrevista à Carta Capital que foi uma “passagem brusca e sem respaldo constitucional de uma democracia de baixa intensidade”, e que os sistemas político e eleitoral do Brasil têm limites para refletir a vontade das maiorias e que há uma grande distância entre esses sistemas e os cidadãos, “maior agressividade dos poderes fáticos, menor proteção social das classes mais vulneráveis, menos confiança na intervenção moderadora dos tribunais”.

Mas o que chamou mesmo atenção do sociólogo foi a participação “agressiva” do Poder Judiciário brasileiro na concretização do golpe, justamente num momento histórico, em que o sistema judicial poderia se afirmar como “um dos pilares mais seguros da democracia brasileira”. “Por que é que esta oportunidade foi tão grosseiramente desperdiçada?  O sistema judicial deve uma resposta à sociedade brasileira.”

Boaventura não se surpreendeu com as primeiras medidas tomadas pelo governo Temer, “são um receituário neoliberal global” para criar novas oportunidades de acumulação de capital por meio de privatizações, redução da despesa pública – principalmente nas políticas sociais – e aumento da repressão a movimentos sociais.

Devemos notar que a lógica da austeridade já se tinha instalado no segundo mandato de Dilma. Mas há uma diferença qualitativa. Com o governo do PT essa lógica traduzia-se em algumas medidas de emergência e com a crença equivocada de permitirem a curto prazo o regresso à normalidade de uma governação minimamente inclusiva no plano social. Com o governo Temer, tais medidas, um menu imenso, são a nova normalidade.”

Leia aqui a íntegra da entrevista com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos.

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Vitória do ‘não voto’ impõe debate sobre reforma política

Vamos aproveitar e falar sobre reforma do sistema político?

Novo vazamento de caulim no Pará revela, outra vez, a irresponsabilidade do setor mineral na Amazônia

A empresa francesa Imerys divulgou nesta segunda-feira (31/10) que ocorreu um novo vazamento de rejeitos do beneficiamento do caulim em Barcarena (PA), o quarto sob sua responsabilidade na região – os outros ocorreram em 2007, 2008 e 2014. O rejeito de caulim, minério usado na fabricação de artigos de porcelana, na indústria de papel, borracha, plásticos, pesticidas, farmacêuticos e fertilizantes, entre outros, vem causando diversos danos socioambientais na região.

A Imerys, juntamente com a Vale, domina o mercado de produção de caulim no Brasil com 40,9% da produção nacional, e é a maior beneficiadora desse minério no mundo. O caulim extraído em Ipixuna (PA) é enviado por mineroduto para Barcarena onde a Imerys opera sua unidade industrial (a maior do mundo) que inclui a secagem, a embalagem e o terminal portuário privativo que exporta quase a totalidade da sua produção. No Pará, a mineradora francesa tem duas minas de extração de caulim.

“Barcarena é um triste retrato da relação entre a grande mineração industrial e violação dos direitos sociais e ambientais na Amazônia”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), lembrando que o histórico de vazamentos e contaminações do meio ambiente na região também inclui outras empresas, como a norueguesa Hydro Norsk, que explora a bauxita para a produção de alumina e alumínio.

Segundo Alessandra, ações do Ministério Público, incluindo a edição de Termos de Ajustamento de Conduta – TACs, não foram suficientes para proteger a população e o meio ambiente e muito menos para evitar novos acidentes causados pelas empresas que beneficiam minérios em Barcarena. “Tampouco o governo do Estado e a Prefeitura parecem de fato comprometidos em barrar a atuação criminosa das empresas e proteger sua população”, diz Alessandra. “Não bastasse sua atuação ambiental e socialmente temerárias, as empresas se mostram pouco responsáveis pelo quadro de desemprego vivido pelos moradores da cidade. Em outubro, a Hydro contratou um empresa baiana e a mesma trouxe toda mão de obra daquele estado para ocupar os novos postos de trabalho abertos, sob o olhar e a expectativa, frustrada, dos 30 mil trabalhadores desempregados da cidade.”

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Os problemas ambientais, de pobreza, de falta de infraestrutura e de perspectivas para a população de Barcarena só se acumulam, mostrando “a face sombria e pouco atraente do modelo mineral brasileiro do qual Barcarena é um forte marcante, mas que poucos querem enxergar”, afirma Alessandra.

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) acionaram a Justiça pedindo providências urgentes para possibilitar que a população de Barcarena tenha acesso à água potável, com base em pesquisas da Universidade Federal do Pará (UFPA) que comprovam a contaminação por metais pesados na água consumida por moradores do município. Segundo a mineradora Imerys, o vazamento desta semana não atingiu outra região além da praia de Vila do Conde, que fica em frente ao porto privado da empresa, mas o histórico de contaminação de rios, nascentes e córregos, causando problemas de abastecimento de diversas comunidades da região, colocam em xeque a informação da empresa.

Vamos falar um pouco mais de questões socioambientais?


Vitória do ‘não voto’ impõe debate sobre reforma política

Por Carta Capital.

A crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e reduziu a presença do PT de 638 para 254 prefeituras, entre 2012 e 2016, foi responsável também por fazer desta eleição a mais rejeitada pelo eleitor brasileiro desde a redemocratização.

O chamado “não voto” (abstenções, brancos e nulos) somou 41,24% do eleitorado no segundo turno, conforme dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No mesmo turno em 2012, a soma havia sido de 33,4%. Foi o mais alto índice de desistência nas disputas municipais. Somente as abstenções, que na primeira rodada eleitoral deste ano havia atingido 17,58%, saltou para 21,55% no pleito encerrado no domingo 30.

O resultado impõe, na avaliação de cientistas políticos ouvidos por CartaCapital, a necessidade de o País debater uma reforma política com redução de partidos, mais tempo de campanha e maior engajamento da sociedade na definição de programas eleitorais.

“O resultado dessa eleição é um sinal amarelo que se acende para todas as forças políticas. Tanto para a esquerda, que foi rechaçada, quanto para os liberais ou conservadores, que venceram mas não receberam um cheque em branco”, avalia o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP) William Nozaki.

Ele sugere que o alto desinteresse confirma a rejeição ao sistema eleitoral. “A crise de representação se consolida nesta eleição, porque o eleitor escolheu não participar do processo eleitoral”, afirma.

Já o cientista político Rafael Araújo, professor da PUC-SP e da FESP-SP, avalia que a alta pulverização partidária, com o crescimento de legendas como o PRB (de 85 para 105 prefeituras, computando o Rio de Janeiro) e o PHS (de 16 para 37, incluindo Belo Horizonte), demonstra que a população confirma a crise política “como um problema e não reconhece no voto uma solução”.

“A classe política precisa criar novos vínculos com a população”, pondera Araújo. Segundo ele, os eleitores precisam entender que votar não pode ser apenas uma obrigação. “A população precisa amadurecer e entender como funciona a burocracia e o processo jurídico de Estado”, ressalta “Nesta eleição, ela se isentou e disse: ‘preciso que alguém tome conta de mim’.”

Minirreforma

Para Nozaki, a crise de representa que ceifou o mandato de Dilma alterou a lógica do “não voto”, antes restrito a setores da classe média de centros urbanos. A dissidência eleitoral ganha terreno, agora, na periferia e no interior do País, escancarando a falta de representatividade. “Os partidos têm de reinventar programas e canais de diálogo com a sociedade”, sugere.

Não à toa, a rejeição aos candidatos foi bastante expressiva entre os cariocas. No Rio de Janeiro, 46,93% do eleitorado optou pela abstenção, branco ou nulo. O senador Marcelo Crivella (PRB) foi eleito com 1,7 milhão de votos, contra mais de 2 milhões de abstenções, brancos e nulos.

Vamos falar sobre reforma política?

Em Porto Alegre, o ‘não voto’ ganhou até jingle, o “Anula Lá”.A paródia sobre a música de campanha presidencial de Lula em 1989, que recebeu apoio do PT e do PSOL, foi um dos fatores que levaram a capital gaúcha a registrar 44,29% de abstenções, brancos e nulos.

Nelson Marchezan Júnior (PSDB) foi eleito com 60,5% dos votos no domingo, mas 383.751 eleitores (44,29% do total) optaram pelo ‘não voto’. Enquanto Alexandre Kalil (PHS) foi eleito com uma diferença inferior a 114 mil votos.

Em São Paulo, o prefeito eleito João Doria (PSDB) venceu no primeiro turno. O tucano, porém, obteve 11.117 votos a menos que o total de abstenções, brancos e nulos.

Araújo interpreta os números como resultado de dois movimentos: a despolitização facilitada pelo discurso anticorrupção e a minirreforma eleitoral tocada pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB).

Especialista na relação entre mídia e política, o professor da PUC aponta que a construção de um discurso segundo o qual o período do PT no comando o País foi o mais corrupto tem impacto nos índices tão elevados de rejeição ao modelo político. “É complexo para o eleitor compreender que ter mais apuração policial não é o mesmo que ter mais corrupção. Mas foi isso que levou a população à rua para tirar foto com a polícia e depois se recursar a participar da eleição”, diz Araújo.

Já a redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias, após a minirreforma de Cunha, favoreceu a rejeição aos candidatos ao reduzir o tempo de debate e apresentação de propostas, avalia Araújo. “A reforma pode ter sido feita como um cálculo para manter as pessoas afastadas de um envolvimento com o processo eleitoral”, afirma.

Nozaki também credita à minirreforma parte da esvaziada participação do eleitorado. “O clima já estava marcado por certa aversão ao processo eleitoral e o tempo curto (de campanha) contribuiu para jogar água no moinho da despolitização”, diz.

Cooperação Internacional e golpe parlamentar: novo desafio, nova perspectiva

Início dos anos 70 do século 20, auge da ditadura militar no Brasil. Nos campos e nas cidades reinava a paz dos cemitérios. Trabalhadores rurais e trabalhadores urbanos viviam quase como escravos nas fazendas e nas fábricas, a política estava abolida das conversas cotidianas, o noticiário explorava as práticas esportivas, as igrejas pregavam a vida depois da morte. Que estava por toda parte. Nas prisões, com milhares de presos políticos, nas câmaras de tortura, a morte imperava soberana e seu poder transbordava para o dia a dia da sociedade brasileira.

Aos poucos, uma rede de pequenos coletivos populares foi se formando por todo o país, muitos chamados de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), outros de Comissões de Fábrica, outros de Clubes de Mães, outros de Roça Comunitária. Surgiam para refletir sobre a situação concreta da população e para realizar pequenas ações políticas e sociais que aliviassem um pouco o sofrimento cotidiano.

Um general, um dos principais articuladores do golpe de Estado de 1964, estava atento a tudo isso. Seu nome era Golbery do Couto e Silva, sua especialidade era a atividade de “inteligência”, ou a antecipação de cenários para a atuação militar. Este analista logo percebeu que algo estava errado no país, um excesso de silêncio para uma população sempre extrovertida, um conjunto grande de problemas vividos sem canal para se expressar. Em 1972 formulou sua hipótese e sua proposta: “Ou mudamos algo, ou terminaremos todos pendurados num poste.” Explicou que “quanto mais você concentra o poder, mais ele perde força real e, por outro lado, gera um núcleo de contra-poder forte.” O estrategista militar explicitou sua proposta: a ditadura deveria imediatamente tomar a iniciativa de uma “abertura lenta, gradual e segura”. Esta estratégia foi, pouco depois, colocada em prática pelos militares.

Agências de cooperação internacional: parcerias por uma sociedade mais justa

Na medida em que a rede inicial de coletivos populares se expandia e se fortalecia, espaços institucionais iam se abrindo lentamente, a liberdade de reunião e de expressão era exercida de forma controlada, vigiada, mas num crescendo de participação popular. Esta participação ia transformando a rede em movimentos populares locais, logo regionais e, em poucos anos, em movimentos populares nacionais. Este percurso também não foi feito de forma espontânea, mas acompanhada, apoiada e refletida por militantes, por religiosos, por estudantes, por intelectuais e por profissionais em busca de alternativas de atuação.

Na medida em que a rede inicial de coletivos populares se expandia e se fortalecia, espaços institucionais iam se abrindo lentamente, a liberdade de reunião e de expressão era exercida de forma controlada, vigiada, mas num crescendo de participação popular. Esta participação ia transformando a rede em movimentos populares locais, logo regionais e, em poucos anos, em movimentos populares nacionais. Este percurso também não foi feito de forma espontânea, mas acompanhada, apoiada e refletida por militantes, por religiosos, por estudantes, por intelectuais e por profissionais em busca de alternativas de atuação.

Além disso, este novo cenário que foi sendo desenhado teve a contribuição determinante de um sujeito político discreto, porém muito presente e atuante: as agências de cooperação internacional. Os representantes desta cooperação eram normalmente pessoas que conheciam muito bem nosso país e nosso povo; tinham laços de confiança com coletivos populares ou instituições como igrejas ou pequenos centros de pesquisa. Muitas vezes eram estrangeiros que viviam há muito tempo no Brasil, radicados aqui com suas famílias. Através destes laços de confiança e de identidade política que pequenos projetos eram elaborados e os recursos eram distribuídos.

Nos países europeus, então vivendo o Estado de Bem Estar Social, a sensibilidade para a situação de opressão nas ditaduras latino-americanas facilitava a captação e doação de recursos expressivos para os grupos que realizavam trabalho popular. A cooperação internacional tinha suas instituições, algumas vinculadas à Igreja Católica, outras às Igrejas Luterana, Presbiteriana, Anglicana e demais igrejas históricas; outras ao movimento sindical; outras a setores leigos independentes, ambientalistas, socialistas etc Estas instituições também passaram a apoiar a criação de centros de assessoria, investigação e ação social, cujo papel era dar suporte e qualificação política para os grupos e dirigentes dos movimentos sociais emergentes – e para que estes criassem suas próprias instâncias nacionais e seus respectivos escritórios e estruturas nacionais. Assim surgiram as entidades de apoio (futuras ONGs) e os movimentos populares com expressão nacional.

Logo as agendas destas entidades de apoio e dos movimentos populares passaram a se utilizar de conceitos e referências novas: formação política de dirigentes e de massa; planejamento estratégico e indicadores de resultado; metodologia de trabalho popular e sindical; história da sociedade e história do Brasil; ferramentas para a transformação da realidade; educação popular; comunicação popular etc.

Fim da ditadura e início da democracia: parcerias renovadas

Estamos avançados nos anos 80, a ditadura está enfraquecida e continua seu processo de retirada de cena de maneira “lenta, gradual e segura”, os movimentos populares vão ocupando cada vez mais a cena política do país, com suas próprias lideranças, com seus próprios métodos de organização e ação. As agências de cooperação internacional acompanham todo este processo, contribuindo de forma definitiva para dar condições operacionais para as entidades de apoio, assim como para viabilizar as estruturas do movimento popular organizado; contribui muito também para os processos formativos e de educação popular gestados pelas entidades e movimentos, em nível local, regional e nacional. Os representantes das diferentes agências de cooperação internacional continuam com laços fortes de confiança com as lideranças locais, sendo que as decisões sobre estratégias de luta; capacitação das lideranças; organização das entidades e movimentos populares, são compartilhadas, assim como o planejamento estratégico e as possibilidades de distribuição dos recursos destinados ao trabalho político e organizativo.

A segunda metade dos anos 80 foi marcada, no Brasil, por um processo de dimensão histórica: a eleição do Congresso Constituinte e a elaboração da nova Constituição Federal. Em 1987 os movimentos populares e sindicais, urbanos e rurais, e as entidades da sociedade civil de todo o país tiveram seus olhos voltados para Brasília, para o Congresso Nacional, mais especificamente para a agenda e cronograma das comissões e sub-comissões onde se debatia e se definia os conceitos e os termos da nova Carta do país. Atentos ao caráter histórico deste processo, milhares de militantes, dos mais variados movimentos e entidades, rumaram para Brasília para, no Congresso Nacional, participar ativamente de debates com deputados e senadores, buscando a construção a muitas mãos de uma nova Constituição, radicalmente democrática, que contemplasse as contribuições e esperanças da experiência coletiva em mais de uma década de lutas populares de base.

Embora muito do que foi trazido pelas caravanas populares não tenha sido assimilado pelos deputados e senadores na nova Carta, esta sem dúvida expressa o “espírito da época”, abrindo caminho para uma nova fase política no Brasil, marcada principalmente pela democratização do Estado; pela participação e controle social; pela criação de conselhos e realização de conferências; pela elaboração participativa de políticas públicas; pela participação direta dos cidadãos e cidadãs nas instâncias do poder municipal, estadual e federal; pela construção de parcerias entre o Estado e as entidades da sociedade civil e do movimento popular.

Este novo cenário teve, certamente, um sujeito político discreto e sempre presente, uma parceira fundamental na criação, desenvolvimento, enraizamento, visibilização e qualificação dos movimentos populares e de seus dirigentes: as agências de cooperação internacional, às quais se deve um reconhecimento por sua contribuição, indireta porém significativa, para o caráter democrático da Constituição Federal de 1988 e sua posterior implementação.

No período pós-Constituição de 1988, o Brasil viveu uma experiência democrática intensa, com forte participação direta da sociedade na formulação de políticas públicas e de sistemas estatais para a implementação destas políticas, alicerçados em novos espaços institucionais com representação paritária governamental e da sociedade civil, espaços estes de monitoramento, avaliação e planejamento de uma ampla gama de programas sociais.

Embora tenham ocorrido em todos os governos do período democrático, os últimos quatro mandatos presidenciais, do presidente Lula e da presidenta Dilma, foram marcados pelo aprofundamento destas novas formas de criação, monitoramento e implementação das políticas públicas, com a co-responsabilidade das entidades da sociedade civil e dos movimentos populares na gestão de recursos públicos significativos. Participação social no PPA (Plano Plurianual), na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e na execução orçamentária; processos conferenciais,; conselhos de direitos; comissões temáticas; espaços e mecanismos de diálogo; secretarias de participação social nos ministérios; mobilizações sociais e interlocução com gestores públicos, todas estas novas formas de interação e de participação social foram experimentadas nestes últimos 13 anos de governo federal, com bons resultados em termos de democratização das decisões políticas e da gestão dos recursos públicos.

O conjunto deste cenário contemplava parcialmente as expectativas e esperanças históricas das agências de cooperação internacional, no sentido de melhoria das condições de vida da população brasileira e da democratização do Estado com participação social. Devido à redução dos recursos disponíveis da cooperação internacional; devido ao surgimento de outras áreas prioritárias para a cooperação no mundo, mas também devido ao fato de que o Brasil vinha superando sua condição de país com ampla parcela da população na pobreza extrema e na exclusão social, as agências de cooperação internacional no Brasil vinham buscando campos específicos para a atualização da sua missão institucional.

Neste sentido as agências passaram a se dedicar em apoiar projetos específicos de segmentos vulneráveis; projetos situados em regiões empobrecidas e de pouca presença do Estado; projetos de visibilização de questões sociais pouco conhecidas; projetos de formação e capacitação de gestores de ONG’s, dioceses e pastorais sociais; projetos de comunicação social alternativa à mídia hegemônica; processos de articulação e reflexão em torno de temas que interessam aos setores populares e aos parceiros, tais como mudanças climáticas; 4 agroecologia; produção orgânica; tecnologias sociais e projetos exemplares com potencial de replicabilidade.

Golpe parlamentar: democracia e legado civilizatório sob risco

Este cenário político democrático, que vem sendo construído ao longo das últimas décadas, a partir das lutas contra a ditadura; da emergência de novos sujeitos políticos; da Constituição Federal de 1988; das experiências de criação de espaços, processos e instâncias de participação social; da produção de políticas públicas e novos sistemas nacionais para sua implementação, com controle social; todo este cenário político democrático está a ponto de ser desmontado com o golpe parlamentar ocorrido no Brasil.

As elites políticas e econômicas, que se encontravam fora do centro de poder nos últimos anos, se insurgiram contra o pacto governamental estabelecido desde 2003 e planejaram o golpe parlamentar que acaba de destituir a presidenta eleita Dilma Rousseff, encerrando assim o ciclo de 13 anos de um projeto democrático-popular no Governo Federal do Brasil.

Porque afirmamos que é um golpe parlamentar o que ocorreu? Trata-se de um golpe parlamentar por que ele atende a formalidade do processo de impeachment, no sentido de cumprir com os procedimentos constitucionais previstos, culminando com uma votação política pela maioria absoluta do Senado Federal, porém com um conteúdo jurídico precário, que não prova em nenhum momento a existência de um crime de responsabilidade por parte da presidenta Dilma Rousseff. Ou seja, condenou-se e afastou-se uma presidenta da República por que se formou uma maioria parlamentar eventual na Câmara e no Senado Federal, mas não por que, do ponto de vista jurídico, se provou qualquer crime por parte da autoridade maior do país. Num regime presidencialista como o brasileiro, o impeachment teria que reunir causas políticas e jurídicas para o afastamento da presidenta, o que não ocorreu.

De acordo com as declarações públicas e com as práticas já encaminhadas pelo presidente golpista Michel Temer e seu novo ministério, o que podemos esperar nos próximos dias e meses, talvez anos, é um amplo e profundo desmonte dos direitos sociais, das políticas públicas e dos espaços de participação social construídos ao longo das últimas décadas, procurando anular, inclusive, as principais conquistas democratizantes expressas na Constituição Federal de 1988.

O desafio que se coloca hoje para as agências de cooperação internacional que atuam no Brasil desde os anos 70 é: que atitude tomar frente ao golpe parlamentar e à destruição de um legado civilizatório, construído em décadas de inúmeras parcerias entre as agências, como representantes de suas respectivas sociedades, instituições e governos, e os movimentos populares e entidades da sociedade civil brasileira?

Direitos sociais foram reconhecidos; políticas públicas foram construídas; sistemas para sua implementação foram implementados; instâncias governamentais paritárias de participação social para monitoramento e planejamento das ações foram criadas; uma sociedade brasileira menos desigual estava surgindo depois de quase meio século da antiga “paz dos cemitérios”, que a caracterizava no início dos anos 70. Ao longo da “abertura lenta, gradual e segura” – e 5 muito depois dela – os setores populares e as agências de cooperação internacional vinham produzindo uma mudança real na sociedade e no Estado brasileiro. Hoje, toda esta conquista histórica está sendo ou encontra-se sob risco de ser anulada.

Novo desafio para os movimentos populares e agências de cooperação internacional

O Bispo Emérito de São Felix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, ao avaliar o cenário político atual do Brasil, afirmou: ”Aconteça o que acontecer, nosso sonho é mais forte.” Isso significa que, por mais que se procure anular o já conquistado, os movimentos populares e seus aliados não desistirão de seguir construindo uma sociedade mais justa, lutando pela manutenção de direitos e pela conquista de novos direitos. Por mais que se desmonte o que se construiu, o patamar atual é outro, uma sociedade muito mais organizada e consciente a respeito da história do seu país; a respeito do Estado; a respeito das suas possibilidades de transformação.

Não se trata agora de um novo começar, mas sim de uma retomada do percurso, após uma mudança institucional profunda e inesperada, fruto de um golpe de Estado de novo tipo. Trata-se de recuperar a memória do processo vivido até aqui; sistematizar as experiências, aprender com elas; traçar linhas para um novo acúmulo; juntar forças e capacidade política e desenhar novos horizontes a serem perseguidos. Tudo terá que ser revisto: país, Estado, modelo político, representação política, modo de fazer política e de fazer a gestão pública.

Uma coisa ficou clara neste processo histórico: o “novo” trazido pela participação popular não cabe, como não coube, nas velhas estruturas e nas velhas formas de se fazer política no Brasil. O “velho” não suportou o “novo” e tomou a decisão de destruí-lo. Agora, trata-se da participação popular avançar para transformar também as velhas estruturas e as velhas formas de se fazer política.

Enfim, as agências de cooperação internacional possuem um novo desafio. Para começar a definir como enfrentá-lo, é importante lembrar como tudo começou, nos tempos da “abertura lenta, gradual e segura”: reunir com o povo onde ele vive e trabalha; ouvir o que ele pensa e sente; planejar junto com o povo, principal sujeito político, o presente e o futuro – e os novos caminhos desta nova construção coletiva.

Juntamente com os movimentos populares e as entidades da sociedade civil brasileira, as agências de cooperação internacional podem definir como defender o legado civilizatório de uma sociedade mais justa e solidária.

Caminhando juntos, numa atitude respeitosa de escuta, reflexão, divisão de tarefas e construção conjunta, nosso sonho será mais forte.

Paulo Maldos

Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais – CAIS

Brasília, setembro de 2016.

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Carta de Brasília, com o compromisso de Organizações da Sociedade Civil e movimentos sociais em manter a resistência e luta contra os retrocessos no Brasil.

Crimes socioambientais da mineração são tema de seminário em Brasília

Representantes de diversas organizações sociais que atuam na defesa de territórios no Brasil contra violações de direitos humanos provocadas por projetos de mineração reuniram-se semana passada em Brasília (DF) para discutir os impactos socioambientais provocados por esses projetos no país. O caso mais emblemático, como não poderia deixar de ser, é o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco (Vale-BHP Billiton) em Bento Rodrigues (MG), que provocou o maior crime socioambiental do país e que completa um ano de impunidade no próximo dia 5 de novembro.

O seminário, organizado pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, contou com a participação de Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, que tratou da questão fiscal e tributária da atividade mineradora no país. “As compensações financeiras pelo uso de recursos minerais que vão para os governos não são utilizadas para o desenvolvimento sustentável das regiões atingidas”, criticou Alessandra durante sua exposição.

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Amazônia: paraíso extrativista e tributário das transnacionais da mineração”

Do caos à lama: a verdadeira e cruel face do modelo mineral brasileiro

Durante o seminário, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denunciou o crime em Bento Rodrigues (MG), que se alastrou por toda a bacia do rio Doce e que está afetando o abastecimento de água de mais de 1,5 milhão de pessoas. Segundo Jackson Dias, do MAB, até agora não há um esforço da Samarco e governos em tentar compensar de forma justa os atingidos. O MAB denunciou também que a mesma empresa e engenheiro que fizeram o relatório de viabilidade geotécnica da barragem rompida da Samarco são os mesmos que fizeram os estudos da barragem de rejeitos que a empresa canadense Belo Sun ameaça construir na região da Volta Grande do Xingu, atingida pela hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará.

Saiba mais aqui sobre o seminário.

Vamos falar sobre questões socioambientais?

Responsável pela Ficha Limpa, Marlon Reis defende fim do foro privilegiado

Publicado pelo Correio Braziliense.

Conhecido como um dos maiores defensores da transparência e um dos mais influentes advogados eleitoralistas, Marlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa, assumiu a campanha pelo fim do foro privilegiado como uma meta particular.

O ex-juiz do interior do Maranhão ganhou notoriedade, em 2002, ao criar o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o MCCE. Foi esse grupo que elaborou o projeto de lei que ficou conhecido como “Ficha Limpa”.

Nas Eleições de 2012, o ex-juiz se antecipou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e criou um blog que exigia que candidatos de três municípios, que estavam sob sua jurisdição, divulgassem os financiadores das campanhas. Hoje, candidatos do Brasil inteiro são obrigados a prestar contas a cada 72h no site do TSE.

Em relação ao fim do foro privilegiado, o ex-juiz acredita que a Proposta de Emenda Constitucional 470/2005, que tramita no Congresso e propõe o fim do foro de prerrogativa de função para deputados e senadores, pode ajudar a desafogar os processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal. “Muitos diziam que o fim do voto secreto era matéria impossível. Agora, ultrapassada essa conquista, a próxima é esta, o fim do foro privilegiado”, disse em entrevista ao Correio.

Marlon acredita no fim do foro privilegiado da forma que existe atualmente. Na concepção dele, apenas chefes de poderes, como presidente da República, vice-presidente e presidentes da Câmara e Senado devem continuar com o foro de prerrogativa. “Ministros de Estado, por exemplo, devem ser julgados pela justiça comum.”

Para o ex-juiz, uma vara especial, proposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barro seria ideal para julgar as autoridades com foro. “É razoável que uma pessoa em mandato tenha um âmbito próprio onde corra a causa proposta contra ele. É possível aceitar uma discussão sobre como seria essa regra de competência, embora reconheçamos que não precisa ser igual à de qualquer cidadão. Pode, sim, haver algumas especificações.”

Qual é o principal problema com o foro privilegiado atualmente?

Os tribunais não estão devidamente aparelhados para realizar matérias de atividades que são próprias de processos judiciais. Especialmente, em atos instrutórios, que envolvem realização de audiências, às vezes com centenas de testemunhas, e a produção de outros meios de provas técnicas. Além disso, há um abarrotamento de atividades nos tribunais, especialmente nos tribunais superiores, que faz com que haja pautas, muitas vezes extremamente relevantes, e que, com razão, ajudam a colocar em segundo plano alguns processos movidos contra autoridades. Realmente, os tribunais não têm aptidão para realizar, eles próprios, esses atos de organização processual.

O foro deveria acabar para todos?

Penso que os chefes de poder como presidente da República, vice-presidente da República e presidentes da Câmara e Senado, no exercício do cargo, devem continuar por causa da prerrogativa do cargo. Sou a favor de que ministros de Estado percam o direito também. Ministros devem ser julgados pela justiça comum. Penso que, assim, o processo seria mais justo. Facilitaria também os processos e desafogaria os tribunais superiores.

Como está a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 470/2005?

Ela não está bem. É importante que esse assunto seja considerado prioritário e ingresse imediatamente na pauta do Congresso Nacional. A PEC precisa, portanto, ultrapassar os diversos momentos do processo legislativo para que seja votada, o que está longe, no momento, de acontecer. É preciso que o Senado dê a devida dirigência a essa matéria. Eu acredito que ela é possível de ser aprovada. Lutamos por anos contra o voto secreto no Congresso, muitos diziam que era uma matéria impossível de se vencer porque os próprios parlamentares tinham interesse no voto secreto, mas conseguimos. O efeito positivo do voto aberto do Congresso fica evidente para a sociedade, na transparência que promoveu. Agora, ultrapassada essa conquista, a próxima é esta, o fim do foro privilegiado.

A PEC fala somente sobre a extinção do foro para parlamentares. Atualmente, 22 mil pessoas possuem o direito. Retirar apenas os parlamentares seria o ideal?

Como a PEC não fala sobre a extinção de foro para outras autoridades, penso que se deve fazer textos substitutivos para a proposta. Isso deve ser discutido.

Como seria o fim do foro privilegiado?

Quando eu falo sobre o fim do foro privilegiado, eu me refiro sobre como hoje ele é. Privilégio de foro acontece sempre que estabelece uma regra de competência específica para uma autoridade. E isso precisa continuar acontecendo. Nós não nos referimos à necessidade de que os processos sejam distribuídos para qualquer autoridade como acontece com qualquer pessoa. É razoável que uma pessoa em mandato tenha um âmbito próprio onde corra a causa proposta contra ele. É possível aceitar uma discussão sobre como seria essa regra de competência, embora reconheçamos que não precisa ser igual à de qualquer cidadão. Pode sim haver algumas especificações.

Refere-se à vara especial?

Sim, sou a favor de uma vara especial no Distrito Federal para que aprecie todos os feitos de competência do Supremo Tribunal Federal e que aprecie os processos que, hoje, estão sobre competência do Superior Tribunal de Justiça. Essa semana assumi um compromisso pessoal de me envolver com esse tema, como uma questão central. Agora vou começar contatos com organizações e movimentos com a finalidade de chamar atenção para a urgência dessa pauta.

Jovens do Coletivo da Cidade descobrem o xadrez como atividade esportiva e educativa

Toda terça e sexta-feira, crianças e adolescentes da Cidade Estrutural (DF) têm se reunido no Coletivo da Cidade, ONG que atua na região, para praticar um dos esportes mais complexos e instigantes que existem: o xadrez. Além de estimular a memória, aumentar a capacidade de concentração e velocidade de raciocínio, o xadrez também tem representado uma possibilidade de mudança para os jovens que moram na região, uma das mais vulneráveis de Brasília, informa a reportagem do Metropóles, que foi à Estrutural ver de perto esse crescente interesse dos jovens pelo xadrez.

Um dos jovens que pratica o xadrez no Coletivo da Cidade já começou essa jornada. Gabriel do Amaral, de 14 anos, conheceu o esporte no Coletivo há três anos e já começa a se destacar em competições. Aluno de escola pública e morador da Estrutural, Amaral ficou em segundo lugar no Festival Interescolar de Xadrez deste ano, vencendo vários adversários de escolas particulares.

“Quero levar o xadrez para a minha vida no futuro”, afirma Amaral, que além de estudar e praticar o esporte no Coletivo da Cidade, aproveita suas horas de folga em casa para assistir a vídeos sobre o jogo no Youtube e jogar partidas online. Gabriel do Amaral sonha em chegar a grande mestre do xadrez, título concedido pela Federação Internacional de Xadrez, e parece estar no caminho certo.


Um dos principais responsáveis por essa ‘febre’ do xadrez na Cidade Estrutural é o professor João Henrique de Oliveira, que desde o início das atividades do Coletivo da Cidade procurou despertar o interesse das crianças e adolescentes para o esporte. Pelo interesse da garotada por suas aulas, o sucesso é total.

“Quando falo sobre essa prática, gosto de citar uma frase de um grande mestre russo: ‘O xadrez, assim como o amor e a música, tem o poder de fazer o homem feliz’”, afirma João Henrique.

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Cartilha explica ciclo orçamentário e processo de formulação de políticas públicas

A sociedade brasileira acaba de ganhar mais uma ferramenta para entender, acompanhar e participar da formulação, implementação e fiscalização do orçamento público e das políticas públicas: é a cartilha “Políticas Públicas e o Ciclo Orçamentário”, que faz parte da série “Educação Política” do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Foi lançada nesta quinta-feira (27/10) e está disponível para baixar aqui.

A cartilha, segundo o Diap, é importante para se conhecer “como são formuladas e implementadas as políticas públicas, incluindo as disputas de natureza orçamentária”, ainda mais agora em que o governo federal promove “o maior ajuste fiscal dos últimos anos, com propostas de corte de gastos, como a PEC 241, ou de revisão de direitos previdenciários, como a proposta de reforma da Previdência Social”.

Diz o texto de apresentação da cartilha:

“O objetivo da cartilha é chamar atenção para a importância e a necessi- dade de o cidadão conhecer, entender, discutir e participar da formulação, implementação e fiscalização das políticas públicas, bem como apontar fontes de acesso a dados e informações úteis ao exercício pleno da cidada- nia, como recomendam as leis de transparência e de acesso à informação. O acesso do cidadão aos dados e informações sobre os processos de construção das políticas públicas, bem como à realização do gasto público, além de um direito, se constitui em passo fundamental para o controle social e a participação cidadã na correta aplicação dos recursos públicos, inclusive como forma de prevenção e combate à corrupção.”

No item 21, que trata das fases do orçamento público, a cartilha usa como referência o “Manual de Formação em Orçamentos e Direitos – Orçamento Público para a Promoção de Direitos Humanos”, do Inesc, que destaca as seguintes dimensões:

– Legal: o orçamento público é uma lei que estabelece os parâmetros legais para a realização da receita do governo e a execução de despesas num determinado prazo, de acordo com os limites definidos pela Constituição e em leis específicas, como a da Responsabilidade Fiscal.

– Política: o orçamento público é uma peça de negociação política, elaborada pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo. Há no processo uma disputa pelos setores da sociedade por mais recursos para as políticas públicas de seu interesse (ver vídeo abaixo).

– Econômica: está relacionada às funções econômicas do Estado, por meio das funções alocativa, distributiva e estabilizadora, além do fato de que o orçamento afeta a economia e é afetado por ela.

– Planejamento: administração dos recursos públicos, definição de metas, objetivos, controle e avaliação de desempenho das políticas públicas, das instituições e de suas regências.

– Financeira: sistematiza as receitas e despesas, facilitando o controle dos fluxos.

– Direito: instrumento para ampliar a destinação, ainda que gradual e progressiva, dos recursos para a promoção de direitos, especialmente os humanos e sociais.

E por fala em orçamento e direitos:

Brasil: um futuro hipotecado pela ideologia neoliberal

Por Marilza de Melo Foucher.

“O velho mundo morreu, o novo mundo tarda a aparecer e neste claro-obscuro, surgem os monstros”. Antonio Gramsci.

Contextualização

Vivemos como diz Edgar Morin numa era planetária que se acelera nos anos 90, com a globalização que estabelece um mercado mundial, e, uma rede de comunicações extremamente ramificada em todo o planeta. A expansão tecnológica, assim como o desenvolvimento científico e econômico, projetava uma visão de futuro comum para toda a humanidade. Entretanto, o desenvolvimento continuou desigual, assim como a repartição de riquezas. Alertas não faltaram da parte do mundo associativo e dos poucos governos progressistas. Muitos milhões foram gastos em conferências internacionais para poucos resultados. Infelizmente, o planeta Terra segue até hoje ameaçado de morte ecológica. As usinas nucleares vetustas representam ameaça de morte, a agricultura transgênica e os agrotóxicos se espalham ameaçando a biodiversidade do planeta e as enfermidades epidêmicas se proliferam.

Ou seja, a situação atual de nosso planeta é hoje caracterizada por várias crises: econômicas, financeiras, sociais, políticos, ambientais, diplomáticas, entre outras. Sem contar outras ameaças, entre estas a existência de guerras civis e novas formas de terrorismo que se alastram causando massacres humanos em vários lugares do mundo. Assiste-se ao retorno da religião no espaço da política, onde predomina um fundamentalismo altamente perigoso para a coesão social. Passamos a viver numa sociedade individualista, e, cada vez mais competitiva.  Estamos diante de um estranho mundo, cada vez mais obcecado por números, a economia guia o nosso destino, porém, às vezes nos leva por caminhos incertos. Aproprio-me das palavras de Edgar Morin quando dizia: “A ciência econômica notadamente, passou a ser rainha e guia das políticas, ela não pode conceber o que lhe escapa ao cálculo, ou seja, as emoções, paixões, infortúnios, crenças, esperanças que estão na carne da existência humana.”

A democracia refém da globalização da ideologia neoliberal – Os países do Norte foram os principais atores de uma governança mundial junto com a ONU, FMI, Banco Mundial, União Européia, empresas multinacionais e transnacionais. Os métodos aplicados para a regulação foram desequilibrados e sempre favoreceram as grandes potências. Este fato, não dá à governança global uma legitimidade democrática. Esses atores permitiram a financeirização do capitalismo, primeiro impondo aos países do sul reformas estruturais para se adaptar às novas exigências da economia neoliberal que terminara por se transformar em estratégia ideológica. Hoje o livre comércio cria uma concorrência, não apenas de produtos, mas de sistemas sociais, em detrimento daqueles que conseguiram depois de anos de muitas lutas obterem ganhos sociais significativos. Sabe-se que a hegemonia do capitalismo financeiro só poderia ser alcançada pela via política, mediante o manejo oportuno de recursos de poder. Hegemonia, para lembrar Gramsci se estabelece com liderança intelectual e moral.

Esses grandes atores globais esqueceram que na era planetária em que vivemos tudo interage e os problemas enfrentados no Sul terminam atingindo o Norte e vice-versa. Por esta razão, os países do Norte não poderiam sair indenes de uma crise global. Esta ultima crise do capitalismo internacional (2008) provocou vários desequilíbrios, ou seja, o desequilíbrio entre as finanças e a economia real; os desequilíbrios macroeconômicos entre os principais atores da economia internacional; e desequilíbrio ecológico, que se tornará necessariamente uma restrição o crescimento futuro, não só por causa da mudança climática, mas também, dado a outros problemas de catástrofes ambientais.

Se não conseguirmos impedir a evolução ditatorial do capitalismo financeiro e sua ideologia neoliberal, torna-se impossível pensar em emancipação humana, na dignidade humana, na justiça social e uma sociedade mais fraterna. A sustentabilidade do desenvolvimento ficara pendurada em números… Basta ver como a sustentabilidade ecológica se transformou rapidamente em marketing ecologico voltada para a rentabilidade da natureza e seus ecossistemas. A democracia participativa, vista como a chave de sucesso do desenvolvimento com sustentabilidade, exigia a participação dos atores locais em todos os níveis de discussão concernente aos projetos, entretanto foram rapidamente abandonados. O exercício da cidadania política é visto como perigo para a propagação ideológica neoliberal.  Às vezes a convocação da comunidade para os projetos ambientais representa apenas um verniz de legitimidade para obtenção de financiamentos internacionais ou para impor mega-projetos.

Desde 2008, os governantes dos Estados Unidos e Europa discursam em regular o sistema financeiro, mas, na pratica pouca coisa avançou. É notório que os sistemas regulatórios globais não estão na escala dos desafios que a humanidade enfrenta. A chamada aldeia global vive hoje em caos permanente sem coesão, sem redistribuição de recursos e sem justiça. O pior, e talvez o mais grave de tudo, seja que somos uma minoria a puxar o sinal de alerta. A desilusão é grande, e isto vem provocando certa apatia por parte dos cidadãos.

Outro dado preocupante: o mundo pode deslizar em uma espécie de regime autoritário, cuja única intenção é manter privilégios de uma casta ou de uma oligarquia. Isso é politicamente dramático, e pode representar o fim da democracia. Essa ameaça ronda a Europa, onde a democracia se encontra enferma e a política não se regenera. A maioria dos cidadãos desiste de exercer a cidadania, ou vota na extrema direita que sempre emerge em período sombrio de crise econômica. Hoje a União Européia é composta de uma maioria conservadora e de extrema direita.

Estamos diante de um processo de despolitização engendrada pela ideologia neoliberal, e, nada é mais letal do que a resignação dos cidadãos.  Nos Estados Unidos o ideal democrático há anos foi substituído pelo poder do dinheiro. Na América do Sul os governos progressistas que chegaram ao poder, principalmente no Cone Sul (Brasil, Chile, Paraguai, Argentina e Uruguai) foram confrontados à realidade sócio-política deixado por décadas de políticas neoliberais traduzidas pela falência do estado e de seus serviços públicos. Esses países serviram de laboratório para a implantação da ideologia neoliberal e necessitaram de muitos anos para mudar a lógica exclusiva do desenvolvimento e de seu sistema de educação tomando o exemplo do Brasil. Infelizmente, a tendência hoje no Brasil é a retomada desta ideologia com o novo governo oriundo do golpe parlamentar.

A hegemonia do quarto poder – Vale ressaltar também, a tirania do poder midiático. Os defensores do neoliberalismo têm investido pesadamente nos meios de comunicação para fazer uma máquina de guerra limpa para remover qualquer consciência política para o povo, para torná-los suscetíveis a aceitar os ditames da ideologia neoliberal. O sistema de comunicação será o vetor de propagação e legitimação desta ideologia. As técnicas de comunicação são altamente sofisticadas e diante do numero considerável de analfabetos políticos, qualquer medida ou campanha publicitária pode transformá-los em cidadãos passivos e em bons consumidores. Por estranha coincidência, os grandes grupos econômicos são hoje proprietários de jornais e canais de televisão. A mídia está cada vez mais concentrada, os jornalistas cada vez mais dóceis e a informação cada vez mais pobre.

O quarto poder vem colaborando largamente na despolitização da vida em sociedade e ao rebaixamento do senso político.  E, no entanto, a política é o cerne de qualquer processo de socialização humana e de todas as sociedades, das mais antigas até as mais contemporâneas. Uma coisa é certa, não podemos refazer a sociedade, deixando de lado da participação política. Isto requer que os cidadãos tenham interesse de participar da política para obter mudanças de uma vida melhor. Quando as pessoas se tornam indiferentes às coisas públicas, elas permitem que políticos descomprometidos com o interesse geral, passem a governar em seu nome e deste modo os cidadãos legitimam uma democracia sem o povo! O golpe parlamentar que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff é bem ilustrativo do papel do quarto poder. A crise econômica e a corrupção serviram apenas de álibi para preparação do golpe.

Exagerar a crise econômica para provocar uma crise política- Há três anos, a economia do Brasil estava crescendo, as perspectivas eram boas e não havia nada que pudesse alarmar os investidores internacionais. Porém o ambiente econômico global deteriorou-se com a desaceleração da China, a fraqueza da economia européia e a lentidão da melhoria dos Estados Unidos. Tudo isto fez com que a situação mundial fosse desfavorável, especialmente para países que dependem da exportação de commodities, a exemplo do Brasil.

Os meios de comunicação que já vinham fazendo uma oposição ferrenha ao governo de Dilma Rousseff, tudo fizeram para que ela saísse derrotada na disputa de seu segundo mandato. Como não conseguiram derrotá-la investiram junto com a oposição governamental numa campanha violenta para impedir sua governabilidade. Com um congresso hostil, todas as propostas do governo eram barradas pelos parlamentares. Também o quarto poder aproveitou dos sinais de fragilidade da economia brasileira para exagerar sobre a gravidade crise econômica. Criou-se então um clima político hostil, e os meios de comunicação começaram a explorar o descontentamento das categorias sociais mais afetadas pela crise. Afirmavam permanentemente que o desastre econômico era culpa governo Dilma. Para os meios de comunicação não existia crise mundial e sim uma crise econômica brasileira.

Em novembro de 2015 o premio Nobel de economia (2008) Paul Krugman visitou o Brasil e disse: «Existe elemento de pânico espalhado por uma mídia sensacionalista, que tem retratado o Brasil como um caso de desastre total”. O pesquisador da Universidade de Princeton chamou atenção para a visão derrotista da mídia local e global. Disse ainda, que existia uma tendência entre os jornais financeiros de abordar com mais severidade as crises que ocorrem sob governos de centro-esquerda. Todos estes fatores criam um clima de pessimismo, desconfiança e caos que desestimula os negócios no país. O prêmio Nobel da economia parecia otimista quanto a capacidade do Brasil no enfrentamento da crise: “Não vai ser no mês que vem, nem no ano que vem, mas em breve ficará óbvio que os danos estavam sendo superestimados”, antecipa. Assim que o declínio do real ficar para trás, a economia deve voltar a crescer: a inflação vai cair, as taxas de juros poderão ser reduzidas e, com esse alívio na pressão sobre a economia, a situação orçamentária vai melhorar também. Todavia, os meios de comunicação preferiram apostar no colapso econômico do país do que injetar o otimismo para estimular os investidores. Junto com os representantes da indústria e comercio e com apoio de alguns membros do poder judiciário eles apoiaram de modo irresponsável uma campanha internacional dando uma percepção de que a crise da economia era a maior crise jamais conhecida no Brasil. A mensagem que os irresponsáveis transmitiam para seus aliados do capitalismo financeiro era que a única saída era destituir Dilma, o impeachment da Presidente seria uma das principais causas da recuperação do real uma vez que um novo governo poderia, sem dúvida, aprovar leis cruciais para equilibrar as contas do estado. O novo governo poderia contar com uma base mais sólida no Congresso, o que seria mais fácil para adotar novas medidas austeridades.

Esfacelamento do sistema de educação na esfera mundial – A conseqüência da globalização neoliberal em termos de educação é o surgimento e expansão de um mercado educacional, patrocinando o aumento da concorrência entre as instituições de ensino, nomeadamente na rede pública. Vimos em muitos lugares, o aumento de escolas particulares e a proliferação de universidades privadas. A qualidade do ensino baixou consideravelmente. O sistema de formação escolar, universitário, profissional tem criado seres humanos politicamente cegos para decifrar a complexidade e os desafios de nosso planeta.

A ideologia neoliberal coloca tanto a educação como a cultura na esfera da concorrência comercial. O objetivo é excluir completamente a educação da categoria de direitos humanos básicos para classificá-la na categoria de bens mercantis. Tanto a educação como a cultura tornam-se um produto oferecido no mercado. Em 2003 o grande sociólogo francês Edgar Morin já lançava um grito de alerta sobre a urgência vital de “educar para a era planetária”. Ele que admira tanto o Brasil e tecia elogios aos programas de inclusão social posto em pratica pelo governo Lula, na certa hoje deve estar vivendo o mesmo drama que muitos intelectuais brasileiros vivem: O Brasil não só teve um golpe parlamentar, mas vive hoje um grande retrocesso com o desmantelamento de todas as conquistas sociais dos governos Lula e Dilma.

Os investimentos realizados na área de educação não foram suficientes para melhorar a qualidade do ensino no Brasil. Todavia, o governo pós golpe do Senhor Temer decidiu de modo arbitrário, e sem consultar o corpo de professores e instituições ligadas ao ensino realizar uma reforma na Educação reacionária e punitiva. O governo tenta criar um processo de “deseducação” no Brasil. A reforma educacional foi aprovada pelos mesmos que aprovaram o golpe parlamentar. A proposta de emenda constitucional PEC 241 congela os gastos público por 20 anos. Ela diminui os investimentos em educação, saúde, e assistência social. A PEC, considerada prioritária pelo governo Temer, decreta o fim da obrigação do Estado com os direitos sociais. Na reforma educacional são retiradas de obrigatoriedade do currículo escolar as matérias como História, Sociologia, Artes, Filosofia. Já dizia Paulo Freire “Não basta saber ler que ’Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. É exatamente este modo de pensar a educação que o governo golpista propõe destruir.  O Temer coloca assim o Brasil como principal laboratório para adoção da ideologia neoliberal.

Com o apoio incondicional dos meios de comunicação, dos grandes grupos econômicos, dos organismos patronais, uma grande parte do poder judiciário, o Brasil possui hoje todos os ingredientes necessários para a implantação de definitiva desta ideologia: Existe uma direita e extrema direita organicamente bem articulada para impor não só um modelo econômico neoliberal para o Brasil, que associa o modelo socioeconômico a regras e valores. A ideologia neoliberal não se encontra somente centrada na economia; ela consiste na ampliação e disseminação dos valores de mercado em matéria de política social e envolve todas as instituições do Estado, mesmo que o mercado conserve como tal sua singularidade. A política então fica submetida a uma racionalidade econômica. O que esta em jogo hoje é uma mudança radical de um projeto de sociedade que a esquerda timidamente tentou construir há mais de uma década. Logicamente, com todas as imperfeições muitas pautas de reivindicações oriundas de lutas foram postas em praticas. Houve certos avanços no reconhecimento dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Todas essas conquistas foram frutos de longos anos de luta social e acabam de ser interrompidas por Temer. O futuro do país fica assim hipotecado pela ideologia neoliberal.

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