Trabalho Escravo: ruralistas colocam o carro na frente dos bois

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

O debate no plenário da Câmara dos Deputados sobre a PEC No 438/2001, que dispõe sobre a expropriação do imóvel onde for constada a exploração de trabalho escravo, revelou a insanidade legislativa das lideranças da Bancada Ruralista. Esses líderes, apesar de se declararem contra o trabalho escravo no campo e na cidade, insistiram no adiamento da votação da PEC, argumentando que é necessário conceituar o “trabalho escravo” antes de votar qualquer legislação que o erradique.

O grande temor que transparece no discurso dos ruralistas é a possibilidade da aprovação de uma lei que exproprie os imóveis que desobedeçam à função social da propriedade ao não favorecer o bem-estar dos trabalhadores (Art. 186, Constituição Federal). Dessa forma, a posição da Bancada Ruralista ofende tanto os princípios fundamentais da República ao advogar contra “a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho” (art. 1o, CF), como o art. 170, que trata da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano.

O Código Penal, no capítulo, “Redução à condição análoga à de escravo”, descreve no art. 149 que a condição análoga à de escravo é submeter o trabalhador ou a trabalhadora “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. O Código também estabelece ao infrator pena de reclusão, de dois a oito anos, multa, além da pena correspondente à violência (art. 149, CP).

O mesmo artigo (art. 149, § 2º) registra que a “A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”. Apesar de o Código Penal vigorar desde 1940 e o art. 149, ter um descumprimento recorrente, apenas uma ação está transitada em julgado, que não resultou em reclusão, mas em uma pena convertida em pagamento de cesta básica.

Em relação à ordenação jurídica internacional, o Brasil está em falta em relação às convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por não ter aprovado ainda uma legislação contra o trabalho escravo, apesar de o governo ter implementado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. A Convenção 29, em seu art. 2º, esclarece que a “expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”.

O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (2003) estabelece como prioridades do Estado a erradicação e a repressão ao trabalho escravo contemporâneo. Para atingir essa meta, o Plano estabelece “estratégias de atuação operacional integrada em relação às ações preventivas e repressivas dos órgãos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil com vistas a erradicar o trabalho escravo”. Apesar das estratégias, a única ação que pode ser destacada é a do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho e Emprego, cuja atuação tem sido fundamental para o combate das formas contemporâneas de escravidão.

Além do país ter uma farta regulamentação jurídica e das informações serem públicas os ruralistas insistem em desconhecê-las e reivindicam que seja aprovada uma lei infraconstitucional conceituando o “trabalho escravo”, para depois votar a emenda constitucional do trabalho escravo. Na sessão que ia votar a PEC, o deputado Roberto Freire (PPS-PE) fez uma intervenção contundente: “Não podemos colocar o carro na frente dos bois. Essa discussão de um projeto de lei complementar ou regulamentar terá de ser feita depois da mudança na Constituição”.

O Estado se orgulha do Brasil ser a sexta economia do planeta, mas oculta o fato de ter cidadãos descartáveis. O governo pode garantir a aprovação da PEC No 438/2001 se mobilizar sua base de apoio parlamentar e não deixar brechas para que partidos, como PMDB, possam ser instrumentalizados segundo os interesses da Bancada Ruralista. Conforme acordo de Plenário a votação da PEC deverá ocorrer no dia 22 de maio e a sociedade civil está mobilizada para acompanhar a sessão tanto presencialmente quanto pela TV Câmara.

Pronasci: o abandono sem revisão

Participação Social em Democracia de Alta Intensidade

Por Cleomar Manhas, assessora política do Inesc

Este foi o título do Colóquio promovido pela Secretaria Geral da Presidência da República em parceria com o Conselho Nacional de Saúde e participação especial do professor Boaventura de Sousa Santos, que talvez seja o acadêmico que melhor define o conceito de Antônio Gramsci de intelectual orgânico.

Professor José Geraldo, reitor da Universidade de Brasília,  foi convidado para compor a mesa e ao se pronunciar falou acerca da possibilidade de se ter um Estado mediador de processos sociais e de direitos, visto como partes que se interrelacionam. E lembrou que conhecimento é razão, mas também afeto, o que se pode referenciar com a construção de Boaventura sobre o conhecimento, que ao ser trocado, transforma-se em solidariedade.

Sem dicotomias agonizantes entre Sociedade e Estado, mas trabalhando dentro e fora do Estado, foi assim que Santos começou a sua palestra sobre o que vem a ser Democracia de Alta Intensidade. E alertou, a democracia está em perigo, mesmo que se esteja em um momento no qual ela é tida como hegemônica e mesmo quem não a defende apropria-se de seu discurso. E é exatamente aí que há suspeita dos riscos.

A crise europeia é um dos sinais de risco, pois neste momento os governos europeus estão utilizando as receitas que sempre pregaram e que agora se viraram contra eles. Quais sejam, as receitas neoliberais transmitidas aos países “subdesenvolvidos”, que se resumem em retirada de direitos sociais. E, de acordo com Santos, os europeus jamais pensaram que seriam utilizadas por eles mesmos, pois foram feitas para quem, segundo eles, “não sabem governar”.

O professor relata que esse é um momento histórico importante, que pode ser definidor dos rumos futuros. E um dos grandes desafios da Europa é perceber o seu preconceito colonialista, do qual nunca se livrou. Foram os ditos países desenvolvidos que criaram a dicotomia desenvolvido/subdesenvolvido. E colocaram no mesmo saco todos os países que não eram reconhecidos como desenvolvidos, desconhecendo as diferenças e subalternizando as distintas culturas. A diversidade foi colocada em um mesmo fosso e não reconhecida.

E a questão para a reflexão deixada por ele é sobre os caminhos percorridos. Esperava-se que os subdesenvolvidos se tornassem desenvolvidos e esses, por seu lado, cada vez mais desenvolvidos, mas não é isto o que está acontecendo, visto que muitos países desenvolvidos estão vivenciando crises profundas e não se sabe onde isso vai dar. Para Santos as crises são resultado do sistema capitalista e das receitas neoliberais, contra as quais, há a democracia em intensidade, ou de alta intensidade.

Os riscos à democracia não moram na possibilidade de haver grandes golpes, mas são perigos cotidianos e sorrateiros, como “estados de exceção” impostos em função de momentos críticos, voltados contra o/a cidadão/ã comum e seus direitos. Na Europa e Estados Unidos, por exemplo, várias instituições tais como o Banco Central Europeu, o Tesouro dos EUA, o Banco Mundial e outros locais de influencia política e econômica são ou foram dirigidos por executivos oriundos do Goldman Sachs, instituição financeira que tem grande responsabilidade, por exemplo, no aprofundamento da crise grega e está entre as instituições financeiras com maior poder de influencia em vários locais do mundo.

Segundo Santos, vários filmes americanos sobre assaltos a bancos já foram vistos, no entanto, neste momento se vive e se vê o assalto aos cidadãos para os bancos, ou, mais especificamente, para a especulação. E com relação à América Latina, ele diz que o capitalismo continua impondo o extrativismo e a eterna negociação de commodities. Além disso, para ele a economia verde é um engodo, pois não é possível existir um “capitalismo verde”, isso é um oxímoro (figura de linguagem que aponta uma contradição ao juntar duas coisas que se negam, ou se repelem).

Voltando para os riscos à democracia, ele diz que política e economia foram fundidas. E enquanto o campo político era o lócus dos valores inegociáveis, ao se juntar com o mercado econômico, onde tudo se vende e se compra, facilitou os processos de corrupção que se tornou sistêmica e endêmica e não está neste ou naquele governo, mas nos Estados.

E governos progressistas e à esquerda que não propuserem reformas estruturais como as reformas política, tributária, administrativa poderão sofrer reveses eleitorais e, ao saírem, perceberem que deixaram o mesmo Estado conservador e retrógrado que encontraram.

E somente a democracia participativa pode ser antídoto a isso. No entanto, a participação não pode reproduzir as mazelas e vícios da representação, pois isso será a sua morte. E, segundo Santos, o erro das esquerdas é criar mecanismos de participação pensando que todos/as estão ali representadas por partidos e movimentos preexistentes, pois há uma quantidade imensa de pessoas que não estão nestes espaços, mas são conscientes e gostariam de participar e não se sentem contemplados nos modelos propostos, estão procurando novas formas. É preciso haver abertura para a inovação. Além de fazer o que ele chama de ecologia dos saberes, ou seja, credibilizar os saberes populares.

Além disso, outro desafio da democracia participativa é que ela não pode ser direta, mas precisa de mecanismos de representação. Além disso, é preciso que os lócus participativos discutam a agenda como ponto de partida, que seja intersetorial e que leve em conta as realidades das comunidades.

Há uma preocupação com a excessiva criação de partidos e a consequente perda das clivagens ideológicas. Na Europa, por exemplo, surgiram vários partidos que acabaram optando pela “terceria via”,pelo centrismo, com discursos muito semelhantes e desmobilizadores.

Santos acredita que os conselhos, caso sejam de fato representativos da sociedade, utilizando ações afirmativas para sua composição, promovendo processos de troca de conhecimento, facilitando a intersetorialidade podem fazer a verdadeira reforma do Estado. Para isso, quando o governo olhá-los por meio de um espelho, não poderá se ver, ou algo estará equivocado, mas deverá ver o outro de si.  Cooptação de movimentos sociais por parte do Estado acaba formando uma sociedade civil secundarizada, criada à imagem e semelhança desse Estado. Isso também promove a pasteurização das agendas.

Os Estados tendem a ser monoculturais e por isso não reconhecem a diversidade existente na sociedade. E quando não respeitam e partem para a cooptação acabam matando a diversidade. Precisa-se urgentemente de ecologistas dos saberes, que realizem a tradução dos diferentes experiências.

Ou como bem disse Santos, precisa-se construir uma democracia participativa com dentes, pois em muitos espaços acabam perdendo os dentes por excesso de ingestão de açúcar.

Negociações entre a Bancada Ruralista e o Governo Federal nas Votações do Código Florestal

Por Edélcio Vigna, assessor político do Inesc

Os estudos sobre a capacidade de incidência da Bancada Ruralista no processo legislativo indicam para uma controvérsia de difícil solução. Há poucas análises que, baseadas em dados concretos, possam indicar se o grupo vem ou não perdendo forças, apesar de ter aprovado, nesta década, os principais projetos de seu interesse. Por isso, a proposta é realizar uma avaliação político-comparativo da votação do Substitutivo ao Código Florestal e do Projeto de Lei da Câmara (PLC[1] N0 30/2011) para investigar se podemos ou não atribuir uma resposta à questão colocada.

Para isso, é necessário considerar, de início, que as diferenças entre os contextos históricos e políticos da Câmara dos Deputados (2011 e 2012) conduziram a articulações específicas. O objetivo do presente texto, portanto, é comparar as votações do Código Florestal, entremeada pela votação da Emenda de Plenário N0 164[2], que foi a mais significativa, e concluir se há ou não perda de potência articuladora por parte da Bancada Ruralista. Para isso, foi necessário contextualizar as votações e os acordos políticos realizados entre os ruralistas, o governo, partidos políticos, movimentos e organizações sociais e sindicais ao longo das sessões legislativas[3]. Veja o texto na íntegra



[1] Quando uma proposição, no caso do Substitutivo, é aprovada pelo Plenário ela se torna um Projeto da Câmara e não mais do relator ou de uma Comissão.

[2] Emenda de Plenário N0164, apresentada pelas lideranças ruralistas, era uma proposta que reduziria áreas de preservação no país ao regularizar a situação de ocupações ilegais em áreas de preservação permanente (APPs), como beira de rios, topos de morros e encostas que foram desmatadas ilegalmente. Consequentemente, os proprietários seriam anistiados das multas ambientais aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA).

[3] Cada legislatura comporta quatro sessões legislativas ordinárias que se inicia em 15 de fevereiro e termina em 15 de dezembro.

Ações do documento

Código Florestal na mão de Dilma

Por Edélcio Vigna,assessor político do Inesc

A Presidência e o Colégio de Líderes da Câmara dos Deputados ao colocar em votação o Código Florestal em um clima de racha dos e nos partidos políticos, seja na orientação seja na contagem final de votos, incorreram em uma decisão insensata. Um Código que coloca em jogo o destino das florestas brasileiras não poderia ter sido votado sob a pressão de interesses específicos ou compromisso assumido unilateralmente pela Presidência da Casa.

O princípio primeiro do mandato de um deputado federal é zelar pela Constituição Federal, pelo patrimônio nacional e pela riqueza das gerações futuras, legislando a favor da nação e não de interesses particulares ou de grupos econômicos. Não foi sob este princípio que as propostas de Código Florestal tramitaram no Congresso Nacional. Os lobbies das grandes empresas atuaram de forma agressiva contra qualquer posição conservacionista das florestas e dos biomas nacionais.

Os partidos não orientaram programaticamente seus parlamentares, que em poucos momentos, travaram o debate republicano. Por trás dessa indecisão e da ambiguidade ideológica rondou o fantasma dos financiadores privados de campanha. O Estado foi criado para regulamentar o mercado e não o contrário. Como as decisões dos parlamentares estão cada vez mais controladas pelos financiadores privados, não resta à sociedade se não apoiar o financiamento publico exclusivo de campanha, com lista fechada.

Os partidos políticos devem rever seus programas diante do avanço do capitalismo global. Somente assim poderão retomar o debate político necessário para enfrentar os desafios colocados pelos interesses de mercado. Os partidos nacionais correm o risco de perder credibilidade em tal grau que se distanciarão e afastarão dos seus quadros os setores sociais interessados em construir uma sociedade radicalmente democrática.

A votação demonstrou à sociedade o tamanho da insensatez da Câmara dos Deputados ao estampar no painel eletrônico uma vitória com uma margem de 19,6%. O percentual dos votos pela preservação da proposta do Senado foi de 40%, enquanto que a proposta vencedora pelo projeto da Câmara foi de 59,6%. Essa maioria compromete a importância e a grandeza de um Código que deverá viger por décadas. E, se as previsões se concretizarem serão décadas de devastação florestal e dos recursos naturais.

As previsões não são uma crítica ideológica, mas partem de um contexto real:

  • Ao liberar crédito agrícola aos desmatadores contumazes a legislação incentiva à derrubada das florestas. O texto aprovado extinguiu o artigo que proibia benefício às áreas desmatadas após 2008.
  • A proposta dispensa a proteção de nascentes e várzeas de rios e região com maior abundância de água na caatinga.
  • O texto desobriga o pequeno proprietário de recompor suas áreas desmatadas até 2008.
  • Não pune quem não legalizar ou regularizar as propriedades que promoveram o desmatamento.
  • O projeto delega às Unidades Federativas a competência de definir quais áreas deve ter cobertura vegetal recomposta e quais atividades agropecuárias estarão liberadas para exploração nas Áreas de Preservação Permanente (APP).  Considerando as críticas se reconhece que os Estados não estão estruturados tecnicamente para estabelecer esses limites, nem aptos a cumprir o prazo de cinco anos para colocar em prática o programa de regulamentação que substitui as multas.

O governo demorou muito a se posicionar. Perdeu-se em discussões intermináveis na Casa Civil e não reconheceu as propostas apresentadas pelo Comitê Florestas. O Executivo vai pagar caro esta autoderrota, pois terá que estabelecer uma estratégia de relações públicas para esclarecer à comunidade internacional as benesses do Código aos produtores rurais de áreas desmatadas.

Outro ônus que o governo herdou desta votação será o de contornar o constrangimento internacional de se explicar e não ser entendido às vésperas de assumir a qualidade de anfitrião da Conferência Rio+20. A Cúpula dos povos, evento paralelo da sociedade civil, ganha espaço e força crítica frente ao debate do “desenvolvimento verde”, que revelou na votação do Código Florestal sua real intenção.

A Bancada Ruralista ou o grupo de pressão das grandes corporações “agroquimicoalimentares” deu um tiro no pé. Não mostrou a força que a imprensa lhe empresta e cometeu o erro político de desfiar a presidenta Dilma, que tem o poder de veto. Os ruralistas não se contentaram com o bom – texto do Senado que já os favorecia – e quiseram o ótimo. Fizeram uma aposta alta: podem se dar mal ou não.

Veja outros textos sobre o Código Florestal

Código Florestal os agiotas do capital verde e o referendo

Votação do Código Florestal: Inês é morta ressuscita, Dilma

Código Florestal: Inés é quase morta

Sociedade civil e novas institucionalidades democráticas na Ámerica Latina: dilemas e perspectivas

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Quanto Custa Universalizar o Direito à Educação?

Violência Sexual e a Prioridade Absoluta

Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc

No início de abril deste ano, fomos surpreendidos, mais uma vez, com a decisão absurda do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que livrou um homem da responsabilidade pelo estupro de três meninas de 12 anos. Para surpresa, e igual indignação, a sentença foi proferida por uma mulher, a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.

Baseada em preconceitos e nos estigmas atribuídos a meninas inseridas no contexto da exploração sexual, a ministra alega que eram iniciadas no sexo, não eram mais inocentes. Não sabe ela que crianças não se prostituem, mas são capturadas pelo o mercado perverso do sexo. Isto acontece quando são insuficientemente protegidas, quando negligenciadas pelo Estado, quando violentadas no próprio lar. Estar no mundo do comércio do sexo não é uma decisão autônoma de crianças felizes e, ainda, qualquer abordagem sexual sem consentimento é violência, independente da condição de quem a sofre. Não existe violência relativa.

A posição da ministra reflete insensibilidade e profundo desprezo pelas legislações, em especial, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Convenção Internacional sobre os Diretos da Criança – do qual o Brasil é signatário.

O ECA é muito claro quando diz que, no seu art. 5º

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, EXPLORAÇÃO, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

A Convenção também define responsabilidade com relação à proteção da infância, no seu artigo 3:

“Os Estados Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.”

Nem é necessário recorrer aos instrumentos jurídicos para saber que estupro é violência. Estupro de crianças é violência maior ainda, por motivos óbvios.

Enfim, o fato teve ampla repercussão por tamanha insensatez, num tempo em que o Brasil assume enfaticamente posição contra a violência e exploração sexual de crianças e adolescentes. O país investiu na elaboração de programas e ações com o objetivo de enfrentar tal prática, dando atenção para a prevenção, para a responsabilização dos agressores e atenção às vítimas. Assim o episódio suscitou reação imediata por parte da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que pediu reversão da decisão.

A despeito de ser um programa importante para o governo federal, constatamos, depois de analisar os gastos federais na perspectiva da metodologia “Orçamento e Direitos” do Inesc, que o Estado investiu em 2011 recursos insuficientes na política de enfrentamento à violência sexual contra crianças. Não bastasse a baixa previsão orçamentária o Estado deixou de executar a integralidade dos recursos planejados.

No âmbito da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2011, foram pagos 70% dos recursos autorizados para o Programa Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (R$ 69,9 milhões). Outros R$ 13,2 milhões foram pagos ainda na forma Restos a Pagar, ou seja, compromissos vindos de anos anteriores. No total, em 2011, o governo federal desembolsou 83,1 milhões neste programa, abaixo dos créditos autorizados na LOA 2011 (R$ 99,8 milhões).

Em 2012, no programa específico voltado para a proteção à criança, chamado Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, no novo Plano Plurianual (PPA) lançado pelo governo Dilma, constatamos que o Estado ainda é lento e não demonstra a priorização preconizada pelo ECA, no seu artigo 4º: “(…) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.

Até o início de abril foram pagos R$ 44,7 milhões, apenas 9,4% orçamento autorizado (R$ 477,4 milhões) no referido programa para 2012. Ainda foram desembolsados na forma de restos a pagar R$ 5,7 milhões no Programa Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Portanto, no lugar de culpar as vítimas pela violência que sofrem é preciso que o Estado demonstre suas prioridades com políticas bem articuladas e uma execução orçamentária exemplar. As crianças vítimas da violência devem ter atenção adequada e em tempo hábil para atender as suas demandas, os autores da violência devem ser imediatamente responsabilizados e a sociedade inteira deve ser educada para entender definitivamente que crianças e adolescentes são pessoas que, em situação peculiar de desenvolvimento, são prioridade absoluta, pelo menos, no texto da lei.

*Os dados orçamentários que foram trabalhados neste artigo foram retirados do Siga Brasil/Senado Federal

Tendências na Cooperação Internacional Brasileira e o Papel das Agências Ecumênicas

CÓDIGO FLORESTAL: Inês é quase morta

Otimismos e resistências à parte, tudo indica que “Inês é quase morta”, que a proposta dos ruralistas do Novo Código Florestal será aprovada com poucas alterações. Mas é preciso, ainda, entender porque imperou o interesse pragmático dos produtores rurais. Ou, como foi possível que um projeto tão controverso e avesso às recomendações da ciência se mantivesse como a única “solução da lavoura”.

São duas as razões principais. A primeira, é preciso dizer, deve-se à “falta de interesse” do governo na mudança dos rumos do debate e na construção política de uma alternativa ao Substitutivo de Aldo Rebelo. A segunda, deve-se a força dos ruralistas no Congresso Nacional.

Propostas alternativas e menos permissivas tiveram várias: ampliar o prazo limite do decreto que obriga a averbação da Reserva Legal (RL); separar o joio do trigo, perdoando somente aqueles agricultores prejudicados pelas mudanças no limite de proteção exigido; construir uma melhor articulação das medidas de comando e controle com medidas de incentivo e estímulo para a recuperação de áreas ilegalmente desmatadas; ampliar estímulos para recuperação das áreas legalmente em uso, mas que estão em estado avançado de degradação; ampliar os investimentos em pesquisa e os estímulos à adoção de tecnologias que ampliam produtividade em áreas regularmente ocupadas, em especial na pecuária cujos efeitos seriam de curto prazo.

Mas não tiveram força política suficiente para ganharem concretude no debate. Não é demais dizer que todas as saídas, quer seja na linha de ganhar mais tempo para o debate ou colocar uma contraproposta na mesa de discussão, dependiam de uma atitude do governo, já que estamos falando fundamentalmente de políticas públicas capazes de orientar e viabilizar as saídas para o impasse do descumprimento da legislação ambiental.

Enfim, o Governo é quem poderia ter feito a diferença no debate sobre o Código Florestal, a exemplo da diferença que fez na votação de matérias do seu real interesse, como a votação do valor do salário mínimo para 2011 ou do Pré-sal; para ficar com os exemplos mais marcantes da capacidade do atual governo de “enquadrar” sua base de apoio no Congresso.

No caso do Código Florestal, estivemos muito longe de sentir alguma presença do governo no debate. Ao contrário, sua ausência foi anunciada pelo próprio Partido dos Trabalhadores (PT). Há três semanas, o líder do PT na Câmara disse publicamente que o partido não votaria a matéria enquanto o governo não se posicionasse. O governo, por sua vez, tentando dar resposta publicamente à “chamada” do partido anunciou que em duas semanas apresentaria uma nova proposta, distinta.

Esta proposta nada mais foi do que um anteprojeto de lei que havia sido elaborado, ao que temos notícia pelo menos há seis meses pelos técnicos do Ministério do Meio Ambiente, e que não desfrutou de muita atenção, tanto pela Ministra quanto, e muito menos, pela Casa Civil. Isto, sem falar na apatia do Ministério do Desenvolvimento Agrário no debate, ou da defesa ostensiva do Substitutivo pelo Ministério da Agricultura. Em síntese, o governo esteve muito distante de se empenhar politicamente para construir outra saída para o Código Florestal.

Tanto é assim, que mesmo depois de publicamente assumir que apresentaria outra proposta – a sua proposta de governo – o que temos visto é a negociação de emendas pontuais que não alteraram a essência do Substitutivo. A conclusão não poderia ser mais óbvia: a aprovação do Substitutivo de Aldo é, em grande medida, responsabilidade do governo que tacitamente assumiu a saída dada pelos ruralistas para o impasse do passivo ambiental que se acumula há décadas.

Esta chancela do governo aos interesses dos ruralistas, para além dos eventos mais recentes, vem de longa data. Por repetidos anos, continuados nos mandatos do governo Lula, foram concedidos aos mesmos ruralistas, quase que anualmente, perdões e renegociações de suas dívidas. Desde 1995 até 2008 foram nada menos do que 15 leis e 130 atos do Conselho Monetário Nacional instituindo oportunidades de repactuação de dívidas rurais.

Para ficar com um exemplo, segundo estimativas do Ministério da Fazenda, somente os contratos firmados até meados de 2006 registravam em agosto de 2008 um saldo devedor de R$ 87,8 bilhões segundo estimativas do Ministério da Fazenda. A Medida Provisória n°432 de maio de 2008 tratou de efetuar uma redução deste saldo no valor de R$ 75 bilhões (dos quais R$ 69 bilhões em benefício de grandes produtores). Enfim, são bilhões recorrentemente tirados do bolso do contribuinte para o perdão de dívidas dos produtores rurais que poderiam ter tido, no mínimo como contrapartida, a regularização do passivo ambiental. Era isto, aliás, que sempre defendeu o PT. Mas nenhuma tentativa de condicionar este perdão ao cumprimento de legislação trabalhista ou ambiental vingou, por pressão dos ruralistas, mas também por uma opção dos sucessivos governos de fortalecer a pujança do agronegócio. Ah… se valesse para os grandes produtores o rigor das condicionalidades aplicado no Bolsa Família, Inês não estaria tão mal!

Na essência deste apoio tácito está, enfim, a clareza da estratégia do governo que compartilha com o agronegócio o esforço de afirmação e hegemonia do Brasil no mercado mundial de commodities agrícolas.

Em relação à força dos ruralistas no Congresso Nacional. O Substitutivo, mais que defendido foi urdido sob o manto dos seus interesses. É a proposta melhor viabiliza a resolução das três principais dimensões do problema, desde a perspectiva do agronegócio.

De um lado, viabiliza o perdão de multas que oneram principalmente grandes infratores que são também grandes proprietários. Vale dizer que o sistema de multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) registra um montante de R$ 5,4 bilhões, em sua maioria, multas por corte e destruição de florestas e demais formas de vegetações consideradas de Preservação Permanente e Reserva Legal. Os estados de Mato Grosso e Pará concentram nada menos do que 72% destas multas. De outro lado, permite incorporar a quase totalidade destas áreas já desmatadas como área rural consolidada. E, junto a isto, joga a conta da recuperação do passivo no colo de toda sociedade.

Ademais, se mostrou válida a tática oportunista de ampliar a base social de apoio às suas propostas, por meio da “cooptação” de parcela das organizações dos trabalhadores e pequenos produtores rurais, cuja principal medida foi a isenção da manutenção da Reserva Legal pela pequena propriedade. Mas esta aglutinação de forças só se mostrou viável, reforçamos, porque o governo na prática apoiou o Substitutivo, a despeito das divergências de setores dentro do governo.

Em síntese, prevaleceu neste contexto a clareza de interesses e propósitos dos ruralistas e sua “capacidade” de fazerem o que sabem: pressionar, negociar, exigir que se vote o que querem e como querem.

E eles querem muito mais. Seus próximos desafios, já anunciados publicamente em evento recente de lançamento da Frente Agropecuária, não poderiam ser mais claros e focados, como dizem “Temos força e objetivos”: “combater o que considera ‘farra’ de criação de unidades de conservação e áreas indígenas”.

Alessandra Cardoso, Edélcio Vigna e Ricardo Verdum – Assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

MP 558: Alterações em cinco UCs estão submetidas à lógica do PAC na Amazônia

Por Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc

Para tentar rebater as críticas de organizações socioambientais repercutidas pela imprensa sobre a tramitação da Medida Provisória 558 (MP 558) , o Instituto Chico Mendes (ICMbio) publicou nota intitulada “MP compensa áreas suprimidas de UCs na Amazônia”. Na visão deste instituto as alterações dos limites de sete Unidades de Conservação da Amazônia para viabilizar cinco Usinas Hidrelétricas na Amazônia trarão um “ganho líquido” de 144.404 hectares, já que serão retirados 146.629 hectares para efeitos de produção de energia, mas, serão incorporados outros 291.033 hectares em dois Parques – Parque Nacional da Amazônia e Parque Nacional dos Campos Amazônicos

Em outras palavras, o ICMBio, órgão que tem como missão proteger o patrimônio natural e promover o desenvolvimento socioambiental, nos induz a pensar que o que se perde com a redução das Áreas Protegidas será compensado com a incorporação de hectares em dois outros Parques, também afetados pela mesma MP.

Na conta apresentada por este órgão, os 56.930 hectares excluídos (correspondentes a três Florestas Nacionais e a uma Área de Proteção Ambiental com o objetivo de viabilizar as hidrelétricas de São Luiz e Jatobá, no rio Tapajós) serão compensados pela ampliação de dois outros Parques Nacionais.

O Parque Nacional dos Campos Amazônicos, em Rondônia, apesar da inclusão de novos 184.615 hectares terá outros 34.149 hectares reduzidos para viabilizar a hidrelétrica de Tabajara. E o Parque Nacional de Mapinguari, também em Rondônia, terá uma redução de 8.470 hectares para viabilizar o enchimento dos reservatórios das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.

Enfim, a MP 558 promove um vasto pacote de alterações de limites de Unidades de Conservação com o objetivo de viabilizar o aproveitamento hidrelétrico de 05 das 20 hidrelétricas planejadas ou em execução pelo PAC na Amazônia. O que nos leva a conclusão de que outros pacotes da mesma natureza ainda virão, resultando na diminuição de Unidades de Conservação.

Um dos grandes absurdos desta MP, ampliado pela nota matemática do ICMbio, é a ausência de  discussão séria, subsidiada por estudos e informações relevantes sobre o significado ambiental e social destas reduções e mesmo das ampliações. Simplesmente, não existem ou não estão apresentadas informações sobre os impactos deste “tira e põe” de hectares.

O que se perde com a redução de 56.930 hectares nas Florestas Nacionais de Itaituba I, II, Crepori e Área de Proteção Ambiental do Tapajós? Esta perda se somará a  outras  advindas das pressões sociais e econômicas trazidas pela construção das hidrelétricas do Tapajós? Que impactos em Unidades de Conservação as demais hidrelétricas previstas na bacia do Tapajós trarão? O que isto irá significar do ponto de vista dos nossos compromissos assumidos de redução de emissões de CO2?

Mesmo do ponto de vista da ampliação, são muitas as questões a serem levantadas: Qual a situação dos 184 mil hectares que passarão a compor a área do Parque Nacional dos Campos Amazônicos? A mesma pergunta deve ser feita em relação ao Parque Nacional da Amazônia que incorporará outros 106.418 hectares. Quem são os ocupantes destas áreas públicas? Desde quando estão lá? Quais conseqüências da  MP em questão  para a vida destas pessoas? Questões como estas estão longe do debate público que, por sinal, não existe em relação a esta Medida Provisória.

É importante lembrar que a MP 558, assim como a MP 542 que caducou e que teve suas medidas incorporadas no texto da MP 558, já é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ajuizada no Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Apesar de tudo, o governo pretende votá-la ainda em março deste ano. Para dar “ares de consulta pública”, a MP558 recorrerá ao mesmo recurso utilizado na MP 542: a convocação de uma audiência pública pelo relator da matéria, Deputado José Geraldo (PT-PA).

É preciso lembrar que a Lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação prevê, além da edição de norma específica, a realização de consulta pública para alteração do limite da Unidade de Conservação com obrigação do Poder Público de “fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas”. Por este motivo, a audiência pública que será promovida pelo relator da matéria, sem estas informações bem como  sem representação dos envolvidos e afetados por esta MP, está longe de garantir caráter público  à matéria.

Veja mais informações  sobre as UCs alvo da MP 558

PEC 215: Parlamento disputa competência com Executivo

Por Edélcio Vigna, assessor do Inesc

A Câmara dos Deputados está entrando em um terreno minado ao tentar se apropriar de competências do Governo Federal. Esse avanço foi sinalizado pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) N0 215/00, que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas, em prejuízo das atribuições da União.

Representantes de diversos povos indígenas estiveram na sessão da Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania (CCJ) e se manifestaram contrários ao projeto. Mesmo assim, deputados da Bancada Ruralista e outros segmentos conservadores aprovaram a proposta. Situações de força como esta só servem para distanciar o Parlamento da sociedade e gerar descrédito à instituição.

A Constituição Federal de 1988 previa que o governo demarcaria até 1992 todas as terras indígenas, que representa 13% do território nacional. Depois de 19 anos do prazo constitucional, o Instituto Socioambiental (ISA) estima que ainda faltem demarcar 197 (31,4%), das 627 Terras Indígenas existentes.

O Parlamento tem competência para promover audiências públicas e questionar os atos do Executivo, mas alguns parlamentares pressionam para que o Legislativo legisle em última instância sobre uma decisão que é da União.

De acordo com o art. 231 da Constituição Federal, “são reconhecidos aos índios (…) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Mas, a CCJ aprovou a proposta que transfere o poder de demarcação da União ao Congresso e a CCJ é composta por deputados federais conhecedores do direito e de reputação ilibada. Como explicar, então, a aprovação de uma proposição inconstitucional?

Estaria a Comissão contaminada por interesses econômicos e espreitando as riquezas minerais existentes no subsolo das terras indígenas? Por que os ruralistas insistem tanto em incidir sobre a decisão de demarcação de terras indígenas? Será que não há pasto suficiente para albergar a boiada? A ocupação per capita de menos uma cabeça de gado por hectare é risível.

O Parlamento que tem aprovado projetos contrários aos interesses nacionais (como é o caso da Lei de Biossegurança, liberado as sementes transgênicas e do Código Florestal), além de postergar a aprovação do Estatuto do Índio (desde 1992), carece de legitimidade para apreciar de forma terminal projetos de demarcação de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental.

A Bancada Ruralista está ousando tanto como pode e, neste blefe, envolve a Lei Geral da Copa, o Código Florestal e agora vem atropelando para sequestrar, em nome do Congresso, o poder de determinar de forma exclusiva se um território é ou não indígena. Se fossem madeireiros poder-se-ia dizer: “São muito caras de pau!”.

A Constituição Federal prevê no art. 232 que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. Este é o procedimento possível que os povos indígenas têm que adotar de imediato.

A PEC 215 está em regime de tramitação especial e a mesa deverá formar uma Comissão Especial. Após a sua apreciação, o projeto será encaminhado ao Plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovada será enviada ao Senado Federal para revisão. Caso rejeitado será arquivada.

Tramitação legislativa

De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 202), a proposta de emenda à Constituição será despachada pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no prazo de cinco sessões. Admitida a proposta, o Presidente designará Comissão Especial para o exame do mérito da proposição, a qual terá o prazo de quarenta sessões, a partir de sua constituição para proferir parecer. Após a publicação do parecer e interstício de duas sessões, a proposta será incluída na Ordem do Dia. A proposta será submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões. Será aprovada a proposta que obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos membros da Câmara dos Deputados, em votação nominal.

Veja o manifesto divulgado por diversas entidades

Confira abaixo o Relatório de Votação

Relatório de Votação

 

 

Nome do Parlamentar

Votação

Partido

Estado

Abelardo Lupion

Favorável

DEM

PR

Alceu Moreira

Favorável

PMDB

RS

Alexandre Leite

Favorável

DEM

SP

Anthony Garotinho

Contrário

PR

RJ

Arthur Oliveira Maia

Favorável

PMDB

BA

Asdrubal Bentes

Favorável

PMDB

PA

Bernardo Santana de Vasconcellos

Favorável

PR

MG

Bruna Furlan

Favorável

PSDB

RJ

Cesar Colnago

Favorável

PSDB

ES

Danilo Forte

Favorável

PMDB

CE

Eduardo Cunha

Favorável

PMDB

RJ

Eliseu Padilha

Favorável

PMDB

RS

Esperidião Amin

Favorável

PP

SC

Fabio Trad

Favorável

PMDB

MS

Felipe Maia

Favorável

DEM

RN

Felix Mendonça Júnior

Favorável

PDT

BA

Francisco Araújo

Favorável

PSD

RR

Francisco Escórcio

Favorável

PMDB

MA

Jerônimo Goergen

Favorável

PP

RS

João Campos

Favorável

PSDB

GO

João Dado

Favorável

PDT

SP

José Nunes

Favorável

PSD

BA

Leonardo Picciani

Favorável

PMDB

RJ

Lourival Mendes

Favorável

PT DO B

MA

Luiz Carlos

Favorável

PSDB

AP

Luiz Couto

Contrário

PT

PB

Marcos Medrado

Favorável

PDT

BA

Maurício Quintella Lessa

Favorável

PR

AL

Mendonça Filho

Favorável

DEM

PE

Nelson Marchezan Junior

Favorável

PSDB

RS

Onofre Santo Agostini

Favorável

PSDB

SC

Osmar Serraglio

Favorável

PMDB

PR

Paulo Magalhães

Favorável

PSD

BA

Paulo Maluf

Favorável

PP

SP

Reinaldo Azambuja

Favorável

PSDB

MS

Roberto Freire

Favorável

PPS

SP

Ronaldo Fonseca

Favorável

PR

DF

Vicente Arruda

Favorável

PR

CE

Vilson Covatti

Favorável

PP

RS

Zenaldo Coutinho

Favorável

PSDB

PA

Governo refaz a parceria social para construção de Cisternas

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

No final de 2011 um desencontro de informações sobre a suspensão do programa de construção de cisternas no semiárido mobilizou parte da sociedade civil organizada, que se mostrou a favor da continuidade do projeto que tem garantido água potável para milhares de famílias e para criação de animais.

O governo queria substituir a Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC), que envolve uma metodologia de tecnologia social desenvolvida a partir das experiências e vivências das próprias comunidades do semiárido, pelo programa “Água para Todos”, que implantaria cisternas de plástico.

Além da pressão social, que garantiu a continuidade do programa, a mídia nordestina denunciou que o Ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, estaria favorecendo o seu reduto eleitoral que “receberá 22.799 mil unidades, 40% das 60 mil cisternas adquiridas”.

O jornal “Ceará Agora” publicou que “a cisterna de plástico fornecida pela Dalka do Brasil Ltda custa duas vezes mais do que as tradicionais cisternas de placa construídas no semiárido nordestino. O custo unitário do equipamento de polietileno é de R$ 3,5 mil, enquanto uma cisterna tradicional custa R$ 1,8 mil”.

Diante destas denuncias e da pressão social, a Presidência chamou a responsabilidade para si e determinou que o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome (MDS) repensasse os termos da parceria com a ASA e encontrasse uma saída honrosa para esse equívoco político.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), com base na Lei nº 9.790/1999, que atribui ao Conselho acompanhar e monitorar a formalização e execução dos referidos Termos de Parceira, e atendendo a demanda de grande parte de seus conselheiros, elaborou uma Exposição de Motivos para a Presidenta da República.

Ressaltando os “excelentes resultados produzidos na execução conduzida pela AP1MC”, o Consea recomendou “a celebração de novo termo aditivo, de prazo, metas e custos”. Este programa tem garantido a “segurança alimentar e nutricional de, aproximadamente, 38 milhões de pessoas distribuídas em 11 estados brasileiros”.

Além dessa recomendação o Consea apresentou outras, como a inclusão do Consea nas reuniões do Programa de Cisternas; o estabelecimento de meta atribuindo à AP1MC a implementação de 150 mil cisternas por ano; a ampliação da participação da sociedade civil na elaboração e implementação dos programas relacionados à segurança alimentar e nutricional; e a ampliação das tecnologias de captação de água da chuva para produção de alimentos.

O Inesc, que esteve envolvido na mobilização das organizações sociais, e tem representação no Consea, entende que a Exposição de Motivos encaminhada à Presidenta Dilma Rousseff é pertinente e vem no sentido de recompor um gesto injusto por parte dos gestores governamentais. Entende-se, também, que a Presidenta deverá promover uma investigação a respeito das denuncias que a mídia trouxe à tona sobre do Ministro da Integração Nacional.

Código Florestal: Os agiotas do capital verde e o referendo

Por Edélcio Vigna, assessor do Inesc e cientista político

O clima político na Câmara dos Deputados está instável. Tudo que parecia favorecer a bancada ruralista e outros segmentos interessados em transformar a natureza em mercadoria está sendo questionado. A posição contrária às alterações ao Código Florestal ganha força na sociedade. Segmentos importantes estão acordando para o prejuízo socioeconômico, ambiental e cultural que a devastação das florestas trará ao Brasil.

Por outro lado, quanto mais os agiotas do capital verde se movimentam mais se descobrem. As frases descabidas de forte apelo ao desmatamento, contra as florestas e contra as fontes de água-doce estão revoltando os setores influentes da sociedade brasileira. Quanto mais se veem perto da vitória mais desvairadas são suas expressões – paradoxo explicado pelo sentimento de euforia.

Há um recrudescimento do antagonismo entre capital e natureza. Neste sentido, François Chesnais (‘Não só uma Crise Econômica e Financeira, uma Crise de Civilização’, 2011) declara que “estamos assistindo ao processo de exploração até o esgotamento das duas fontes de onde brota toda a riqueza: a terra e o trabalhador”. As resistências estão exacerbando em dimensões planetárias e escreve Chesnais, “as oligarquias mundiais veem  nisso uma questão de manutenção da ordem e preparam-se para enfrentar, inclusive militarmente, revoltas resultantes de migrações climáticas maciças”.

A discussão na sociedade organizada brasileira é: pode a Presidenta Dilma cumprir a promessa que fez no Fórum Temático Social, em Porto Alegre, de vetar a proposta que pode ser aprovada pelo Congresso Nacional? Terá possibilidade de arregimentar força política para isso? Conseguirá impor-se como Chefa de Estado? Ou, vai fazer uns vetos superficiais que não irão melhorar o texto?

O Comitê Florestas já declarou que o texto não é digno do Brasil e, por isso, propõe, junto com as organizações científicas, sociais e sindicais, um debate franco e aberto com toda a sociedade brasileira. A proposta do Comitê é promover esse debate na televisão com a utilização do tempo cedido pelas concessionárias públicas. A intenção é abordar, de forma pedagógica, a importância dos biomas nacionais para a riqueza do  país.

O Veto

O veto é um instrumento legislativo que pode ser utilizado pelo/a presidente/a da República para alterar projetos de lei encaminhados à sanção pelo Congresso Nacional. O veto pode ser total (abrange o texto integral) ou parcial (referindo-se a artigos, parágrafos, incisos ou alíneas). A Presidenta tem prazo de 15 dias úteis para apresentar os motivos do veto ao Congresso Nacional.

Após recebimento, o Congresso Nacional terá 30 dias para apreciar o veto, que só poderá ser rejeitado, em votação secreta, pela maioria absoluta dos Deputados (257) e Senadores (41). Se o prazo de 30 dias se esgotar o veto será colocado na ordem do dia, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. Caso o veto seja rejeitado, o projeto será enviado para que a Presidenta promulgue-o. Caso a Presidenta não promulgar em 48 horas, o Presidente do Senado promulgará a proposição.

Este processo é um ritual onde a disputa não é pela aprovação, mas pela rejeição do veto. Os segmentos ou partidos que querem rejeitar o veto devem se responsabilizar em colocar em plenário um número regimental de parlamentares contra o veto (257 e 41). Os que querem aprovar ficam, geralmente, em seus gabinetes acompanhando pela TV ou não aparecem em Plenário. Esse é o jogo: garantir que os aliados não compareçam ou compareçam na sessão.

O Referendo

O referendo é um dos instrumentos de exercício da soberania popular que está no Capítulo IV – Dos Direitos Políticos, Art. 14, XV da Constituição Federal. A competência exclusiva de autorizar referendo é do Congresso Nacional.

Em 1998, Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República, sancionou a Lei Nº 9.709/98, que regulamentou o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular. O Art. 2o da lei explicita que o “Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”. E, em seu § 2o, que “O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”.

Caso o Congresso Nacional aprove a proposta, o Presidente do Congresso comunicará à Justiça Eleitoral, que se incumbirá de tomar as providencias necessárias para a realização do referendo. O referendo poderá ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei (Art. 11).

Código Florestal e Referendo

O referendo sobre o Código Florestal é um dos pontos fortes da  pauta do Comitê de Florestas. Em abril de 2011, já se levantava no Blog do Inesc essa possibilidade a partir do artigo “Referendo: saída para o Código Florestal”, que finalizava afirmando “… considerando sua importância para as gerações futuras, o Congresso Nacional deveria chamar para si a responsabilidade e propor um referendo popular sobre o texto que for aprovado”.

Nesta mesma linha, em maio, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social em parceria  com a Articulação do Semiárido (ASA) lançaram  a ideia de realizar um Referendo Nacional. De acordo com Ivo Poletto, assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, “a ideia é mobilizar o maior número de movimentos, organizações e pastorais sociais, para levar a proposta de convocação de um referendo à presidenta Dilma Rousseff”.

O Brasil já aprovou alguns referendos, mas a memória nacional é falha e hoje, sequer o processo para a realização de um referendo está definitivamente regulamentado. Em 1961, tivemos o primeiro referendo que garantiu a posse do Presidente Goulart e instituiu o Parlamentarismo. Em 1963, a população foi consultada sobre a manutenção do regime parlamentarista ou o retorno do regime presidencialista. O mais recente ocorreu em 2005 e foi sobre o comércio de armas e munições. Independente de apoiar fortemente a Campanha pelo Veto do Comitê Floresta e acreditar que isso pode ocorrer se a sociedade brasileira fizer pressão para que o Veto aconteça como uma vitória das florestas sobre os que querem desmatá-las, o mais importante é criar uma cultura do Veto e do Referendo sobre políticas que são contrárias aos interesses mais amplos do país.

Os eleitores delegam aos seus representantes o poder de elaborar leis, mas não o fazem incondicionalmente nem completamente, por isso é necessário aprender a exigir que algumas leis de alto impacto social, econômico, ambiental e cultural sejam endossadas pela sociedade civil. Esse é um exercício de cidadania pleno.

Novo Código da Mineração mobiliza sociedade civil

Edélcio Vigna, assessor político do Inesc

I) Contexto social

A declaração do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, de que o governo vai encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei que altera o atual Código da Mineração, mobilizou as organizações sindicais, sociais e movimentos populares. No Fórum Social Temático , realizado em Porto Alegre-RS, a questão do extrativismo foi tema de uma mesa de debates organizado pelo Observatório do Pré-Sal e da Indústria Extrativista Mineral.

Marcel Gomes, da Carta Maior, no artigo “Ativistas cobram fundo social em Novo Código de Mineração” (28/01/2012), destacou que as “ONGs e movimentos sociais brasileiros defendem que a nova legislação, que pode ser enviada pelo governo federal ao Congresso ainda neste semestre, traga compensações a comunidades locais.”.

Uma preocupação das organizações é a possibilidade do texto do projeto de lei que está sendo analisado pela Casa Civil da Presidência da República, ter sido elaborado pelos técnicos da Petrobrás e da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A suspeita que os interesses empresariais em jogo possam se sobrepor aos interesses nacionais procede, pois o mercado de minérios brasileiro saltou de R$ 58 bilhões (2003) para R$ 201,9 bilhões[1] (2010). Essa preocupação se justifica quando se avalia como foi o processo de elaboração do Código Florestal, quando os interesses das multinacionais agroalimentares, de distribuição e comercialização, e de grandes produtores rurais se sobrepuseram aos interesses dos povos da floresta e de grande parte da sociedade civil organizada.

Escaldados pela sofrida experiência do Código Florestal os movimentos sociais e sindicais se reuniram durante o Fórum Social Temático e preparam uma estratégia para pressionar o governo federal a abrir um canal de diálogo para antecipar os itens de concordância e discordâncias para que possam ser antecipadamente solucionados. O Inesc avalia que seria uma boa política haver uma rodada de debates com as organizações do Observatório do Pré Salsobre a minuta do projeto de Código antes da Casa Civil enviar a proposta ao Congresso.

II) Mineração e seus impactos

O Brasil aparece como uma das grandes nações exportadoras de minério e a Vale do Rio Doce, 2ª empresa mundial de mineração foi eleita recentemente  a pior corporação do mundo, de acordo com o Public Eye Awards[2]. Segundo o Movimento de Atingidos pelas Barragens (MAB) e o movimento Justiça nos Trilhos, “ela coleciona 111 processos judiciais e 151 administrativos referentes ao desrespeito à legislação ambiental, aos direitos trabalhistas e a toda sorte de violação de direitos humanos nos locais onde atua”.

Atualmente, a Vale exporta mais de 300 milhões de toneladas de ferro e  outros minérios sob uma frouxa fiscalização por parte dos governos. O atual decreto de mineração foi editado em um período em que a disputa pelo domínio do mercado brasileiro de extração mineral era quase inexistente. Os grandes cartéis, trustes e holdings[3], que se desenvolveram como instrumentos de dominação de mercado desde o século XIX, só foram tomar corpo no Brasil a partir da década de 90, quando a CVRD foi privatizada.

A situação socioambiental de degradação das áreas onde a mineração industrial e a lavra garimpeira se desenvolvem é de extrema gravidade. Os efeitos nocivos junto ao solo, as águas, a vegetação local e periférica, aos insetos e animais silvestres e para a saúde humana são de longo prazo e de difícil contabilização financeira. Ao esgotar a jazida mineral o que sobra são problemas socioeconômicos nas mais diversas dimensões. São populações, antes empregadas, que ficam vagando pelo território ou se acomodam com o subemprego, legal ou ilegal, nas periferias urbanas. As atuais cidades que floresceram sob a extração mineral, murcham sem o brilho turístico das cidades mineiras do século XVIII.

III) Decreto-Lei nº 227/67 – Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29/01/1940.

O atual regime de mineração é proveniente de um Decreto-Lei nº 227/67, quando o país usufruía dos benefícios, nunca partilhados, do “milagre econômico brasileiro”. Nesta época a Vale, criada em 1942 por Getúlio Vargas, já era uma empresa de economia mista, com controle acionário do Governo. A CVRD foi privatizada em 1997, no Governo FHC, sendo que as ações ordinárias do governo foram adquiridas por um consorcio liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

Depois do Decreto 227/67, surgiramoutros que atualizavam o setor e, conforme o contexto econômico, se alteravam : decretos sobre faturamento líquido; processo de beneficiamento; alíquotas; repasses das arrecadações; limites de aplicação dos repasses; e, participação do proprietário[4]. Este emaranhado jurídico, que gera uma insegurança jurídica, é uma das preocupações do governo, investidores, proprietários, entre outras categorias que formam a cadeia da extração mineral no Brasil.

O atual Código da Mineração[5], defasado, não faz nenhuma referência à extração mineral em territórios indígenas, áreas de proteção permanente, unidades de conservação ambiental, e outras áreas consideradas como bens comuns da União ou de territórios tradicionais, como o dos remanescentes de quilombolas.

Pode-se observar, mesmo sem qualquer expertise em legislação mineral, que o texto do atual Código se refere mais à lavra garimpeira do que à industrial, mesmo prevendo diversos regimes de exploração, inclusive o de monopólio, quando ocorre a intervenção direta ou indireta do governo. O Código regula os direitos sobre as jazidas; o regime de aproveitamento e a fiscalização pelo governo.

O Código em vigor, decretado em 1967, pelo então presidente-general Castello Branco, está defasado em relação aos problemas que a economia mineradora extrativista apresenta atualmente. Esta desatualização favorece as empresas multinacionais e os holdings nacionais, pois há no texto tantos vazios jurídicos que coloca em risco a soberania nacional e os recursos naturais, como patrimônio geracional e bem comum. Por isso, é necessária uma revisão completa no texto legal, desde que se assegure uma participação social efetiva neste processo.

O Congresso Nacional detém a representação política da população e dos estados brasileiros, e também possui diversos instrumentos de que possibilitam a participação social no processo legislativo. São por meio destes instrumentos, como Audiências Públicas (Regimento Interno-RI, art. 255), petições, reclamações, representações ou queixas (RI, art. 253), sugestões de iniciativa legislativa, de pareceres técnicos, de exposições e propostas oriundas de entidades científicas e culturais (RI, art. 254), entre outras[6], que as organizações da sociedade civil pretendem incidir sobre a tramitação política e de conteúdo do Código de Mineração.



[1] Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), in “Considerações sobre a renda extrativista no Brasil”, Mineiro, Adhemar e Deloupy, Maria de Lourdes, acesso WWW.observatóriodopresal.com.br, 2012.

[2]A organização “Olhos do Público” criou em 2000, o prêmio “a pior corporação do mundo” que é concedido anualmente à empresa escolhida por voto popular em função de problemas ambientais, sociais e trabalhistas.

[3] Cartel: acordo firmado entre empresas do mesmo ramo, a fim de estabelecer o preço de uma mercadoria e controlar o produto. Ex.: Opep, Cartel do cimento no Brasil. Truste: Conglomerado de empresas de um só dono, atuando em setores diversos da economia. Ex.: grupo Bradesco, globo e Votorantim. Holding: uma empresa é criada para administrar um grupo delas para promover determinada oferta de produtos e serviços. Deca: Oferece bidês, chuveiros, pias, mictórios, etc.

[4] Mineiro, Adhemar e Deloupy, Maria de Lourdes, “Considerações sobre a renda extrativista no Brasil”, 2012.

[5] Acessado em 01/02/2012 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0227.htm

[6] Regimento interno da Câmara dos Deputados, Art. 254, § 4º – “As demais formas de participação recebidas pela Comissão de Legislação Participativa serão encaminhadas à Mesa para distribuição à Comissão ou Comissões competentes para o exame do respectivo mérito, ou à Ouvidoria, conforme o caso”.

O Processo de Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial

Social Watch Report 2012

Sancionada a Lei do PPA

Por Eliana Graça, assessora política do Inesc

No dia 19 de janeiro a Presidenta Dilma sancionou a lei que cria o Plano Plurianual para o período de 2012 a 2015. Mesmo antes de ser enviado o projeto de lei para apreciação do Legislativo, em agosto do ano passado, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) vem discutindo o seu conteúdo dentro do processo de sua formulação. Desde maio de 2011 o governo estabeleceu dialogo com as organizações e movimentos da sociedade civil sobre o conteúdo do Plano para os próximos quatro anos, no âmbito do Fórum Interconselhos. A importância dada ao PPA como instrumento de planejamento se deve ao fato de que é ele quem define as prioridades e as estratégias da ação governamental para o médio prazo. Orienta os gastos públicos na medida em que estabelece parâmetros para os orçamentos anuais, conforme prevê a Constituição.

Sancionada com quinze vetos, na sua maioria sobre emendas feitas por parlamentares para a construção de grandes projetos, a nova lei traz outras surpresas com relação à proposta encaminhada ao Legislativo. Durante a tramitação no Parlamento o texto da lei sofreu modificações que foram aceitas pelo Executivo. Em alguns casos, essas mudanças significaram aperfeiçoamentos e, em outros, trouxeram a possibilidade de retrocesso, principalmente no que se refere à participação da sociedade no processo de monitoramento do PPA.

Devido ao pouco espaço de tempo desde a sanção, ainda não foi possível fazer uma análise dos anexos onde constam os programas temáticos para anotar o que significarão as possíveis mudanças feitas pelos/as parlamentares. Por isso, esses comentários se restringem ao que consta no texto da lei.

No que se refere às mudanças para o aperfeiçoamento da lei destacam-se as ocorridas no art. 4°, que trata das diretrizes do PPA 2012-2015. Nesse artigo foram acrescentadas questões fundamentais para orientar as ações governamentais previstas no Plano. A primeira diretriz que antes previa somente “a redução das desigualdades sociais e regionais” foi substituída por “a garantia dos direitos humanos com redução das desigualdades sociais, regionais, étnico-raciais e de gênero”. Não restam dúvidas de que dessa forma a diretriz contempla melhor a diversidade estruturante da nossa sociedade e que necessita ser incorporada em toda ação de governo.

Outras três diretrizes foram acrescentadas às apresentadas pelo governo na proposta original. São elas: “o aumento da eficiência dos gastos públicos”; “o crescimento econômico sustentável” e o “estimulo e a valorização da educação, da ciência e da tecnologia”. Mais uma vez o Parlamento brasileiro deu sua contribuição para ampliar o que acredita essencial para orientar o planejamento governamental, como forma de adequá-lo às necessidades do país.

Apesar das várias modificações efetuadas no Capítulo referente à Gestão do Plano, no sentido de garantir a transparência das informações e a observância de princípios constitucionais para a gestão pública, o Legislativo retirou do texto da lei o artigo 16 que previa “O Poder Executivo promoverá a participação da sociedade no processo de monitoramento dos Programas do PPA 2012-2015.”

A retirada desse artigo merece uma reflexão para melhor entendimento do alcance dessa atitude do Parlamento. O que isso quer dizer para as organizações da sociedade civil que há tantos anos estão na luta pela participação social na formulação dos planos e orçamentos públicos? Justamente agora que existe um processo de dialogo e compromisso de criação de mecanismos de participação no processo de monitoramento do PPA 2012-2015, o princípio da participação parece ser negado. A hipótese de considerar desnecessária a previsão legal é bastante perigosa, pois, cada vez mais é fundamental que essa vontade política do governo se transforme em política pública de participação social e por isso esteja no ordenamento jurídico.

Imaginar que o relator do projeto, senador Walter Pinheiro, do PT da Bahia, é contrario à participação social no monitoramento e controle social do planejamento público é uma hipótese razoável. E que deve ter tido o aval do Planalto quando tomou essa decisão. Até porque ele não afrontaria o governo do qual é base por uma questão dessas. Pode-se imaginar ainda que essa atitude de cortar o art. 16 reflete uma disputa interna dentro do governo entre os que acreditam e os que não acreditam na importância da democracia participativa para o aperfeiçoamento democrático do país.

Tudo isso são hipóteses. O que não se pode aventar, nem como hipótese é que essa retirada do art. 16 signifique um retrocesso no dialogo e nos compromissos assumidos pelo Ministério do Planejamento e a Secretaria Geral da Presidência da República que até agora têm dado o aval a esse processo junto à sociedade civil. A palavra está com eles para explicar as conseqüências desse veto do Parlamento à democracia participativa. E do lado de cá estão todas as organizações e movimentos que apostaram na interlocução entre governo e sociedade civil organizada e que tem investido suas energias no Fórum Interconselhos acreditando nos compromissos assumidos e aguardando uma resposta.

Sancionada a Lei do PPA

Por Eliana Graça, assessora política do Inesc

No dia 19 de janeiro a Presidenta Dilma sancionou a lei que cria o Plano Plurianual para o período de 2012 a 2015. Mesmo antes de ser enviado o projeto de lei para apreciação do Legislativo, em agosto do ano passado, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) vem discutindo o seu conteúdo dentro do processo de sua formulação. Desde maio de 2011 o governo estabeleceu dialogo com as organizações e movimentos da sociedade civil sobre o conteúdo do Plano para os próximos quatro anos, no âmbito do Fórum Interconselhos. A importância dada ao PPA como instrumento de planejamento se deve ao fato de que é ele quem define as prioridades e as estratégias da ação governamental para o médio prazo. Orienta os gastos públicos na medida em que estabelece parâmetros para os orçamentos anuais, conforme prevê a Constituição.

Sancionada com quinze vetos, na sua maioria sobre emendas feitas por parlamentares para a construção de grandes projetos, a nova lei traz outras surpresas com relação à proposta encaminhada ao Legislativo. Durante a tramitação no Parlamento o texto da lei sofreu modificações que foram aceitas pelo Executivo. Em alguns casos, essas mudanças significaram aperfeiçoamentos e, em outros, trouxeram a possibilidade de retrocesso, principalmente no que se refere à participação da sociedade no processo de monitoramento do PPA.

Devido ao pouco espaço de tempo desde a sanção, ainda não foi possível fazer uma análise dos anexos onde constam os programas temáticos para anotar o que significarão as possíveis mudanças feitas pelos/as parlamentares. Por isso, esses comentários se restringem ao que consta no texto da lei.

No que se refere às mudanças para o aperfeiçoamento da lei destacam-se as ocorridas no art. 4°, que trata das diretrizes do PPA 2012-2015. Nesse artigo foram acrescentadas questões fundamentais para orientar as ações governamentais previstas no Plano. A primeira diretriz que antes previa somente “a redução das desigualdades sociais e regionais” foi substituída por “a garantia dos direitos humanos com redução das desigualdades sociais, regionais, étnico-raciais e de gênero”. Não restam dúvidas de que dessa forma a diretriz contempla melhor a diversidade estruturante da nossa sociedade e que necessita ser incorporada em toda ação de governo.

Outras três diretrizes foram acrescentadas às apresentadas pelo governo na proposta original. São elas: “o aumento da eficiência dos gastos públicos”; “o crescimento econômico sustentável” e o “estimulo e a valorização da educação, da ciência e da tecnologia”. Mais uma vez o Parlamento brasileiro deu sua contribuição para ampliar o que acredita essencial para orientar o planejamento governamental, como forma de adequá-lo às necessidades do país.

Apesar das várias modificações efetuadas no Capítulo referente à Gestão do Plano, no sentido de garantir a transparência das informações e a observância de princípios constitucionais para a gestão pública, o Legislativo retirou do texto da lei o artigo 16 que previa “O Poder Executivo promoverá a participação da sociedade no processo de monitoramento dos Programas do PPA 2012-2015.”

A retirada desse artigo merece uma reflexão para melhor entendimento do alcance dessa atitude do Parlamento. O que isso quer dizer para as organizações da sociedade civil que há tantos anos estão na luta pela participação social na formulação dos planos e orçamentos públicos? Justamente agora que existe um processo de dialogo e compromisso de criação de mecanismos de participação no processo de monitoramento do PPA 2012-2015, o princípio da participação parece ser negado. A hipótese de considerar desnecessária a previsão legal é bastante perigosa, pois, cada vez mais é fundamental que essa vontade política do governo se transforme em política pública de participação social e por isso esteja no ordenamento jurídico.

Imaginar que o relator do projeto, senador Walter Pinheiro, do PT da Bahia, é contrario à participação social no monitoramento e controle social do planejamento público é uma hipótese razoável. E que deve ter tido o aval do Planalto quando tomou essa decisão. Até porque ele não afrontaria o governo do qual é base por uma questão dessas. Pode-se imaginar ainda que essa atitude de cortar o art. 16 reflete uma disputa interna dentro do governo entre os que acreditam e os que não acreditam na importância da democracia participativa para o aperfeiçoamento democrático do país.

Tudo isso são hipóteses. O que não se pode aventar, nem como hipótese é que essa retirada do art. 16 signifique um retrocesso no dialogo e nos compromissos assumidos pelo Ministério do Planejamento e a Secretaria Geral da Presidência da República que até agora têm dado o aval a esse processo junto à sociedade civil. A palavra está com eles para explicar as conseqüências desse veto do Parlamento à democracia participativa. E do lado de cá estão todas as organizações e movimentos que apostaram na interlocução entre governo e sociedade civil organizada e que tem investido suas energias no Fórum Interconselhos acreditando nos compromissos assumidos e aguardando uma resposta.

Pronasci: uma revisão necessária

Por Eliana Graça, assessora política do Inesc

O jornal “O Globo” publicou na sua edição do dia 04 de janeiro  um artigo do colunista Elio Gaspari que demonstra pouco conhecimento dos meandros da implantação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Sob o título “Dilma congelou o Pronasci” Gaspari qualifica o Programa com sendo um “fingimento” e aprova a suposta decisão da Presidenta como a primeira boa notícia do ano.

Para o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), que participa desde 2007 das discussões sobre a política de segurança pública, juntamente com outras organizações da sociedade civil, não é possível concordar com as colocações que faz o nobre articulista. O trabalho até agora desenvolvido pelo Inesc (que compreende análises orçamentárias da execução do Programa e do desenho das ações)  aponta para problemas cruciais e graves na implementação do Pronasci como, por exemplo: distanciamento da concepção original constante da lei, concentração da aplicação de recursos na concessão da Bolsa Formação, baixa execução dos recursos em ações essenciais para prevenção da violência e falta de ação específica de combate ao racismo institucional.

Essas questões exigem uma avaliação da experiência de quatro anos e conseqüente revisão para correção de rumos. Mas, o Inesc discorda da proposta de congelamento ou mesmo de descarte.

O articulista esquece que o Pronasci não é simplesmente um programa gestado nos gabinetes de Brasília, mas é fruto de um processo de discussão com a sociedade que culminou na aprovação da Lei Nº 11.530/2007. Ao contrário de ser um fingimento, a lei demonstra uma determinação da União de assumir suas responsabilidades no tocante à extrema violência vivida pela população brasileira e apontada em pesquisa recente como o principal problema que aflige as pessoas.

O direito humano a uma vida sem violência está presente na lei que criou o Pronasci e a proposta de gestão compartilhada pela União, estados e municípios é um dos pontos fortes da política de segurança pública apregoada. Se a determinação constitucional faz dos estados federados o principal responsável por essa política não impede que a União assuma um papel de coordenação e incentivo a uma nova postura dos agentes públicos e suas corporações. A lei não propõe solucionar todos os problemas, mas dar sua contribuição ao grande desafio que é proporcionar aos cidadãos e cidadãs uma vida sem violência.

Outro ponto inovador que o Pronasci reforça é a necessidade de uma política de segurança pública que considere a prevenção, e a forma como as desigualdades presentes na sociedade condicionam a maneira como a violência atinge a população. As mulheres e a população negra são atingidas de forma brutal e especifica pela cultura da violência. O preconceito e a discriminação de gênero e raça condicionam o acesso à proteção do Estado a que essas populações têm direito.

Mesmo sendo considerado como uma iniciativa positiva e inovadora,  o Pronasci apresentou muitos problemas nos seus quatro anos de execução. No entanto, o governo não fez, ou se fez não tornou público os resultados de uma avaliação desse período para detectar os pontos de estrangulamento na implantação do programa. Somente a partir daí seria razoável propor mudanças na concepção e no desenho do Pronasci.

Não se pode abandonar uma boa idéia somente porque ela apresenta problemas e dificuldades de execução. A proposta adequada é rever o que não anda bem e corrigir rumos. Ainda mais quando se trata de garantir direitos assegurados em lei. Não é com uma penada dos gestores de plantão e com os aplausos dos pouco informados que se descartam processos democráticos de discussão e decisão do Parlamento brasileiro. Assumir erros e corrigir rumos contribui para o aperfeiçoamento da democracia.

Veja aqui algumas publicações do Inesc sobre o Pronasci

Pronasci: a revisão necessária

Segurança Pública como direito Fundamental

Nota Técnica n. 172 – Segurança Pública com Cidadania: uma análise orçamentária do Pronasci

Segurança Pública e cidadania: uma análise do Pronasci

 

 

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