Revista Descolad@s – Ano 5, nº 5

Nesta edição, estamos abordando novamente a idade penal, um tema recorrente nas outras edições por se tratar de uma luta desafiadora e envolta em muita desinformação. Não deixe de ler também a Entrevista com jovens indígenas, um do povo Potiguara (da Paraíba) e uma do povo Tukano (do Amazonas), que nos emocionaram com seus relatos sobre a riqueza dos povos indígenas brasileiros e suas impressões sobre educação, universidade, relacionamentos dentro e fora de suas tradições e o vínculo com a terra. Também dê uma olhadinha na seção Ponto de Encontro para saber mais sobre o Grito das Periferias, uma articulação de jovens que falam de política por intermédio da arte.

A Revista Descolad@s é uma publicação criada inteiramente por adolescentes: meninos e meninas que têm muita coisa para falar e querem divulgar para outras jovens do Brasil a discussão de direitos e participação juvenil.

Estudos da ONU e governo brasileiro sobre desenvolvimento urbano sustentável estão disponíveis para baixar

Publicado por site oficial da ONU Brasil.

O Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), em parceria com o governo brasileiro, disponibilizou seis estudos sobre temas associados ao desenvolvimento urbano sustentável. As pesquisas, organizadas em três tomos, contêm recomendações para a implementação de políticas públicas de saneamento básico, habitação social e mobilidade urbana.

A publicação e a condução dos trabalhos contaram com a participação dos ministérios do Meio Ambiente, das Cidades e das Relações Exteriores. A iniciativa pretende compreender os impactos do desenvolvimento econômico e suas consequências para o processo de urbanização em países emergentes, especialmente o Brasil.

A ONU-Habitat acredita que os documentos terão um papel importante no processo de preparação do país para a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), que acontece daqui a sete meses, em Quito, no Equador. “Esperamos que os resultados e as avaliações possam contribuir para a redução das desigualdades sociais e para a promoção do desenvolvimento urbano sustentável”, afirmou a oficial nacional da agência da ONU no Brasil, Rayne Ferretti.

As informações contidas nas pesquisas podem fornecer, ainda, orientações quanto às funções das cidades que privilegiarem, em suas agendas, temas como sustentabilidade, igualdade de gênero, inclusão, justiça socioambiental e bem-estar.

Acesse os estudos aqui.

Brasil quer parar de perder recursos na exportação de minérios. Já a Argentina…

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, anunciou na semana passada que pretende eliminar impostos para a exportação mineradora do país, numa decisão que vai favorecer as multinacionais do setor e tirar cerca de US$ 220 milhões de arrecadação por ano do Estado argentino.

A medida é semelhante ao que já acontece no Brasil desde a aprovação da Lei Kandir em 1996, que eliminou a cobrança de ICMS sobre as operações de exportação de produtos minerários. Atualmente, as empresas que atuam no Brasil têm inúmeros benefícios tributários, tornando a exploração mineral um paraíso de rentabilidade – para elas, não para o país e sua população.

Um estudo do Inesc mostrou que o Pará poderia ter recebido R$ 11,9 bilhões em arrecadação de ICMS entre 1997 e 2013 pela exportação de minérios, mas que devido à isenção promovida pela Lei Kandir, ficou apenas com R$ 2,5 bilhões (21,2%) pela rubrica orçamentária destinada a esta compensação.

No entanto, esse cenário pode mudar. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tramita desde março de 2015 na Câmara dos Deputados para reinstituir a tributação do ICMS sobre bens minerais primários e sobre produtos que eles geram (os semi-elaborados). A PEC 8/2015 está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, aguardando parecer do relator sobre a matéria.

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Quem paga mais impostos no Brasil: o cidadão comum ou uma grande mineradora?

PPA da crise: bonito no papel, inviável na prática

O novo Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal é mais uma notícia frustrante para quem olha para as políticas públicas, especialmente o orçamento, com a lente da promoção de direitos humanos. Ao lado da LOA 2016, o que já havia sido antecipado pelos contingenciamentos de 2015 (Decretos 8.456 e 8.580), e pela reforma ministerial, agora se materializa em um PPA bonito no papel, mas inviável na prática.

O Inesc alertou a sociedade com relação ao Decreto 8.456 publicado em maio de 2015, que retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total. Destacamos os cortes em algumas agendas estratégicas para a promoção de direitos, como Educação (23,7%), Igualdade Racial (56,3%), Direitos Humanos (56,3%), Desenvolvimento Agrário (49,4%) e Pesca(78,6%). Visando “preservar a meta fiscal”, o governo contingenciou novamente os recursos em novembro daquele ano: mais R$ 10,7 bilhões e mais R$ 500 milhões de emendas parlamentares.

Depois da tesourada orçamentária, algumas pastas foram extintas da estrutura federal com a MP 696/2015, como a Secretaria Geral da Presidência, justamente a instância responsável pela interlocução com a sociedade civil, que tanto clamou por diálogo nas ruas em junho de 2013. Outras tiveram importância diminuída, perdendo o status de Ministério, como a de direitos da população negra (SEPPIR) e mulheres (SPM), que passaram a pertencer a um só órgão, juntamente com a ex-Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH): todos agora estão reunidos no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) também passou a ser vinculado a este Ministério, bem como as funções da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), mas a mesma foi subsumida no processo de enxugamento da máquina, causando justificada indignação dos movimentos sociais ligados à agenda da juventude, especialmente aqueles que atuam no combate ao extermínio da juventude negra e na promoção do bem viver das jovens mulheres negras.

Agora, a cereja do bolo: o novo PPA – que define a estratégia e prioridades do Governo Federal para o período de 2016 a 2019 –, e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016. Se, por um lado, o PPA, batizado de Desenvolvimento, produtividade e inclusão social, apresenta diversos objetivos, iniciativas e metas para a promoção de direitos de mulheres, jovens, quilombolas, indígenas e outros grupos que necessitam de políticas específicas de inclusão social e promoção de direitos, por outro, a LOA 2016 torna inviável a execução destas políticas.

Por exemplo, em 2015, o orçamento da SEPPIR era de aproximadamente R$ 65 milhões e foi para R$ 27 milhões com o primeiro corte; com o segundo contingenciamento, foram ceifados outros R$ 17,5 milhões. Na LOA 2016, esta Secretaria conta com R$ 37,5 milhões de recurso inicial: uma redução de aproximadamente 40% em relação ao originalmente programado pelo Governo em 2015 (Site Siga Brasil, acesso em 12/02/2016). Imagine quando vier o decreto de contingenciamento previsto para março de 2016! Isso para articular toda a agenda de promoção da igualdade racial e superação do racismo no país em diversos órgãos.

Até o momento, há recursos para algumas ações importantes, como os R$ 120 milhões destinados às bolsas permanência no ensino superior (ação que teve boa execução em 2015, de aproximadamente 90%), que sabemos ser uma política voltada para graduandos do sistema de ações afirmativas, seja por raça/cor, seja por classe social (advindos de escolas públicas). Por outro lado, temos um exemplo dramático: em 2015, a ação 4324, de Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Amazônia, teve recurso autorizado de R$ 39 milhões, mas R$ 20 milhões não foram gastos, não por corte orçamentário, mas por ineficiência do pacto federativo. Este ano, a LOA prevê somente R$ 15 milhões para esta ação.

Com relação à questão fundiária, a ação 210Z, que visa o reconhecimento e titulação de territórios quilombolas, passou de cerca de R$ 30,4 milhões em 2014, para R$ 29,5 milhões em 2015, e R$ 8 milhões em 2016. Já quanto às políticas de desenvolvimento sustentável e assistência técnica, a ação 210Y, que pretende apoiar o desenvolvimento sustentável de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em todo o país, contará com somente R$ 1,6 milhão. Em 2015 o valor autorizado foi de R$ 1,7 milhão, já insuficiente para o desafio. Na prática, esta ação não sofreu corte no ano passado, mas apenas R$ 308 mil reais foram executados. Esta baixa execução tem sido denunciada pelo Inesc há anos, é um problema seríssimo que vem se acumulando e que agora poderá ser agravado: não há estrutura para execução destas políticas em nenhum nível (faltam servidores em número e capacidade técnica, integração com prefeituras, tecnologia e controle social do recurso que vai para os municípios). Ou seja, se a política pública já não chegava às populações-alvo mesmo em períodos de “vacas gordas”, agora mesmo é que se estará negando sua condição de existência e reprodução cultural.

E então, podemos nos perguntar: para que tanta energia gasta na elaboração de um “PPA Temático”, voltado para os direitos, se na prática não haverá recurso para executar nada do previsto? No ano passado, o Governo promoveu o evento “Dialoga Brasil PPA”, onde reuniu o Fórum Interconselhos para um debate sobre o Plano, e apresentar uma agenda para participação no orçamento em 2016. Na época, apontamos que não era possível chamar este momento de consulta pública, uma vez que não foi pensada uma metodologia de efetiva participação dos conselheiros. Também ressaltamos um aspecto positivo verbalizado pelo então responsável pela Secretaria Geral: a apresentação de uma nova agenda de participação que seria iniciada em agosto de 2015, até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).

Bom, não há mais Secretaria Geral e esta participação não foi efetivada na construção das leis orçamentárias de 2016. Está aberta uma consulta online para a LDO 2017, mas sabemos que, apesar de ser uma ferramenta válida, tem baixo alcance para a sociedade em geral. O Fórum Interconselhos se reunirá novamente em março, em nova edição do Dialoga Brasil PPA. Será importante pautar novamente a institucionalização do Fórum e buscar informações sobre a efetividade desta “agenda participativa” em relação ao orçamento, que no momento virou lenda.

O que temos de fato são cortes orçamentários em agendas fundamentais para a população brasileira e recursos garantidos para pagamento de juros a banqueiros. Nenhuma sinalização com relação à reforma tributária, à justiça fiscal, nada que incremente a arrecadação para execução de políticas públicas, seguimos na toada do capitalismo global, concentrando renda ao invés de tentar distribuí-la. Será que o Governo conseguirá combinar “crescimento econômico” com “inclusão social”, como preconiza o PPA, em um país onde os pobres (e a classe média) pagarão a conta do ajuste fiscal?

Para consultar o PPA, veja:

Anexo I – Programas Temáticos

Anexo II – Programas de Gestão, Manutenção e Serviço ao Estado

Anexo III – Empreendimentos Individualizados como Iniciativas

Defender direitos das mulheres é essencial para a resposta ao zika, diz ONU

Publicado no site da ONU Brasil

Defender os direitos humanos das mulheres é essencial para que a resposta à emergência de saúde do vírus zika e da microcefalia seja eficaz, afirmou Zeid Ra’ad Al Hussein, alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, em comunicado divulgado na última sexta-feira (5/2).

Al Hussein afirmou que as leis e políticas que “restringem o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva contrárias às normas internacionais devem ser revogadas”, e que “medidas concretas” devem ser adotadas para que as mulheres tenham acesso às informações, apoio e serviços que precisam para exercer seu “direito de determinar se e quando engravidar”.

(Foto: Marcelo Casal /ABr)

“Claramente, gerenciar a propagação do zika é um grande desafio para os governos da América Latina”, disse Zeid. “Porém, o conselho dado por alguns governos para as mulheres de adiar a gravidez ignora a realidade de que muitas mulheres e meninas simplesmente não podem exercer controle sobre se, quando ou sob quais circunstâncias engravidam, especialmente em um ambiente onde a violência sexual é tão comum.”

“Nos países afetados pelo zika e que possuem leis restritivas sobre direitos reprodutivos da mulher, a situação que enfrentam mulheres e meninas é especialmente séria em vários níveis”, disse o chefe de Direitos Humanos da ONU.

“Em situações onde a violência sexual é habitual, e os serviços de saúde sexual e reprodutiva são criminalizados ou simplesmente não estão disponíveis, os esforços para deter essa crise não serão fortalecidos colocando o foco em aconselhar as mulheres e meninas a não engravidar”, disse Zeid, acrescentando: “Muitas da questões-chave têm a ver com a falta de capacidade dos homens em garantir os direitos das mulheres e das meninas, e uma série de medidas fortes deve ser adotada para enfrentar esses problemas fundamentais”.

Respostas devem seguir “obrigações de direitos humanos”, lembra ONU

No dia 1o de fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma emergência de saúde pública de interesse internacional em meio a preocupações de uma possível associação entre o aumento dos casos reportados da doença do vírus zika e desordens neurológicas e malformações congênitas – microcefalia – nas Américas.

No centro das atenções está o Brasil, onde os primeiros casos de zika surgiram e onde o maior número de casos foi registrado até agora, principalmente na região Nordeste. O país que concentra a maioria absoluta dos casos de microcefália.

A relação causal entre o zika e a microcefalia – bebês que nascem com um cabeça anormalmente pequena –, e entre o zika e a Síndrome de Guillain-Barré – uma doença neurológica –, ainda está sob investigação, mas a OMS destaca que há uma relação “fortemente suspeita”.

O comunicado da ONU destaca que, em meio à continua propagação do vírus zika, as autoridades devem “garantir que sua resposta de saúde pública seja exercida conforme suas obrigações de direitos humanos”, particularmente “as que dizem respeito à saúde e aos direitos relacionados à saúde”.

“Garantir os direitos humanos é essencial para uma resposta de saúde pública eficaz, e isso requer que os governos assegurem a mulheres, homens e adolescentes o acesso às informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva de qualidade, integrais e acessíveis, sem discriminação”, disse Zeid.

O chefe de Direitos Humanos das Nações Unidas observou que serviços integrais de saúde sexual e reprodutiva incluem a contracepção – incluindo a contracepção de emergência –, cuidados de saúde materna e os serviços de aborto seguro “em todo o alcance da lei”.

“Os serviços de saúde devem ser prestados de forma que garanta o consentimento plenamente informado de uma mulher, respeite sua dignidade, assegure sua privacidade, e seja sensível a suas necessidades e perspectivas”, acrescentou. “As leis e políticas que restringem seu acesso a esses serviços devem ser revisadas com urgência, conforme as obrigações de direitos humanos, visando a garantir na prática o direito à saúde para todas e todos”, disse Zeid.

“Com base nas lições aprendidas do surto de ebola na África Ocidental em 2014, outro elemento crucial da resposta deve ser a divulgação sistemática de informações precisas sobre como se dá a propagação do zika, como preveni-lo e suas consequências para a saúde”, concluiu o alto comissário.

As dinastias da Câmara dos Deputados

Por , da Agência Pública

Conhecida por debates acalorados quando se trata de discussões sobre a “família tradicional”, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara foi cenário de um debate inusitado sobre outros tipos de famílias – as de políticos – no fim de outubro, durante a votação do Projeto de Lei nº 6.217, de 2013. Proposta pelo deputado Esperidião Amin (PP-SC), a iniciativa pretende chamar a BR-101 em Santa Catarina de Rodovia Doutora Zilda Arns, excluindo naquele trecho a homenagem ao ex-governador Mário Covas. O nome do paulista batiza todos os quase 5 mil quilômetros da estrada desde setembro de 2001, seis meses após o falecimento do político.

O clima ficou tenso na CCJ. Ninguém diminuía a importância de Zilda Arns, brasileira indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 1999, mas muitos se mostravam incomodados com a retirada do nome de um político de uma obra. Durante as discussões, houve exemplos – críticos ou elogiosos – de pontes no Piauí e em Santa Catarina com dois nomes: cada sentido da via para um cacique local. “Há certamente novas rodovias, novas obras que serão construídas em Santa Catarina e a que, de forma consensual, o nome da Zilda Arns poderia ser definido. Se começarmos a abrir aqui um precedente de ratear uma rodovia, uma estrada, para homenagear vários nomes, vai se criar, além de uma atitude desagradável, até um conflito para quem vai pegar o endereço”, protestou o deputado Mainha (SD-PI).

José de Andrade Maia Filho, o Mainha, é filho de José de Andrade Maia, que foi prefeito de municípios do Piauí e suplente de senador. Em Itainópolis, a herança paterna na prefeitura garantiu a Mainha o início da carreira política, em 1996, quando também se elegeu prefeito do município, aos 22 anos. Mas, justiça seja feita, ele não foi o único membro da CCJ a protestar, o que levou ao adiamento da apreciação do projeto. Deputado mais votado na Paraíba em 2014, aos 25 anos, Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), filho do ex-governador e hoje senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), foi um dos que também se posicionaram contra a medida.

Leia também: Inesc apresenta dados da sub-representação de negros, indígenas e mulheres nas eleições de 2014

A discussão ilustra um mecanismo muito antigo da política nacional e especialmente significativo na atual legislatura na Câmara. De teor fortemente conservador, ela é também a que possui maior porcentual de deputados com familiares políticos desde as eleições de 2002. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB) publicado no segundo semestre de 2015 analisou os 983 deputados federais eleitos entre 2002 e 2010 para concluir que, no período, houve um crescimento de 10,7 pontos percentuais no número de deputados herdeiros de famílias de políticos, atingindo 46,6% em 2010 – número próximo aos 44% encontrados pela Transparência Brasil no mesmo ano. Logo após a última disputa eleitoral, a ONG divulgou outro levantamento que concluiu que 49% dos deputados federais eleitos em 2014 tinham pais, avôs, mães, primos, irmãos ou cônjuges com atuação política – o maior índice das quatro últimas eleições.

Atualmente, o estado que ilustra melhor o poder das dinastias nas eleições é o Rio Grande do Norte, onde 100% dos oito deputados eleitos se encaixam no perfil das pesquisas. A lista contempla Fábio Faria (PSD), filho do atual governador do estado, Robinson Faria (PSD); Felipe Maia (DEM), filho do senador José Agripino (DEM); Antônio Jácome (PMN), pai de Jacó Jácome (PMN), eleito deputado estadual em 2014 aos 22 anos; Rogério Marinho (PSDB), neto do ex-deputado federal Djalma Marinho (UDN, Arena, PDS); Zenaide Maia (PR), esposa do prefeito de São Gonçalo do Amarante, Jaime Calado (PR); Walter Alves (PMDB), de um dos clãs mais tradicionais do estado, com ex-ministros, ex-governador e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves (PMDB); Rafael Motta (PSB), filho do deputado estadual Ricardo Motta (PROS); e Betinho Segundo (PP), da família Rosado, que domina a segunda maior cidade do estado, Mossoró, é neto de governador e bisneto de intendente – nome que se dava aos prefeitos até 1930. E os elos familiares com o poder podem ser, em alguns casos, ainda mais antigos. A descendência de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), por exemplo, se sucede em postos nas estruturas de poder desde o período colonial e conta, até hoje, com um representante na Câmara, o deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), no décimo mandato consecutivo.

Coordenador do levantamento que analisou as três primeiras eleições deste século, o professor de ciência política da UnB Luis Felipe Miguel observa que em diversas áreas é comum que os filhos sigam a carreira dos pais. O problema no caso da política é que ela não deveria ser considerada uma profissão. “Na política, isso é mais sério, pois ela deveria ser uma atividade aberta a todos os cidadãos”, diz. Diferentemente de outras áreas, continua o professor, nem sempre há isso de os filhos se aproximarem pela familiaridade com as profissões dos pais. “Há, sim, estratégias das próprias famílias para manter os espaços de poder, com filhos ou parentes que são muitas vezes empurrados para ocupar essas posições, quem sabe até contra as próprias inclinações. Isso é sim ruim pra democracia.”

Para Miguel, as estratégias de manutenção dos clãs no poder acabam por torná-los uma espécie de empreendimento – uma vez que a política também é vista em muitos casos como forma de enriquecimento pessoal –, com projetos bem definidos para a ocupação até mesmo de espaços que credenciam para a disputa eleitoral. Um exemplo é a carreira de Paulo Bornhausen (PSB-SC), filho do ex-governador e cacique do DEM catarinense Jorge Bornhausen. “O Paulo, que seria o herdeiro, foi deputado estadual, federal, candidato a senador [derrotado em 2014], mas antes de ser lançado candidato ele ocupou durante alguns anos um programa de rádio de apelo popular numa rádio de bastante audiência de Florianópolis”, explica Miguel.

Para o professor da UnB, como o processo eleitoral brasileiro é marcado pela desinformação e despolitização, pontos como o discurso e as propostas dos candidatos e mesmo a reputação ou a probidade do familiar que pede os votos não fazem diferença. “O que as famílias políticas controlam e legam na verdade são os contatos com financiadores, com controladores de currais eleitorais, com uma teia de apoiadores que disputam outros cargos, esse savoir-faire e esses recursos que dão aos herdeiros uma série de vantagens nas disputas eleitorais”, explica Miguel.

Conservadorismo

Nas eleições de 2002, 2006 e 2010, a diferença do número de beneficiados pelo parentesco na direita e na esquerda aumentou. Os herdeiros conservadores ampliaram a margem numérica sobre os progressistas, antes de 13 pontos percentuais, para quase o dobro (22,5 pontos porcentuais) em 2010, acompanhando o progressivo aumento de bancadas como a ruralista e a evangélica na Câmara no mesmo período. Em 2014, segundo uma análise feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), os brasileiros elegeram o Congresso Nacional mais conservador desde 1985 – o que acabou resultando, em 2015, no avançar de pautas como a redução da maioridade penal, o Estatuto da Família e a revogação do Estatuto do Desarmamento, todas na Câmara.

Para Ricardo Costa Oliveira, cientista político e sociólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os elos de parentesco “são um fenômeno social e político do atraso” e estão intimamente ligados ao conservadorismo. “É uma relação direta. A maioria dos deputados federais com menos de 40 anos é de família política. Eles herdam não só o capital, mas a visão de mundo e as pautas conservadoras. Assim, temos jovens que defendem o que os avôs já defendiam”, explica. Em 2010, segundo o estudo da UnB, mais da metade (52,1%) dos deputados que ocuparam na Câmara o primeiro cargo público da carreira tinham o capital político familiar como herança. E, em 2014, apenas 15% dos deputados que chegaram à Câmara com até 35 anos não receberam o empurrãozinho de um sobrenome político, segundo a Transparência Brasil.

“Historicamente essas dinastias políticas tendem a se formar mais à direita do que à esquerda. Aqueles que ocupam posições na elite política pertencem aos segmentos privilegiados da sociedade, estão numa posição de elite, com as vantagens materiais e simbólicas associadas a isso, e quem ocupa essas posições tem mais incentivos para ser conservador”, analisa Miguel. Quando as novas gerações tentam se adaptar aos novos tempos, em geral não fazem nada mais do que modernizar velhos discursos. “Vamos supor que em 2018 elejamos uma Câmara mais arejada, mais progressista. Ela não terá metade dos integrantes oriundos de famílias políticas, como é hoje.”

Mais que isso, o sistema eleitoral e político é estruturado de tal forma que muitos partidos novos acabam se moldando ao modo de funcionamento das velhas oligarquias. “O perfil de representação parlamentar petista, por exemplo, mudou muito. As primeiras bancadas eram compostas em grande parte por lideranças vindas diretamente dos sindicatos. Depois, chegou o padrão de carreira eleitoral mais gradativa – com eleições sucessivas de um candidato a vereador, depois deputado estadual e federal. E já começam a surgir famílias políticas no PT.”

Entre as dinastias que começaram a se organizar no partido nas últimas décadas estão a dos irmãos Viana, no Acre, Jorge – duas vezes governador e hoje senador – e Tião, recém-reeleito para o governo estadual; do clã paulista dos Tatto, com Jilmar, Ênio, Arselino, Jair e Nilto, que acumulam cargos como vereadores, deputados estaduais e federais; dos Dirceu, com o ex-prefeito de Cruzeiro do Oeste (PR) e hoje deputado federal Zeca Dirceu, filho de José Dirceu, nome histórico do PT e condenado por integrar o núcleo político do mensalão; os Genro, com o ex-governador gaúcho Tarso Genro e a filha Luciana, que migrou para o Psol; os irmãos José Genoino, ex-deputado federal e ex-presidente da sigla, condenado no mensalão, e José Guimarães (CE), líder do governo federal na Câmara; e os Lula, com a neta do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, Bia Lula, na secretaria de juventude do PT em Maricá (RJ).

Na Câmara, ainda de acordo com o levantamento da Transparência Brasil, o Nordeste encabeça a lista das regiões com mais herdeiros (63%), seguida pelo Norte (52%), Centro-Oeste (44%), Sudeste (44%) e Sul (31%). No Senado, entretanto, Sul, Sudeste e Centro-Oeste estão à frente (67%), seguidos pelo Nordeste (59%) e Centro-Oeste (42%). “Esse é um fenômeno nacional. Tenho um doutorando pesquisando o poder no Paraná. Acham que aqui, como o estado é novo, de imigração europeia, poderia ser diferente; mas constatamos a mesma estrutura hereditária de mandonismos familiares que vemos na Paraíba ou no Maranhão”, comenta o professor Ricardo Oliveira, da UFPR.

Apesar de se evidenciar em locais de difícil acesso a posições eleitorais privilegiadas por outros meios – como a mídia, os sindicatos e as igrejas –, os índices de parentesco no Senado mostram que a transferência de votos entre familiares é um fenômeno generalizado. “Nos Estados Unidos, onde o sistema eleitoral é por voto distrital, as taxas de reeleição são altíssimas, na casa dos 90%. É muito frequente, quando um deputado morre, a vaga ser ocupada pela viúva. Também lá, tivemos pai e filho na Presidência nos últimos 30 anos [George H. W. Bush e George W. Bush] e agora uma candidata [Hillary Clinton] que é esposa de outro ex-presidente”, observa Miguel. Para o pesquisador, as dinastias se enfraquecem onde os debates são mais programáticos, como em algumas democracias europeias, embora também lá as famílias contribuam, em menor escala.

Tentáculos

Estudioso de genealogia e poder há duas décadas, Oliveira diz que a oligarquização da política se reflete não só no Congresso Nacional, mas em assembleias estaduais, câmaras de vereadores, nos poderes Executivo e Judiciário e na mídia. “Aí você fecha o cerco. É aquela rádio no interior onde você [o candidato] tem a sua base garantida”, diz. O estudo coordenado por Luis Felipe Miguel, da UnB, constatou que, entre 2002 e 2010, um em cada quatro dos eleitos (23,6%) que tinham parentes políticos apresentava vantagem também no capital midiático, quase 50% a mais do que entre aqueles sem elos familiares (16,5%).

Como esse cenário atinge todas as esferas de poder da sociedade, o professor da UFPR não crê em mudanças senão no longo prazo. “Precisamos rediscutir o sistema político e partidário. Escrevi há 20 anos que haveria essa concentração de poderes familiares”, afirma. Miguel defende como mais necessárias mudanças em dois dos principais sustentáculos da política e do modo de praticá-la pelas dinastias. “A sua relação com o poder econômico – não só o financiamento eleitoral de campanha [derrubado pelo Supremo Tribunal Federal e que já deixa de valer para os pleitos municipais de 2016], mas também os lobbies e a corrupção – e a questão dos meios de comunicação de massa. Se a gente não mexer nisso, podemos virar o sistema eleitoral do avesso que os grandes eixos de enviesamento e manipulação estarão presentes”, diz.

Reforma da Previdência proposta é restrição de direitos básicos

por Débora Melo – Carta Capital.

O governo federal deve enviar ainda neste semestre uma proposta de reforma da Previdência ao Congresso Nacional. Diante do processo de envelhecimento da população brasileira, o tema tem ganhado destaque nosdiscursos da presidenta Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Projeções da Previdência Social apontam que a população idosa irá triplicar em 45 anos no Brasil, passando de 11,7% em 2015 para 33,7% em 2060.

Diante de uma conjuntura que envolve menos contribuintes, mais beneficiários e benefícios de duração maior devido ao aumento da expectativa de vida, o governo estuda propostas como a unificação de todos os regimes de aposentadoria a partir de uma idade mínima e até mesmo a desvinculação dos benefícios do salário mínimo.

O economista Guilherme Costa Delgado, que coordenou a área previdenciária do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e integrou o Conselho Nacional de Previdência Social, se diz contra essas propostas.

Em entrevista a CartaCapital, Delgado afirma que o aumento da despesa previdenciária deve ser resolvido com a criação de novas fontes de recursos, o que incluiria uma reforma tributária, e não com a redução de direitos conquistados. “Precisamos fazer sempre uma distinção entre a ética previdenciária e a questão fiscal. A reforma da Previdência não pode se limitar à questão fiscal”, diz Delgado, doutor em economia pela Unicamp.

Leia os principais trechos da entrevista:

CartaCapital: O Brasil precisa mesmo de uma reforma da Previdência?

Guilherme Delgado: A resposta a essa pergunta é um sim e um não ao mesmo tempo. O regime-geral de Previdência Social passou, nos últimos 15 anos, por um processo de incorporação muito importante de novos segurados, por conta do emprego formal, que cresceu, e também dos benefícios que foram sendo incorporados a certas categorias informais. Então, vai chegar o momento em que a despesa desse sistema vai crescer, por esse maior acesso ao seguro social e também pelo fator longevidade.

Um sistema como esse precisa ter provisões de recursos para atender a essas situações de exacerbação da despesa de longo prazo, porque as fontes convencionais são insuficientes. Isso é previsível e não tem nenhum segredo. Nesse sentido, precisamos de uma reforma? Sim, precisamos.

CC: Que reforma seria essa?

GD: Essa reforma foi antecipada no governo tucano [de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)], quando se estabeleceu a necessidade de criar um fundo de reserva na Previdência para atender benefícios futuros. Isso foi uma emenda constitucional, a emenda 20, de 1998, que ficou como o último artigo da Constituição, artigo 250. Mas a lei jamais foi regulamentada. Ninguém mexeu no assunto, nem os tucanos, nem os petistas. Só voltam a pensar nisso quando há uma crise de conjuntura.

CC: O dinheiro do fundo sairia de onde?

GD: É preciso criar fontes novas de provisionamento, provavelmente fontes tributárias. No curto prazo, a aprovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) é uma opção para acudir o sistema. Não é um imposto perfeito, mas não existe imposto perfeito. Na atual conjuntura, a CPMF será integralmente gasta com a necessidade de financiamento corrente. Quando a arrecadação previdenciária começou a cair, em 2012, nós não estávamos em recessão. Mas a presidente Dilma resolveu, nesse período, produzir a mágica da desoneração previdenciária, desonerar a contribuição patronal. Então a receita começou a cair.

CC: E no longo prazo, de onde viriam os recursos?

GD: Do ponto de vista de longo prazo, é preciso outra fonte de recursos, de caráter mais progressivo. Precisamos de umaminirreforma tributária, com impostos incidentes sobre o topo da pirâmide, para a finalidade previdenciária. O sistema empresarial é muito mal tributado no Brasil, e é preciso enfrentar essa questão. Isso inclui taxação de fortunas e novas alíquotas do Imposto de Renda. Nossas alíquotas param em 27,5%. Países liberais como Estados Unidos e Inglaterra têm um topo de tributação na faixa de 40%, 50%.

Quando eu digo minirreforma, é para efeitos previdenciários. Precisamos de uma reforma tributária ampla, mas isso é outro assunto. O que não podemos é abandonar a ideia da justiça tributária. Mas não é essa a visão da ‘pátria financeira’, que está interessada em produzir superávit primário a qualquer custo para atender o serviço da dívida, sem discutir questões éticas, de justiça tributária e de justiça previdenciária.

CC: É por isso que o senhor também diz ‘não’ à reforma da Previdência?

GD: O que está sendo proposto, com um verdadeiro consenso da mídia e dos setores conservadores, é a restrição de direitos básicos para atender às exigências de financiamento da Previdência. Querem afetar diretamente a vinculação do salário mínimo com os benefícios previdenciários. É isso que o ex-ministro Delfim Netto [que também é colunista de CartaCapital] propõe como salvação da pátria e é o que foi antecipado noprograma do PMDB, “Uma ponte para o futuro”, meses atrás. Mas está na Constituição que nenhum benefício da Previdência Social será inferior a um salário mínimo.

O salário mínimo passou por um processo de valorização e, pelo critério constitucional, essa valorização passou para o benefício previdenciário. Em uma situação de incerteza social e econômica como temos atualmente, a quebra desses benefícios básicos piora o quadro de expectativas de construção social.

Infelizmente, a presidente da República está embarcando nisso. Talvez seja essa a fatura que o sistema está apresentando para não insistir na tese do impeachment: já que não sai impeachment, está aqui a nossa fatura de mudança do estado de bem-estar social básico. Isso é voltar aos critérios anteriores, que são os critérios do regime militar, quando não havia nenhuma proteção para benefício básico.

CC: O que o senhor acha das propostas em discussão?

GD: Outra força presente no discurso conservador é a unificação de todas as idades para efeito de percepção de benefício previdenciário. Ou seja, querem aumentar a idade, nivelar pelo alto para que não haja distinções entre rural ou urbano, homem ou mulher. Estariam todos no topo da idade de aposentadoria, que é de 65 anos.

Na previdência rural, 99% das aposentadorias são de um salário mínimo. E a previdência rural tem características muito peculiares, as pessoas trabalham no regime de economia familiar desde crianças. E a atividade rural é informal, sujeita a muitos riscos e com uma jornada de trabalho muito diferente do setor formal.

Além disso, ao mexer na regra do salário mínimo, a tese conservadora afeta as aposentadorias assistenciais, da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), que tem cerca de 4 milhões de aposentadorias por idade e por invalidez. Então o sistema quer resolver a situação com a restrição de direitos básicos, marcadamente aposentadorias de salário mínimo. Isso afeta a base da pirâmide, o pessoal mais pobre. Não é essa a reforma da Previdência que nós precisamos.

CC: Qual a sua opinião sobre a proposta de idade mínima?

GD: Quando se introduziu a fórmula 85/95 para a aposentadoria por tempo de contribuição, com a regra de transição para 90/100, implicitamente foi introduzida a idade mínima. Então a ideia é que não haja aposentadorias precoces. Com essa discussão, se equacionou esse problema da aposentadoria por tempo de contribuição. Mas não é isso que está em discussão agora. O que está em discussão é uma idade mínima unificada para a aposentadoria geral.

A fórmula 85/95 foi uma solução razoável, porque eu sempre defendi a idade mínima, inclusive já fui muito criticado por trabalhadores. O critério previdenciário não é tempo de trabalho, é incapacidade para o trabalho. Se você tem 50, 55 anos e tem capacidade laboral, não é esse o critério de aposentadoria.

Portanto, acho que a regra é justificável do ponto de vista ético-previdenciário. Porque a gente precisa fazer sempre essa distinção: o ético previdenciário e a questão fiscal. A reforma da Previdência não pode se limitar à questão fiscal. Se você submeter tudo à questão fiscal você fica com uma discussão completamente enviesada.

CC: Outras reformas já implantadas foram capazes de amenizar o problema?

GD: Em 2015 houve uma legislação infraconstitucional que mudou a regra das pensões. O benefício era 100%, não é mais. Agora existe um escalonamento, de acordo com a idade do pensionista. Então você precisa ter um critério previdenciário, e a gente costuma confundir previdência social com a questão fiscal. A previdência está ligada à reposição da renda pessoal e familiar nas situações de riscos incapacitantes ao trabalho. Do ponto de vista previdenciário, a viúva jovem não está incapacitada para o trabalho.

Portanto, é justificável, do ponto de vista ético, que para a viúva jovem você conceda uma pensão por três anos. Então, do ponto de vista previdenciário, considerei essa regra eticamente aceitável. Não vou olhar a regra do ponto de vista fiscal. Porque, se não, vamos tirar o dinheiro das pessoas que estão no limite da necessidade para resolver o ajuste fiscal. Isso não tem fundamento ético nem previdenciário. Então acho que a legislação de 2015 de certa forma já resolveu os supostos apregoados excessos de bonança da Previdência Social.

O que esperar do Congresso Nacional em 2016?

O ano legislativo de 2016 começou oficialmente esta semana e é bom a gente ficar de olho no que os parlamentares vão fazer em relação aos nossos direitos. Não são poucas as pautas retrógradas em tramitação no Congresso Nacional e o pessoal do Congresso em Notas fez uma boa análise do atual estado das coisas.

Algumas propostas do ajuste fiscal foram aprovadas, colocando a conta da crise no colo do trabalhador, multas da Receita Federal a instituições religiosas foram anistiadas, o Estatuto do Desarmamento foi revogado, a PEC 215 que retira do Executivo a exclusividade de demarcar terras indígenas foi aprovada na Câmara dos Deputados e o famigerado projeto de lei do deputado Eduardo Cunha que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê punição para quem induz a gestante à prática de aborto foi aprovado nas comissões mas ainda não votado em plenário.

“Essa pauta do Congresso só demonstra o quanto o Congresso está desvinculado dos reais problemas do povo brasileiro”, afirma José Antonio Moroni, do Colegiado de Gestão do Inesc, lembrando que não está na pauta dos parlamentares projeto algum que enfrente as causas das desigualdades, como a reforma agrária e urbana, a taxação das grandes fortunas e heranças ou uma reforma tributária que inverta a lógica do atual sistema em que o pobre paga mais imposto do que o rico. “O que vemos é o Congresso priorizar projetos que atendem determinados grupos que detêm o poder no Legislativo, as bancadas da bala, da bola, da bíblia, do boi, dos meios de comunicação, do sistema financeiro etc.”

Pois é, basicamente, a bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) deitou e rolou no Congresso em 2015. E para 2016, o que podemos esperar? Confira as principais pautas que prometem debate intenso entre deputados e senadores este ano:

ESTATUTO DA FAMÍLIA. Foi aprovada por Comissão Especial – composta principalmente por deputados evangélicos e católicos carismáticos – a proposta que retira os casais homoafetivos do conceito de família. O PL iria direto ao Senado não fosse recurso interposto pela Deputada Érika Kokay (PT-DF) e pelo Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). O Estatuto seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara.

RESTRIÇÃO AO ATENDIMENTO DE VÍTIMAS DE ESTUPRO – PL 5069. A CCJC da Câmara aprovou o projeto de autoria do Deputado Eduardo Cunha que altera regras sobre o tratamento legal dado a casos de aborto. O texto aprovado criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez. No caso de estupro o aborto só será permitido com exame de corpo delito. O projeto ainda prevê que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. Ou seja, o profissional de saúde não é obrigado a dar as devidas orientações para uma vítima caso ele ou ela considere que pílula do dia seguinte é abortiva ou que aborto em caso de estupro não é adequado. A proposta seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara. Na resistência, destaque para atuação das Deputadas Érika Kokay (PT-DF) e Maria do Rosário (PT-RS).

ARMAMENTO. Comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. O projeto seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara. Destaque para a atuação dos Deputados Alessandro Molon (REDE-RJ) e Ivan Valente (PSOL-RJ) na oposição ao projeto.

DEMARCAÇÕES. Depois de 15 anos tramitando na Câmara, a bancada ruralista conseguiu aprovar na comissão especial a PEC 215. Inicialmente a PEC previa simplesmente a competência do legislativo para demarcar terras – o que já impossibilitaria, na prática, futuras demarcações. A versão aprovada é ainda pior. Transforma as terras tradicionais em equivalentes a outra propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida de empreendimentos econômicos sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de tradicionalidade. A PEC estende o “marco temporal” (necessidade de os indígenas estarem sobre a terra tradicional em outubro de 1988) também às comunidades quilombolas. Ou seja, é danosa também para esses povos tradicionais. A PEC seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara.
Como continuidade do esforço contra as demarcações, iniciou-se no ano passado, promovida pela bancada ruralista, a CPI sobre a FUNAI e o INCRA.

RELIGIÃO – PEC 99. Foi aprovada por comissão especial a proposta que diz que as associações religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade perante o STF – hoje são legitimadas autoridades públicas e entidades representativas como sindicatos. O autor da proposta é o Deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, e o relator é o Deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), católico. A PEC agora precisa ser apreciada pelo Plenário da Câmara.

LEI ANTITERRORISMO. A proposta, de autoria do Executivo, cria o crime de terrorismo no Brasil. Ela está trancando a pauta do Plenário da Câmara (é o quinto item), que decidirá qual texto prevalece: o do Senado ou o aprovado pelos Deputados. Dos 193 países da ONU só 18 tipificaram o terrorismo – todos vítimas de algum ataque. A maioria dos países tem instrumentos legais para combater o financiamento das organizações internacionais, mecanismos que o Brasil já tem previstos na Lei de Organizações Criminosas. Noventa entidades da sociedade civil apresentaram manifesto contra a tipificação do terrorismo. O Conselho Nacional de Direitos Humanos aprovou Resolução sobre o tema, pedindo que o projeto fosse arquivado. Quatro relatores especiais da ONU também expressaram preocupação quanto ao projeto de lei brasileiro. O Senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e os Deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS) têm se manifestado contra a proposta.

MINERAÇÃO. O Código de Mineração é objeto de questionamento de movimentos sociais – cujos ativistas chegaram a ser presos por dias por se manifestarem contra ele na Câmara. O Presidente Deputado Eduardo Cunha chegou a anunciar que colocaria em pauta a proposta, que ainda não passou pela comissão especial, mas que pode chegar ao Plenário pelo atalho do regime de urgência. O projeto vai ao sentido contrário das necessidades indicadas pelo desastre de Mariana. Na opinião dos movimentos sociais ligados à temática, o código antes incentiva que regula a mineração.
A outra “resposta” à Mariana é o “fast track ambiental” – PLS 654/2015, do Senador Romero Jucá. O PL foi aprovado pela  Comissão de Desenvolvimento Nacional do Senado. A proposta simplifica o licenciamento ambiental, inclusive para obras de mineração. Depende agora de deliberação do Plenário do Senado.

AUTOS DE RESISTÊNCIA. O projeto, que obriga a investigação de mortes causadas por policiais – hoje rotuladas na maioria das vezes como decorrentes de resistência da vítima – está pronto para ser votado pelo Plenário da Câmara desde 2014. (Já o projeto que previa a transformação do homicídio de policiais em crimes hediondos transformou-se em Lei em 2015.)
O Executivo publicou, em janeiro de 2016, Decreto que obriga a investigação dessas mortes. O avanço é expressivo. Mesmo assim o autor do PL, Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), defende a necessidade de aprovação da lei, que prevê, além do inquérito obrigatório, que “a vítima não seja classificada como resistente à intervenção policial, mas sim, tratada de maneira isenta antes de qualquer investigação”.

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. Depois de acirradíssimo embate, foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. O resultado foi produto de uma negociação. Havia os que defendiam o fim de qualquer idade penal, até os que eram contra qualquer mudança na Constituição. As bancadas evangélica e da segurança pública foram protagonistas na proposta de redução. A PEC, apresentada em 1993, seguiu para o Senado.

TERCEIRIZAÇÃO. A Câmara aprovou a flexibilização da lei trabalhista. O projeto permite a terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente. O PL seguiu ao Senado. É a maior investida da história contra o legado varguista. PT e PC do B lideraram as principais críticas ao projeto.

ROTULAGEM DE TRANSGÊNICOS. A Câmara aprovou o fim da exigência do símbolo “T” nos produtos que contém transgênicos. O autor do PL, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), é o mesmo que declarou que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo que não presta”. Na resistência ao projeto, parlamentares como o deputado Padre João (PT-MG) e Sarney Filho (PV-MS).  A proposta seguiu para o Senado.

TRABALHO ESCRAVO. O Plenário do Senado chegou a aprovar regime de urgência para o projeto que regulamenta a emenda constitucional do trabalho escravo. A nova regulamentação proposta é vista como retrocesso pelos órgãos que lutam contra o trabalho escravo, pois inviabiliza a atuação dos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate ao crime. Mas, após audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, a proposta voltou à Comissão de Constituição e Justiça do Senado para ser debatida de modo mais aprofundado.

REDUÇÃO DA IDADE DE TRABALHO. Está pendente de deliberação a apreciação a PEC de autoria do Deputado Dirceu Sperafico (PP-PR), que pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). Os parlamentares Maria do Rosário (PT-RS), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Chico Alencar (PSOL-RJ) destacam-se na resistência à proposta.

PRIVATIZAÇÕES. Depende de deliberação do Plenário do Senado proposta do Senador José Serra (PSDB-SP) que acaba com a obrigatoriedade de que Petrobrás atue com participação mínima de 30% nas operações do pré-sal. Também está na ordem do dia do Senado o projeto de “responsabilidade das estatais” (que faz parte da Agenda Brasil de Renan Calheiros). Pela proposta, empresas públicas como a Caixa podem ter parte de seu capital vendido e se transformar em sociedades de economia mista.

DESTINO DE EDUARDO CUNHA. Em sua oitava sessão, o Conselho de Ética pôde finalmente votar a admissibilidade da representação contra Eduardo Cunha, promovida por REDE e PSOL e apoiada por deputados do PT, PC do B e outros. Cunha se recusou a receber, no dia marcado, a notificação da admissibilidade. Ele ainda recorreu à CCJ, para anulação de todo o processo desde a escolha do relator. O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, pediu o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de Presidente da Câmara – com argumentos que poderiam inclusive justificar sua prisão, diante da novíssima jurisprudência segundo a qual parlamentares podem ser presos preventivamente. O Supremo deve julgar seu afastamento ainda em fevereiro.

IMPEACHMENT. O imbróglio segue, mesmo após a decisão do STF que derrubou o rito estabelecido por Eduardo Cunha para o processo do impeachment.

O Deputado Mendonça Filho (DEM/PE), líder do seu partido, apresentou projeto que modifica o Regimento Interno, permitindo a disputa de chapas na eleição da comissão especial para procedimento de impeachment. A decisão do Supremo havia proibido chapa avulsa por entender que isto viola a proporcionalidade partidária.

A Câmara apresentou ontem (01/02) recurso contra a decisão do Supremo, questionando a proibição de chapa avulsa e de votação secreta para eleição de comissão especial e os outros pontos do julgamento. Segundo anunciou Eduardo Cunha à imprensa, não ocorrerá eleição de nenhuma comissão permanente da Câmara até que o STF esclareça sua decisão.

O relator das contas de 2014 na Comissão Mista de Orçamento (CMO), Senador Acir Gurgacz (PDT-RO), apresentou parecer pela aprovação com ressalva. O TCU havia recomendado rejeição. As contas do exercício de 2014 são o principal fundamento de mérito do impeachment.

Sociedade civil pede mudanças no sistema tributário por mais justiça fiscal

MANIFESTO

O Instituto Justiça Fiscal (IJF), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), a Rede Brasileira de Integração dos Povos (REBRIP), a Internacional de Servidores Públicos (ISP) e a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), com o apoio da Red Latinoamericana sobre Deuda, Desarrollo y Derechos (LATINDADD), da Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe (RJFALC), da Associação Nacional dos Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), das Delegacias Sindicais do Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (SINDIFISCO NACIONAL) de Salvador, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, do Ceará e do Espírito Santo, realizaram, nos dias 21 e 22 de janeiro, no Fórum Social Mundial Temático – 2016, oficinas para tratar do tema JUSTIÇA FISCAL PARA UM MUNDO MELHOR, e elaboraram, a partir dos debates realizados, o presente MANIFESTO.

REFORMA TRIBUTÁRIA – TEM QUE SER COM JUSTIÇA FISCAL

O tributo não é um fim em si mesmo, mas um meio para atender as demandas sociais. As grandes transformações sociais em andamento tanto demográficas e culturais quanto de estrutura produtiva têm produzido novas demandas que requerem uma reconfiguração e ampliação do fundo público especialmente aquele destinado à seguridade social, com garantia de suas fontes de financiamento.

Soma-se a isso o caráter injusto da atual carga tributária, não por seu tamanho, mas por sua distribuição, o que impõe a necessidade urgente de uma reforma tributária. O alto peso da tributação sobre o consumo quando comparado com a tributação sobre a renda e o patrimônio faz com que os mais pobres acabem pagando mais tributos do que os mais ricos, proporcionalmente às suas rendas, aumentando a desigualdade social. Segundo o IPEA (2008), quem ganhava até 2 salários mínimos comprometia mais de 50%  de sua renda em tributos enquanto os que ganhavam mais de 30 salários mínimos, comprometia menos de 30%.

Em 2013, mais de 50% da arrecadação total veio do consumo, e somente cerca 20% foi proveniente da renda. A tributação sobre o patrimônio representou menos de 4% da arrecadação total. Nos países da OCDE esta relação é invertida, sendo que a maior parte da tributação decorre da renda. Nos EUA, por exemplo, mais de 50% da arrecadação provêm da renda e somente 16% têm origem no consumo.

Portanto, uma reforma tributária com justiça fiscal, que respeite a capacidade contributiva, deve ser capaz de deslocar parte da carga tributária que incide sobre o consumo (tributos indiretos) para o patrimônio e a renda (tributos diretos). Para isso, uma importante medida é promover tratamento isonômico na tributação das rendas independente de sua origem, se do trabalho ou do capital e elevar a tributação sobre as altas rendas. O Imposto de Renda das pessoas físicas no Brasil, que representa apenas 2,7% do PIB enquanto a média dos países da OCDE é de 8,5%, é extremamente benéfico aos rendimentos do capital e oneroso aos rendimentos do trabalho. Isso porque, de forma isolada em relação aos demais países, as rendas decorrentes da distribuição de lucros e dividendos no Brasil são isentas deste tributo, desde 1995.

Além disso, diante da urgente necessidade de reduzir as desigualdades sociais torna-se imprescindível aumentar a tributação sobre o patrimônio, elevando-se as alíquotas incidentes sobre as grandes propriedades rurais e sobre heranças, e instituir taxação sobre grandes fortunas e IPVA de embarcações e aeronaves, e reduzir seletivamente a tributação sobre o consumo.

No entanto, uma reforma tributária justa só será possível a partir da constituição de hegemonia popular, o que impõe a necessidade de aperfeiçoar a comunicação e a articulação social, com vistas a promover uma nova consciência de cidadania. Neste aspecto, programas de educação fiscal, governamentais ou não, precisam ser estimulados e protegidos contra tentativas de distorções de seu conteúdo, patrocinadas por determinados setores, que vêm descaracterizado sua característica de interesses coletivos e não individuais.

TRIBUTAÇÃO DO SETOR EXTRATIVO – CHEGA DE LEVAR NOSSAS RIQUEZAS E NOS DEIXAR COM A LAMA

O setor extrativo mineral tem características diferenciadas quando comparado com outros setores econômicos, o que exige, por questão de equidade, tratamentos fiscais específicos. Primeiro por se tratar de um bem não renovável. Segundo, porque o minério é um bem público, cuja exploração ocorre por concessão.  Terceiro, que esta atividade se desenvolve obrigatoriamente no local onde se encontra a jazida, muitas vezes desalojando comunidades, destruindo seus meios e modos de vida, contaminando mananciais, destruindo florestas. Quarto, o fato de ser uma atividade preponderantemente comandada por gigantes transnacionais que exploram o recurso mineral quase que exclusivamente para a exportação.

A sociedade brasileira, não apenas as comunidades afetadas pelas atividades extrativas, precisas debater sobre o futuro de suas reservas, inclusive quanto à conveniência ou não de continuar explorando suas riquezas, levando em conta, dentre outros: 1. alternativas de atividades econômicas para a área possivelmente afetada, 2. questão estratégica de manutenção de reservas tendo em vista a crescente escassez de determinados minérios; 3. o retorno à sociedade deve ser suficiente para garantir alternativas econômicas que independam da existência daqueles recursos e que promovam condições econômicas, sociais e ambientais, após o esgotamento dos recursos, superior às condições existentes antes da exploração; e 4. a necessidade de internalização dos custos sócioambientais nos próprios projetos de exploração.

Para promoção da justiça fiscal no setor extrativo é preciso também estabelecer novos marcos legais e normativos para disciplinar as concessões de exploração dos recursos rompendo a lógica feudal vigente que permite que empresas detenham reservas baseada exclusivamente na lógica temporal (ordem de pedidos). Deve-se revogar a Lei Kandir que isenta de ICMS a exportação de minérios; rever a legislação que regula os royalties minerais por serem os mais baixos do mundo; implementar participação especial para projetos de grandes volumes ou grande rentabilidade, a exemplo do setor de petróleo e gás; eliminar as isenções fiscais concedidas no âmbito da SUDAM para a exploração desses recursos; e rever as legislações subnacionais que conferem tratamento diferenciado na cobrança do ICMS para a Mineração.

Não é razoável que pautemos o desenvolvimento nacional na premissa de assumir impactos sociais e ambientais como parte do jogo, facilitando e desonerando a exportação de insumos sob o único ou principal argumento da geração de superávits comerciais, sem considerar todos os elementos que deveriam ser avaliados para permitir a exploração da riqueza de uma nação.

Por se tratar de exploração de recursos públicos, é ainda necessário estabelecer mecanismos que garantam absoluta transparência sob aspectos tributários, sociais, ambientais e econômicos das empresas incluindo transparência em relação aos registros contábeis e às transações internacionais de todas as suas subsidiárias país por país.

ARQUITETURA ECONOMICA E FINANCEIRA GLOBAL – O CERCO AOS MECANISMOS DE EVASÃO FISCAL TEM QUE SER FECHADO

A reconfiguração da economia mundial promovida pela globalização trouxe inúmeros mecanismos de fragilização da capacidade de tributação das nações. O incremento do comércio internacional, tanto de bens como de serviços, se deu basicamente por operações intrafirma; cujos preços, portanto, são determinados não por meras questões de oferta e demanda, mas sim, para atender os agressivos interesses do planejamento tributário das multinacionais.

Assim, o comércio internacional que decorre da globalização não é mais comércio em sua essência, mas simples transferências de mercadorias ou de insumos entre unidades de uma mesma corporação; de tal forma que tanto o faturamento das empresas pulverizadas ao redor do mundo, quanto os custos dedutíveis são manipulados com vista a deslocar os lucros para paraísos fiscais ou para países que ofereçam benefícios tributários especiais. É exatamente este mecanismo que tem sido responsável por uma parcela significativa da evasão fiscal, pressionando a carga tributária em direção às parcelas mais vulneráveis da população, dificultando o poder regulador do Estado e impossibilitando o financiamento de serviços públicos universais de qualidade.

CAMPANHA GLOBAL POR JUSTIÇA FISCAL – QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO

A falta de recursos para as políticas públicas, para a promoção de direitos e para atender as demandas mais urgentes das sociedades, como saúde, educação, segurança, saneamento e outras, ocorre em grande medida devido à enorme evasão/elisão fiscal promovida pelas grandes corporações multinacionais, através de planejamentos tributários agressivos, utilizando-se de manobras contábeis ou brechas legais para reduzir consideravelmente seus tributos devidos.

Esta realidade impõe a necessidade de mobilização cidadã com o objetivo de pôr fim a este verdadeiro saque aos recursos públicos. Para tanto, várias organizações da região, impulsionadas pela Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe vêm desenvolvendo uma campanha que busca canalizar, a nível continental, ações de pesquisa, denúncia, mobilização e divulgação a favor da justiça fiscal.

A campanha QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO visa a gerar capacidade crítica e cidadã na sociedade para a implementação de uma série de reformas sobre a tributação das grandes multinacionais. Almeja também a cooperação tributária na região que elimine a competição entre os países para ver quem concede mais incentivos às transnacionais. Além disso, pleiteia uma série de medidas coordenadas para evitar a evasão de tributos, tais como: transparência fiscal; fim dos paraísos fiscais; multinacionais serem tratadas como únicas e não como diversas filiais independentes, realizando reporte país a país; combate aos fluxos ilícitos; fim das renúncias tributárias.

A presente campanha visa sensibilizar a sociedade para os riscos que o aprofundamento deste modelo de internacionalização da economia, sem controles nacionais ou supranacionais, pode produzir na capacidade das Nações de atenderem às demandas das sociedades, de construir um sistema tributário mais justo, de preservar suas soberanias e meio ambiente e de fortalecer as democracias. QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO, de acordo com a atividade econômica que produza em cada país, é condição essencial para a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária.

Porto Alegre, 22 de janeiro de 2016.


Novo código da mineração: avanços ou retrocessos

Publicado por Teoria e Debate.

A discussão de um novo código da mineração para o Brasil se arrasta na Câmara dos Deputados desde 2012. Até há pouco tempo os debates estavam concentrados na Comissão Especial criada para emitir parecer sobre a proposta de código encaminhada pelo Poder Executivo. Nesse período recebeu quase quatrocentas emendas e está em sua quarta “versão”, os chamados substitutivos.

Em tese, a busca por um novo código se impõe pelo anacronismo de mérito do Decreto-Lei nº 227, de 1967 (Código de Minas). Mesmo tendo sido recepcionado pela Constituição de 1988, esse instrumento seria incapaz de regular o tema nas circunstâncias contemporâneas, internas e globais, que envolvem a atividade da mineração.


A mencionada Comissão Especial não logrou êxito nos seus propósitos, basicamente por conta da insistência do relator em torno de uma proposta de legislação com perfil ultraliberal, pautada na supremacia absoluta dos interesses empresariais e com a atividade mineral sobrepondo os demais interesses nacionais.

Na realidade, o governo e a sociedade civil organizada reagiram aos substitutivos apresentados em razão de conteúdos que fragilizariam a capacidade regulatória do poder concedente. As organizações dos trabalhadores no setor e aquelas que direta ou indiretamente defendem uma lei comprometida com as causas ambientais e os direitos sociais das comunidades afetadas pela atividade, por maior justiça econômica, obviamente não poderiam apoiar proposição com conteúdo oposto.

Nesse cenário e ante as repercussões dramáticas do desastre de Mariana, foi criada uma comissão externa para acompanhar o caso, tendo como protagonista o mesmo relator da Comissão Especial, que atua em favor da aprovação de um novo substitutivo, com foco a atender alguns pontos socioambientais, todavia mantendo o caráter liberal da proposta.

Assim, constaria a existência de “acordo” para submeter ao Plenário da Câmara dos Deputados. Esse novo texto sobre o Código da Mineração, que neste momento, ao contrário dos anteriores, porta um discurso virtuoso, frente ao atual substitutivo, assume a condição de uma resposta política do Congresso à “tragédia de Mariana”. A articulação não foi difícil. O relator, com a assessoria de um grande escritório de advocacia de São Paulo – que tem a Vale e outras mineradoras como clientes –, tratou de adicionar ao conteúdo do substitutivo anterior suposta musculatura socioambiental, que gerou discurso suficiente para conquistar o apoio de parcela da bancada ambientalista. Com isso, a matéria ganhou destaque recente na mídia e no processo legislativo.

Desde logo vale frisar que as mudanças processadas não se ativeram apenas ao campo socioambiental. Envolveram também vários aspectos da legislação com propósitos no mínimo questionáveis.

A seguir alguns pontos polêmicos que surgiram com os últimos substitutivos.

Criação da Agência Nacional de Mineração (ANM)

Com a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), chamam atenção as sutilezas de algumas mudanças no Capítulo VI do atual substitutivo em relação ao anterior. O art. 46, §2º, fixa que “A pedido do autorizatário ou concessionário, a ANM poderá declarar o imóvel ou parte dele de utilidade pública para fins de constituição de servidão mineral”. Ora, de acordo com o art. 6º do Decreto-Lei nº 3.365/41, a declaração de utilidade pública é de competência do presidente da República por meio de decreto. Assim, o texto do novo substitutivo subtrai essa prerrogativa do(a) presidente(a) e a transfere para a agência.

Na sequência (art. 49), o novo substitutivo dispõe que a “…desapropriação do imóvel ou parte dele poderá ser promovida pelo autorizatário ou concessionário, na forma do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941”. Ou seja, subentende-se que a ANM declara a utilidade pública do imóvel e o autorizatário ou concessionário promovem a desapropriação de acordo com os parâmetros definidos pelo decreto-lei.

Na forma prevista, a agência poderá declarar a utilidade pública de extensas áreas para a atividade mineral, sensíveis nos planos social e ambiental, sem que o processo passe pela avaliação prévia dos órgãos ambientais e fundiário, por exemplo.

É óbvio que o “superempoderamento” da agência traduz estratégia de facilitação dos interesses empresariais. Afinal, põe ao largo as estruturas do governo, concentrando o poder em instância rigorosamente autônoma com mandato inviolável da respectiva direção.

A primazia da mineração

Uma supressão muito comemorada pelos opositores da linha de mérito do relator foi o art. 136 do substitutivo anterior pelo qual ficava explicitamente permitida a exploração de recursos minerais nas unidades de conservação.

Contudo, convém o exame mais detido do art. 26, inciso IV, cujo texto já constava da proposta do relator e que foi mantido com algumas mudanças periféricas. Consta nesse dispositivo o direito do titular do direito real de autorização de lavra a “ter acesso a imóvel de domínio público ou privado sobre o qual recaia a autorização, e a outros imóveis necessários ao empreendimento para realizar atividades de mineração, nos termos da Lei” (art. 26, IV).

O dispositivo permite que se interprete sobre a manutenção da primazia dos interesses da mineração sobre os demais, tanto em áreas de domínio privado como público. O fato fica reforçado por não haver em todo o texto do substitutivo uma referência expressa para as áreas protegidas, ressalvadas as áreas indígenas, objeto de regulação específica nos termos da Constituição Federal.

Impostos: O leão que mia para os super-ricos

Por Joana Rozowykwiat – Portal Vermelho

De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Heritage Foundation, de 2014 e 2015, a carga tributária média mensal brasileira é a quinta mais baixa entre as 20 maiores economias do mundo e está longe de figurar como a mais elevada do planeta.

“Quando a gente avalia, na comparação com outros países, vemos que os cerca de 36% de carga tributária [em relação ao PIB] do Brasil está na média dos outros lugares. O problema é que temos aqui uma situação de injustiça fiscal que penaliza os pobres e a classe média”, diz Grazielle Custódio David, especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Segundo ela, essa situação de desigualdade acontece basicamente por duas razões. Primeiro, porque grande parte da estrutura tributária do país está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade.

“O problema de ter uma grande taxação de consumo é que, proporcionalmente, quem acaba pagando mais são os mais pobres. Por exemplo, se vai comprar arroz no supermercado, um pobre paga o mesmo imposto que um rico. Mas, quando a gente relaciona com o salário que aquela pessoa recebe, a proporção que o pobre paga é muito maior que a da pessoa rica. Isso configura uma situação de injustiça fiscal”, aponta Grazielle.

O outro entrave à justiça fiscal, diz Grazielle, está relacionado à forma de tributar a renda no país. “A gente tem uma situação em que a classe média, a faixa que recebe entre 20 e 40 salários mínimos, é a que paga mais imposto de renda hoje no Brasil. Já quem recebe, por exemplo, acima de 70 salários mínimos, praticamente não paga imposto”, compara.

No país, hoje, as rendas do trabalho são submetidas à cobrança de imposto de acordo com uma tabela progressiva com quatro tipos de alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Já nas rendas do capital o leão dá apenas uma mordiscadinha, uma vez que as rendas decorrentes da distribuição de lucros e dividendos são isentas de Imposto de Renda. E outras, como ganhos financeiros ou de capital, estão sujeitas a alíquotas exclusivas, inferiores àquelas cobradas sobre a renda do trabalho.

“Se a gente compara um assalariado que paga na alíquota máxima de 27% com alguém que recebe mais do que o limite do imposto de renda, há uma situação terrível. Porque a maioria deles [os mais ricos] recebe por lucros e dividendos e, quando a gente avalia quanto eles pagam em imposto de renda, normalmente chega em 6%. Olha a situação: um grupo, que é a classe média, paga 27,5% de IR. E quem ganha muito mais que este grupo paga muitas vezes só 6%, porque existe a isenção de cobrança do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos”, lamenta Grazielle.

Segundo dados da Receita Federal, em 2014, um grupo com cerca de 71 mil brasileiros ganhou quase R$ 200 bilhões sem pagar nada de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Foram recursos recebidos, em sua maioria, como lucros e dividendos.

Essa isenção da tributação sobre lucros e dividendos foi instituída no país em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Entre todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), só o Brasil e a Estônia têm essa isenção. É uma vergonha, um vexame que o Brasil tenha aprovado uma lei como esta, que acaba punindo muitos de seus cidadãos, e beneficiando muito poucos”, critica Grazielle.

Os pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estimam que o governo poderia arrecadar mais de R$ 43 bilhões ao ano com a cobrança de imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas.

Em um momento de ajuste fiscal, no qual o governo faz malabarismos para cortar gastos e aumentar a arrecadação, o valor seria mais que bem-vindo.

As manipulações da Fiesp

Os ricos brasileiros não têm mesmo do que se queixar. De acordo com Grazielle, o Brasil tem ainda um dos mais baixos impostos sobre patrimônio. “Hoje, no Brasil, a arrecadação com impostos sobre patrimônio está na faixa de 3%. A média mundial é entre 8 e 12%”, informa, apontando a falácia no argumento de quem cita a carga tributária como abusiva.

A assessora do Inesc criticou o discurso de combate aos tributos, que interessa, especialmente, aos super-ricos, sobre quem menos pesam os impostos. Ela aponta a Fiesp como grande representante desse grupo – em grande parte possuidor de empresas e recebedor de lucros e dividendos não tributados.

Para ela, a entidade mente e manipula informações, de forma a conseguir a adesão da população para suas campanhas pela redução da carga tributária. Ao propalarem desinformação, as iniciativas terminam conseguindo apoio entre as classes baixa e média, que de fato sentem no bolso o preço dos impostos.

“A Fiesp, através de sua atuação, inclusive de lobby com o Legislativo, grandes campanhas e articulação, representando os interesses dos super-ricos, tem formulado um discurso fácil de ser assimilado, porque as pessoas percebem uma carga pesada para elas e acatam esse discurso. Mas o problema é que eles [da Fiesp] contam uma mentira, ou uma verdade incompleta. Manipulam as informações, e o pobre e a classe média acabam sentindo, sim, o peso, porque todo o peso da carga tributária está sobre eles. Enquanto isso, os ricos praticamente não pagam imposto. É um discurso forjado, manipulador, para enganar a população”, acusa.

Para que serve o imposto

De acordo com Grazielle, a maior consequência deste tipo de campanha é que, ao insistir que a carga tributária é alta, distancia as pessoas de uma compreensão real sobre a importância dos impostos.

“A gente vai então ignorando o que determina uma carga tributária, que são as demandas sociais”, ressalta. Segundo ela, cria-se um quadro de contradição, em que as pessoas pleiteiam melhores serviços públicos, mas combatem a forma que o Estado tem de promovê-los.

“É isso que leva as pessoas para as ruas. É saúde, educação, segurança, promoção de direitos fundamentais, direitos humanos. E são essas demandas e necessidades sociais que vão determinar qual é a carga que um país tem que ter de tributos para garantir esse tipo de assistência à sua população. Se a gente quer que essas demandas sejam atendidas, os impostos são necessários. Agora, a forma como esse imposto vai ser cobrado da sociedade, aí é que entra a questão da justiça fiscal, que precisa melhorar no país”, diz.

Ela avalia que o debate sobre a importância dos tributos não interessa à parcela mais rica da população – a mesma que faz críticas ao tamanho do Estado. “Esses super-ricos não têm muito interesse de que essas demandas sociais sejam atendidas para o coletivo, porque muitos deles, por exemplo, recorrem a um plano de saúde, a uma escola privada, muitos contratam segurança privada, e esquecem que a maioria da população não tem como recorrer a isso e necessita que o Estado garanta.”

Para ela, mais que um debate sobre ter mais ou menos impostos, é preciso redistribuir a carga já existente.

“Isso pode ser feito com a diminuição de impostos indiretos e com redistribuição do imposto de renda. A gente pode, por exemplo, criar mais faixas, com diferentes alíquotas, diminuindo a incidência do Imposto de Renda até os 40 salários mínimos, e aumentando a partir daí, desde que se revogue a lei que isenta de taxação os lucros e dividendos. Além disso, a gente pode trabalhar muito na questão dos impostos sobre patrimônio”, sugere.

A especialista em Orçamento Público defende que, com esta série de medidas, é possível aumentar a arrecadação – e, consequentemente, o orçamento público –, diminuir o peso da carga tributária sobre os mais pobres e a classe média e, ainda, atender melhor às demandas sociais e promover políticas públicas com melhor financiamento, o que acabaria por gerar melhor qualidade nos serviços.

Grandes fortunas

Outra medida que vem sendo discutida como forma de aumentar a justiça fiscal no país é a implantação do imposto sobre grandes fortunas, que está previsto na Constituição, mas precisa ser regulamentado. Grazielle, contudo, avalia que a medida enfrenta dificuldades para avançar.

“Uma grande resistência a esse tipo de taxação é de quem diz que vai haver fuga de capitais do país. Outra questão é que, quando se fala em imposto, significa que a União não pode compartilhar. Então existe uma resistência de estados e municípios para avançar nisso, se for em formato de imposto. Se fosse, por exemplo, no formato de uma taxa, ou outro formato de cobrança, talvez tivesse mais apoio de governadores e prefeitos”, avalia.

Segundo ela, nesse sentido, a adesão dos estados e municípios é maior à proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Como a CPMF é uma contribuição, ela pode ser compartilhada. Talvez por isso, o debate sobre a taxação de grandes fortunas perca um pouco de força”, explica.

Segundo ela, por causa da resistência que foi forjada na sociedade em relação a novos tributos, talvez seja melhor o governo trabalhar com as possibilidades que já existem, eliminando desonerações e aumentando a fiscalização e cobrança, de forma a recuperar recursos que estão na Dívida Ativa da União ou foram sonegados.

“Hoje as renúncias tributárias são altíssimas no Brasil, concedidas ao setor privado, sem que haja um controle adequado de qual retorno existe. Você desonera uma grande empresa, falando que ela vai garantir mais empregos, que vai melhorar a economia, mas não tem depois nenhum estudo que avalie se isso de fato aconteceu”, condena.

Ela lembra que a Dívida Ativa da União ultrapassa hoje R$ 1 trilhão. “Porque não investir na capacidade de fiscalização e cobrança dessas dívidas?”, questiona, acrescentando que outros R$ 500 bilhões anualmente se perdem na sonegação.

Grazielle cita ainda manobras feitas por grandes empresas, com o objetivo de pagar menos impostos. “A gente fez um estudo com a Vale, no qual foi possível observar a série de planejamentos tributários que eles fazem. Vendem, por exemplo, minério a preço muito abaixo do valor de mercado para países que são paraísos fiscais. Lá eles revendem e redistribuem para outros países, já com preço de mercado. Quando o minério sai daqui com preços baixos, eles já estão pagando menos impostos.

Novo código da mineração: avanços ou retrocessos

Publicado por Teoria e Debate.

A discussão de um novo código da mineração para o Brasil se arrasta na Câmara dos Deputados desde 2012. Até há pouco tempo os debates estavam concentrados na Comissão Especial criada para emitir parecer sobre a proposta de código encaminhada pelo Poder Executivo. Nesse período recebeu quase quatrocentas emendas e está em sua quarta “versão”, os chamados substitutivos.

Em tese, a busca por um novo código se impõe pelo anacronismo de mérito do Decreto-Lei nº 227, de 1967 (Código de Minas). Mesmo tendo sido recepcionado pela Constituição de 1988, esse instrumento seria incapaz de regular o tema nas circunstâncias contemporâneas, internas e globais, que envolvem a atividade da mineração.


A mencionada Comissão Especial não logrou êxito nos seus propósitos, basicamente por conta da insistência do relator em torno de uma proposta de legislação com perfil ultraliberal, pautada na supremacia absoluta dos interesses empresariais e com a atividade mineral sobrepondo os demais interesses nacionais.

Na realidade, o governo e a sociedade civil organizada reagiram aos substitutivos apresentados em razão de conteúdos que fragilizariam a capacidade regulatória do poder concedente. As organizações dos trabalhadores no setor e aquelas que direta ou indiretamente defendem uma lei comprometida com as causas ambientais e os direitos sociais das comunidades afetadas pela atividade, por maior justiça econômica, obviamente não poderiam apoiar proposição com conteúdo oposto.

Nesse cenário e ante as repercussões dramáticas do desastre de Mariana, foi criada uma comissão externa para acompanhar o caso, tendo como protagonista o mesmo relator da Comissão Especial, que atua em favor da aprovação de um novo substitutivo, com foco a atender alguns pontos socioambientais, todavia mantendo o caráter liberal da proposta.

Assim, constaria a existência de “acordo” para submeter ao Plenário da Câmara dos Deputados. Esse novo texto sobre o Código da Mineração, que neste momento, ao contrário dos anteriores, porta um discurso virtuoso, frente ao atual substitutivo, assume a condição de uma resposta política do Congresso à “tragédia de Mariana”. A articulação não foi difícil. O relator, com a assessoria de um grande escritório de advocacia de São Paulo – que tem a Vale e outras mineradoras como clientes –, tratou de adicionar ao conteúdo do substitutivo anterior suposta musculatura socioambiental, que gerou discurso suficiente para conquistar o apoio de parcela da bancada ambientalista. Com isso, a matéria ganhou destaque recente na mídia e no processo legislativo.

Desde logo vale frisar que as mudanças processadas não se ativeram apenas ao campo socioambiental. Envolveram também vários aspectos da legislação com propósitos no mínimo questionáveis.

A seguir alguns pontos polêmicos que surgiram com os últimos substitutivos.

Criação da Agência Nacional de Mineração (ANM)

Com a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), chamam atenção as sutilezas de algumas mudanças no Capítulo VI do atual substitutivo em relação ao anterior. O art. 46, §2º, fixa que “A pedido do autorizatário ou concessionário, a ANM poderá declarar o imóvel ou parte dele de utilidade pública para fins de constituição de servidão mineral”. Ora, de acordo com o art. 6º do Decreto-Lei nº 3.365/41, a declaração de utilidade pública é de competência do presidente da República por meio de decreto. Assim, o texto do novo substitutivo subtrai essa prerrogativa do(a) presidente(a) e a transfere para a agência.

Na sequência (art. 49), o novo substitutivo dispõe que a “…desapropriação do imóvel ou parte dele poderá ser promovida pelo autorizatário ou concessionário, na forma do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941”. Ou seja, subentende-se que a ANM declara a utilidade pública do imóvel e o autorizatário ou concessionário promovem a desapropriação de acordo com os parâmetros definidos pelo decreto-lei.

Na forma prevista, a agência poderá declarar a utilidade pública de extensas áreas para a atividade mineral, sensíveis nos planos social e ambiental, sem que o processo passe pela avaliação prévia dos órgãos ambientais e fundiário, por exemplo.

É óbvio que o “superempoderamento” da agência traduz estratégia de facilitação dos interesses empresariais. Afinal, põe ao largo as estruturas do governo, concentrando o poder em instância rigorosamente autônoma com mandato inviolável da respectiva direção.

A primazia da mineração

Uma supressão muito comemorada pelos opositores da linha de mérito do relator foi o art. 136 do substitutivo anterior pelo qual ficava explicitamente permitida a exploração de recursos minerais nas unidades de conservação.

Contudo, convém o exame mais detido do art. 26, inciso IV, cujo texto já constava da proposta do relator e que foi mantido com algumas mudanças periféricas. Consta nesse dispositivo o direito do titular do direito real de autorização de lavra a “ter acesso a imóvel de domínio público ou privado sobre o qual recaia a autorização, e a outros imóveis necessários ao empreendimento para realizar atividades de mineração, nos termos da Lei” (art. 26, IV).

O dispositivo permite que se interprete sobre a manutenção da primazia dos interesses da mineração sobre os demais, tanto em áreas de domínio privado como público. O fato fica reforçado por não haver em todo o texto do substitutivo uma referência expressa para as áreas protegidas, ressalvadas as áreas indígenas, objeto de regulação específica nos termos da Constituição Federal.

Visibilidade trans: alguns avanços não escondem graves violações dos direitos humanos

Hoje, dia 29 de janeiro, é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, uma data importante porque chama a atenção para um problema social gravíssimo: o Brasil é líder em assassinatos com causas homo-lesbo-transfóbicas. As pessoas trans (transgêneros, travestis e transexuais) sofrem com a violação de direitos humanos cotidianamente, e já em janeiro de 2016 os movimentos sociais LGBTI estimam recorde de assassinatos (nas redes sociais fala-se em 40 assassinatos somente neste ano).

Do ponto de vista dos avanços legais para a promoção dos direitos das pessoas trans, avançamos, mas muito pouco: o nome social já tem sido respeitado em espaços educacionais e concursos públicos, há algumas iniciativas municipais com relação a legislação e políticas públicas, mas ainda há constrangimentos na prática e despreparo para acolhida em serviços públicos.

Sobre a questão do nome social, assista abaixo depoimento de Marcelo Caetano, ativista, que vive em Brasilia há 4 anos, onde se formou em Ciência Política pela UnB. “Enfrentei diversos desafios dentro da universidade que, à época, não contava com nenhuma política de atenção às pessoas trans, e sequer permitia o uso do nome social”, lembra Marcelo. Para ele, o nome social é uma conquista importante, mas ainda uma gambiarra, um mecanismo precário de garantia de direitos. “Respeito e dignidade começam com o nosso nome, começam com quem a gente realmente é, o reconhecimento de quem a gente é.”

Sobre a questão do respeito, dignidade e reconhecimento da comunidade trans em nosso cotidiano, Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, afirma que “frequentemente não se respeita a identidade de gênero em espaços públicos ou em espaços de circulação”, diz ela, lembrando que no julgamento da questão no STF, o relator Luís Roberto Barroso votou a favor da mulher trans quanto ao uso do banheiro feminino em estabelecimentos como shopping centers e restaurantes. No entanto, o despreparo dos Ministros do STF ficou patente: “Luiz Fux e Ricardo Levandowski chegaram a aventar “risco para crianças”, e outros confundiram transexualidade com homossexualidade. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux.”

Carmela lamenta que, apesar de a transexualidade não ser considerada uma doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda é extremamente marcada pelo viés médico e psiquiátrico. “Isso é uma violação dos direitos humanos destas pessoas – as pessoas trans devem ter liberdade com relação à sua identidade de gênero e autonomia sobre seus corpos, sem interferência de uma ‘autoridade’ médica.”

“Essa violação de direitos humanos efetuada pelo próprio Estado, ao negar direitos sociais e não legislar em favor das pessoas trans funciona como autorização social para a violência e as mortes de travestis, transexuais e transgêneros em todo o país. A verdade é que o Brasil não reconhece seus cidadãos e cidadãs trans”, critica Carmela.

Conheça o projeto Eu Te Desafio a Me Amar, parceria da fotógrafa Diana Blok com o Inesc, lançado em 2014, com exposição fotográfica retratando personalidades, famílias e ativistas LGBT do Brasil. Para baixar o catálogo do projeto, clique aqui.

“Eu tenho pensado na minha vida, e em todos os erros que cometi. (…) Por muito tempo eu tive medo de ser quem eu sou. porque meus pais me diziam que há algo errado com pessoas como eu. Algo ofensivo, algo que eu devia evitar, talvez até ter pena. Algo que você nunca poderia amar. Minha mãe é fã de São Tomás de Aquino, ela diz que orgulho é um pecado. E de todos os pecados venais e morais, São Tomás via o orgulho como a rainha dos 7 pecados. Para ele, era o derradeiro portão para o inferno, que transformaria você rapidamente em um compulsivo pecador. Mas o ódio não é um pecado nessa lista. Nem a vergonha. Eu estava com medo dessa Parada (do Orgulho LGBT) porque eu queria tanto ser parte disso.

Então hoje, eu vou desfilar por aquela parte de mim que certa vez tinha muito medo de desfilar. E por todas as pessoas que não podem desfilar, pessoas que vivem vidas como eu vivi, Hoje eu desfilo para lembrar que eu não sou apenas eu. Eu sou também ’nós’. E nós desfilamos com orgulho.”

(discurso de Nomi, personagem da atriz transexual Jamie Clayton da série Sense 8, que foi veiculada no ano passado pelo Netflix)

Separamos alguns textos importantes sobre o tema para você, todos publicados este ano:

“Sou uma mulher trans, Sem Terra, pedagoga e comprometida com a luta pela Reforma Agrária”

Retomando a Existência contra a Transfobia

#MinhaPrimeiraTransfobia – Viviane V.

Resistir para existir: a visibilidade trans em meio ao cenário de avanço do conservadorismo

Afinal, mulheres trans tiveram uma socialização masculina?

Livro que conta a história de trans é lançado em Salvador

“O único lugar que travesti tinha era a esquina. Agora tem a escola”

Eu não sou incapaz

“É preciso construir política de educação em direitos humanos”, diz secretário

Por Marcelo Brandão – Repórter da Agência Brasil

Defensor da política de desarmamento e do combate ao trabalho escravo, o secretário Especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, mostrou-se preocupado com debates no Congresso Nacional que, segundo ele, “colocam em risco” avanços na política de direitos humanos. “Com a fragilização do governo no primeiro ano, houve a rediscussão de vários temas importantes para os direitos humanos. Então, tudo ficou muito nebuloso”, disse Sottili em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O secretário citou ainda um projeto em parceria com o Ministério da Educação para estimular o respeito às diferenças ainda na escola, como forma de combater a intolerância e o preconceito. “É preciso construir uma política de educação em direitos humanos. Uma política que comece a trabalhar, na escola, novos valores, do respeito à diversidade”, afirmou. Segundo ele, a medida deve ser posta em prática ainda este ano.

Sobre o Disque 100, Rogério Sottili, destacou que o módulo dos idosos é um dos que mais registraram aumento de denúncias de violação de direitos humanos, principalmente em relação à negligência ou exploração financeira, econômica. “Não tenho a menor dúvida de que o Disque 100 é hoje um dos instrumentos mais importantes de promoção dos direitos humanos. Na medida em que ele se constitui num canal de recebimento de denúncia, ele passa a ser um canal de proteção”, ressaltou.

Agência Brasil – Qual é a sua avaliação sobre o debate travado no Senado que quer alterar o conceito de trabalho escravo e qual seria a consequência de uma eventual derrota no Congresso?

Rogério Sottili Seria um retrocesso inimaginável. Mas, em relação ao trabalho escravo, confesso que sou otimista. O senador Romero Jucá [PMDB-RR, relator do projeto de Lei 432/2013] ouviu o [ator] Wagner Moura, o deputado federal Paulo Pimenta [PT-RS], o senador Paim [PT-RS] e toda a Conatrae [Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo], da qual eu sou presidente. Visitamos o senador Jucá, ele retirou o regime de urgência e disse que só vai pôr em votação depois de amplo debate no Congresso. Se tiver amplo debate no Congresso, acredito que podemos reverter essa ameaça. Mas se ela ocorrer, seria um retrocesso incrível para o Brasil. O país vem acumulando avanços importantes em direitos humanos desde a redemocratização do Brasil. Em relação ao trabalho escravo, o Disque 100 recebeu 209 denúncias em 2014 e 307 em 2015. Teve um aumento de 47%.

Agência Brasil – Como o senhor vê a rediscussão do Estatuto do Desarmamento no Congresso? O debate é válido ou também é um retrocesso?

Sottili – Totalmente retrocesso. Esse ano foi sui generis, entende? Com a fragilização do governo no primeiro ano, com o “terceiro turno” promovido pela oposição, por parte da mídia brasileira e especialmente pelo Congresso Nacional, houve a rediscussão de vários temas importantes para os direitos humanos. Então, tudo ficou muito nebuloso. Temos a ameaça da redução da maioridade penal, a ameaça do Estatuto da Família, a ameaça na questão da revogação do Estatuto do Desarmamento e da PEC do Trabalho Escravo. Tem vários debates no Congresso que colocam [esses avanços] em risco. Mas, estar em debate é parte da democracia. Acho estupidez alguém defender o armamento. Armamento é símbolo de morte. Arma mata, não diminui a violência.

Agência Brasil – Tem surgido na internet várias manifestações de ódio contra mulheres, negros, população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e nordestinos. A que o senhor atribui isso?

Sottili – Nosso país tem uma cultura de violência. A violência é naturalizada. Quantos pais batem nos filhos e pensam que estão educando? Tem uma cultura de violência física naturalizada. As pessoas pensam que é natural bater, reprimir. Então, nós precisamos mudar essa cultura de violência. Então, é preciso construir uma política de educação em direitos humanos. Uma política que comece a trabalhar, na escola, novos valores, do respeito à diversidade; sobre como é importante se relacionar com imigrante, que é parte da nossa cultura; sobre como a população LGBT é parte do nosso dia a dia, e que é saudável que as pessoas sejam diferentes.

Agência Brasil – Como o Estado pode contribuir para mudar essa cultura de ódio?

Sottili – Desenvolvi um trabalho na prefeitura de São Paulo, um projeto chamado Respeitar é Preciso. Lá, implantamos em 20 escolas. A gente começa a ver o ambiente escolar para muito além do aluno e do professor. Envolve a merendeira, o segurança, o faxineiro, os familiares. Aí começamos um trabalho de formação de professores, sobre valores de direitos humanos. E sabe qual foi o resultado depois de dois anos de projeto em uma escola conhecida como uma das mais violentas do estado, com agressões, pichação? Organizaram um grêmio estudantil, não teve mais nenhuma agressão, a comunidade escolar está trabalhando para deixar a escola mais bonita, os professores estão engajadíssimos. Em dezembro conversei com o ministro [da Educação, Aloizio] Mercadante para tornar esse programa federal. Ele ficou entusiasmadíssimo, pediu para a diretoria dele fazer um estudo para a gente começar a levar esse programa a 200 municípios. Esse projeto tem a parceria do Instituto Vladimir Herzog. A meta é começar a implementar este ano.

Agência Brasil – Na ocasião da última reforma administrativa, setores da sociedade civil criticaram a fusão dos três ministérios (direitos humanos, mulheres e igualdade racial) temendo o enfraquecimento da luta política nas três áreas. O senhor acha que essa junção enfraqueceu os setores?

Sottili – Ela pode enfraquecer, mas não vou deixar enfraquecer. E essa é a minha determinação. Recebi uma ligação do chefe de gabinete da presidenta me perguntando se eu aceitava esse desafio de vir para cá em uma condição diferente do que era. Mas a presidenta tinha o compromisso de fazer de tudo para que a agenda dos direitos humanos não diminuísse. Eu vou fazer de tudo para que a agenda dos direitos humanos avance mais ainda, essa é a determinação. Vamos ter que trabalhar com harmonia, e a ministra Nilma [Lino Gomes, ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos] é muito cuidadosa nas relações com as pessoas. Nos reunimos toda semana, a ministra Nilma com todos os secretários especiais, para discutir o ministério. Eu acho que os movimentos sociais reagiram como deveriam reagir, é legítimo. Se eu fosse de movimento social, reagiria da mesma forma. Conquistar os ministérios das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos foi uma luta de décadas. É evidente que qualquer redução deixe as pessoas insatisfeitas.

 

 

Agência Brasil – Qual é o tamanho do Disque 100 na sociedade? O serviço atingiu seu objetivo?

Sottili – Não tenho a menor dúvida de que o Disque 100 é hoje um dos instrumentos mais importantes de promoção dos direitos humanos. Na medida em que ele se constitui num canal de recebimento de denúncia, ele passa a ser um canal de proteção. E sinaliza para o governo todas as iniciativas de políticas públicas que devem ser adotadas para inibir essa violência. Ao mesmo tempo, sinaliza para a sociedade o que não anda bem. Quando a gente pega os indicadores de 2015 existe um recorte de que a violência no Brasil tem cor, idade, gênero. É um instrumento muito novo, sete anos de vida como Disque 100, mas é um instrumento consolidado, importante e referencial de promoção dos direitos humanos.

Agência Brasil – O ano de 2014 teve mais denúncias no total, em comparação com 2015, mas as campanhas em 2014 foram mais intensas por causa da Copa do Mundo. Por que não manter a intensidade das campanhas permanentemente para a população conhecer mais o serviço?

Sottili – Devemos aprimorar cada vez mais o nível de campanha e de divulgação de um instrumento como o Disque Denúncia. Mas o Disque 100 é muito conhecido. É um mecanismo importante. Talvez o que falte trabalhar melhor é sobre como acessar o Disque 100 de forma mais rápida, e isso estamos fazendo, aprimorando. Mesmo que as campanhas possam melhorar, quando tivermos eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas, teremos que fazer campanhas e vai aumentar mais ainda [o número de denúncias pelo serviço]. Estamos fazendo campanha, estamos aproveitando esses eventos para divulgar. Mas todo ano tem um grande evento. Então, todo ano terá uma campanha a mais.

Agência Brasil – As pessoas têm medo de denunciar? Como enfrentar isso?

Sottili – Um dos maiores crescimentos de denúncia de violação de direitos humanos se dá no módulo dos idosos. E a denúncia maior é de negligência ou exploração financeira, econômica. E quem faz isso, geralmente, são familiares. E sendo familiar, há uma inibição das pessoas denunciarem o filho, a filha, o genro sobre essa violência que o idoso está sofrendo. Mas as denúncias aumentaram e é bem provável que tenha aumentado, em parte, por pessoas diretamente violentadas. Mas também é verdade que há uma rede na sociedade, o síndico do prédio ou o zelador, por exemplo, atuando em torno dessas pessoas, conscientizando sobre a importância da denúncia. É fundamental para a seriedade do Disque 100 o cuidado que a gente tem no sentido de dar os encaminhamentos e poder ter todos os cuidados possíveis de preservar a pessoa que fez a denúncia.

Bicicleta é meio de transporte da população de baixa renda, 7 dias por semana

A bicicleta é um meio de transporte relevante para a população mais pobre, constatou a pesquisa Perfil do Ciclista, feita pela ONG Transporte Ativo em parceria com outras nove entidades, desmontando o estereótipo comum de muita gente que afirma que os ciclistas brasileiros, que cobram ciclovias e políticas públicas de mobilidade urbana mais voltadas para as bicicletas, são pessoas de classe média em atividades de lazer ou esportivas.

A realidade é bem outra, diz a pesquisa. A maioria dos ciclistas brasileiras têm renda de até três salários mínimos e usa a bicicleta sete dias por semana, em geral para ir trabalhar.

A pesquisa foi feita com 5 mil ciclistas em dez cidades brasileiras:  Aracaju, Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Niterói, Salvador e São Paulo.


Em Brasília estão os ciclistas mais jovens e com maior escolaridade – 30% têm ensino superior completo. A capital federal também é a campeã no uso combinado da bicicleta com outros meios de transporte. Metade dos brasilienses usam bicicleta combinada com o metrô nos trajetos percorridos. Veja os dados completos sobre o uso de bicicleta em Brasília.

Outro dado interessante da pesquisa: entre as pessoas que pedalam fora das ciclovias, 75% estão em bairros periféricos de São Paulo.

Leia mais sobre a pesquisa no site Nexo.

Participantes querem mais encontros e volta do protagonismo do ‘Conselhão’

Publicado por Valor Econômico.

Um ano e meio depois da última reunião, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social volta a se encontrar hoje com a cobrança, entre seus integrantes do setor privado, para que o intervalo entre os encontros seja mais curto e que tenham desdobramentos práticos, além das discussões sobre conjuntura. Na lista com cerca de 90 convidados, que até a noite de ontem não havia sido divulgada pelo Planalto, estão empresários, sindicalistas, representantes de entidades sociais e da sociedade civil.

Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, a dinâmica do ‘Conselhão’ precisa ser aperfeiçoada, para que as sugestões consigam ser convertidas em propostas efetivas. “A periodicidade pode ser mais curta, com trabalhos em grupos, comissões para temas específicos”, diz. Entre as demandas da entidade, ele adianta, estarão um programa de renovação da frota nacional de veículos, a formulação de modalidades de financiamento para a indústria e um conjunto de incentivos à exportação.

O presidente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni espera que os encontros recuperem o protagonismo dos anos Lula. “Tínhamos no mínimo três reuniões por ano e uma dinâmica dos grupos de estudo, que se aprofundavam em temas, educação, infraestrutura”. Parte das discussões sobre a política de valorização do salário mínimo aconteceu no âmbito do colegiado, destaca o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, que participa dos encontros desde 2009, lembra que eles eram um espaço importante de diálogo. Se tiver chance de se manifestar, diz, reforçará que o movimento trabalhista é contrário a medidas que representem retirada de direitos.

O tema também tomará parte dos cinco minutos de fala que foram prometidos ao presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres, ao lado de propostas como a retomada da economia pela geração de emprego e a correção da tabela do Imposto de Renda. “Esse fórum pode ser muito importante. O governo tem chance de avançar em propostas como a retomada da economia pela geração de emprego e a correção da tabela do Imposto de Renda. “Esse fórum pode ser muito importante. O governo tem chance de avançar em propostas com apoio da sociedade”.

Os participantes de diferentes áreas, destaca o presidente da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Adilson Araújo, podem contribuir para a formulação de medidas emergenciais para tirar o país crise. Carina Vitral, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), vai sugerir que o governo “paute a economia, em vez de ser pautado por ela”: “A juventude foi uma das maiores beneficiadas com as políticas sociais, como o Prouni, o Fies, as cotas. Mas isso não significa que seremos eternamente gratos ao governo. Queremos saber qual o próximo passo, a nova agenda que o governo vai oferecer, principalmente para estudantes de baixa renda”.

A iniciativa ‘Publique o que paga’

por Jorge Maranhão – Publicado por Congresso Em Foco.

Para além da enorme “tragédia” que varreu do mapa a vila de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e destruiu a vida de um dos rios mais importantes da Região Sudeste, o Rio Doce, uma outra questão se impõe: como evitar que o poder econômico de grandes grupos transnacionais coloque em risco tão alto populações, meio ambiente e a economia de outros países?

Sem dúvida, um dos pontos da resposta é a transparência nas relações desses grupos com o poder público local. No caso específico de atividades extrativistas, como a mineração, é preciso que a sociedade tenha conhecimento dos termos dos contratos envolvendo concessões para uso de água dos rios, licenças ambientais, incentivos fiscais, preferência no consumo de água fornecida pelas prefeituras, financiamento de campanhas eleitorais e por aí vai. É o que se chama no direito internacional e na economia de “princípio da externalidade”, definido desta forma nos manuais dessas áreas: uma externalidade ocorre quando pessoas alheias a um contrato (em especial na área ambiental) são afetadas por ele. O princípio da externalidade sugere que as ações, custos ou benefícios envolvidos podem ter reflexos em terceiros.

E, no caso da mineração, por exemplo, que afeta tantas pessoas alheias à celebração desses contratos, que é preciso que os seus termos possam ser devidamente tratados e classificados por poder concedente (especialmente no caso de concessões e permissões) e por contrato/acordo. Informações transparentes, claras e divulgadas num formato que torne possível o controle social feito por organizações da sociedade ou cidadãos singulares.

Uma boa campanha por mais transparência nessa relação grupos privados versus poder público chama-se “Publish What You Pay” (chamado por aqui de “Divulgue o que você paga”), que já é representada por pelo menos 800 organizações civis em todos os continentes. No Brasil, a atuação está a cargo do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas.

Criada na Inglaterra em 2002 com o apoio da Fundação Open Society e do Banco Mundial, dentre outros, a campanha procura envolver a sociedade, governos, grupos econômicos e empresariais em seus esforços pela aprovação de legislações que impeçam acordos espúrios e lesivos às populações, especialmente nos setores de petróleo, gás e mineração.

Ao lado da transparência dos contratos, um outro ponto também precisa atenção maior da mídia e dos cidadãos: o volume de dinheiro ilegal, fruto dessa relação distorcida entre empresas e poder público, que “viaja” para os chamados paraísos fiscais. Uma outra campanha global, a “End Tax Haven Secrecy”, pede uma ação conjunta dos países do G-20 contra os paraísos fiscais, que é para onde, invariavelmente, vão os recursos públicos desviados. No Brasil, a campanha é capitaneada pelo Inesc – Instituto de Estudos Socioeconomicos.

A ideia, claro, é que esses líderes estimulem em seus países o desenvolvimento de mais instrumentos de fiscalização, e principalmente pressionem pelo fim do sigilo nesses paraísos. Algo que envolve também uma maior cooperação entre o Ministério Público e a Polícia Federal dos países.

Duas “brigas” que estão interligadas e que devem ser de todos os cidadãos, pois sem dúvida a cada ano que passa as questões referentes às mudanças climáticas fazem do controle social sobre os setores extrativistas uma ação vital para a sobrevivência humana.

Sobre o tema do dinheiro em paraísos fiscais, o advogado José Carlos Tórtima gravou um depoimento aqui para o nosso programa Agente de Cidadania. Para ele, a repatriação desses recursos é uma saída, através de uma anistia. Tema, aliás, que foi alvo de debates no Congresso recentemente. Mas, claro, sem envolver dinheiro de origem ilícita. Para ele, “o retorno desses capitais teria a tríplice vantagem de um investimento na economia formal, um incremento nas reservas cambiais e uma ajuda para debelar o déficit fiscal, que se apresenta bastante acentuado.

Como está descrito no próprio site da campanha, “a abertura dos contratos não é uma ‘bala de prata’” nem um fim em si mesmo – mas sim um parte fundamental de um jogo que precisa ser alterado para que os cidadãos de países ricos em matérias-primas tenham uma chance de lutar”.

Carta de apoio a ativistas da União Nacional de Camponeses de Moçambique

Nós, representantes de movimentos do campo, de organizações da sociedade civil, de sindicatos, de entidades religiosas e de outros movimentos sociais do Brasil integrantes da Campanha Internacional “Não ao ProSavana” e da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, declaramos nosso irrestrito apoio e solidariedade aos representantes da União Nacional de Camponeses (UNAC) diante das ameaças e tentativas de agressões físicas que sofreram no dia 11 de janeiro de 2016.

O ProSavana é um programa de cooperação trilateral Moçambique-Japão-Brasil que se propõe a promover o desenvolvimento agrícola da savana tropical de Moçambique, por meio do incentivo à agricultura tecnificada e voltada para o mercado externo.  Em nosso entendimento, tendo em vista o caráter triangular da iniciativa e a necessidade de discussão pública e democrática que um programa dessa magnitude e natureza implica, uma ofensa tal qual a sofrida pelos representantes da UNAC constitui uma ameaça aos mais básicos princípios democráticos e uma violência cometida contra todos nós integrantes da Campanha Internacional lançada em maio de 2013, além de configurar-se como um abuso de poder que devemos combater.

Desde 2011, ocasião de lançamento do ProSavana, os debates e discussões em torno do programa tem se mostrado pouco democráticos e transparentes, o que já foi admitido pelos governos envolvidos na iniciativa. Seus documentos, quando publicizados, não raro apresentavam generalizações grosseiras, contradições e discrepâncias que muito têm preocupado a sociedade civil organizada nos três países. Tem sido recorrentes desde então as denúncias de falta de informações, de manipulação de dados, de intimidação de comunidades e da sociedade civil e de irregularidades no processo de consultas e de viabilização da participação pública como já denunciado amplamente na “Carta Aberta para Deter e Refletir de Forma Urgente o Programa ProSavana” (junho de 2013). Um programa dessa magnitude e com os impactos potenciais que coloca para os milhares de camponeses do norte de Moçambique, precisa ser amplamente debatido e negociado, e é por isso que repudiamos de forma radical a postura do representante da Majol que estava a serviço da Agência de Cooperação Japonesa (JICA) nas discussões travadas no dia 11 de janeiro de 2016.

Nós temos acompanhado com muita atenção nos últimos anos, as discussões em torno do ProSavana, bem como as violações de direitos e as irregularidades cometidas sistematicamente pela empresa brasileira Vale. Nos colocamos ativamente contrários a esse tipo de postura e comportamento. Como cidadãos brasileiros, entendemos que a cooperação entre países precisa ser orientada por princípios de solidariedade e de respeito à soberania dos povos, de modo que qualquer postura autoritária e violenta, não apenas deve ser combatida, como exterminada. A cooperação internacional, pelo seu caráter público, deve ter como fim a promoção do desenvolvimento e da justiça social, e jamais se converter num instrumento de opressão do debate público e da participação democrática ou de promoção dos interesses de empresas e investidores. E é por isso que nos posicionamos nessa carta em solidariedade aos representantes da UNAC e aproveitamos para cobrar das autoridades brasileiras envolvidas no ProSavana também o seu pronunciamento e ações imediatas de combate a atitudes autoritárias dessa natureza.

Assinam essa carta:

Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES)

Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale

Centro de Educação, Pesquisa, Assessoria Sindical e Popular (CEPASP)

Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente a Mineração

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)

Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)

Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF)

GRUFIDES, Peru

Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)

Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)

Justiça Global

Metabase Congonhas

Missionários Combonianos do Nordeste

Movimento debate e ação

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM)

Núcleo Tramas

Red Regional agua, desarrollo y democracia (REDAD) Piura/Peru

Rede de Mulheres Negra para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Rede Justiça nos Trilhos

Via Campesina

Diversidade no Oscar 2016: quando a arte imita a vida

Um levantamento feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ revela a falta de diversidade racial e de gênero na maior premiação do cinema mundial, o Oscar.

Com o levantamento feito, o pessoal do Gemaa produziu um infográfico esclarecedor (ver abaixo), para termos uma ideia como a indústria cultural reproduz a desigualdade racial e de gênero da vida real. Em 87 anos de premiação, apenas uma mulher negra conquistou o Oscar de melhor atriz – na categoria de melhor ator, foram 4 homens negros apenas.

A exemplo do que aconteceu no ano passado, as indicações dos artistas que concorrem ao Oscar 2016 sofreram duras críticas pela falta de diversidade, gerando até boicotes por parte de artistas negros, como o diretor Spike Lee e o ator Will Smith.

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, as indicações do Oscar 2016 não configuram um “caso isolado” ou uma “exceção à regra”, pelo contrário, são “flagrante do racismo existente nos Estados Unidos”.

“Aliás, Hollywood sempre revelou, por meio de seus filmes, como se comporta essa sociedade com relação à questão etnico-racial: veja como são construídas as narrativas de faroeste clássico, em que o etnocídio cometido contra os indígenas naquele território é romantizado e faz do branco um herói (e é bom registrar que os atores que interpretavam indígenas foram, por décadas, os italianos)”, lembra Carmela.

Na atualidade, mesmo as atrizes negras que já foram contempladas com o prêmio, tinham papéis estereotipados, como a doméstica (Octavia Spencer, em Histórias Cruzadas), a mãe abusadora (Lee Daniels, em Precious), uma vidente enganadora (Whoopi Goldberg , em Ghost).”

O Brasil é muito parecido com os Estados Unidos nesse quesito, aponta Carmela:

“Aqui, como lá, a estrutura racista gerou privilégios e desigualdades históricas. Hoje, compartilhamos uma triste semelhança: estamos matando e encarcerando uma geração inteira de jovens negros. E nossa TV, ainda maior referência do que o cinema para a maioria da população, é branca.”

A desigualdade de gênero e de raça também está presente na representação política brasileira, lembra Carmela. Estudo publicado em 2014 pelo Inesc sobre as eleições realizadas naquele ano mostrou que negros, mulheres e indígenas ficaram sub-representados nos cargos políticos preenchidos em 2014.

Veja o infográfico sobre a falta de diversidade racial e de gênero no Oscar:


Eleições de 2016: sem doações empresariais, campanha deve ser modesta

por Miguel Martins, com Rodrigo Martins — publicado na Carta Capital.

Segundo colocado nas eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro em 2012, Marcelo Freixo, do PSOL, disputará novamente o cargo neste ano. Recentemente, o prefeito carioca, Eduardo Paes, do PMDB, definiu o adversário de Pedro Paulo, seu candidato à sucessão, como “um rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso”. O rótulo, criado pelo músico Belchior e erroneamente atribuído pelo prefeito a Beto Guedes, tem fundamento quando são comparadas as doações recebidas pelos oponentes no pleito municipal anterior. Em 2012, Paes angariou 21,2 milhões de reais em doações e Freixo, pouco mais de 1 milhão.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de declarar inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas, com o objetivo de diminuir a influência do poder econômico nas eleições, deve ajudar a equilibrar as disputas em 2016. Se as regras atuais valessem há quatro anos, Paes teria apenas uma doação legal em sua prestação de contas: um cheque de 15 mil reais de Guilherme Ache, o único cidadão que declarou ter contribuído com sua campanha.


De resto, o prefeito afirmou ter recebido pouco mais de 1 milhão de reais de doações diretas de empresas e quase 20 milhões do comitê financeiro municipal único, prática conhecida como doação oculta, também considerada inconstitucional pelo STF em 2015. Por outro lado, Freixo tem experiência em arrecadar doações de pessoas físicas, única modalidade de financiamento privado autorizada pela Corte a partir deste ano. Em 2012, o candidato do PSOL recebeu cerca de 1 milhão de reais em contribuições individuais em dinheiro, transferência eletrônica pela internet e trabalho voluntário estimado em reais.

Alijadas do processo eleitoral pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, as empresas devem sair formalmente da cena eleitoral, em que pese o esforço de parte do Congresso para reverter a medida. Embora Eduardo Cunha, presidente da Câmara, tenha manobrado para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição que legalizava as doações empresariais, a medida não deve ser aprovada no Senado. A prática foi vetada pela maioria da Casa em setembro do ano passado. Caso as contribuições empresariais sejam constitucionalizadas pelo Congresso, o STF poderia ainda vetá-las, se entender que a prática fere cláusulas pétreas da Constituição.

Há quatro anos, as eleições municipais mobilizaram doações legais de mais de 4 bilhões de reais aos candidatos a prefeito e a vereador. Mais de 97% desse valor correspondia a contribuições de empresas às campanhas. Sem a participação das pessoas jurídicas, parece pesar menos o limite de gastos imposto pelo Tribunal Superior Eleitoral, a reduzir em até 50% os gastos de campanha nos maiores municípios do País. Dirigentes dos principais partidos estimam enormes dificuldades para financiar os candidatos.

Tesoureiro do PMDB, legenda que mais arrecadou nas últimas eleições municipais, o senador Eunício Oliveira lamenta a falta de uma escolha clara entre o financiamento público ou privado nos debates sobre reforma política no ano passado. “O modelo tinha de ser modificado, mas, da forma como está, o financiamento foi pura e simplesmente extinto.” Além do fim das doações de empresas, as verbas do fundo partidário destinadas às eleições são limitadas. Apenas 15% dos recursos públicos, diz Eunício, são investidos pelo partido nas disputas. “O restante é para o custeio da estrutura e das atividades da legenda.”

Em 2015, o valor repassado pela União ao Fundo Partidário foi de 811 milhões de reais. No ano passado, foram aprovadas novas regras para o rateio da verba. Só terão acesso aos recursos públicos e ao tempo de propaganda no rádio e tevê legendas com diretórios permanentes em, no mínimo, 10% dos municípios nacionais, distribuídos em pelo menos 14 estados. A medida afeta principalmente partidos menores, como o PCO e o PSTU. Nas eleições de 2012, as legendas utilizaram 180 milhões de reais do Fundo Partidário para as campanhas eleitorais. O valor correspondia a menos de 5% do total movimentado.

Márcio Macedo, tesoureiro do PT, afirma que o partido pretende fazer uma consulta à Justiça Eleitoral para entender quais serão as regras para a aplicação do dinheiro do Fundo Partidário. “É necessário delimitar claramente se poderemos usá-lo para pagar programas de tevê ou materiais gráficos, por exemplo”, argumenta. “Não queremos surpresas na prestação de contas.”

O risco do aumento na prática de caixa 2 preocupa os partidos. Renato Casagrande, ex-governador do Espírito Santo e secretário-geral do PSB, cobra agilidade da Justiça Eleitoral para coibir a prática. “Há o risco de vermos campanhas extravagantes, mas com uma prestação de contas franciscana.” Assim como Eunício, ele critica a falta de um modelo de financiamento alternativo. “Quando o Congresso não consegue atuar e deixa o Judiciário ditar as regras, acontece esse tipo de anomalia.”

Os candidatos devem buscar doações de grandes empresários, mas a estratégia pode ter sucesso limitado, por conta das investigações da Lava Jato. Arthur Rollo, advogado especialista em Direito Eleitoral, supõe que algumas empresas tenham feito um aporte extra para diretores doarem como pessoas físicas, mas os escândalos de corrupção devem desestimulá-los. “Hoje, contribuir com as campanhas é chamar os holofotes da Receita Federal para si.” Segundo Eunício, o PMDB não deve interceder para convencer empresários a doar. “Não temos essa tradição, cada concorrente costuma buscar seus recursos.” Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Flávio Henrique Pereira, advogado eleitoral do PSDB, disse que o partido tem “poucas soluções”. “Vai depender muito do trabalho individual dos candidatos.”

Enquanto a arrecadação está comprometida, as campanhas serão necessariamente mais baratas com o novo limite de gastos de campanhas imposto pelo TSE. No fim de 2015, o tribunal divulgou uma tabela com o teto para cada município. Será a primeira disputa na qual os partidos não serão os responsáveis por declarar quanto pretendem gastar.

De acordo com as novas regras, as campanhas para prefeito e vereador podem custar até 70% do maior gasto declarado em cada cidade na disputa de 2012. No caso dos municípios onde as eleições chegaram ao segundo turno, o limite cai para 50%. Em São Paulo, o teto das eleições para a prefeitura será de 33,9 milhões de reais, metade do valor arrecadado pelo prefeito Fernando Haddad, do PT, em 2012.

Nas cidades com até 10 mil eleitores, os candidatos a prefeito poderão gastar, no máximo, 100 mil reais e os candidatos a vereador, 10 mil. Segundo Vera Chaia, cientista política da PUC-SP, o novo limite pode ser suficiente. “Municípios menores não têm horário eleitoral gratuito na tevê”, lembra. “O que mais pesa são as aparições nas rádios e o corpo a corpo com os eleitores.” Rollo lembra, porém, que a contratação de advogados para a apresentação da prestação de contas pode comprometer os gastos. “Um representante legal deve custar, no mínimo, metade do teto.”

Para contornar a adversidade, Casagrande afirma que os partidos precisarão exercer maior protagonismo nas eleições. “Diante da escassez de recursos, as legendas podem criar um time de advogados, de contadores e equipes de marketing para assessorar os candidatos de vários municípios de uma mesma região.”

As campanhas terão, ainda, de ser criativas. Macedo afirma que o PT organizará uma conferência eleitoral no primeiro trimestre para definir as estratégias de arrecadação. “Imagino que as contribuições pela internet terão um papel significativo, mas também pretendemos estimular doações de pessoas físicas e da nossa militância.” O PT, atualmente, possui cerca de 1,8 milhão de filiados, que têm sido convidados para contribuir financeiramente com as atividades do partido, sobretudo após a decisão da cúpula, em abril de 2015, de não mais aceitar doações empresariais. A medida foi adotada pouco após a prisão de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido, em meio às investigações da Lava Jato.

asagrande afirma que a estratégia do PSB será investir na pré-campanha. A partir das eleições de 2016, os políticos serão autorizados a se apresentar como pré-candidatos antes do início formal da disputa, com a condição de não pedirem votos explicitamente. “Vamos orientar os candidatos a usar ativamente as redes sociais e antecipar a apresentação das propostas aos eleitores.”

Sem grandes soluções, os partidos devem recorrer à internet para aumentar o financiamento. Freixo teve sucesso relativo com a estratégia em sua campanha de 2012: 15% do total arrecado foi transferido eletronicamente pelos eleitores. Embora modesto, o valor de 162 mil reais é significativo diante da porcentagem obtida por Dilma Rousseff e Marina Silva nas eleições de 2014: apenas 0,3% da arrecadação veio de pequenas contribuições na internet.

“Muitos dos nossos eleitores em 2012 doaram quantias modestas, mas o ato era importante”, lembra Freixo. “Um jovem certa vez me agradeceu pela campanha e pediu desculpa por ter doado apenas 50 reais, uma parte do que recebia dos pais mensalmente.” Com poucos recursos em vista para 2016, os partidos não poderão menosprezar nem a mesada de seus jovens eleitores.

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