Boletim nº7

Numa rápida análise comparativa da execução orçamentária de 2000 (até 18 de agosto) com a de 1999 (até 09 de julho e 03 de setembro), percebe-se que a tendência é a da baixa aplicação de recursos nos primeiros meses do ano e a sua concentração, se é que atingem os valores previstos, próximo ao final do ano.

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Boletim nº6

Boletim aborda que os recursos assegurados para ações voltadas ao programa Atenção Criança, como aquisição e distribuição de material didático, formação continuada de professores e a distribuiçãode merenda escolar para os alunos; não ultrapassaram o percentual de 66%, incluindo as redes públicas e privadas.

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Boletim nº5

Em publicações anteriores do INESC apresentou a diminuição, ano a ano, dos recursos do orçamento da criança e do adolescente.Agora, o Instituto apresenta uma análise na qual verifica a situação destes recursos nos dois últimos anos. Esse Boletim faz uma comparação do orçamento sancionado para o ano de 2000 com o de 1999.

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Boletim nº1

Essa 1ª edição do Boletim,lançada no final de 1999, apresenta uma análise da execução financeira das ações e programas do Governo Federal para Crianças e Adolescentes. O Inesc espera fortalecer o papel propositor da sociedade civil na co-gestão das políticas públicas nos três níveis de governo e incentivar o envolvimento de diferentes segmentos sociais no debate sobre o tema.

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Participação Social no PPA 2012-2015: Valeu?

Por Eliana Graça, assessora política do Inesc

“Afinal, em que resultou o processo de participação da sociedade organizada no processo de elaboração do PPA?” Logo após o envio do projeto de lei do Plano Plurianual (PPA 2012-2015) ao Parlamento, esta é a pergunta que fica rondando nossos ouvidos. Uma resposta definitiva ainda não pode ser dada, mas há como elaborar considerações preliminares. Até porque não foi divulgado ainda o balanço de quais sugestões oriundas do Fórum Interconselhos foram incluídas no texto do projeto de lei. Para uma avaliação conclusiva é preciso esperar.

Em maio deste ano a Secretaria Geral da Presidência e o Ministério do Planejamento convidaram os representantes da sociedade civil com assento nos conselhos de políticas públicas e as organizações e movimentos nacionais para um debate em torno de pontos que supostamente deveriam compor a futura lei. O Inesc foi convidado e participou ativamente do debate. Foram dois dias de discussão entre 300 participantes indicados pelos conselhos e em torno de 100 pessoas representantes das organizações e movimentos da sociedade civil.

Os itens colocados para o debate tratavam da dimensão estratégica e da dimensão tática do planejamento governamental para os próximos quatro anos. Foram submetidos a críticas e sugestões a visão de futuro, os valores, os macrodesafios, os eixos e a questão regional dentro da perspectiva estratégica. Já o campo da tática era composto pelos programas temáticos, subdivididos por eixos e os objetivos propostos também relacionados aos eixos. Por fim também foram examinados os aspectos atinentes ao monitoramento e avaliação e à institucionalização da participação social no PPA.

Após a realização do evento foi criado um grupo de discussão virtual que alimenta a troca de informações entre os participantes do Fórum. Já foi disponibilizada uma síntese de todas as discussões e propostas feitas nos dois dias do evento. Mas o balanço do que foi efetivamente incorporado ao PPA ainda não foi disponibilizado e aguarda-se a proposta de participação na fase de monitoramento e avaliação do PPA 2012-2015.

Assim, numa primeira leitura do projeto encaminhado ao Parlamento pelo poder executivo o que se pode observar é que apenas o que se refere aos valores foi incorporado ao texto da lei. O restante, que foi objeto de discussão no Fórum Interconselhos, está presente somente na mensagem presidencial que encaminha o projeto de lei ao Legislativo. Não faz parte do texto da lei.

No projeto de lei os sete valores se transformaram em seis diretrizes. Foi suprimido o valor “democracia” como item específico. Durante o Fórum foram sugeridos nove outros valores. Nenhuma das sugestões foi absorvida pelos encarregados de dar redação final ao projeto de lei. Já na Mensagem Presidencial, os valores estão transcritos da mesma forma que constavam na versão apreciada pelo Fórum. Ou seja, somente sete.

No caso da dimensão estratégica, presente somente na mensagem, os macro desafios sofreram alterações. Aos dez previstos anteriormente, que foram objeto de discussão apenas um foi acrescentado, sendo que o Fórum propôs mais vinte sete itens a serem incluídos ou em substituição no rol dos grandes desafios a serem enfrentados como estratégia pelas ações governamentais, no seu conjunto. Aos 10 macrodesafios existentes anteriormente foi acrescentado um referente à Ciência, Tecnologia e Inovação, que não consta da relação de propostas feitas durante o Fórum, conforme a síntese disponibilizada no grupo de discussão. Deve ser resultado das discussões internas ao próprio governo.

Os outros itens da dimensão estratégica estão presentes na mensagem presidencial de outra forma, mais dispersa, mais difícil de identificação. Já a dimensão tática, também presente na mensagem, ressalta os programas temáticos como a principal via de concretização dos objetivos e desafios a alcançar. Os 60 programas temáticos previstos foram transformados em 65, no projeto de lei. O que se percebe é que alguns foram substituídos, alguns simplesmente retirados e outros ganharam uma nova nomenclatura. E houve os acréscimos e as fusões. Além dos programas temáticos, o PPA cria também mais duas classificações para os programas de governo: chamados de Gestão e Manutenção e de Operação Especiais.

O projeto de lei expõe, em seus anexos, todos os programas temáticos com seus indicadores, objetivos e iniciativas. As ações que concretizam as iniciativas, só serão explicitadas nas respectivas leis orçamentárias anuais. No entanto, as metas físicas estão presentes de forma regionalizada dentro de cada iniciativa. Por isso, diferentemente do que consta no PPA vigente, não há metas físicas e nem metas financeiras, por ação, para os quatro anos correspondentes. Essa foi uma questão que mereceu muita discussão durante a realização do Fórum Interconselhos. O ministério do Planejamento insistia na necessidade de descolar a discussão do PPA da discussão orçamentária. Para a equipe do planejamento o importante são os produtos entregues à sociedade e não o quantitativo de recursos alocados para executar as ações e alcançar os objetivos propostos.
Recentemente, na audiência pública realizada pela Comissão Mista de Orçamento sobre o PPA, a ministra Miriam Belchior ressaltou a importância da posição do governo de discutir a proposta do PPA sem vinculação com o orçamento. Para nós, saber quanto se gasta ou se os valores alocados pelo Parlamento estão sendo executados é uma boa maneira de monitorar se as previsões contidas no PPA estão sendo implementadas. Não há como separar as duas coisas. Elas fazem parte do ciclo orçamentário previsto na Constituição e estão ligadas em um só processo.

A volumosa mensagem presidencial de 278 páginas contrasta com o sintético texto da lei de seis páginas. O problema é que a mensagem presidencial não faz parte dos anexos do referido projeto de lei. É lógico que a mensagem é um documento oficial da Presidência da República na sua relação com o Parlamento. Mas ela não tramita como parte integrante do projeto. Tão logo a lei do PPA seja aprovada com seus anexos ela perderá importância. Por isso seria fundamental que pelo menos partes centrais dos compromissos assumidos (como macrodesafios, eixos, visão de futuro e outros) para os próximos quatro anos compusessem o texto da lei. Fariam parte do pacto que será estabelecido para a aprovação da lei do PPA. E o Parlamento pudesse discutir as estratégias e táticas do governo.

O que se pode inferir dessas primeiras anotações, ainda que em caráter preliminar, é que o processo de participação na elaboração do PPA 2012-2015 foi insuficiente para convencer os gestores da necessidade de considerar as sugestões elaboradas pela representação da sociedade. Ainda não foi desta vez que as opiniões foram consideradas, pelo menos nos aspectos elencados acima.

Não se pode concluir pelo fracasso do processo, mas se pode refletir sobre a sua fragilidade. A avaliação feita pela organização do Fórum Interconselhos ouvindo os participantes concluiu pela insuficiência dos dois dias para se discutir assuntos tão densos. Em torno de 50% dos/as participantes não concordou com a carga horária proposta para o volume de conteúdos abordados. Ainda assim, aqueles dois dias foram muito proveitosos e permitiu um processo de troca entre os representantes da sociedade. Opiniões diferentes foram confrontadas, negociadas e resultaram boas sínteses. Proporcionaram boas reflexões entre os/as participantes. Resta agora uma grande expectativa de que o Governo Dilma realize o compromisso, firmado a partir do princípio da participação explicito no artigo 16 do texto do projeto de lei, que o Poder Executivo promoverá a participação da sociedade no processo de monitoramento dos programas do PPA 2012-2015.

Este compromisso já começa a se concretizar. O Inesc recebeu o convite para participar de uma vídeo conferência por meio do sistema Interlegis no próximo dia 13 de outubro. Com a presença dos ministros da Secretaria Geral e do ministério do Planejamento, será feita a devolução dos resultados do Fórum Interconselhos. Na ocasião será também apresentada uma proposta de monitoramento do PPA para os próximos quatro anos.

Royalties da mineração: uma discussão necessária

31/08/2011

Alessandra Cardoso
Assessora do Inesc.

Segundo matéria publicada pelo Valor Econômico do dia 26 de agosto, foi fechado no Peru um acordo entre governo e empresas de mineração para cobrança de um imposto sobre lucros excepcionais da exploração de minérios no país, que é o segundo maior produtor mundial de cobre e zinco e o maior produtor de prata. O valor esperado por esta cobrança adicional é cerca de US$ 1,1 bilhão, 50% abaixo dos US$ 2 bilhões inicialmente pretendidos pelo governo Peruano. Pela ótica do setor mineral, em grande parte controlado por empresas estrangeiras entre elas a Vale e Votorantin Metais, o acordo trouxe certo alívio, como relata a matéria, dado que esperavam uma mordida maior dos seus lucros extraordinários, em grande parte advindos do aumento das cotações internacionais dos metais, principalmente cobre, ouro e prata.

Ainda conforme a matéria, apesar da cobrança adicional ser menor do que a inicialmente pretendida pelo governo, representa uma medida relevante de regulação do setor mineral que prima por um maior retorno para a sociedade da exploração dos seus recursos naturais. Nesta direção, também representa um avanço a vinculação destas receitas adicionais para o financiamento de gastos sociais orientados à redução da pobreza, que atinge cerca de metade dos quase 30 milhões de peruanos.

E o que isto tem haver com o Brasil? Infelizmente, aqui, o debate sobre o retorno para a sociedade da exploração dos recursos minerais parece não ser, ainda, um tema prioritário. Durante a campanha presidencial a então candidata Dilma, em especial nas suas passagens por palanques mineiros, disse se comprometer com a revisão do marco regulatório do setor mineral, o que incluiria o aumento dos chamados royalties da mineração, sabidamente um dos mais baixos do mundo.

Contudo, passados 8 meses de governo, o tema permanece circunscrito a um “petit comité”. De um lado, as empresas de mineração que fazem pesado lobby para manter as regras do jogo e preservar seus estratosféricos lucros e, de outro lado, o governo que embora pareça ter alguma predisposição de tencionar para ampliar a cobranças de royalties permanece titubeante politicamente, e sem pressão social que lhe cobre uma postura mais firme. É neste cenário que o prometido Projeto de Lei da CFEM – Compensação pela Exploração dos Recursos Minerais até agora não foi encaminhado ao Congresso.

Segundo informa a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, no site do ministério, já existe um debate público (bem seleto) para a reformulação do atual modelo de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Nos termos anunciados por esta Secretaria, este novo modelo de CFEM que estaria sendo discutido “objetiva promover uma justa redistribuição dos benefícios econômicos que a mineração gera, considerando o papel que os bens minerais exercem na sociedade e na economia brasileira, bem como melhorar o usufruto dessa riqueza por todos os atores que compõem o setor”. Este novo modelo que pretende alterações na forma de cálculo, nos critérios de distribuição e uso da CFEM, passando por aperfeiçoamento nos procedimentos de arrecadação, fiscalização e cobrança, pretenderia tornar mais justa a distribuição da riqueza gerada pela mineração, bem como estimular o desenvolvimento de regiões produtoras.

Este tema e esta disputa deveriam interessar a toda a sociedade e talvez em especial aos movimentos e organizações sociais que lutam por direitos sociais e ambientais. E ganha ainda mais relevância em um contexto onde vemos lucros já extraordinários sendo trimestralmente batidos, ao lado de relatos alarmantes dos enormes impactos sociais e ambientais causados pelas mineradoras. Vale dizer que o lucro obtido pelo setor de mineração entre janeiro e junho de 2011 foi 131,4% superior ao do mesmo período de 2010.

Para dar um exemplo do potencial de ampliação de arrecadação, somente a mudança nos royalties sobre o ferro dos atuais 2% para 6% (valor que já chegou a ser cogitado pelo governo) representaria, com base na arrecadação de 2010, um adicional de cerca de R$ 1 bilhão.

Mas não adianta somente ampliar a cobrança de royalties, é preciso rediscutir sua distribuição e função: como é repartido entre os entes da federação; o que é prioridade para aplicação destes recursos; além se dar mais transparência e garantir o controle social da aplicação destes royalties. Sem isto, estaremos como hoje, vendo estes recursos concentrados em poucos municípios e sendo aplicados, sem transparência e sem qualquer compromisso com garantia de direitos.

Este debate do quanto se paga pela exploração dos recursos naturais e onde são gastos estes recursos não é fácil porque envolve interesses diversos, inclusive interesses federativos. Mas, do ponto de vista da distribuição e destinação o aumento das alíquotas seria também uma grande oportunidade para rediscutir repartição e prioridades.

O contexto social e político do Peru, onde se discute a regulação do setor tendo como foco o retorno desta riqueza para objetivos concretos como a redução da pobreza, representa uma ótima oportunidade para nós, aqui também, rediscutirmos as condições sob a quais permitiremos que nossas riquezas naturais sejam exploradas. Vincular este debate ao debate mais amplo sobre a necessidade de ampliar investimentos sociais e para preservação ambiental e da nossa enorme biodiversidade é uma oportunidade que estamos deixando passar.

Veja também: Plano para aumentar royalties de minério de ferro recebe críticas.

O extermínio negro direto e indireto como parte do projeto de poder no Brasil

Matéria retirada do portal Geledés

Muito se diz sobre a prioridade em diminuir a miséria e as diferenças sociais no Brasil. No entanto

Noruega ensina que racismo não pode ser visto como folclore

Matéria retirada do portal Racismo Ambiental

Por Marcelo Sener*

Se existe algo que o massacre na Noruega pode nos ensinar é que racismo

I Plano Nacional de SAN entrará em vigor em 2012

21 de julho de 2011

Por Edélcio Vigna, assessor político do Inesc

O Inesc, como uma das organizações sociais representantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) participou da oficina do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) para elaborar a proposta do “I Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional” (PNSAN). Participaram deste evento membros do Pleno Executivo, do Comitê Técnico da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar (CAISAN) e representantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Nacional e Estaduais.

A proposição da PNSAN decorre de um processo político iniciado com a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), sancionada em 2006. A Lei estabeleceu a necessidade de institucionalizar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e a criação de um Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN).

Todo este processo político-institucional resultou na inclusão do direito humano à alimentação à Constituição Federal, no artigo 60. É importante ressaltar que o avanço político-institucional só foi possível devido à adoção de mecanismos de participação social, com a recriação do Consea Nacional e dos conselhos estaduais e municipais.

Toda base para a construção do I Plano Nacional de SAN está sendo o principio da realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e integrado nas Diretrizes Voluntárias (conjunto de diretrizes para apoiar os países), aprovadas em novembro de 2004. O DHAA, por sua vez, está referendado pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pela Carta das Nações Unidas.

O IPNSAN listou dez grandes desafios para enfrentar:

1. Construção e consolidação da Política e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada, em todo o território nacional;

2. Erradicação da extrema pobreza e da insegurança alimentar moderada e grave;

3. Reversão das tendências de aumento das taxas de excesso de peso e obesidade;

4. Ampliação da atuação do Estado nos processos de transição para um modelo de produção familiar agroecológica e sustentável de alimentos e de valorização e proteção da agrobiodiversidade;

5. Intensificação do processo de desapropriação para fins de reforma agrária e de reconhecimento, demarcação, regularização e desintrusão de terras/territórios indígenas e quilombolas e de demais povos e comunidades tradicionais;

6. Instituição e implementação de uma Política Nacional de Abastecimento Alimentar de modo a promover o acesso regular e permanente da população brasileira a uma alimentação adequada e saudável;

7. Ampliação do mercado institucional de alimentos para a agricultura familiar, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, e titulares de direito dos programas de transferência de renda com vistas ao fomento de circuitos locais e regionais de produção, abastecimento e consumo;

8. Ampliação do acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente, com prioridade às famílias em situação de insegurança hídrica e para a produção de alimentos da agricultura familiar e da pesca e aquicultura;

9. Enfrentamento das desigualdades socioeconômicas, étnico-raciais e de gênero, das condições de saúde, alimentação e nutrição, e de acesso às políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional;

10. Fortalecimento das relações internacionais brasileiras, na defesa dos princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada e da Soberania e Segurança Alimentar.

Os objetivos de cada desafio, as metas e as iniciativas para realização das metas ainda estão em tratativas internas no governo. O texto deverá ser avaliado pelos ministros que o encaminhará ao Congresso Nacional.

O Inesc está como representante do Consea e participa da construção do Plano. Temos o compromisso de informar as organizações da sociedade civil as etapas de elaboração governamental e tramitação legislativa do Plano Nacional de Segurança Alimentar.

Consea repudia feijão transgênico

20 de julho de 2011

Por Edélcio Vigna, assessor do Inesc e conselheiro do Consea

 

 

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), mantendo a firme postura a favor de uma alimentação segura, saudável e nutricionalmente rica, posicionou-se contrário à liberação do feijão transgênico. Este posicionamento foi relatado por meio de uma Exposição de Motivos enviada diretamente á presidenta Dilma Rousseff.

No documento o Conselho afirma que o compromisso internacional firmado pelo Governo na Convenção sobre Diversidade Biológica e no Protocolo de Cartagena, não é cumprido e que “o país não tem respeitado o Princípio da Precaução, base fundamental da Agenda 21, em suas decisões referentes a temas de biossegurança”.

De acordo com o texto, “é necessário adequar as políticas internas de biossegurança aos preceitos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92”. A Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio) tem extrapolado suas competências e ganho uma dinâmica própria desprezando os argumentos apresentados pelos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, que defendem claramente o Princípio da Precaução.

 

A CTNBio alterou o regimento interno reduziu para até 30 dias o prazo para os pedidos de liberação comercial de alimentos transgênicos. O prazo mínimo anterior, de 90 dias, já se mostrava insuficiente. A intenção da Comissão Técnica era que este fosse o prazo máximo para avaliação e isso só não se efetivou devido à intervenção do ministro Aloizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia (MCT).

 

O feijão transgênico denominado “GM EMBRAPA 5.1”, cuja liberação comercial é negociada, não tem apoio das organizações científicas e se apoia em estudos insuficientes.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem realizado experimentos com Arroz e Feijão orgânico há oito anos com cultivo orgânico. Há que se considerar, também, que a Embrapa possui um rico acervo de variedades de feijão.

A CTNBio, desde sua criação, foi disputada pelas grandes empresas transnacionais de agrobiotecnologia em detrimento das organizações da agricultura familiar e agroecológica. As empresas agroalimentares ganharam espaços e, atualmente, referendam a maioria dos componentes daquela Comissão. De acordo com a Exposição de Motivos enviada à Presidenta Dilma, a “Comissão assumiu um caráter de entidade facilitadora das liberações comerciais de OGMs no Brasil”.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) parabeniza a posição do Consea e associa-se às suas preocupações quanto a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, assim como a proteção e conservação da biodiversidade e a utilização sustentável de recursos naturais.

 

Leia abaixo a íntegra da Exposição de Motivos do Consea

LDO prioriza PAC e Brasil sem Miséria

20 de julho de 2011

Por Eliana Graça, assessora política do Inesc

Na última semana, o Parlamento brasileiro aprovou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias – PLDO para 2012. Conforme previa o Inesc em artigo publicado ainda em junho. Foram necessárias muitas horas de conversa e negociação para se fechar um acordo entre a base de apoio do governo e a oposição. O relator, deputado Marcio Reinaldo (PP-MG), cedeu tanto às pressões do Planalto quanto dos partidos. Em vários pontos modificados da proposta foi possível um consenso, outros afrontam a postura original do governo. Daí já existe a expectativa de que a presidenta Dilma deverá vetar alguns itens.

A perspectiva de ver prejudicado o recesso parlamentar fez com que as discussões cessassem e o projeto fosse à votação e o “abacaxi” fica para o Planalto descascar. A Constituição prevê que o recesso, previsto para 15 de julho, só se inicie depois que a LDO for votada.

Em uma síntese bem rápida pode-se dizer que os dois grandes pontos que interessaram ao Parlamento modificar no PLDO foram: i) a questão das emendas parlamentares e ii) a questão da política fiscal no que se refere à redução de gastos públicos, principalmente das despesas correntes.

Na proposta vinda do Planalto o anexo de Prioridades e Metas foi reduzido a duas ações prioritárias: Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e programa de redução da miséria. No substitutivo do relator foram acrescentadas como prioridade as emendas individuais dos/as parlamentares. Além disso, essas emendas estão incluídas nas despesas que não serão objeto de contingenciamento e terão preferência na alocação de recursos.

O conceito de prioridade nesse caso nos parece bastante inadequado. Na maioria das vezes essas emendas evidenciam um paroquialismo que não obedece a diretrizes amplas de políticas públicas, mas um interesse restrito de cada parlamentar em relação a suas bases eleitorais. Enfim, a LDO, que por definição deve fornecer diretrizes para a elaboração do próximo orçamento, está bastante comprometida.

Outro ponto que merece destaque é a questão da política fiscal. As modificações promovidas pelo substitutivo do relator e aprovadas vão no sentido de atender aos interesses do “mercado”, na medida em que endurece critérios que a proposta original propunha flexibilizar e ainda estabelece mecanismos para reduzir os gastos públicos no orçamento de 2012.

Com relação ao superávit primário, apesar de não haver alterações no montante já previsto pelo governo, o Parlamento exclui formas de deduzir valores desse total. Não mais será possível deduzir os pagamentos de restos a pagar do PAC e nem do eventual excesso de meta em 2011. A alegação do relator em seu relatório final é de que caso essas deduções fossem permitidas estaria correndo o risco de que o montante do superávit primário se aproximasse de zero.

Como forma de arrochar mais ainda as despesas o substitutivo prevê para 2012 uma meta de déficit nominal de 0,87% do PIB e que o crescimento das despesas correntes não poderá superar o aumento das despesas com investimentos. É a volta da tese de déficit nominal zero, ou seja, as despesas têm que ser iguais as receitas. A meta estabelecida fica muito próxima desse patamar e é justificada pelo relator como forma de manter a estabilidade econômica e o crescimento sustentado.

A discussão dessa questão de corte dos gastos públicos tem tido repercussão internacional. Diversos países da Europa e os Estados Unidos estão às voltas com aprovação de pacotes pelos seus respectivos parlamentos que reduzem os gastos públicos submetendo suas populações a diminuição de direitos sociais básicos como forma de acalmar mercados e satisfazer os anseios das bancas financeiras. Não é à toa a reação popular a essas medidas que toma as ruas das principais cidades dos países que estão sob essa pressão como forma de protestar contra as medidas exigidas pela banca internacional.

No caso do Brasil, o Parlamento se esquece que foi exatamente os gastos promovidos pelo governo que nos salvaram da crise iniciada em 2008 e que até hoje atinge diversos países. O país conseguiu manter um nível de crescimento razoável, que o livrou de mazelas como o aumento do desemprego e o corte de direitos já conquistados.

O crescente acúmulo de restos a pagar durante os últimos anos mereceu a atenção do relator. Para ele essa situação é decorrente de limites de pagamento em valores inferiores aos fixados para empenho. Para o Inesc é mais uma maneira de adiar pagamentos para fazer caixa para o superávit primário, economia que o governo faz para pagar os juros da dívida. Com isso ações essenciais de políticas importantes são postergados. Depois de se certificar que as despesas inscritas em restos a pagar já tinham atingido a soma exorbitante de R$128,7 bilhões propôs medidas de restrição.

O substitutivo aprovado determina que o Poder Executivo deverá reservar para pagamento de restos a pagar, em 2012, pelo menos 10% do estoque relativos a convênios e contratos de repasse. No encerramento de 2012 o estoque de restos a pagar não poderá superar o existente em 2011. Essas são medidas positivas que buscam controlar esse “orçamento paralelo” que só faz concorrer com as ações previstas na lei orçamentária em exercício, deixando-as para o ano seguinte.

Como foi dito no início, ressaltamos neste artigo somente algumas alterações promovidas pelo Parlamento no PLDO que agora aguarda a sansão presidencial. Para o Inesc esses pontos impactam a execução de ações que garantam direitos e que promovam o investimento em áreas que o país precisa para se desenvolver. A priorização e proteção das iniciativas parlamentares, ou seja, com as emendas, revelam a preocupação muito reduzida com as grandes diretrizes de políticas públicas em prol das suas necessidades paroquiais.

Resta agora aguardar a apreciação da Presidenta Dilma. Se ela vai submeter a administração às amarras propostas pelo Parlamento para conter mais ainda os gastos públicos, ou se vai vetar as propostas de arrocho aprovadas.

Sistema socioeducativo: cultura menorista versus justiça restaurativa

15 de julho de 2011

Por Márcia Acioli

Para falar do sistema socioeducativo, é preciso tratar de muitas outras questões, uma vez que o sistema existe para reparar danos produzidos por uma sociedade violenta e desigual na qual os direitos ainda são privilégios de poucos e a exclusão realidade de muitos.

Não é novidade para ninguém que a exclusão social é uma violência estruturante, na medida em que, a não realização de direitos é violação da dignidade humana. Assim como todos sabem que a exclusão também motiva a violência em contextos de grandes disparidades sociais. Portanto, há que se considerar que a maioria dos/as que estão no circuito da violência e que cumprem uma medida socioeducativa é marcada por uma trajetória de violação de direitos e entrou em contato (mesmo que precariamente), pela primeira vez, com algum serviço de promoção de cidadania somente quando passou a cumprir a medida. Atendimento psicológico, dentário, curso profissionalizante, são exemplos do que é oferecido no momento da internação. Fora do sistema estes são escassos e precários para a maior parte da população jovem.

Antes do envolvimento com atos infracionais, meninos e meninas gritam e pedem socorro. No entanto, o Estado falha e a marginalidade e/ou violência se estabelecem como únicas certezas de vidas sem direitos. Para agravar, o judiciário em todo país, via regra, privilegia a medida de internação, em detrimento das outras medidas, fortalecendo a cultura prisional.

Segundo o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo aos Adolescentes em Conflito com a Lei, realizada em 2010, para cada dois que cumprem uma medida em meio aberto, um está em privação de liberdade. O Distrito Federal é o líder em internação. Quando a média nacional é de 8 adolescentes internos para cada 10.000 adolescentes, o Distrito Federal tem 29. Thelma de Souza, coordenadora geral do Programa do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, no seminário sobre Justiça Juvenil Restaurativa promovido pelo CEDECA – DF, em junho de 2011, destacou que esta cultura tem levado à morte, especialmente jovens negros e pobres.

O promotor público do DF, Anderson Andrade, afirmou, no mesmo evento, que “…se interna muito por atos infracionais não tão graves. Cerca de 25% podem ser considerados graves. Tem muito interno por furto.”

Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que acaba de completar 21 anos, quando trata do ato infracional, avança no estabelecimento de nova lógica. O novo fundamento que rege o tema é mais humano, e, ao considerar a condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram os meninos e as meninas desta faixa etária, privilegia o caráter pedagógico das medidas. O que estava em vigor, até então, o Código de Menores, autorizava arbitrariedades de juízes “bem intencionados” em limpar a cidade dos pequenos marginais – pobres e negros e confinar nas Febem’s – Fundações do Bem Estar do Menor, que de bem estar não oferecia nada.

No entanto, quando não conseguimos mudar o olhar da sociedade sobre o problema, prevalece um sentimento “menorista” que tende a repetir o passado condenando adolescentes a penarem em prisões frias, feias, precárias, sem projetos pedagógicos que lhes ajudem a reformular suas relações com a sociedade. Neste caso, as medidas não são educativas, são prisionais mesmo! O termo socieducativo é eufemismo para a experiência de restrição de liberdade extremamente desumanizantes. São meninos negros, pobres, desprezados, abandonados como escória da sociedade presos sem perspectiva de vida presente, nem futura.

Embora haja esforço coletivo para a construção de mudanças, ainda há muitas denúncias de maus-tratos, de sujeira, alimentação inadequada, espaços impróprios, pouca possibilidade de convivência familiar e comunitária, pouco tempo de banho de sol e falta de atividades de formação e de lazer. Com estas condições as unidades são caracterizadas por alta tensão e os conflitos frequentes. Ainda há casos de confinamento de adolescentes em presídios comuns e delegacias, ferindo todos os artigos da lei que regulamentam o atendimento ao/à adolescente infrator/a.

O grave deste panorama é que nem se resolve a violência praticada pelo/as adolescentes, nem se evita a violência contra os/as adolescentes. O pior é o inadmissível quadro de morte por homicídio de jovens nas instituições. Segundo pesquisa da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – Anced, no período de 2007 a 2010, 63 adolescentes morreram assassinados enquanto estavam sob a tutela do Estado, cumprindo a medida de internação.

Diante do desafio histórico o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase foi criado impulsionado por uma grande mobilização nacional e anos de debate para disciplinar o que já constava no ECA. O Sinase defende o vínculo necessário entre os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento humano, em que o sujeito central é a pessoa e não o Estado.

Em plena sintonia com o ECA e o Sinase, a justiça restaurativa, por sua vez, traz uma esperança para mudar a cultura vigente. Fundamentada no respeito e o cuidado propõe superar a cultura do castigo e da punição, que comprovadamente não tem servido para transformar o quadro indesejável de violência e de violação de direitos. O recrudescimento da punição não faz recuar o delito, haja vista o que acontece nos países de leis mais rigorosas. Para substituir a prática calcada na cultura da punição é preciso trabalhar com a noção de consequência dos atos. A Justiça Restaurativa traz a perspectiva de corresponsabilidade da sociedade como um todo.

Wanderlino Nogueira da Anced destaca a importância do depoimento humanizado, onde os juízes devem se humanizar para ouvir os/as adolescentes. Ressalta ainda, que é necessário que se considere as diversidades que caracterizam os diferentes grupos sociais como a cultural, a étnico racial, de identidade de gênero, de orientação sexual… para a melhor aplicação de alguma medida.

Portanto, há luz no fim do túnel. A realização plena do Sinase, somada à justiça restaurativa, com depoimentos humanizados e mediação de conflitos, traz à tona uma nova possibilidade para o trato com adolescentes que estão no contexto da violência. No entanto, para dar passos mais ousados, é imprescindível fazer investimentos, ter empenho, fazer acordos e pactos nas três esferas (federal, estadual e municipal). Mas, o nosso maior desafio continua sendo instaurar um novo olhar sobre crianças e adolescentes e superar a cultura tão arraigada na sociedade brasileira, em que adolescentes e jovens negros são considerados e tratados como marginais e exterminados fria e sistematicamente.

Consideração sobre o orçamento indigenista federal

07 de julho de 2011

Ricardo Verdum – Antropólogo, assessor de políticas públicas no Instituto de Estudos Socioeconômicos. verdum@inesc.org.br

Este texto pretende ser um breve informe da execução do Orçamento Indigenista do Governo Federal em 2010, inscrito no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011.

Além da dotação orçamentária e dos créditos adicionais que, anualmente, o governo federal disponibiliza ao órgão indigenista via Lei Orçamentária Anual (LOA), à FUNAI é atribuída legalmente a responsabilidade de administrar a renda obtida do Patrimônio Indígena. Pela prestação deste “serviço” aos povos indígenas a FUNAI incorpora ao seu patrimônio o chamado dízimo, ou seja: a décima parte ou o equivalente a 10% da renda líquida anual obtida do Patrimônio Indígena. Mas como não faz parte da nossa tarefa apresentar aqui uma completa descrição da composição desse processo, que foge aos nossos interesses neste momento, voltemos ao assunto principal do texto.

Os programas e as ações do orçamento indigenista

No PPA 2004-2007 os projetos e ações do governo federal destinadas especificamente aos povos indígenas estiveram concentrados em dois programas: (a) Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas e (b) Proteção de Terras Indígenas, Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento.

O primeiro agrupou as ações dos setores saúde indígena (Fundação Nacional de Saúde), educação escolar indígena (Ministério da Educação e Fundação Nacional do Índio) e as de caráter assistencial (Fundação Nacional do Índio e Ministério do Desenvolvimento Agrário). No ano de 2005 foi incluída nesse programa a ação Realização dos Jogos dos Povos Indígenas, sob a responsabilidade do Ministério dos Esportes. No período 2006/2007 esse programa contou com trinta ações, sendo vinte implementadas pela FUNAI/MJ.

No segundo programa foram reunidas as ações de regularização fundiária e proteção das terras e territórios indígenas (Fundação Nacional do Índio), as voltadas para a promoção da gestão sustentável dos territórios e recursos naturais ai existentes e aquelas que se destinavam à geração de alternativas econômicas para as comunidades locais (Fundação Nacional do Índio e Ministério do Meio Ambiente). Esse programa teve no período 2006/2007 doze ações, nove implementadas pela FUNAI/MJ.

No PPA 2008-2011 as ações desses dois programas foram agrupadas no programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas; como no anterior, coube a FUNAI a responsabilidade por articular e coordenar a política indigenista e o conjunto das ações contidas nesse Programa.

O novo PPA é orientado por dez objetivos estratégicos, mas somente em um único objetivo estratégico são mencionados explicitamente os povos indígenas, é o que se destina a “fortalecer a democracia, com igualdade de gênero, raça e etnia, e a cidadania com transparência, diálogo social e garantia dos direitos humanos”. Nos demais nove objetivos estratégicos os direitos dos povos indígenas estão formalmente ausentes. Esse é o caso do objetivo de “implantar uma infraestrutura eficiente e integradora do território nacional”, ao qual estão vinculados 42 programas e onde estão concentradas as ações que mais têm impacto nos territórios e as populações locais. Em nenhum momento é feita referência a necessidade de respeito às territorialidades indígenas e à sua autonomia no tocante aos processos decisórios, numa visível afronta ao disposto na Constituição Federal de 1988, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007). Ao contrário, é afirmado que como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão implementadas medidas destinadas a agilizar e facilitar a implantação de investimentos (públicos e privados) em infraestrutura.
Embora no PPA 2008/2011 seja mencionado, explicitamente, que os povos indígenas são beneficiários de ações em sete programas, somente em três há um orçamento específico, são eles: Educação para a Diversidade Cultural; Saneamento Rural; e Proteção e Promoção dos Povos Indígenas.

O programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas é tão ambicioso quanto genérico no jogo de palavras, a começar pelo objetivo: “garantir aos povos indígenas a manutenção ou recuperação das condições objetivas de reprodução de seus modos de vida e proporcionar-lhes oportunidades de superação das assimetrias observadas em relação à sociedade brasileira em geral”. Considerando a estrutura social e econômica brasileira e a onda desenvolvimentista que inunda o país, acrescidas da assimetria política que caracteriza a relação dos agentes públicos e privados responsáveis pela definição das prioridades governamentais com os povos indígenas, é pequena a nossa expectativa em relação a que possam ser evitados, de forma eficaz e efetiva, os impactos globais decorrentes das inúmeras obras de infraestrutura previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2). Estima-se que o PAC terá impacto em 182 Terras Indígenas, atingindo ao menos 108 povos. O caso Belo Monte é ilustrativo dessa estrutura e conjuntura particulares, onde o problema colonial continua se impondo à nossa atenção, tanto quanto a categoria de colonialismo interno.

A seguir apresentamos um quadro resumido da despesa dos quatro ministérios com dotação orçamentária no programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas. Os números ai apresentados dizem respeito somente às chamadas ações finalísticas, aquelas que proporcionam um bem ou um serviço diretamente aos indígenas . É possível verificar que no período 2008-2010 foi gasto pelo Governo Federal nos quatro ministérios cerca de R$ 1,955 bilhão. Esse valor equivale a aproximadamente 90,49% do que foi autorizado pelo Congresso Nacional para ser gasto nos três anos, o que significa dizer que aproximadamente R$ 205,5 milhões deixaram de ser gastos, retornando ao Tesouro Nacional.

Programa Promoção e Proteção dos Povos Indígenas: O gasto em 2008-2010

Tabela 1 artigo Ricardo Verdum

No caso do Ministério da Saúde/FUNASA não está incluído nos valores acima o recurso da ação de Saneamento básico em aldeias indígenas, que integra o programa Saneamento Básico. No período de 2008-2010 o governo federal orçou para essa ação um investimento total (em valores corrigidos) de R$ 179,506 milhões, mas gastou cerca de R$ 156,349 milhões. A diferença total, R$ 23,157 milhões, retornou ao Tesouro Nacional. No lançamento do PPA 2008-2011 foi anunciada para o período a meta de 1.346 aldeias indígenas com cobertura de abastecimento de água.

Em 2010 a FUNASA deixou de investir na estruturação de unidades de saúde para atendimento da população indígena cerca de R$ 19,357 milhões; também R$ 27,139 milhões previstos para serem utilizados na promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena, e mais R$ 987,8 mil que se destinavam a ação de vigilância e segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas. Todo esse recurso retornou ao Tesouro Nacional, alimentando a meta de superávit do país.

Em decorrência da crescente perda de legitimidade e confiança que se abateu sobre a FUNASA, decorrência das inumeráveis denúncias comprovadas de corrupção e do mau uso dos recursos financeiros destinados a atenção primária à saúde indígena, situação a que se somaram pressões desencadeadas pelos povos indígenas nos diferentes níveis (local, distrital e federal), exigindo a criação de uma Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) no âmbito do Ministério da Saúde, o Governo Federal publicou o Decreto nº 7.336, de 19 de outubro de 2010. Segundo o que estabelece o decreto, o Ministério da Saúde e a própria FUNASA teriam 180 dias para fazer a transição gradual do sistema, “a fim de evitar prejuízos ao atendimento da população”. No dia 19 de abril de 2011, o governo federal publicou decreto prorrogando a transição até 31 de dezembro de 2011.

Reconhecimento e garantia territorial

A Agenda Social dos Povos Indígenas (2008-2010) lançada pelo presidente Lula da Silva em setembro de 2007, havia previsto demarcar 127 Terras Indígenas. Segundo dados levantados junto a FUNAI, foram emitidos nesse período apenas 13 decretos homologatórios do Presidente da República e somente 29 Terras Indígenas obtiveram portaria declaratória do Ministro da Justiça. Ou seja, os números ficaram bastante aquém da meta estabelecida e formalmente anunciado, em 2007, pelo presidente Lula da Silva.

Em 2010, na ação de Demarcação e regularização de terras indígenas, foram gastos apenas 47,51% dos R$ 25 milhões orçados e a ação de Fiscalização de Terras Indígenas não contou nesse ano com qualquer recurso financeiro. Em 2010 houve apenas três (3) homologações e somente dez (10) Terras Indígenas tiveram a portaria declaratória publicada.

Mulheres indígenas

No PPA 2008-2011 as mulheres indígenas não contaram com uma ação orçamentária específica. Por outro lado, foi criada ainda em 2007 uma coordenação específica de mulheres indígenas no âmbito da FUNAI, que contou com recursos suficientes para realizar entre setembro de 2008 e agosto de 2010 treze seminários-oficinas regionais com o tema a violência familiar e doméstica no contexto indígena e a aplicabilidade da Lei Maria da Penha.

Comunidades isoladas

Além da ação de Localização e proteção de povos indígenas isolados ou de recente contato implementada pela FUNAI, que em 2010 contou com um orçamento aprovado de R$ 2 milhões, dos quais foram gastos 90,24%, o Comando da Aeronáutica teve disponível nesse ano um orçamento de R$ 1,5 milhões para a ação de Assistência às comunidades indígenas isoladas em regiões da Fronteira Norte (Calha Norte).

Contribuição ao Instituto Indigenista Interamericano

Nos anos de 2009 e 2010 foi prevista nas respectivas Leis Orçamentárias uma contribuição financeira do governo brasileiro, via Ministério das Relações Exteriores (MRE), ao Instituto Indigenista Interamericano (III), organização vinculada a Organização dos Estados Americanos (OEA). Essa contribuição foi prevista no programa Gestão da Participação em Organismos Internacionais com os seguintes valores: R$ 161.739 em 2009; e R$ 192.951 em 2010. Para ambos os anos consta que o recurso não foi repassado ao Instituto.

Outras ações

Considerados grupo vulnerável e/ ou segmento prioritário de políticas de proteção e inclusão social, os povos indígenas se beneficiaram de outro conjunto de políticas e ações do governo federal. O Ministério das Minas e Energia (MME), por exemplo, informa que o Programa Luz para Todos já beneficiou ao total cerca de 24,4 mil famílias indígenas.

Como parte da Agenda Social dos Povos Indígenas, lançada pelo presidente Lula da Silva em setembro de 2007, o Ministério da Cultura (MinC) estimulou e apoiou a criação de pontos de cultura em aldeias nos territórios indígenas reconhecidos e demarcados pelo Estado. Também foram beneficiadas associações de indígenas que vivem em centros urbanos. A Agenda estabeleceu como meta para o período 2008-2010 implantar 150 pontos de cultura em Terras Indígena. O MinC também criou um sistema de premiação, o Prêmio Culturas Indígenas, voltado a valorizando e revitalização de práticas e expressões culturais dos povos indígenas. Criado pelo MinC em 2006, até dezembro de 2010 foram premiadas 276 comunidades e organizações indígenas.
A Secretaria de Direitos Humanos (SDH/PR) em parceria com a FUNAI incluiu os indígenas na agenda social de registro civil de nascimento e documentação básica (Registro Geral, Cadastro Pessoa Física e Carteira de Trabalho e Previdência Social) como parte da política de inclusão social dos indígenas a partir da documentação civil.
Os indígenas também foram incluídos como beneficiários da principal ação de transferência monetária condicionada (TMC) no país, o Programa Bolsa Família (PBF), iniciado no ano de 2003 e peça-chave na agenda de combate à pobreza do governo federal. Em janeiro de 2011 havia 84.796 famílias indígenas atendidas pelo Programa, sendo 20 mil cadastradas em 2010. Cerca de 48.600 famílias indígenas de 18 estados eram beneficiadas com cestas de alimentos. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) já soma 339 o número de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) que atendem indígenas no país.

Também foi estabelecido como objetivo promover a criação de territórios da cidadania em terras indígenas, começando pelos territórios indígenas no Alto Rio Negro e Vale do Javari, no estado do Amazonas, e Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Não obstante esse conjunto de ações, o I Inquérito Nacional de Saúde dos Povos Indígenas, realizado em 2008-2009 pela FUNASA com recursos do Banco Mundial e executado pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde (ABRASCO), com objetivo de descrever a situação alimentar e nutricional e seus fatores determinantes em crianças indígenas menores de 5 anos e em mulheres indígenas de 14 a 49 anos no Brasil, mostrou um quadro nada promissor em praticamente todas as regiões do país. Os dados e avaliações ali contidas colocam em cheque a necessidade de redirecionar e adequar várias dessas políticas e ações, assim como os Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Comentário final

O ano de 2011 é o último ano do PPA 2008-2011 e o ano de elaboração do PPA 2012-2015. Infelizmente ainda não vemos no interior do movimento indígena organizado ser dado ao assunto a importância que merece. É compreensivo que assim seja, é um assunto complexo, do qual os povos indígenas foram sempre excluídos, que demanda certa dedicação e especialização etc. Por outro lado, ainda que os discursos oficiais recentes estejam repletos de palavras como promoção, participação, autonomia, transparência e outras do gênero, na prática isso ainda não ocorre nem é estimulado quando o assunto é planejar, decidir e controlar o orçamento público.

 

 

 

 

 

 

Trabalhadoras Domésticas de segunda para a primeira categoria

20 de junho

Por Eliana Magalhães Graça

No dia 16 de junho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou a Convenção sobre Direitos dos Trabalhadores Domésticos. No Brasil isso significa tirar as trabalhadoras domésticas da situação de trabalhadoras de segunda categoria para elevá-las a primeira, ou seja, com os mesmos direitos dos demais trabalhadores. A Constituição de 1988 faz uma discriminação clara em seu artigo 7º em termos dos direitos que valem para elas, que são bastante reduzidos. Com isso, para se aplicar essa Convenção no caso brasileiro há que promover mudanças na Constituição.

O governo brasileiro garante que será o primeiro país a ratificá-la, mas para isso, a Convenção terá que passar pelo Parlamento brasileiro e depois adequar essas novas normas a nossa Carta Magna e legislação. Não menos importante será vencer o preconceito e a discriminação que tomam conta da nossa sociedade e até mesmo da mídia. Foi espantoso perceber como os telejornais ressaltaram o fato de que essa nova Convenção poderá levar ao aumento do desemprego e da informalidade na categoria. A conquista de novos direitos sempre atiça essa retórica conservadora. Quando se instituiu o seguro desemprego (facultativo) foi a mesma conversa e, no entanto, o emprego na categoria teve um aumento de 600 mil de 2008 para cá.

No país o trabalho doméstico absorve 20% da população economicamente ativa feminina. Desse porcentual mais de 60% são mulheres negras. Em termos absolutos a categoria hoje congrega mais de 7,5 milhões de pessoas. Somente 10% desse total possuem carteira assinada, ou seja, a grande maioria está na informalidade, o que resulta em um salário médio inferior ao salário mínimo. Como se vê, é uma discriminação cruzada de gênero e raça que relembra os tempos da senzala.

As estudiosas feministas apontam para a importância desse trabalho doméstico remunerado para liberar as mulheres que podem pagá-lo, para enfrentar o mercado de trabalho, deixando suas casas e filhos aos cuidados dessas valorosas profissionais, tão desvalorizadas. Isto porque o Estado não cumpre seu papel de oferecer equipamentos sociais para apoiar as tarefas do cuidado e da reprodução.

Não resta a menor dúvida da conquista histórica que representa essa nova Convenção da OIT. Há que se superar várias barreiras para que se efetivem todos os direitos previstos nela. Inclusive a questão da fiscalização que no Brasil encontra na inviolabilidade dos lares a maior dificuldade. Com isso a discriminação e o preconceito nas relações de trabalho dentro das casas são crescentes, chegam até a registrar casos de abusos sexuais. A essa dificuldade de fiscalização se deve também a falta de controle sobre o trabalho doméstico infantil de meninas, que existe na sua pior forma principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Adquire uma característica de super exploração de trabalho infantil, cujo controle e erradicação são enfaticamente defendidos na Convenção.

Ratificar a Convenção é urgente e vencer os desafios que se colocam em conseqüência é uma luta que as trabalhadoras domésticas organizadas saberão enfrentar. Essa será mais uma batalha para libertá-las da senzala em que muitas ainda se encontram.

Direitos interdependentes e políticas públicas articuladas

13 de junho de 2011

A criança aprende e interage com o seu meio sem reparar que cada fração de segundo qualifica o seu estar e o seu vir a ser. Tudo compõe sua existência e escreve a sua história. Por isso brincar é tão importante e é um dos direitos que mais deveria ser levado a sério pelos “não-criança”. Criança feliz se relaciona com outras crianças, imagina, canta, corre, conta histórias, tenta desvendar os mistérios do mundo…

No seu artigo 4º o Estatuto da Criança e do Adolescente diz “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Este talvez seja o texto que resume paradigma da ‘Proteção Integral’, a ideia central da lei, que recupera a perspectiva de vida plena e indivisível. A proteção integral é “como proteção todo tempo, em todo lugar, por todo mundo”, como definiu Adriana, uma adolescente que faz parte do projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos do Inesc.

O artigo 4º também evidencia a interdependência dos direitos, ou seja, a ideia de que direito leva a outro e depende de um outro. A interdependência e a indivisibilidade desenham uma complexa rede. Não há como se ter saúde se não há alimentação adequada, assim como sem saúde o rendimento na escola fica comprometido… E que, nesta ciranda, não é admissível um ficar de fora. Ou seja, todos os direitos valem para todas as pessoas. Esta é a dimensão da universalidade dos direitos humanos.

Assim como os direitos são interdependentes e a realização de um implica na realização de outros, a falta de um direito também tem como consequência uma série de outras violações. Quando a criança é obrigada a trabalhar para ajudar no sustento da família, imediatamente ela fica menos disponível para brincar, estudar, fazer esporte ou mesmo, para imaginar… Além de muitas vezes ser lesada fisicamente, ela perde um tempo que não volta e a infância escoa ralo abaixo.

Todos os direitos são igualmente importantes, embora haja os que pensam que somente saúde e educação resolva tudo. Olhando assim, e compreendendo a necessária interação entre os direitos para se promover uma vida protegida, a articulação das políticas públicas é condição necessária para o planejamento e a execução de ações que não permitam lacunas entre um direito e outro. A concretização dos direitos depende de um modo de governar que não permite brechas entre uma política e outra. Quando uma política não é universalizada ou quando as políticas públicas são fragmentadas os direitos pingam como num conta-gotas e não se efetiva a proteção integral.

Algumas políticas públicas tem sido concebidas à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas ainda tateiam uma possibilidade de articulação. A educação e a saúde têm dialogado bem, mas estamos ainda engatinhando no processo. Portanto, para analisar a situação da infância que trabalha é preciso observar quais foram todos os direitos que não se realizaram a tempo para garantir um desenvolvimento pleno, saudável e feliz de cada criança que precisa buscar a própria sobrevivência e a de sua família. Esta articulação deve ser dinâmica, em movimento permanente, observando os papéis de cada ponto da rede.

Os conselhos de direitos e de políticas públicas em diálogo com as Conferências Nacionais de Direitos e de Políticas Públicas têm elementos suficientes para subsidiar a superação da cultura que se contenta com os limites de cada pasta. As resoluções e recomendações das conferências podem contribuir para a construção de uma verdadeira intersetorialidade. Neste sentido, há que se perceber e levar em consideração que a criança não é um ser autônomo, flutuante no espaço. Ela existe em uma comunidade e em uma família. Portanto para que ela viva o seu direito é preciso que todo o contexto se transforme.

Como todos sabem, não basta desenhar uma política em rede sem que haja uma real priorização expressa no orçamento público. Além da previsão de recursos é necessária a aplicação exemplar nas ações previstas nesta articulação; ou seja, que o dinheiro planejado para cada ação deve ser de fato liquidado a tempo. Parece óbvio, mas não é o que acontece. No primeiro ano de mandato da presidenta Dilma, por exemplo, foram contingenciados recursos da área social, colocando em risco milhares de ações garantidoras de direitos.

Portanto, dois importantes desafios para se acabar com o trabalho infantil no Brasil são: garantir que crianças e adolescentes sejam de fato prioridades absolutas e que as políticas voltadas para a realização de seus direitos tenham mesmo uma destinação privilegiada de recursos, como preconiza o ECA.

Os programas de governo que enfrentam a pobreza e a miséria, especialmente os de transferência de renda mudaram já bastante o panorama nacional, mas não foram suficientes para eliminar o trabalho infantil. São muitos os desafios a serem superados. O mais importante é que o esforço coletivo seja no sentido de compreender as múltiplas causas do trabalho infantil e de apresentar respostas articuladas para que todas as crianças cumpram sua tarefa mais importante: a de ser feliz, e sendo feliz, mude a sua realidade e a do país

 

Clique para ler matéria do Inesc sobre o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil

Escolas Públicas em diferentes planetas do Distrito Federal

Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc

A Secretaria de Educação do Distrito Federal é capaz de oferecer educação de qualidade, com bons critérios, cuidados pedagógicos, prédios decentes, Centros Integrados de Língua e Escolas Parques… Paralelo a este quadro, muitas escolas estão sucateadas, no corpo e na alma. Parecem escolas em diferentes planetas. Escolas depredadas e alquebradas convivem com escolas de qualidade reconhecidas pela comunidade e pelas avaliações do Ministério da Educação. O grande problema é que a qualidade não está, nem de longe, universalizada.

Geralmente as escolas alquebradas são para as crianças e adolescentes pobres de periferias, filhos e filhas de famílias com baixíssima escolaridade; filhos e filhas de pais que têm trabalho precário e pouca disponibilidade para participar dos espaços de socialização de seus filhos. As escolas que oferecem educação de qualidade são mais democráticas e atendem a uma diversidade maior.

Quanto mais escolarizada a família, mais exigente se torna e cobra mais respostas da escola. Pais procuram a mídia para denunciar a falta de professores, reclamam das posturas dos profissionais da educação que eventualmente desrespeitam seus filhos, cobram da Secretaria de Educação reformas que garantam acessibilidade, fazem campanhas para as bibliotecas, participam e se mobilizam. O clima conspira pela qualidade, mesmo que haja conflitos, o que é esperado numa convivência democrática.

No entanto, as escolas não podem ficar à mercê da participação da comunidade, mesmo que a participação seja essencial. É preciso levar em conta a responsabilidade da Secretaria de Educação em garantir que a qualidade da educação seja a mesma de norte a sul do Distrito Federal, respeitando os diferentes interesses de suas respectivas comunidades.

Em 2008, ao estudar o Quadro de Detalhamento de Despesas do GDF, os/as alunos do CED 04, participantes do projeto do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Adolescentes em Movimento pelos Direitos, observaram que dois milhões de reais destinados à reforma da escola não foram aplicados.

Escola negligente (ou abandonada) não é um espaço educativo e pode se tornar um barril de pólvoras. Consequência disso são reações de alunos/as insatisfeitos/as, não educados/as que, denunciam o sucateamento com os seus comportamentos “rebeldes e inconsequentes”. Os alunos são só meninos e meninas que, ao aportar num estabelecimento de abandono se veem provocados no cenário de insatisfações múltiplas. E a escola, que deveria ser um fórum permanente de reflexão, se torna palco de conflitos violentos. Neste caso, o conflito deve ser objeto de preocupação pedagógica, e motivar, mais ainda, uma elaboração coletiva sobre o seu papel e o de cada sujeito que dela participa.

Quando a opção para a resolução do conflito é transferência de alunos, está-se simplificando o problema, não se chega ao cerne da questão, não se resolve conflitos. Apenas se marginaliza ainda mais, adolescentes já sem oportunidades, que reagem à negligência que os afeta como sabem e como podem.

A simples transferência de “alunos-problema” é uma declaração de incompetência da política de educação e revela um preconceito profundo contra moradores da periferia. Além de não contribuir em nada para a construção de uma educação de qualidade, inclusiva e universal, esta decisão aponta, mais uma vez para os alunos como únicos responsáveis pelo desastre em que se encontra a sua escola. Não ajuda a escola a se repensar, nem a Secretaria de Educação para refletir sobre sua responsabilidade.

Temos visto no GDF pipocar problemas, especialmente em áreas de grande exclusão social. Quando não há escola na comunidade, meninos e meninas que são obrigados/as a se deslocar para uma escola distante são estigmatizados e com isso, apontados a priori como os sujeitos problema. Em 2007, meninos e meninas da Estrutural diziam que era difícil dizer de onde vinham, pois, embora fossem a maioria na escola, seus colegas reagiam com preconceito.

Em 2010, ex-alunos do Ced 04, junto com o Inesc elaboraram uma Emenda ao Orçamento Público do GDF para a construção de uma grande escola de Ensino Médio na Estrutural. Esta escola teria auditório, quadras cobertas para a prática de esporte, laboratórios de ciências e de línguas. A ideia dos jovens era levar para aquela comunidade, um estabelecimento de educação que somaria outros equipamentos à comunidade que lhes garantiriam cidadania. A escola poderia ser aberta aos finais de semana para apresentação de teatro, realização de cine-clube ou mesmo, para a organização de torneios esportivos. Infelizmente a emenda não foi acatada e a Estrutural permanece no caos social, com a juventude ociosa sem acesso aos seus direitos.

No Brasil reina a cultura de esperar o caldo entornar para que as autoridades percebam o que está diante de seus olhos. A questão é que as consequências desastrosas de uma explosão podem ser irreversíveis.

O que importa hoje é que o direito à educação de qualidade é igual para todos, e que a comunidade e as famílias, somente elas, deveriam ter a liberdade e a possibilidade de escolher onde seus filhos devem estudar para viver plena e radicalmente o direito à melhor educação.

Para refletir melhor e construir soluções que sejam sérias e consequentes, acreditamos que é chegada a hora de o GDF, o Ministério Público, o movimento estudantil e comunidade promover audiências públicas sobre o Ensino Médio levando-se em conta todas as vozes dos que o integram.

Nova metodologia do PPA causa desconforto nos Ministérios

Edélcio Vigna, assessor do Inesc e cientista Político

A alteração na metodologia de elaboração do Plano Plurianual (PPA 2012/2015) proposta pelo Ministério do Planejamento deverá provocar um desconforto generalizado junto às arenas decisórias dos ministérios. Pode-se adiantar que este incômodo alcançará, também, o Congresso Nacional e o Tribunal de Contas cujas estruturas estão organizadas para avaliar e monitorar as políticas públicas a partir dos ministérios ou dos programas específicos.

A necessidade de uma nova proposta que considerasse a transversalidade necessária para equação de algumas demandas já vinha sendo debatida em algumas organizações sociais. A proposta de reorganizar a estrutura estamental de gestão que rompesse a ideia de cada programa ser construído a partir de um problema a ser resolvido, que não partissem das demandas historicamente dadas. Mas, de um plano estratégico para resolver os macrodesafios que se apresentam como impeditivos ao avanço econômico, tecnológico, cultural, social e ambiental do país de acordo com a visão estratégica governamental.

O governo deverá agregar em 60 programas temáticos as ações dos 360 programas atuais. A proposta é que cada tema (Agricultura Familiar, Educação Básica, Igualdade de Gênero, Igualdade Racial, Mudanças Climáticas, Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, Promoção de Direitos Humanos, Promoção e Acesso à Cultura, Promoção e Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas, Reforma Agrária, Segurança Alimentar, Segurança Pública – só para ficar nos temas que o Inesc incide) reúna as iniciativas (ações orçamentárias) para responder ao desafio que é expresso em cada tema.

A intenção do governo é que os desafios exequíveis expressos no redesenho do PPA/2012-2015, associados ao objetivo (o que deve ser feito) e realizado pela iniciativa (ações), garanta uma resposta eficaz e eficiente. As diversas instâncias de cada ministério estão trabalhando exaustivamente, pois daqui a quatro semanas, deverão apresentar resultados que serão consolidados em programas temáticos. O PPA deve ser entregue ao Congresso Nacional no dia 31 de agosto.

Para compreender o incômodo dos ministérios é importante relembrar que desde a criação da república os ministérios foram criados a partir das demandas das elites econômicas e das necessidades estratégicas do governo. Em 1860, D. Pedro II por pressão das necessidades da classe cafeicultora paulista criou a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que foi se transformando até 2001 quando, para atender as necessidades do agronegócio, recebeu o nome atual de Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por exemplo.

O novo PPA busca desconstruir a imagem de o ministério ser um mero agregado de ações e transformá-lo em um instrumento que servirá aos programas temáticos que serão constituídos por um conjunto de políticas públicas. Um dos grandes desafios que o PPA deverá enfrentar será responder à realização de alguns direitos que para ser efetivado necessita de que diversas políticas públicas sejam executadas simultaneamente atribuindo-lhe um caráter intersetorial. Ou seja, exige a ação de mais de um ministério para ser efetivado. Por exemplo, a igualdade de gênero e raça, direito a alimentação, entre outros.

Os gestores do Ministério do Planejamento avaliam que este novo desenho vai possibilitar um monitoramento orçamentário mais efetivo por parte das organizações da sociedade civil. Entre os princípios que regem o modelo do PPA 2012-2015, está o da participação social ao lado da incorporação da dimensão territorial e estabelecimento de parcerias. Um dos argumentos que reafirma o princípio da participação é que a sociedade deixará de monitorar 360 programas para se concentrar em apenas 60. A maioria das ações que compõe os atuais programas continuará sendo executadas, mas agora vinculada a um objetivo temático.

A atual proposta deverá enfrenta a reação da burocracia tradicionalista. O lócus de poder de cada ministério será, de certa forma, questionado. A grande provocação dos que se identificam com esse perfil conservador de poder será adaptar-se ao trabalho em equipe para atingir um objetivo. Parece-nos, que o novo está na desterritorialização de cada gestor para colocá-lo em um ambiente global.

Racismo e truculência policial

Racismo e truculência policial

* Por Márcia Acioli

O Brasil inteiro pode assistir pela televisão as crudelíssimas cenas em que um policial, ao abordar um garoto, lhe arranca uma corrente do pescoço e dispara 4 ou 5 tiros a queima roupa. Como se não bastasse, o obriga a caminhar até a viatura. Após perder muito sangue, o menino cai antes de entrar no carro. Com muita sorte o garoto sobreviveu e foi inserido no programa de proteção a testemunhas. Este episódio aconteceu no dia 17 de agosto de 2010. O policial justificou seu comportamento dizendo que o menino estava armado e o recebeu com violência. No entanto, além de desarmado e acuado contra o muro, a truculência só findou quando outro policial impôs limite com um tiro para o alto. Todos vimos.

Em 26 de julho de 2010, um garoto é morto a queima roupa por policiais em Fortaleza na garupa da moto do pai. Segundo os policiais, foi uma abordagem trágica. O pai não parou e o policial não hesitou. Com um tiro na cabeça o garoto com 14 anos perde a vida.

No dia 22 de setembro de 2010 outro adolescente de 17 anos morreu após levar um tiro em frente à sua escola por um disparo de uma policial militar na tarde de quarta-feira, 22, em M’Boi Mirim, São Paulo. A policial alega que foi um tiro acidental.

O estudante negro Helder Souza Santos no dia 06 de fevereiro de 2011 em Jaguarão / RS foi abordado de forma truculenta por policiais militares para uma revista. Ao questionar o procedimento o estudante foi agredido, jogado no chão e algemado com ofensas racistas.

Como estes adolescentes de periferia (ou não), pobres e negros, outros milhares perdem a vida no encontro com quem tem como ofício garantir a segurança. Embora muitos casos ocorram na surdina o processo de extermínio prossegue incessantemente. Essa questão não pode ser tratado como coincidência, nem obra do acaso. A repetição deste padrão reflete um modus operandi da segurança pública do país e reflete o que se conhece como racismo institucional”, a estigmatização pelos agentes públicos de determinados segmentos da população com base cor da pele ou outra característica étnico-racial.

A violência policial não é esporádica, eventual, nem local (tem dimensão nacional), mas tem direção certa. A vítimas da truculência da polícia são, via de regra, jovens negros, pobres e moradores de áreas de baixo acesso a políticas públicas. Portanto, a violência policial é um comportamento pautado por uma lógica institucional que efetivamente instiga e produz mais violência.

Cabe tentar compreender o fio que tece o pano de fundo desta política. O problema não pode ser analisado de forma simplista considerando apenas os maus profissionais, embora este seja um problema igualmente grave. A frequência elevadíssima de fatos como esses é suficiente para compreendermos que não é obra isolada da chamada banda podre da polícia, mas fruto de uma corporação não preparada para atuar em consonância com os direitos humanos. Acontece que além da incapacidade de oferecer à população uma política de ações estratégicas e coordenadas para defender e proteger a sociedade da violência, a polícia adota “comportamentos discriminatórios e estereótipos racistas que acarreta desvantagem de grupos raciais a benefícios gerados pela ação do Estado e que deveriam ser universais”1 . O “elemento suspeito”2 , o potencial agressor, a promíscua, a vadia são invariavelmente pessoas de cor negra. Basta olhar nossas instituições de internação, seja de adolescentes, seja de adultos, para reparar o caráter de navio negreiro de cada presídio.

E é espantoso o que a incrível habilidade dos discursos das forças dominantes é capaz de produzir. Apesar da violência letal que afeta a juventude negra, é justamente ela apontada como maior responsável pela violência urbana. E quem ousa levantar a voz em reação é condenado a enfrentar pessoas enraivecidas que insiste em nos chamar de defensores de bandidos.

O problema então exige como resposta mais do que capacitações, mas uma nova política que seja capaz de zelar pela paz, proteger e promover a segurança para todos os cidadãos e cidadãs com igual deferência, sem discriminações, sem preconceitos.

 

* Márcia Acioli é assessora política do Inesc

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1 Segurança Pública e Cidadania, uma análise orçamentária do Pronasci, Inesc 2010.
2 Referencia ao livro “Elemento Suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro”, de Sílvia Ramos e Leonarda Musumeci.

Reforma Agrária é atingida pelo corte orçamentário

Edélcio Vigna e Lucídio Bicalho, assessores políticos do Inesc

A Presidenta Dilma encaminhou ao Congresso Nacional uma “Nota – Redução de Despesas”, na qual faz análise da realização e projeção das receitas e despesas até o final do ano, informando a decisão de reduzir as despesas primárias do Governo em R$ 50,1 bilhões.

É sintomático que no dia seguinte do anuncio do corte orçamentário o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, decidiu elevar, pela segunda vez, a taxa básica de juros para 11,75% ao ano. Dessa forma, a mídia dividirá suas manchetes entre os dois fatos e fragmentará o alvo das críticas. Esta estratégia deu certo, pois as chamadas dos telenoticiários ou da mídia impressa estes dois anúncios dividem espaço.
Sobre estes cortes há um debate no Congresso Nacional entre os partidos de oposição e de situação, onde os primeiros culpam os gastos com a campanha presidencial e entendem que grande parte dos R$ 50 bilhões faz parte da fatura. A situação, base parlamentar do governo, justifica que o corte é necessário para manter a economia equilibrada, por meio do controle da inflação, da dificuldade da ampliação do crédito e da possibilidade de um crescimento sustentado do PIB (Produto Interno Bruto). Outra linha de interpretação relaciona o corte à necessidade de o governo garantir os recursos necessários para saldar os juros e os serviços da dívida pública. Nesta direção se observa que a previsão da taxa de superávit primário deverá permanecer em 3,1% do PIB em 2011. Entre estas diversas interpretações, os programas efetivadores de políticas públicas sociais, que garantem direitos, vão sofrer um rebaixamento em suas eficiências.

De acordo com a Nota, a decisão de reduzir as despesas foi realizada e orientada para a preservação dos investimentos prioritários. O documento informa, também, que os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e dos principais programas sociais foram integralmente preservados. Há nesta afirmação uma contradição, pois muitos ministérios que administram programas sociais foram atingidos. A Educação perdeu R$ 3 bilhões; Esporte, R$ 1,5 bilhão; Saúde, R$ 570 milhões; Meio Ambiente, R$ 390 milhões; Pesca e Aquicultura, R$ 310 milhões; Desenvolvimento Social e Combate à Fome, R$ 23 milhões, entre outros.

Em relação ao corte de R$ 50,1 bilhões, R$ 15,8 bilhões serão retirados das despesas com Pessoal e Encargos Sociais, Abono Salarial, Seguro-desemprego, Previdência Social e Subsídios. Os outros R$ 36,2 bilhões serão reduzidos das despesas discricionárias (despesa discricionária é tudo que sobra excluída as transferências, as despesas com pessoal e Previdência) por órgãos e unidades orçamentárias.

Corte na Reforma Agrária

De acordo com a Nota do Governo, o Congresso Nacional aprovou R$ 3,3 bilhões para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o governo fez um corte de R$ 929 milhões, que representa 28,4% do total. Sendo assim, o MDA ficou com uma previsão orçamentária de R$ 2,3 bilhões. Estes valores se referem apenas as despesas discricionárias, sendo assim neste cálculo não entram as despesas com transferências, às despesas com pessoal e Previdência.

O orçamento do MDA para 2011, considerando todas as modalidades de despesas, sofreu algumas alterações durante o processo legislativo. O projeto do governo para o MDA era de R$ 4,3 bilhões e foram sancionados R$ 4,4 bilhões, havendo um aumento de R$ 147,7 milhões em relação ao projeto proposta para 2011. Considerando que a execução orçamentária é um processo contínuo, apesar do principio da na anualidade, o Ministério inscreveu um montante de recursos de restos a pagar da ordem de R$ 1.079 bilhão, mas não os processou jogando sua execução para 2011. Considerando o corte de R$ 929 milhões e o resto a pagar, ainda há um crédito de R$ 149,9 milhões.

Mesmo assim, não se pode avaliar que o MDA tem um orçamento suficiente para atender a demanda que lhe é constitucionalmente imposta. Primeiro porque o orçamento do MDA sofreu uma queda de recursos da ordem de R$ 655,2 milhões em relação ao orçamento de 2010. Os recursos autorizados pelo Congresso Nacional em 2010 foram de R$ 5,1 bilhões e para 2011, R$ 4,5 bilhões.

Como corte é transversal a todos os ministério é a equipe ministerial que vai determinar em que programas se darão os cortes e em que proporção. Assim, não se pode determinar que ações específicas vão sofrer diminuição de recursos. Sabe-se que se o governo, de fato, priorizasse a reforma agrária e a agricultura familiar/camponesa como base para um desenvolvimento sustentável teria que dobrar os investimentos nas políticas de democratização da terra para que esta se tornasse produtora de alimentos, gerasse produtos e bens ambientais.

O corte de recursos para a reforma agrária pode sinalizar aos ruralistas e grileiros de terras que o governo está rifando a questão agrária como seu objeto de preocupação e dá sinais de que desconhece o potencial das políticas publicas de acesso a terra. Neste sentido, há uma incongruência entre a disposição do governo em erradicar a pobreza e não garantir a segurança alimentar do país. Para que isso ocorra o governo tem que aumentar os recursos e a infraestrutura que sirva à agricultura familiar e aos assentamentos de reforma agrária.

Há uma demanda reprimida de 250 mil famílias acampadas esperando serem assentadas. De acordo com os cálculos (desapropriação, créditos iniciais, entre outros procedimentos) para assentar uma família custa cerca de R$ 30 mil. Dessa forma, o Estado teria que disponibilizar um montante de recursos de R$ 7,5 bilhões para resolver essa demanda imediata. Este montante representa apenas 6,4% dos recursos disponibilizados para pagamento dos juros e serviços da divida pública (R$ 117,9 bilhões). Com esta atitude o governo demonstraria sua força para resolver a questão da concentração fundiária sob o principio do direito de acesso a terra e da justiça social.
A reforma agrária não é considerada uma política central no atual modelo de desenvolvimento. Os setores conservadores, dentro e fora do governo, alimentando-se desta avaliação equivocada propagam que a questão fundiária é anacrônica e os recursos a serem investidos são muito altos em relação aos benefícios. Porém, não se escandalizam quando o governo corta recursos das políticas sociais para garantir R$ 117,9 bilhões para pagar os juros e serviços da dívida pública em 2011.

Como disse o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, pesquisador e professor de pós-graduação da USP, o que se faz “é colonização e não reforma agrária, uma vez que não altera a estrutura fundiária”. O professor Bernardo Mançano, da Unesp, avalia que o governo Lula “transferiu para o futuro o problema da concentração da propriedade rural”. Pelo que estamos vendo o governo da presidenta Dilma segue o mesmo caminho.

O retorno da Reforma Política

José Antonio Moroni e Ana Claudia Teixeira*

Em 2010, tivemos eleições presidenciais para governador/a, deputados/as e senadores/as, e não se teve uma renovação significativa do espectro político do Congresso Nacional e dos executivos. A maior novidade foi a eleição de uma mulher para a presidência. O índice de renovação no Congresso Nacional ficou em torno de 50%, igual em eleições anteriores. É que, com exceção de algumas poucas modificações na legislação, nenhuma Reforma Política significativa ocorreu nos últimos quatro anos, que pudesse favorecer mudanças no perfil dos/as políticos/as brasileiros/as e nas formas de se pensar e fazer política.

Como, pela atual legislação, qualquer modificação nas regras eleitorais passa necessariamente pelo Congresso Nacional é bom que se tenha em conta o que pensam os atuais parlamentares sobre ela. Pesquisa publicada pelo Inesc, recentemente, aponta os principais motivos pelos quais esta reforma não emplaca. Para a grande maioria dos parlamentares, “não se deve mudar o sistema político”, “não se pode pensar em mecanismos que possibilitem a representação de segmentos nunca representados ou sub-representados” (por exemplo, população indígena, população negra, mulheres, homo-afetivos e favelados), “a democracia direta é inviável”. O que parece os unir é somente o conservadorismo. Neste contexto, como pensar uma reforma política que enfrente a questão das formas de se exercer o poder e seus mecanismos de controle? Afinal, quem no Brasil tem o poder de exercer o poder?

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político tem defendido arduamente que uma mudança no sistema político seria uma das melhores maneiras de enfrentar vários males da nossa democracia, como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. Este conjunto de valores e práticas que perpassam instituições políticas/públicas e a sociedade são as bases para a corrupção.

A referida plataforma, construída desde 2004 por um conjunto de movimentos sociais e organizações da sociedade civil brasileira é estruturada em cinco grandes eixos: fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia representativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e da comunicação e a transparência e democratização do judiciário. A plataforma entende que este conjunto de eixos, com suas propostas, articulados, é capaz de contribuir para uma nova cultura política nas instituições políticas/públicas e na própria sociedade. Esta nova cultura política deverá ter como base os princípios da igualdade, diversidade, justiça, liberdade, participação, transparência e controle social. Vale ressaltar ainda que uma base importante para esta nova cultura política é a construção de um Estado realmente público, democrático e laico.

Para chegarmos a isso, precisamos enfrentar, com radicalidade, a questão da corrupção. Quando falamos em corrupção, estamos falando de uma forma de fazer política baseada no uso do poder político para a manutenção de interesses privados e particulares e, ao mesmo tempo, interesses privados e particulares assaltando os espaços públicos e de poder. Num círculo vicioso que não tem permitido uma renovação significativa dos quadros políticos brasileiros. Utiliza-se deste expediente para manter-se imune às punições legais existentes e manter-se no poder. Assim a corrupção alimenta o poder e o poder alimenta a corrupção.

A corrupção no nosso país não é apenas monetária/financeira, mas é principalmente o uso do poder político para interesses privados e particulares (aqui incluído o desejo de permanecer sempre em cargos eletivos). Para isso, mudam-se as regras do jogo eleitoral a bel prazer de quem está no poder. Vide o processo que permitiu a reeleição. O maior roubo da corrupção é o roubo do poder de decisão do povo, que não tem nenhum mecanismo de revogação de mandato ou de controle do processo decisório, por exemplo, a não ser o limitado processo eleitoral onde o que mais se conta são as estratégias de marketing dos/as candidatos/as e os recursos financeiros que se tem (muitos oriundos do Caixa 2 dos doadores, fruto da sonegação ou corrupção). Este processo cria, como muito bem definiu o professor e jurista Fabio Konder Comparato, uma “democracia sem povo”.

Nos últimos anos a sociedade brasileira criou alguns mecanismos e tentativas de controle social sobre a ação do Estado. Graças a estes mecanismos (sejam os institucionais como os conselhos, sejam as organizações que monitoram o orçamento público de forma autônoma) e à democracia – mesmo que formal – que os casos de corrupção estão sendo denunciados.

Entretanto, este processo é paradoxal, pois promove a sensação de que o Brasil é mais corrupto na democracia do que na ditadura. Sensação falsa, pois na ditadura não havia liberdade de denúncia, portanto pouco sabemos sobre este período da história brasileira. Algumas forças políticas ainda defendem que para enfrentar a corrupção somente uma ditadura. Mas a história tem mostrado que o contrário é mais verdadeiro. Só enfrentamos a corrupção com a radicalização da democracia e a construção de um poder democrático. Não uma democracia que se estruture apenas na representação (via processo eleitoral e partidos). Mas sim uma democracia que conjugue a questão da representação, com a democracia direta e a participativa.

A democracia direta é o direito que a população tem de decidir sobre as grandes questões que afetam a sua vida, portanto a democracia direta desloca o centro do poder decisório das instituições oriundas dos processos eleitorais para a participação popular. Neste sentido, a política deixa de ser monopólio exclusivo dos detentores de mandatos e dos partidos e passa a ser do conjunto da sociedade.

Para chegarmos a isso, precisamos de uma nova regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal, que define as formas de manifestação da soberania popular (plebiscito, referendo e iniciativa popular). A atual regulamentação, feita pela Lei 9.709, de 1998, não só restringe a participação, como a dificulta. Por exemplo, só o legislativo pode convocar referendo e plebiscito. Sendo assim um mecanismo de democracia direta precisa passar pelo aval do parlamento (democracia representativa) para ser exercido. Sem falar na exagerada burocracia para poder apresentar propostas de leis de iniciativas populares.

Além disso, precisamos criar novos mecanismos de participação direta, por exemplo, o veto popular. Devemos criar um sistema de democracia direta, conjugado com os instrumentos e mecanismos representativos e participativos.

Em 2009 um conjunto de organizações, entre elas a Plataforma, a ABONG, a OAB, a CNBB, o INESC, a AMB, com apoio da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, apresentaram uma proposta de lei na Comissão de Participação Legislativa de nova regulamentação do art. 14 da Constituição Federal.

Entre estas propostas, destacamos:

a) a simplificação do processo e a garantia da sua convocação: utilização das urnas eletrônicas para a iniciativa popular; a aceitação de qualquer documento expedido por órgão público oficial com foto como comprovante para assinatura de adesão (hoje só pode ser com título de eleitor); e que os referendos e plebiscitos possam ser convocados pela própria população.
b) Que seja prevista a convocação obrigatória de plebiscitos, referendos e outras formas de consultas para os principais temas nacionais, como por exemplo, tamanho da propriedade da terra, emissão de títulos públicos que representem parcela significativa do PIB, privatização de bens e empresas públicas, acordos internacionais com instituições financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc.) acordos de livre comércio, criação ou fusão de municípios e estados, grandes obras com forte impacto socioambiental, mudanças nas leis eleitorais, entre outros temas.
c) precedência de votação por parte do Legislativo dos projetos que venham de leis de iniciativa popular.
Por democracia participativa entendemos a participação, via organizações e movimentos sociais, nas definições das políticas públicas, inclusive nas econômicas e não apenas nas chamadas políticas sociais. É uma participação que se dá via organizações da sociedade civil autônomas e independentes do Estado e dos partidos. Uma das manifestações desta forma democrática são os conselhos e conferências criados, principalmente, depois da Constituição Federal de 1988. Apesar da proliferação de espaços participativos como estes em todo o Brasil e sobre quase todas as políticas públicas, precisamos criar um sistema de participação que rompa com atual fragmentação dos espaços participativos. Além disso, estes espaços precisam ser autônomos (e não apenas homologadores de decisões já tomadas pelo executivo), ter caráter deliberativo e laico, a sociedade organizada de fato deve escolher seus representantes, o orçamento público de cada política deve ser acompanhado e deliberado por estes espaços, e eles precisam se constituir em espaços de partilha de poder e não um faz de conta da participação.

Para isso, destacamos algumas propostas:

a)Criação de espaços de democracia participativa nos poderes Legislativos e Judiciário, incluindo o Ministério Público, e não apenas no Executivo.
b)Criação de mecanismos de participação, deliberação e controle social nas políticas econômicas, de desenvolvimento e no orçamento público.
c)Criação de mecanismos de diálogos e de interlocução dos diferentes espaços já existentes de participação e controle social.
Por fim, no que se refere à democracia representativa precisamos fazer uma reforma eleitoral (que o senso comum tem chamado de reforma política) que mude completamente a forma de escolha dos/as nossos/as representantes (vereadores/as, deputados/as, prefeitos/as, senadores/as, governadores/as, presidente). A representação não pode ser um “cheque em branco” onde só temos o direito em votar a cada quatro anos e nada mais. Pelas regras atuais não temos controle nenhum sobre a representação. Não é à toa que boa parte dos escândalos de corrupção dos últimos anos estão associados à democracia representativa, ou mais precisamente, ao chamado “Caixa 2” para manter este sistema.
Para alterar a democracia representativa, destacamos algumas propostas, tais como:
a)Financiamento público exclusivo de campanha. Recurso privado não pode financiar a política. Este é um dos maiores fatores de corrupção no Brasil. Precisamos instituir um sistema de financiamento público de campanhas, com regras rígidas de controle, fiscalização e punição para quem descumprir. O financiamento público também enfrentaria outra questão importante para a democracia que é a busca da igualdade de condições econômicas nos processos eleitorais.
b)Votação em listas pré-ordenadas. Um dos problemas do atual sistema é a distorção na representação. Parcelas da população não estão representadas ou estão sub-representadas, como é o caso das mulheres, população indígena, negra, etc. Não construiremos democracia no Brasil mantendo no poder apenas um rosto “masculino, branco etc”.
c)Criação de uma comissão de fiscalização do processo eleitoral: formada pela justiça eleitoral, partidos e representantes da sociedade civil.

Entendemos que uma reforma política entendida de forma mais ampla que simplesmente a reforma do sistema eleitoral é um dos elementos fundamentais para enfrentarmos a questão da corrupção. Em outras palavras, o atual sistema político com suas formas de exercício do poder é elemento central da cultura da corrupção e da impunidade no Brasil. Sem mudar isso radicalmente não teremos um país livre da corrupção.

José Antonio Moroni é conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e membro do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).

Ana Claudia Teixeira, cientista política, do Instituto Pólis.

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