O Plano Plurianual do governo federal dialoga com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável?

O governo brasileiro diz ter participado ativamente da construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o qual resultou na definição de 17 Objetivos e 169 metas, envolvendo temáticas diversificadas, como erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura e industrialização, governança, e meios de implementação.

Mas em que medida esta participação influenciou a visão de médio prazo do governo por meio da sua proposta de Plano Plurianual (PPA 2016-2019) que acaba de ser enviada ao Congresso Nacional (PL nº 06/2015-CN)?

Se olharmos os objetivos e os indicadores dos ODSs, veremos que trazem compromissos e desafios que não encontram o devido respaldo na principal, e pouco efetiva, peça de planejamento de médio prazo do governo brasileiro que é o PPA que está agora em tramitação no Congresso Nacional (PL nº 06/2015-CN).

Em uma primeira leitura do PPA com a lente dos ODSs, pontuamos que tanto as propostas saídas dos ministérios setoriais do governo, quanto aquela formatada como posição de governo no âmbito do Ministério do Planejamento e da Secretaria Geral da Presidência, apenas indiretamente e muito tangencialmente dialogam com os objetivos e indicadores estabelecidos nos ODSs.

Ao que nos parece, estes dois processos seguiram cursos paralelos. Uma boa mostra disto é a ausência explícita do esforço de construção e implementação dos ODSs na estrutura no PPA. A visão estratégica do PPA que é parte da mensagem presidencial do Projeto de Lei enviado ao Congresso não faz referência alguma a este importante esforço internacional de construção dos ODSs que, para ser efetivado, dependerá da capacidade de planejamento e implementação de políticas de médio e longo prazo.

Além disto, infelizmente, sequer houve um esforço governamental significativo de promoção de diálogos e concertação de visões e interesses inter e intra setorial no governo o que seria essencial para que os ODS estivessem mais bem refletidos no PPA.

Por exemplo, o Ministério de Minas e Energia não dialogou com o Ministério do Meio Ambiente ou/e com a Funai para pensar como o planejamento da oferta de energia e a diversificação da matriz energética poderiam caminhar na direção de garantir um desenvolvimento de fato sustentável, o que não acontece hoje com a sobreposição de conflitos e violações derivadas do avanço de projetos hidrelétricas na Amazônia.

É claro que alguns dos objetivos e metas dos ODSs apresentam uma formulação próxima àquelas já utilizadas nas nossas políticas públicas e no PPA (por exemplo: acabar com a pobreza, com a fome, assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade). Mas esta correspondência parece ser fruto do trabalho do governo brasileiro de colocar lá nos ODS alguns dos esforços já em curso independente deste compromisso internacional.

Assim, a despeito de evidenciar alguns temas e desafios similares, o PPA não parece ter tido sua estrutura de prioridades, metas e indicadores influenciada pelo conjunto dos objetivos e indicadores dos ODSs. Além disto, a busca desta correspondência não nos parece ser uma tarefa fácil daqui para frente.

Vale lembrar que cogitou-se no espaço participativo da construção do PPA a construção de uma agenda temática do PPA que espelhasse os compromissos assumidos no âmbito do ODS. Mas é importante registrar que tanto esta possível agenda temática (com todos seus limites) quanto as demais agendas temáticas cogitadas padecerão de consistência se não houver um compromisso mais efetivo de diálogo e coordenação intersetorial dentro do governo, se o sistema de monitoramento e prestação de contas destas agendas e compromissos (que ainda não saiu do papel) sair do marco do discurso e ganhar concretude e, acima de tudo, se todo este esforço não for comprometido diante do atual quadro de crise econômica e política.

O único compromisso expresso pelo governo brasileiro foi lançado pela Ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, em Nova Iorque, durante a Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, no dia 25 de setembro. Está planejada uma Conferência Nacional sobre os ODS no segundo semestre de 2016, do corrente ano.

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Nova Agenda da ONU para desenvolvimento sustentável frustra sociedade civil

Por um Orçamento da Mobilidade Urbana transparente e acessível

Estamos abrindo a Semana da Mobilidade e temos mais um Dia Mundial Sem Carro, datas significativas que dão visibilidade a questões que vêm cada vez mais ganhando as ruas, especialmente a partir das manifestações de 2013 iniciadas pelo Movimento Passe Livre em defesa do direito ao transporte. Aproveitando o momento, estamos lançando para a população o Orçamento Temático da Mobilidade Urbana, uma parceria do Inesc com o Movimento Nossa Brasília.

Setembro é tempo de manifestação em favor da mobilidade e do direito à cidade, que segundo palavras de uma adolescente, que participou de oficina sobre educação de qualidade, “é o direito a ter direitos”. E, segundo David Harvey, geógrafo britânico: “O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. Além disso, é um direito comum antes de individual já que esta transformação depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização. A liberdade de construir e reconstruir a cidade e a nós mesmos é, como procuro argumentar, um dos mais preciosos e negligenciados direitos humanos.”

Direito coletivo de transformar as cidades em lugares também coletivos, onde desigualdades sejam combatidas. No entanto, os modelos de cidades que temos estão na contramão da realização dos direitos, pois são segregadoras e aprofundam desigualdades. Não precisamos dizer que as empreiteiras, empresas de lixo e de transporte coletivo financiam as campanhas eleitorais e pautam os governos e legislativos, isso já está cristalino, apesar de profundamente enraizado culturalmente.

Tão enraizado e essencializado a ponto de não haver manifestações de massa a favor da transparência dos orçamentos da mobilidade e da abertura das composições das planilhas do transporte coletivo. Em tempos de aumento, os gestores lançam um número “x” qualquer e temos de nos conformar com essa informação, pois não há disposição em  apresentar à população a composição, de fato, dos orçamentos. Dados que deveriam estar á disposição para entendimento de leigos, apresentam um alto grau de opacidade.

“Festa estranha com gente esquisita”, esta é a impressão dos tempos que estamos atravessando. Há uma tormenta e quase nunca os interesses do capital se colocaram tão evidentemente em contraposição aos direitos humanos. A ponto de legislação recém aprovada, promotora de direitos, não fazer o menor sentido.

Foi o que vimos com a aprovação da proposta de Emenda Constitucional que colocou o transporte público no mesmo patamar de outros direitos sociais como saúde e educação. Na mesma semana, o governo do Distrito Federal aumentou as tarifas de ônibus e metrô em até 50%, totalmente na contramão da legislação e, ainda por cima, sem que o serviço tenha melhorado uma vírgula. O metrô, por exemplo, tem apresentado problemas cotidianamente, deixando a população usuária a mercê da sorte.

O incrível é que durante os momentos de transição entre governos, há sempre a disposição de fazer diferente, pois ainda estão do lado de cá, da população, e entendem a necessidade de se dialogar para encontrar soluções que favoreçam a abertura dos “portais da cidade”, que democratize espaços públicos, que facilite o acesso aos equipamentos culturais não apenas para o centro, mas principalmente para a periferia. No entanto, basta que sentem nas cadeiras para perceberem que têm uma fatura para com os donos do capital que financiaram e elegeram os seus líderes e que essa fatura precisa ser “honrada”, portanto, o direito da população à participação na concepção das políticas e à transparência continuará negligenciado.  

Para promover o acesso a essas informações não disponibilizadas pelos governos em formato dados abertos, transparentes, o Inesc desenvolveu a metodologia Orçamento e Direitos, com a qual elabora orçamentos temáticos que facilitem aos usuários o acesso à informação. Isso em âmbito federal. Em Brasília, elaborou com o grupo de trabalho de mobilidade do Movimento Nossa Brasília  o orçamento temático da mobilidade do Distrito Federal. Não foram poucas as dificuldades, por não haver informações disponíveis. Mesmo recorrendo a gestores públicos para obter os dados necessários, ficamos ainda com várias lacunas.

Esse é, entretanto, um pontapé inicial importante para abrirmos o diálogo com a população e o poder público, no sentido de ampliar o acesso à informação e entender como é composto esse mosaico que financia o transporte coletivo da cidade. Abrir o orçamento é fundamental também para que as políticas relacionadas ao direito à cidade sejam dialogadas com a população como um todo, e não apenas com aqueles que julgam ser os donos das cidades por terem poder econômico, muitas vezes adquirido às custas de velhos privilégios junto aos governos,  ou mesmo corrompendo agentes públicos.

Baixe o Orçamento Temático da Mobilidade Urbana (em PDF).

Confira a planilha aberta do Orçamento Temático de Mobilidade Urbana do Distrito Federal – Execução 2014 e 2015 (em arquivo Excel)

Renúncias tributárias – os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil

Esta publicação trata de uma das questões pouco estudada sobre o sistema tributário brasileiro, que são as renúncias tributárias, isto é, o chamado financiamento indireto da política pública. Por meio da análise das renúncias tributárias, o estudo identifica a transferência indireta e extraorçamentária de recursos do orçamento público para o setor privado da economia, durante o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff (de 2011 a 2014).

Sem reforma política, estamos perdidas!

Em 2014, num cenário de muitas reivindicações políticas e em pleno processo eleitoral, o Instituto de Estudos Socioeconômicos monitorou as declarações sobre cor/raça enviadas pelos candidatos a cargos políticos ao Tribunal Superior Eleitoral, obtendo assim um perfil racial do parlamento brasileiro. Os resultados mostraram que, no Brasil, a falta de equidade e representatividade na política é alarmante. A sub-representação de negros, mulheres, jovens e indígenas deve se perpetuar pelos próximos quatro anos, mesmo tendo os partidos conseguido cumprir pela primeira vez, desde a criação da Lei 9.504/97, a cota de equidade de gênero – no entanto, esses candidatos não conseguiram se eleger.

Leia a íntegra da pesquisa do Inesc “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia”, que traz informações raça/cor, sexo, partidos políticos, Unidade de Federação e cargos de todos os candidatos das eleições de 2014 do Brasil.

Essa preponderância do homem branco no Congresso Nacional impermeabiliza os processos democráticos no país, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, em artigo publicado na edição julho-setembro da revista Novamerica.

Segundo Carmela, o parlamento brasileiro é mais sexista do que o de países mais conservadores como o Irã ou Afeganistão. Por isso, se torna imprescendível uma reforma política ampla e democrática, para promover a inserção de negros, mulheres, jovens e indígenas no processo decisório parlamentar.

Não é de hoje que os movimentos sociais falam de reforma política. A aprovação do financiamento privado nas campanhas políticas e a derrota da emenda que garantiria 10% das vagas a cargos políticos para mulheres – ambas este ano – revela a necessidade urgente de reestruturação do sistema político brasileiro para promover a inclusão efetiva das mulheres na política, com paridade de sexo e igualdade racial. O país avançou pouco na representatividade e na sensibilidade para uma agenda feminista na política. “Precisamos de mulheres que sejam comprometidas com o viés dos direitos humanos, e de reforma política democrática”, afirma Carmela Zigoni no artigo.

Leia a íntegra do artigo publicado na revista Novamerica.

BRICS e Cooperação para o Desenvolvimento Internacional

A cooperação entre os Brics vem se intensificando a cada ano e abrange uma ampla gama de temas e modalidades. Este texto apresenta apenas duas dimensões desta vasta agenda: os acordos assinados pelos Brics por ocasião de sua VI Cúpula, realizada em Fortaleza (CE), e um perfil da cooperação de cada país membro do bloco. Por Fátima Mello, com a colaboração de Lys Ribeiro. 1a. Edição – Brasília 2015.

Acesse o PDF.

Novo PPA do governo Dilma: avanços e desafios do processo de participação social

Nos dias 27, 28 e 29 de julho, o governo realizou mais um Fórum Interconselhos para discussão do novo Plano Plurianual (PPA) 2016-2019. Além de conselheiros nacionais e de diversos Estados, o evento “Dialoga Brasil PPA” contou com a participação de organizações e movimentos interessados em monitoramento de políticas públicas e do ciclo orçamentário para o próximo período.

O primeiro avanço do processo de consultas é, sem dúvida, a realização de escutas regionais e temáticas: foram realizadas reuniões com conselhos e movimentos sociais nas cinco regiões do país e também sobre temas específicos como políticas para as mulheres e juventude, nas quais participaram 1089 entidades e 4 mil pessoas, além da participação digital. Também foram realizadas conversas com sindicatos de trabalhadores e empresários. No Dialoga Brasil PPA, o Governo apresentou a devolutiva para a sociedade, respondendo às mais de mil demandas apresentadas nos últimos meses, uma iniciativa muito positiva, que contou com um detalhado documento de pouco mais de 200 páginas. Porém, a devolutiva pecou pelo pouco tempo para avaliação pelos representantes da sociedade civil (uma manhã), além de conter lacunas com relação a Metas importantes a serem monitoradas nos próximos anos.

O discurso do Governo é de que devemos estar atentos aos Objetivos do PPA, mas na prática, nos deparamos com muitas metas não mensuráveis, o que irá dificultar a realização do acompanhamento, e isso poderá afetar inclusive as áreas de monitoramento da própria gestão pública (a não ser que estejam dispostos a gastar vultosos recursos em pesquisas de impacto para medir alcance dos objetivos). Existem, sim, metas quantitativas previstas, mas no âmbito do tema “Direitos”, por exemplo, que contempla os Programas de promoção da igualdade racial, políticas para as mulheres, juventude, pessoas com deficiência, direitos humanos e povos indígenas, diversas Ações não contém, ainda, metas previstas. Quando as metas estão presentes, exceto por algumas exceções, são “metas qualitativas”, ou seja, imensuráveis (“apoio”, “fomento”, “estímulo”, “ampliar diálogo”), e, portanto complexas para definição de recursos orçamentários e difíceis de monitorar. Exemplificando, a Ação “Fortalecimento do Plano de Políticas para as Mulheres” não possui meta, apenas objetivos; outro exemplo é a Ação “Garantir a efetivação do Estatuto da Igualdade Racial”, que possui oito objetivos, e nenhuma iniciativa ou meta até agora.

Para deixar claro o que estamos tentando pontuar, um exemplo de meta mensurável presente no documento da devolutiva é 04BO “Construir e implementar a Casa da Mulher Brasileira em todas as capitais estatuais e no Distrito Federal”: ponto para o PPA, e nesse caso, é preciso então que estejamos atentíssimas ao recurso orçamentário que será destinado para alcançá-la, já que é bastante concreta. O desafio é, portanto, saber onde estará o recurso para a realização das iniciativas e alcance das metas, o que só poderá ver visto na Lei Orgânica Anual (LOA) de 2016. É preciso aguardar, então, a última versão do documento que será entregue ao Congresso Nacional em 31 de agosto para então avaliar o real comprometimento em termos de “entregas” do Governo para os próximos 4 anos –, mas já tendo em mente que itens importantes do PPA não fizeram parte do debate com a sociedade realizado até agora.

Outro aspecto que incomodou a sociedade civil presente no evento é o debate restrito sobre o planejamento governamental: “Queremos discutir o modelo de desenvolvimento”, afirmavam as organizações do campo, indígenas e quilombolas. Neste sentido, em recente Nota Técnica, o Inesc alertou para o problema dessa “cultura de consultas”, em que a sociedade não delibera – ou seja, não decide –, nem pode palpitar sobre temas que ultrapassem políticas sociais, como a política externa, econômica, energética, e as próprias contradições de políticas públicas contrastantes que impactam os territórios (a exemplo da política de agricultura familiar que conta com muito menos recursos do que o previsto para o agronegócio). A “sensação de participação” ressaltada por Rafael Georges da Cruz na citada NT, em lugar de uma participação de fato, pôde ser novamente observada na medida em que o Dialoga Brasil PPA propôs um dia para debate sobre o desenho da participação social no monitoramento do novo PPA, mas não preparou os participantes previamente para adensar o debate. Após uma apresentação técnica no período da manhã do dia 30 de julho, em que os gestores dissertaram sobre estrutura do ciclo orçamentário e apresentaram as plataformas digitais do governo para acesso livre dos dados orçamentários, como o SIOP etc, os conselheiros tiveram apenas uma tarde para apontar, a partir de trabalho em grupos, quais seriam as “agendas prioritárias” de monitoramento e ainda discuti-las em Plenária.

Podemos citar ainda um aspecto positivo deste processo que seria a apresentação de uma nova agenda de participação que inicia em agosto desse ano e vai até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Esperamos então que o desenho e a metodologia do conjunto dessas atividades de participação sejam rediscutidos internamente ao Governo, uma vez que há diferentes acúmulos e conhecimentos por parte dos conselheiros, e ainda a necessidade de respeitar a diversidade cultural dos sujeitos de direitos em debates públicos importantes como estes. É preciso, portanto, construir ferramentas para tornar o diálogo menos assimétrico, e isso inclui repensar as apresentações burocráticas e investir em formatos amigáveis para interação digital. Importante ressaltar que uma das propostas da sociedade civil no Dialoga Brasil PPA foi a institucionalização do Fórum Interconselhos – o Inesc avalia essa proposta como fundamental para obrigar o Estado a promover a participação social no ciclo das políticas públicas.

Seguem ainda questões em aberto que devem ser olhadas pela sociedade com atenção, como a desconexão temporal entre o planejamento do PPA e as resoluções por vir das 14 Conferências Nacionais previstas para acontecer até 2016 e o impacto do ajuste fiscal no orçamento das políticas públicas. O Inesc avaliou recentemente estes cortes para o ano de 2015, considerando especialmente áreas promotoras de direitos humanos, educação, igualdade racial e promoção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Por outro lado, o Governo está demorando em se posicionar quanto a questões relevantes como a reforma tributária: sem colocar a evasão e elisão fiscal na agenda e sem discutir justiça fiscal, pouco avançará na composição orçamentária voltada para a diminuição das desigualdades. E este também é um tema a ser amplamente debatido com a sociedade por meio de políticas de participação social.

Artigo: Reforma política: ampla, democrática e participativa

Publicado por Gazeta de Alagoas.

Muito se tem falado – e não é de hoje – em reformas no Brasil. Mas pouco se fala sobre a natureza dessas reformas. Geralmente as reformas são apresentadas como a solução de todos os problemas e mazelas do país. Foi assim com a reforma da previdência, é assim com a reforma tributária. Não é diferente com a chamada reforma política. Ficamos com a sensação de que se a reforma que “está na moda” não for feita, o Brasil corre o risco de acabar na próxima semana.

Antes de mais nada precisamos analisar a natureza de cada reforma. Por exemplo, na reforma da previdência não houve a preocupação em como incluir os milhões de brasileiros e brasileiras que estão fora do sistema previdenciário e sim em uma reforma para tirar direitos conquistados pela luta dos/as trabalhadores/as, desmontar o conceito de seguridade social da Constituição de 1988 (saúde, previdência e assistência social) e, principalmente, em como desmontar o sistema público de previdência e incluir as regras de mercado numa política de proteção social. A reforma tributária não é pensada com o objetivo de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e sim equalizar as disputas das três esferas de governo pelos recursos. O sistema tributário brasileiro está entre os mais injustos do mundo, pois faz com que quem ganha menos contribua mais e quem ganha mais contribua menos, ferindo o princípio constitucional da progressividade das tributações (quem mais ganha, contribui mais).

Com a reforma política não é diferente. Ela é vista como uma forma de equalizar as disputas de poder pelos grandes partidos. Por isso, tem um caráter apenas da reforma do sistema eleitoral e não a reforma de quem exerce o poder, de como se exerce o poder, em nome de quem se exerce o poder e quais os mecanismos que se tem de controlar o poder. Enfim, a reforma política deve ser a reforma do poder e não apenas do sistema eleitoral (que é consequência do sistema político que ai temos).

Tradicionalmente, no Brasil, a reforma política entra na pauta do Congresso e do Executivo em momentos de escândalos, crises políticas ou de fragilidade da hegemonia do grupo que está no poder.

Foi assim na ditadura militar quando o poder da Arena foi ameaçado pelo MDB que podia ter a maioria parlamentar. O poder de plantão resolveu a questão conseguindo novos deputados e senadores arenistas, através da criação de novos estados, seja por desmembramento dos existentes ou transformação dos territórios em estados. Sem falar nos senadores biônicos.

Na verdade o que está sendo chamado de reforma política não passa de uma reforma do sistema eleitoral, num momento de forte questionamento e desgaste da vida e da atuação política partidária.

A verdadeira reforma política não se reduz a reforma do voto, dos partidos ou da representação, mas sim a reforma das instituições políticas e do Estado, criando uma nova forma de se exercer o poder e com mecanismos de controle público do Estado. A verdadeira reforma política devia partir da necessidade da ampliação dos espaços de participação cidadã e dos sujeitos políticos, isso é, deveríamos estar discutindo a democracia representativa, combinado com a democracia participativa e direta. Enfim um novo modelo de democracia, que reconheça as diferentes formas de se fazer política e os seus diferentes sujeitos.

25 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente: temos o que comemorar?

Foi aprovado na terça-feira (14/7) pelo Senado Federal o aumento do tempo de internação de adolescentes em conflito com a lei para 10 anos. Uma perda de direitos para os adolescentes, mais um elemento para refletirmos: que sociedade é essa que prefere encarcerar sua juventude a investir em seus direitos? Por que respondemos com uma legislação do castigo e da vingança ao fracasso coletivo de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?

O Estatuto nasceu em 13 de julho de 1990, fruto direto da abertura política e de uma sociedade cansada das desigualdades do autoritarismo e da violência. Havia uma grande reação contra o Estado autoritário e um movimento incontrolável pela democracia. Foi neste contexto que milhares de pessoas se mobilizaram pela elaboração de uma lei que de fato protegesse crianças e adolescentes.

A mudança foi radical. A essência do Código de Menores, sancionado em 1927, era a criminalização de crianças e adolescentes que perambulavam pelas ruas, em sua maioria pobres e negras, enquanto o Estatuto responsabiliza o poder público, a família e a sociedade em geral pela vida digna e pelo desenvolvimento saudável e feliz de todas as crianças e adolescentes.

O que passa a valer com a substituição do Código de Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é a preocupação com a universalização dos direitos. O ECA trouxe um novo olhar sobre a infância e a adolescência, e por consequência, sobre a juventude também.

O novo instrumento jurídico reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não mais como meros objetos de tutela. Palavras como respeito, dignidade, cultura, liberdade, lazer, educação, saúde formam o novo ideário para a infância. O país então é provocado para se organizar com o objetivo de materializar os direitos. Apesar dos esforços, muitos operadores de direitos continuaram ancorados na lei anterior.

A onda conservadora que assola o país atiçou a visão do Código de Menores, provocando a sociedade a considerar menino pobre e negro como a grande ameaça. O extermínio da juventude negra, que nunca teve trégua, assume uma dimensão escandalosa.

Segundo pesquisa do Unicef, o Brasil é o sexto país no mundo que mais mata adolescentes: “Em números absolutos, no entanto, o País teve mais de 11 mil homicídios de pessoas de 0 a 19 anos em 2012, atrás apenas da Nigéria, que tem quase 13 mil. Adolescentes negros têm risco três vezes maior de serem assassinados que brancos da mesma idade.”

A responsabilidade da mídia e o escândalo das redes de ódio na internet

Programas de televisão como telejornais e novelas diariamente citam os ‘dimenor’ quando se trata de violência urbana, induzindo a população a acreditar no perigo que eles e elas representam. Observamos perplexos uma onda de linchamentos públicos após a apresentadora Rachel Sherazade deliberadamente incentivar o justiçamento na televisão, em 2014: a “jornalista” foi afastada da TV e agora atua no rádio, militando diariamente a favor da redução da idade penal.

Seus argumentos são tão vazios que os próprios colegas da rádio Jovem Pam a criticaram no ar este ano. O rebaixamento da idade penal emerge como solução mágica, e adolescentes e jovens negros são criminalizados e literalmente caçados como presas de um sistema sanguinário. Voltamos à estaca zero.

Sherazade não está só. Ao lado dela, uma enorme rede de incitação ao ódio na internet promove ataques aos ativistas de direitos humanos e dos direitos das crianças e adolescentes.

Além dos chamados “haters”, que atuam individual ou coletivamente, artistas famosos parecem usar o ódio e o preconceito para alcançar audiência: é o caso da página “Desumaniza Redes”, de Danilo Gentili, que se propõe a ridicularizar a iniciativa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, “Humaniza Redes”.

Apesar das diversas denúncias, a página de Gentili continua no ar, e serve como catalizador de todo tipo de discriminação, misoginia, homofobia e racismo presentes em nossa sociedade.

Aos casos conhecidos de racismo e misoginia, como o anúncio da “venda de negros no site Mercado Livre, em 2014; o “pornô de vingança”, que tem vitimado diversas adolescentes, não só no Brasil, mas no mundo; as ameaças a feministas, inclusive de estupro (ver aqui, aqui e aqui, um caso nos EUA); se somam casos mais recentes como o racismo contra apresentadora Maju, do Jornal Nacional; e a perseguição pessoal na internet e ameaças de violência real, como a nadadora Joana Maranhão, que defendeu o ECA antes da ida para o PanAmericano, e tem sofrido com intimidações violentas nas redes sociais. Embora a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) e outros órgãos competentes busquem reprimir estas ações, o dia a dia das redes sociais pode ser bastante cruel para os defensores dos direitos humanos.

Quando os adolescentes, especialmente de periferia, se percebem como sujeitos de direitos com poder de atuar sobre o mundo, colocam seus rostos e suas vozes a serviço da justiça social. As redes sociais são lócus importantes para as suas lutas e suas mobilizações. Se por um lado as redes sociais são espaços privilegiados de luta por um mundo melhor, são também espaços de manifestações inescrupulosas de intolerância, ódio, racismo, machismo que tanto violentam e constrangem, configurando como crimes de internet.

Na semana em que o ECA faz um quarto de século, vivemos um período de forte ameaça, mesmo sem ter sido o Estatuto implementado na íntegra. Apesar dos ganhos, hoje prevalece um sentimento de indignação que nos convoca a seguir na luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes com mais energia e determinação.

Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Artigo: Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Não se iluda: reduzir idade penal aumenta a violência

O Congresso Nacional está prestes a conseguir a façanha de burlar uma cláusula pétrea da Constituição Federal com a redução da idade penal. Os parlamentares que defendem tal medida argumentam que os atos infracionais cometidos por adolescentes aumentam cotidianamente e que a redução pura e simples resolverá a violência. Assim, querem criminalizar os jovens, especialmente aqueles que são vítimas das desigualdades raciais, educacionais, sociais e regionais.

Reflitamos então sobre a “pátria educadora”. Ela pressupõe uma sociedade preocupada com sua sustentabilidade social, uma terra de direitos sem distinção de cor, classe, gênero. Os adultos dessa sociedade deveriam compreender que a educação é o bem maior a se ofertar, que sua força está para além de políticas armamentistas, coercitivas, extensões territoriais e riquezas naturais, pois sem ela, desfrutar de tais riquezas é loucura e auto- extermínio.

Políticas públicas têm de ser elaboradas apoiando-se  em dados produzidos por pesquisas de órgãos especializados. No entanto, o que presenciamos no  Parlamento brasileiro são projetos e leis baseadas em convicções pessoais, que tornam-se preconceituosas na medida em que não são corroboradas com dados da realidade.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), dados da PNAD 2013 indicam que, mesmo que a adolescência seja a fase da vida a ser dedicada à escola,  mais de 1 milhão dos 10,6 milhões de adolescentes brasileiros entre 15 a 17 anos não estudam nem trabalham, 584 mil só trabalham e 1,8 milhão trabalham e estudam. E muitas vezes, aqueles que trabalham não o fazem na condição de aprendizes, conforme previsto na Constituição Federal− se o adolescente tem entre 14 e 16, só pode trabalhar nessa condição. É o caso dos que estão em situação de trabalho doméstico, por exemplo, visto que sequer há fiscalização.
Outro dado importante é que entre os que não estudam e não trabalham 64,87% são negros, 58% são mulheres e 83,5% vivem em famílias com renda per capita inferior a um salário mínimo. Há muita semelhança entre esse grupo e o grupo daqueles que só trabalham,  que também são negros, maioria de mulheres, com baixa renda. E para completar, os que conciliam trabalho e estudo são 59,8% negros, 63,03% pobres e 60,75% do sexo masculino.

Com base nesses dados, poderíamos imaginar que nossos parlamentares estivessem pensando em oferecer condições para que esses adolescentes que estão em distorção idade-série, ou os que estão fora da escola, ou os que só trabalham, ou aqueles que nem estudam, nem trabalham, pudessem voltar e permanecer na escola, e receber educação de qualidade, além do acesso a todas as políticas necessárias ao bem viver.

Não obstante fazem o contrário: negam acesso e inclusão aos adolescentes reforçando comportamentos racistas historicamente construídos no país, que favorecem a exploração da população negra, usurpando sua infância submetendo-a ao trabalho infantil.

Argumentos tais como:  mais direitos e menos punição, ou vamos deixar o Estatuto da Criança e do Adolescente acontecer e de fato ser praticado, visto que ele estabelece as devidas punições aos adolescentes que cometem atos infracionais e, acima de tudo, prevê os direitos aos quais eles deveriam ter acesso,  parecem não fazer eco, visto que estão expostos à exaustão por parte da sociedade que não admite retirada de direitos, por isso, vamos utilizar de outros argumentos.

O sistema carcerário brasileiro está superlotado e não reabilita. Um adolescente que colocar os pés em um desses lugares desumanos terá sua humanidade sugada. Sem contar que para sobreviver entre os já sugados, certamente se submeterá a um dos grupos de poder, que em geral é do tráfico de drogas. E quando sair, talvez seja realmente um problema de segurança.

É isso, a redução da idade penal significa, além de tragédia que afetará parte da  juventude já criminalizada, em médio prazo, aumento da criminalidade e da tão propalada violência.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: flagrante de rebaixamento dos Direitos Humanos

Ainda que fragilizada e desacreditada, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem sido palco de dezenas de importantes debates da agenda internacional. Não é para menos, na medida em que as crises de guerra e paz aniquilam enormes contingentes humanos e impactam uma variedade de territórios. E também as crises ambiental e climática, que destroem povos, culturas e biodiversidade, alterando os ciclos das chuvas, intensidade das águas e rios, aquecimento dos mares, poluição dos fundos dos mares e outros. Sem falar da crise de financiamento ao desenvolvimento e a negligência geral que recai sobre os países mais ricos. Todos estes temas, sem exceção, são tratados na ONU em suas diversas conferências e infindáveis negociações, e têm relação direta com a vida de cada habitante deste planeta.

Neste contexto queria ater-me a uma pequena parte desse debate, que é o processo de elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos durante a Conferência Rio+20, em 2012. As Nações Unidas propuseram um conjunto de Objetivos e metas, e esses indicadores estão sendo construídos no âmbito de uma Comissão especialmente criada para tal. Esses indicadores deverão orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos quinze anos, sucedendo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Chegou-se a uma proposta que contém 17 Objetivos e 169 metas. As temáticas são diversas, coerentemente com a diversidade de problemas que devem ser enfrentados por todos os países. Confira a íntegra da proposta de ODS.

Mas não há tempo para ingenuidade. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como foram os do Milênio, são uma redução grosseira de todo o marco dos Direitos Humanos. Os Objetivos do Milênio inauguraram essa lógica. Além disso, o que vemos hoje são objetivos e metas entranhados por uma lógica que fere ao princípio interdependência e não hierarquização dos direitos. Que fere também o Art. 2 da Convenção dos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais (DHESC), que obriga os países aplicarem o máximo de recursos disponíveis, progressivamente e sem discriminação, na realização dos direitos. A realização e efetivação dos direitos por parte dos poderes públicos deve ser escrita em suas políticas públicas e contar com financiamento interno e externo para essa efetivação. Para tanto, o debate para o financiamento ao desenvolvimento é fundamental e essencial para responder o quanto os objetivos, serão críveis. Isso é verdade também para o debate de mudança climática, no âmbito da COP 21.

Ninguém questiona a importância de se estabelecer Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Entretanto, existe uma tendência de super estimá-los, e assim concentrar-nos demasiadamente sobre os mesmos. Isso acaba obstruindo a capacidade de construir um avaliação mais ampla da realidade. Muitas vezes acabamos vítimas de nossa própria maneira de agir, aceitando agenda que nos é apresentada e aceitando as regras estabelecidas de participação. Existe uma certa domesticação das organizações que orbitam em torno destes debates.

Infelizmente temos hoje uma crença de que só o mercado e o sistema financeiro em parceria com os Estados, via Parceria Público Privada (PPP) poderão resolver o desafio da sustentabilidade. O que temos, na verdade, é o triste reconhecimento da falência dos Estados na promoção e realização dos direitos humanos e dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais, sociais, ambientais e sexuais. Em outras palavras, estamos assistindo ao rebaixamento total do marco dos direitos humanos no mundo, com o consentimento e promoção da ONU.

Outro ponto importante que deve ser observado pela sociedade civil organizada e movimentos sociais são as horas intermináveis de acompanhamento dos debates de plenário, conversas em grupos de trabalho, bilaterais, permissão para falas breves (três minutos no plenário) que muitas vezes não são sequer ouvidas ou, as vezes, nem incluídas ao documentos oficial. Vozes que pairam no ar sem eco ou escuta. Existe um problema sério de reconhecimento das vozes da sociedade civil organizada dentro da ONU, e isso é sério porque questiona a estrutura democrática da instituição.

O Co-Coordenador de Negociações Intergovernamental concordou, após esforço concentrado das organizações da sociedade civil organizada, em mandar uma carta para a Comissão de Estatística da ONU pedindo maior abertura para a participação das mesmas neste processo. Não existe ainda nenhuma certeza se isso acontecerá, mas se aceito, haverá um espaço importante para influenciar as decisões desta Comissão. Com isso, a sociedade civil deverá discutir como vai acompanhar, se de forma mais ativa, se como observadora ou por meio de documentos para serem considerados pela referida comissão. Cada uma destas hipóteses terá consequências reais na qualidade da participação. Para sociedade civil a implicação será trabalhar mais qualitativamente e em um espaço mais assertivo, dentro do processo.

Esse parece ser o momento mais difícil e crucial da agenda dos ODS. Sabemos que a Comissão de Estatística da ONU usa critérios técnicos e científicos para argumentar que somente 1/3 das metas propostas será passível de mensuração e que indicadores falhos do ponto de vista do teste científico não terão valor. Isso, deverá ser, de fato, um grande tema do debate e já existem propostas de ampliação dos prazos diante das dificuldades. Por isso é importante que a sociedade civil organizada se habilite para apresentar propostas de indicadores e questionar algumas das atuais opções técnicas, pois as dimensões da questão social e cultural são difíceis de comporem indicadores quantitativos.

Temos vários problemas neste universo dos debates da ONU, em especial dos ODS: falta de transparência, processos pouco democráticos (ainda que sejamos entupidos de consultas digitais), pífia participação dos reais impactados e uma sociedade civil relegada à periferia do debate, sem conseguir ter o peso e a voz necessária para alterar a correlação de forças. Mas não temos medo de encarar o tamanho do problema, porque estamos num cenário de crescente perda de direitos e de avanço conservador no mundo.

Professores para quem precisa, professores para quem precisa de educação

É inacreditável o que vimos acontecer no Paraná no dia 29 de abril de 2015. Pelo menos uma hora e meia de ataques da polícia contra professores que exerciam o direito democrático à manifestação pública.

As imagens e vídeos mostram como os manifestantes foram atacados durante mais de uma hora e meia com bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta, jatos d’água, tiros de balas de borracha, prédios sendo ocupados por atiradores de elite e cachorros (coitados, nem sabem para o que foram treinados!). A cena de guerra se completou com helicópteros lançando bombas de efeito moral e o uso de uma nova tecnologia de repressão que consiste em atordoar as pessoas com um aparelho que produz um som insuportável para o ser humano. Todos vimos – e ouvimos.

Para completar nosso estado de estarrecimento, uma gravação de vídeo mostra o governador Beto Richa (PSDB/PR) e assessores, da sacada do Palácio Iguaçu, comemorando o massacre contra os professores.

As ruas nunca deixaram de ser palco para manifestações e festas populares. Lugar para agregar pessoas e dar visibilidade às causas, espaço público para fortalecer as lutas políticas. As ruas são espaços de celebrações e fortalecimento de laços entre pessoas que comungam de um mesmo ideal, ou causa. As ruas educam. Agregam ideias e posições colorindo a cidade com a diversidade de opiniões. Assim, o uso da força para silenciar uma categoria, é traço de covardia política. O abuso da força rima somente com estados totalitários. O uso da força desproporcional é inadmissível, inaceitável e revela a verdadeira posição do governador. Para completar, policiais que se negaram a participar da ação brutal e injustificável foram presos.

Como saldo de uma manifestação de docentes temos mais de 150 pessoas feridas, entre as quais algumas em estado grave. Jornalistas foram atingidos, impedidos de cumprirem seu papel histórico de registro e divulgação dos fatos.

Educação não se faz sem um projeto sério, sem investimentos, sem valorizar os profissionais, sem diálogo com as comunidades, sem diversidade, sem cultura e muito menos com violência.

Moral da história: uma pátria educadora se faz com muito respeito e valorização de professores e professoras, se faz com diálogo e com determinação política.

Os gritos das periferias

Márcia Acioli, assessora política do Inesc.

São muitos os gritos que vêm da periferia. Múltiplas vozes que brotam das mais diversas circunstâncias e espaços. Tem o grito da violência e da dor, mas também da esperança e a que clama por justiça e direitos.

Um grito gutural ecoa enquanto um vídeo nos conduz a um corpo caído. As mulheres histéricas somam suas vozes à da mãe que, desesperada, não tem o que fazer além de expor sua desmedida dor. Naquele instante, Eduardo de Jesus, 10 anos, deixa de ser criança e se torna uma fria estatística. É mais um entre 30 mil jovens brasileiros que não chegará à idade adulta.

A ação que resultou na morte de Eduardo não pegou os moradores do Morro do Alemão de surpresa. Eles estão acostumados com os gritos dos policiais invadindo as ruas da comunidade, com seus “berros” (gíria carioca para as armas) impondo uma ordem torta e ameaçadora. Na operação policial que resultou na morte do menino Eduardo de Jesus, outros três moradores morreram. A comunidade reagiu contaminada pela dor e pelo desejo de viver sem a permanente ameaça de morte. Quando saiu à rua para gritar pela vida e contra a violência, a polícia berrou de volta, com mais violência.

Uma semana antes da morte de Eduardo no Rio, o jovem Bruno Alves, 26 anos, negro e morador da cidade de Planaltina, na periferia de Brasília, também foi assassinado. A roda da violência não para de girar. Mas outros gritos podem ser ouvidos e apontam soluções.

No mesmo dia do assassinato de Bruno, jovens de todo o Distrito Federal se reuniram na Cidade Estrutural, também periferia da capital federal, para o sarau Grito das Periferias organizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o Coletivo da Cidade, Art’sam, Cedeca-DF, Família Hip-Hop, Renajoc e Casa das Rdes, com apoio da Embaixada da Holanda.

O objetivo do encontro foi discutir violências contra as juventudes das comunidades populares. Os gritos foram poéticos, estéticos e carregados de sentido fraterno, mesmo retratando realidades duras nas quais perder um amigo ou irmão é comum, e meninas e mulheres serem estupradas são cenas cotidianas.

No Grito das Periferias, jovens do projeto Onda, organizado pelo Inesc, expuseram pesquisa realizada na Cidade Estrutural na qual todos os jovens negros falam da violência policial, enquanto nenhum jovem branco a cita, refletindo assim, nítidos sinais de violência institucional fundamentada pelo racismo. O dado não causou estranhamento aos jovens presentes.

Homicídios de jovens e de adolescentes são tratados em estudos como o Mapa da Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Índice de Homicídio na Adolescência, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ambos revelam fatores que aumentam a probabilidade de um jovem ser morto. Raça, gênero, idade e territórios são fatores que elevam as chances de um adolescente ser vítima de homicídio. A probabilidade de um jovem negro ser morto é quase três vezes superior em comparação com um jovem branco.

O Mapa da Violência 2014 mostra uma acentuada tendência de queda no número de homicídios da população branca e de aumento no número de vítimas na população negra. De fato, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui na proporção de 24,8%, sendo que entre os negros observa-se um crescimento de 38,7%.

Contraditoriamente, meninos negros, pobres e moradores de periferia ainda são apontados como principais autores da violência urbana. Setores conservadores da sociedade brasileira difundem a exceção como regra. Investem pesado na formação de uma opinião pública pelo rebaixamento da idade penal, contrariando todos os estudos e vozes de especialistas que comprovam que mais cadeia não resolve o complexo problema da violência.

A periferia sabe gritar outros gritos, a plenos pulmões, que ecoam em uníssono por justiça, dignidade e direitos. A periferia grita: mais educação, menos prisão!

Direitos humanos universais, indivisíveis, interdependentes

Cleomar Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Nossos valores são da Casa Grande. Não questionamos quando um garoto branco, rico, com sua Mercedes-Benz atropela e mata um senhor, ciclista e pobre. Não pedimos para que seja punido com rigor. A mídia não massacra sua audiência por dias mostrando e repetindo o caso. Mas essa mesma mídia é capaz de mostrar, por anos, o caso de um menino pobre que cometeu um crime hediondo. Um único, pois são poucos os casos semelhantes e é preciso repetir à exaustão até que o público se convença da necessidade de punição com rigor, mesmo que os dados não corroborem a sede de vingança.

Dia 31 de março, depois de anos de disputa, foi aprovada a admissibilidade da proposta de emenda constitucional que reduz a idade penal. A conquista de direitos requer constantes batalhas para que o conjunto da sociedade perceba a pertinência dos três princípios destacados no título desta reflexão. Infelizmente, estamos perdendo a guerra da informação, visto que a maior parte dos meios de comunicação de massa defende a medida como forma de combater a violência.

Vamos entregar os dedos, uma vez que não nos desapegamos dos anéis. Ou vamos jogar a água da bacia com o bebê dentro. Ditos populares que nos ajudam a refletir sobre este momento sombrio, quando a ignorância tende a prevalecer sobre a razão. A Constituição diz, em seu artigo 227, que crianças, adolescentes e jovens são públicos com prioridade absoluta nas políticas públicas. No entanto, desde a vigência da atual Carta Magna, o que estamos presenciando não são prioridades universais para todos, mas especialmente para brancos, homens, ricos, que vivem em regiões abastadas etc. Somos, sim, um país ainda escravocrata e monarquista. Vejam, por exemplo, a rainha dos baixinhos, o rei do futebol, o rei da Música Popular Brasileira.

Os formadores de opinião usam as vítimas para que o sentimento de vingança se confunda com justiça. É isso o que estamos vendo, sede de vingança. De quem? De que? Por quê? Contra a favela que teima em descer para o asfalto, pois o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para China e Estados Unidos, países muito mais populosos. E como são nossos presídios? Superlotados de presos, de preconceitos, de armas, de drogas, de tortura. Estima-se que a reincidência dos egressos seja de cerca de 70%. Já no sistema socioeducativo, mesmo quando não está de acordo com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, esse índice é de cerca de 20%.

Além disso, a maior parte dos delitos praticados por adolescentes é contra o patrimônio. Apenas uma pequena parte é contra a vida (0,5% do total de homicídios). Portanto, esta panaceia em torno da redução da idade penal não se justifica, a não ser como vingança ou ataque da casa grande contra a senzala.

O que queremos é mais educação e menos punição. A batalha é pela liberdade e não pelo encarceramento. Em todos os sentidos: liberdade de ideias, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade de interagir. O que estamos presenciando nos últimos tempos é o fomento ao ódio, ao medo, à segregação, ao encarceramento.

A violência precisa ser combatida na raiz das suas causas, parafraseando uma campanha promovida pela Rede Nossa São Paulo. E uma das mais contundentes é o tráfico de drogas, que coloca, cotidianamente, um número incalculável de armas ilegais em circulação, que alicia crianças e adolescentes nos morros. A população usuária, que é bastante numerosa, faz vistas grossas às graves consequências geradas. E o Congresso se nega a discutir a descriminalização para derrocada do tráfico, pois trabalha na lógica do proibido, do encarceramento.

Combater desigualdades não é pauta, mas destruir diferenças, sim. Por isso, a lista de aberrações do nosso Parlamento só cresce. Portanto, nunca é ocioso dizer que os direitos são universais, interdependes e indivisíveis. E que, acima de tudo, não aceitamos retrocessos, pois o país está comprometido com tratados internacionais que sinalizam que é necessária a realização progressiva de direitos.

A cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional: o desafio da institucionalidade

Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc.

Nos últimos anos o Brasil tem se firmado no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. O país vive uma situação sui generis, pois é ao mesmo tempo receptor de ajuda externa e promotor de parcerias com outras nações do Sul. Tal posição lhe dá destaque como global player.

Ainda que o país apresente desempenho inferior em relação a outras nações emergentes em termos de alocação de recursos para a área, como China e Arábia Saudita, sua atuação gera interesse, em grande parte, devido às conquistas obtidas nos últimos anos: a consolidação da democracia desde a promulgação da Constituição de 1988, batizada de Constituição Cidadã; os avanços obtidos no campo da inclusão social; e o dinamismo da política externa, alicerçada na priorização das relações Sul-Sul e no fortalecimento do multilateralismo.

Tais fatores contribuem para tornar o país atrativo e “com moral” para celebrar parcerias com outros na promoção do progresso da humanidade. Internamente interessa ao governo investir nesse campo, pois o ajuda a consolidar-se como ator global. Também contribui para intensificar as relações multilaterais e bilaterais, para influir em fóruns internacionais e para reforçar blocos de países, especialmente do Sul, que buscam um novo equilíbrio das relações de poder no cenário internacional. Outros elementos relevantes desse recente protagonismo dizem respeito à necessidade de abrir novos mercados e de buscar oportunidades de investimento para o setor produtivo nacional.

Entretanto, apesar da atuação no Brasil nesse campo ser apreciada e cobiçada, o governo vem sofrendo críticas, tais como: falta de informações e ausência de transparência, descoordenação das ações, alcance limitado dos projetos de cooperação, exportação das contradições nacionais (como, por exemplo, a promoção da agricultura familiar e o estímulo à expansão do agronegócio), associação com agendas de interesses econômicos e comerciais em detrimento do efetivo desenvolvimento sustentável; baixa capacidade de ajustar-se às reais condições dos países parceiros, entre outras queixas.

Diante de tais fragilidades, urge avançar em propostas que possam progressivamente contribuir para desenhar uma política pública de cooperação para o desenvolvimento. Trata-se de tarefa difícil, pois não existem referências conhecidas. As que temos fazem parte do velho modelo de “ajuda” ou “assistência” cuja criação provém dos países do Norte após a Segunda Guerra Mundial, modelo este que se quer justamente mudar.

Mas, por ser algo novo, a tarefa é desafiante e instigante, uma vez que tudo está por ser construído. No nosso entendimento é preciso investir em três dimensões: uma inserção internacional pautada pela coerência, daí a importância de definir um conceito de cooperação que expresse a forma como o Brasil articula sua intervenção nos espaços bilaterais, plurilaterais e multilaterais; uma institucionalidade empoderada e flexível, isto é que conte com recursos adequados (humanos, financeiros, administrativos, entre outros) e que seja capaz de promover as múltiplas e inovadoras estratégias de cooperação existentes no Brasil; e uma política de cooperação para o desenvolvimento internacional transparente e participativa, ancorada no marco dos direitos humanos e contando com a ativa participação de organizações e movimentos da sociedade civil, tanto no desenho como no monitoramento e avaliação.

Este começo de governo é momento propício para por em marcha um processo de construção da política, inclusivo e participativo. Um primeiro passo seria a criação do Conselho Nacional de Política Externa (Conpeb), demanda antiga de organizações como a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e o Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), articulações das quais o Inesc é membro. Espera-se que a Presidenta Dilma Rousseff tenha a coragem e a ousadia necessárias para dar estatura à cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.

O Conselho de Transparência e controle social de Brasília

Cleomar Manhas, assessora política do Inesc

Em 2013, a partir de deliberação da Conferência sobre Transparência e Controle Social (CONSOCIAL), foi instalado o Conselho de Transparência e Controle Social do DF, com composição paritária, governo e sociedade, que atuou até final de 2014.

Durante o processo eleitoral, o então candidato, agora governador eleito, Rodrigo Rollemberg, afirmou em diversos fóruns que um de seus compromissos era instalar o Conselho de Transparência formado apenas por membros da sociedade civil. E mesmo sendo informado que o Conselho já existia e que um colegiado de políticas públicas paritário cumpre melhor o seu papel, o reinstalou da forma anunciada.

O que está registrado com relação ao fato de ser formado apenas por membros da sociedade é que o governo não fará ingerências, no entanto, é de competência exclusiva do governador indicar os integrantes do colegiado. Qual o debate que se estabelecerá em um espaço representado apenas por um lado? Se o espaço não se propõe a ser de mediação, qual o seu papel de fato?

Conselhos de políticas públicas, inspirados em conselhos populares formados pelo movimento social, passaram a ser realidade a partir da aprovação da Constituição de 1988, transformando-se em importantes espaços de trocas e deliberações acerca de políticas públicas sociais.

Entende-se que os conselhos são “espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais”[1]. O fato de serem espaços de compartilhamento entre representantes governamentais e representantes de organizações e movimentos da sociedade garante que o diálogo seja estabelecido e as decisões partilhadas.

A efetiva participação e influência dos conselhos nas decisões governamentais depende, para além da mobilização da sociedade, da vontade dos gestores em de fato valorizar a participação e respeitar as decisões dessas instâncias. Quanto mais democrática é a forma de escolha dos representantes e a construção do regimento interno dos conselhos, maior o poder de influenciar as decisões. Do contrário, quando o poder de escolha fica nas mãos do governante, ele pode indicar as instituições de acordo com convicções pessoais e não devido ao potencial de representatividade.

Os conselhos de políticas públicas no Brasil foram pensados como mecanismos de reconfiguração das relações entre Estado e sociedade. Ampliaram o poder de interação na esfera pública, sendo um espaço de interlocução, com poder decisório e poder de agenda.

Para que influenciem nas decisões políticas precisam ser constituídos com transparência, democraticamente. Especialmente neste caso, quando vão executar o controle social sobre a transparência das políticas governamentais. Precisam de autonomia, o que não é possível quando os critérios de escolha ficam a cargo apenas dos governantes em exercício.

É a interação entre os diversos atores que possibilita o debate que gerará medidas de interesse coletivo. Por isso, lamentamos: i) a descontinuidade de uma experiência ainda inicial, mas que teve um bom começo; ii) a implementação de um novo espaço que impossibilita o diálogo Estado/sociedade, já que é constituído apenas por um dos lados; iii) a escolha discricionária de seus membros.



[1] Aqui incorporando o pensamento de: TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

A Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional na Área de SAN

Manual de Formação em Orçamento e Direitos: Orçamento público para a promoção dos direitos humanos

Manual de Formação em Orçamento e Direitos

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