Precariedade do sistema socioeducativo

Está tudo errado. Adolescentes cometem atos infracionais, nem sempre violentos contra a pessoa, são encaminhados para cumprirem uma medida socioeducativa, cujo objetivo é educar para uma nova relação com a sociedade. O que pouca gente sabe é que as medidas mudam conforme a gravidade do ato. A depender do grau de violência ou prejuízo, corresponde uma medida diferente, que pode ser: Advertência; Obrigação de reparar o dano; Prestação de serviços à comunidade; Liberdade Assistida; Semi-liberdade e, por fim, a Internação. A medida privativa de liberdade é atribuída aos casos de maior gravidade e violência. A ideia central é de garantir aos adolescentes em conflito com a lei, um processo pedagógico que o habilite a conviver com a sociedade, a desenvolver suas potencialidades e a exercer sua cidadania.

No entanto, em grande parte do país, o que se observa é a prática abusiva da medida de internação, meramente punitiva que viola direitos. Quando as demais medidas são esquecidas em detrimento da privação de liberdade, fica caracterizada uma séria violação de direitos e o processo educativo é deixado de escanteio. A perspectiva da educação passa a não figurar nem no papel. Das instituições não são cobrados os projetos pedagógicos exigidos pela lei.

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) nunca foi prioridade do poder público. O poder executivo não garante as estruturas físicas e materiais necessárias à execução das medidas, nem oferece servidores suficientes e qualificados para uma tarefa muito específica. Igualmente grave é o não cumprimento do dispositivo de municipalização do atendimento, garantindo que tanto a execução das medidas sócioeducativas quanto o atendimento inicial do adolescente sejam executadas na comunidade.
O mais grave neste quadro, é a absurda e inadmissível violação de direitos praticada pelo Estado. A negligência do Estado e a violência institucional não só ferem a lei como matam inúmeros adolescentes que estão sob a responsabilidade dos órgãos públicos. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 125 diz que… “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Adolescentes em prisões de adultos, instituições superlotadas, instalações inadequados, adolescentes sem atividades, sem contato com o sol, comida estragada, ambiente sujo, precariedade na higiene… são crimes do Estado e devem ser cobradas do Estado uma resposta imediata!
Ao analisar os recursos destinados ao SINASE na área federal é absolutamente constrangedor constatar que em meio a tanta precariedade, o Governo Federal liquidou apenas metade do que estava previsto. O desafio posto não é só luta por mais recursos, mas a execução eficaz em políticas bem desenhadas e articuladas.

Quando nos perguntamos onde deveríamos aplicar melhor os recursos públicos para assegurar os direitos da criança e do adolescente a resposta mais óbvia é na saúde, na educação, no esporte e na cultura. No entanto, a violência já está posta na sociedade e precisamos de um sistema regulador que garanta segurança pública. Diante disso é hora de enfim garantir “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude” (ECA art. 4º), recuperar o teor pedagógico que fundamenta o ECA, e investir esforço na elaboração de políticas públicas universais que, articuladas, deem conta de proteger e garantir o desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes. É hora de exigir do poder executivo a aplicação exemplar do SINASE e reparação do que é irreparável: a perda de preciosas vidas humanas, mortas por um sistema ineficaz, incompetente e desumano.

 

*Mestre em pedagogia pela Universidade de Brasília é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)

 

O Código Florestal e o Novo Legislativo Federal

Ricardo Verdum

Nesta semana o Congresso Nacional retoma suas atividades legislativas e o Código Florestal está entre as prioridades das prioridades da Casa.

O embate pelo Código Florestal Brasileiro (CFB) promete ser duro no primeiro semestre deste ano. Se mantido o disposto no Decreto 7.029, publicado em 11 de dezembro de 2009, os produtores rurais têm até o próximo dia 11 de junho para atender a exigência de averbação da Reserva Legal de suas terras. Isso certamente irá elevar a temperatura do lado da bancada ruralista, que deverá pegar pesado na defesa dos seus interesses.

Na nossa avaliação, o substitutivo ao PL 1.876/1999 aprovado na Comissão Especial do CFB da Câmara dos Deputados está baseado numa premissa errônea: a de que o desenvolvimento da agricultura brasileira depende fundamentalmente da expansão das fronteiras agrícolas.

Ilude-se quem crê que a reformulação do CFB proposta pelo substitutivo beneficiará ao conjunto das pessoas e famílias que dependem da agricultura. Ela é pautada por interesses unilaterais do empresariado rural que controla a dinâmica produtiva rural brasileira, nitidamente voltada para o agronegócio nacional e para o mercado externo.

O mesmo setor que segundo estudo divulgado recente pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) chega fortalecido ao Congresso Nacional em 2011.
Se aprovado, o substitutivo deverá propiciar um aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas, em muitos casos em locais extremamente sensíveis, como são as áreas alagadas, a vegetação ciliar ou ripária de rios, riachos, lagos, lagoas e banhados, os topos de morros e as áreas com alta declividade (encostas).

Promoverá um aceleramento da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras, bem como a impunidade devido à anistia proposta àqueles que desrespeitaram a legislação ambiental até meados de 2008.

Haverá mais degradação ambiental no meio rural e urbano, com decréscimo e fragmentação acentuada da biodiversidade; aumento das emissões de carbono para a atmosfera; e aumento das perdas de solo por erosão com conseqüente assoreamento de rios e córregos. Conjugadas, promoverão perdas irreparáveis em serviços ambientais, das quais a própria agricultura e a qualidade de vida das famílias rurais dependem sobremaneira, especialmente no caso da agricultura familiar que está se incorporando a Revolução Agroecológica.

A isso se soma o aumento da vulnerabilidade e do risco de desastres naturais ligados a deslizamentos em encostas, estiagens prolongadas, aumento da ocorrência de inundações e enchentes nas cidades e áreas rurais. Eventos dessa natureza nas regiões Norte e Nordeste no último ano são um bom indicador do que nos espera num futuro próximo caso a degradação ambiental avance, respaldada pelas mudanças legais e administrativas propostas no substitutivo do deputado Rebelo.

Os territórios indígenas, as unidades de conservação e outras áreas protegidas certamente serão ainda mais pressionadas. Além da maior dificuldade para seu reconhecimento legal e implantação, o que já vem acontecendo, haverá uma maior pressão sobre os recursos naturais ai existente.

Os últimos três anos foram marcados pela batalha em gangorra entre ruralistas e ambientalistas, entre aumentar a produção e conservação no Congresso Nacional, no Poder Executivo, no Judiciário, na mídia e outros fóruns de debate. É necessário sair dessa gangorra, garantindo a possibilidade de crescimento da produtividade sem que isso implique no agravamento do quadro de degradação ambiental existente no país.
O anuncio da divulgação para breve de um documento preparado pelas duas principais instituições científicas do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) poderá ajudar e muito para esclarecer vários pontos do debate. Entendemos que o referido documento será crucial para que instituições representativas da sociedade civil tenham acesso a uma base sólida de conhecimento para embasar seu esforço mobilizador e de capilaridade para tratar do assunto no Congresso Nacional que inicia nesta semana nova legislatura.

*Ricardo Verdum, 51, doutor em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB) é assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).

Observatório dos Financiamentos e Investimentos na Amazônia Brasileira

 

Esta iniciativa – a criação de um observatório dos financiamentos e investimentos para “promover” o desenvolvimento da Amazônia brasileira – nasceu da preocupação com as transformações ambientais, sociais, econômicas e políticas por que passa a região, principalmente ao longo da última década. Também da necessidade de identificar os principais agentes e redes político-econômico-financeiras que estão configurando o modus operandi do capitalismo nessa região – ao menos no tocante aos projetos de infraestrutura e às diferentes frentes extrativistas que ai prospecta e se instala.

O território e os recursos naturais na Amazônia estão em meio a uma disputa acirrada. Isso não é de hoje, nem é uma completa novidade na região, especialmente para os povos indígenas, que de longa data vivenciam e acumulam histórias da invasão de seus territórios e das diferentes modalidades de colonialismo interno a que foram sujeitados desde o século XVI.

Essa disputa é evidente não somente dentro e em relação ao Poder Executivo, mas também no Congresso Nacional, por exemplo, em torno do orçamento público, e em relação à atuação de órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União, a Receita Federal e o IBAMA.

As legislações ambientais, fundiária, indigenista, orçamentária e tributária estão sendo revisadas. A principal justificativa é a necessidade de “ajustar” a Amazônia – suas terras, recursos e populações – às novas “janelas de oportunidades” que se abre para a região, impulsionado pelo poderio econômico e a demanda de recursos naturais que vêm da China, especialmente. À região está sendo dada a oportunidade – dizem empresários, governantes, legisladores, agências financeiras multilaterais, inclusive lideranças e organizações sindicais – de ser o principal provedor de bens e serviços derivados da agricultura, pecuária, silvicultura, florestação e extrativismo vegetal; e de atrair capitais significativos para transformar a região num grande pólo de extrativismo mineral (ferro, níquel, alumínio, bauxita, ouro e outros) e energético (combustíveis fósseis, agro-combustíveis e hidroeletricidade). Como em Peru, Colômbia, Chile, e mesmo na Bolívia, a visão de desenvolvimento dominante está ancorada no modelo extrativista-exportador. A polêmica em torno das causas e conseqüências das mudanças climáticas têm produzido novos significados e potencialidades para a Amazônia: a de ser um lugar estratégico para viabilizar a expansão de “produtos financeiros”, associados com a redução da emissão de CO2 e outros gases formadores do denominado efeito-estufa.

Outra preocupação que dá origem do Observatório é a constatação do papel central que o Estado brasileiro vem tendo na ampliação da escala de operação de capitais nacionais e internacionais na Amazônia. Promove elevados investimentos na construção das condições de expansão e operação destes capitais, na geração de energia e na implantação de logísticas rodoviária, hidroviária e portuária; cria e facilita estímulos e incentivos fiscais e creditícios de baixo retorno para instalação e operações empresariais na região; promove a transnacionalização de empresas brasileiras, como ponte para acessar recursos em países vizinhos e/ ou viabilizar acessos e expandir mercados para a produção nacional; e viabiliza a abertura da Amazônia aos capitais públicos e privados com cede em outros países, o que fortalece o modelo de integração perversa dessa região aos mercados globalizados.

Numa análise preliminar da carteira de financiamento do BNDES no Brasil, constatamos que aproximadamente 85% dos financiamentos vão para grandes grupos econômicos e grandes projetos, concentrado no setor primário exportador intensivo em recursos naturais – em consonância com a atual política industrial brasileira (Política de Desenvolvimento Produtiva, 2008). Vale lembrar que esta estratégia reforça a posição do país no contexto da economia mundial como uma economia essencialmente extrativista-exportadora – ver Boletim INESC Orçamento & Política Socioambiental, 23 (dezembro/2009).

Apesar da queda dos índices de desmatamento a partir de 2007, é difícil avaliar a sustentabilidade desta “tendência”. As políticas de energia, extrativismo e infraestrutura projetadas e em instalação na Amazônia brasileira (e na Panamazônia) têm provocado um aquecimento no mercado de terras e um avanço constante da agricultura, da pecuária e do extrativismo madeireiro sobre as áreas de floresta e cerrado. Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Estatísticas (agosto/2010) indica que mesmo Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) também sofrem com o problema das queimadas, embora em menor intensidade que as áreas de seu entorno. O fogo em TIs e UCs quase sempre se origina em propriedades rurais fora de seus limites, atingindo, principalmente, as bordas destas áreas. As decisões tomadas em relação ao Código Florestal, em debate no Congresso Nacional brasileiro, deverão influir decisivamente nas condições ambientais da região.

O que pretendemos com o Observatório

 

Código Florestal e Serviços Ambientais

A investida dos ruralistas, que em causa própria têm tentando provocar mudanças a toque de caixa no Código Florestal, evidencia que é urgente aprofundar o debate com a sociedade sobre a forma como limitamos, por meio da legislação e dos instrumentos de comando e controle, o direito sob a propriedade das florestas e da biodiversidade a ela vinculada.

A proposta de alteração que aí está traz a síntese do desejo do agronegócio de compatibilizar a lógica e rentabilidade do agronegócio com as expectativas de rentabilidade que as florestas prometem. Além de anistiar desmatadores e flexibilizar em vários pontos a obrigatoriedade de manutenção de áreas de proteção ambiental nos imóveis rurais, cria um promissor mercado de serviços ambientais, em especial na Amazônia, que terá como principal beneficiário os grandes detentores de terra, inclusive os grandes desmatadores.

Este mercado de serviços ambientais e Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) “contrabandeado” na proposta de Código Florestal, além de ampliar estrategicamente o potencial de ganho dos grandes detentores de terra, deixará de fora os pequenos produtores, que dificilmente terão condições de entrar neste mercado, dada as condições que estão sendo forjadas na proposta.

São várias as medidas previstas que trarão implicações neste sentido. Ressaltamos duas delas.

1. A isenção de manutenção da Reserva legal nas propriedades e posses até quatro módulos fiscais, que tem sido a principal responsável pela aparente unidade de interesses entre agronegócio e pequena produção, colocará o pequeno produtor no mesmo “mercado de serviços ambientais”. Nos termos da proposta, a área de Reserva Legal liberada da pequena produção entra na mesma lógica de outras áreas liberadas da regularização ambiental. Todas elas estarão passíveis de remuneração por servidão ambiental ou, alternativamente, para compensação de outras áreas ilegalmente desmatadas.

Quer dizer, idealmente as áreas desmatadas ou com vegetação preservada poderão ser negociadas como áreas de servidão ambiental. O instituto da servidão, já está previsto em lei. Definido como renúncia voluntaria, “em caráter permanente ou temporário, total ou parcialmente, a direito de uso, exploração ou supressão de recursos naturais existentes na propriedade” que excedam as áreas legalmente sob proteção ambiental, sua principal função era viabilizar a compensação de Reserva Legal desmatada de outras propriedades.

Ocorre que o mercado de serviços ambientais forjado nesta proposta, que inclui também a redução de emissões por desmatamento, não está estruturado para atender aos interesses e necessidades dos pequenos produtores, ao contrário. Basta ler com atenção o capítulo XI, que articula e premia a regularização ambiental com a criação de instrumentos econômicos para a conservação da vegetação, e os artigos 50 e 51, que explicitam os benefícios tributários e creditícios destinados a estimular o mercado de serviços ambientais. Seu endereço é certo, construir um mercado de Cota de Reserva Ambiental adaptado às suas necessidades e rentável. A entrada do pequeno produtor neste mercado é, portanto, no mínimo improvável.

2. Para facilitar a regularização ambiental na Amazônia, a proposta prevê a possibilidade de redução da Reserva Legal em 30% na área de floresta e em 15% na área de cerrado. Esta redução está condicionada à indicação da medida pelo Zoneamento Ecológico Econômico de cada estado.

A medida que joga para os estados a possibilidade de flexibilizar a legislação ambiental já está sendo utilizada por vários estados, evidenciando o risco de uma “guerra ambiental”. Para ficar em um exemplo, em Rondônia o ZEE indicou a redução da RL para 50% ao longo da BR-364. Mas hoje, para que esta medida tenha força de lei é obrigatório que seja submetida e também recomendada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e, por fim, que seja aprovada via Decreto Presidencial. Isto também cairia por terra com a alteração do Código Florestal, reforçando a tendência de flexibilização ambiental.

Mais que isso, ocorre que uma vez reduzida a Reserva Legal para fins de regularização ambiental esta área que fica liberada poderá (e será) convertida em área de servidão ambiental. Com as alterações propostas, uma vez em regime de servidão, será negociada e remunerada como Cota de Reserva Ambiental – CRA, ampliando-se e muito as possibilidades de transação. Emitida com base em um hectare, esta cota poderá ser formada inclusive por área composta de vegetação secundária em qualquer estado de regeneração ou recomposição.

Quer dizer, na prática, estaremos remunerando o produtor por ter desmatado áreas de Reserva Legal. Remunerando como? A proposta prevê, por exemplo, que esta área sob servidão, convertida em Cota, poderá ser alienada, cedida ou transferida para entidade pública ou privada que tenha a conservação ambiental como fim social. Em contrapartida, estão previstos vários incentivos econômicos proporcionais ao tamanho destas Cotas: crédito facilitado, redução da base de cálculo do Imposto de Renda para os investimentos feitos na implantação da servidão ambiental; redução do valor venal do imóvel alienado com servidão ambiental, para efeito de pagamento de imposto de renda referente ao ganho de capital; entre outros. Isto, além dos ganhos em si, que sob esta lógica terão que ser bons o suficiente para evitar que esta área de agricultura já consolidada não seja utilizada para outros fins, como soja, gado etc.

A proposta de alteração do Código Florestal está recheada de medidas como estas que trarão mudanças importantes na forma como a o estado e sociedade se relacionam com os recursos florestais e a enorme biodiversidade a eles vinculada. Estamos permitindo que os grandes produtores, representados pelos ruralistas, construam uma legislação que limita de forma oportunista o seu próprio direito de propriedade sobre as florestas. Uma legislação que, sabemos, é frouxa, permissiva e que além de tudo isto irá transformar nossas florestas em mais um ativo para ser negociado com base em uma lógica de custo de oportunidade comandada pelo agronegócio, e que além de tudo poderá se mostrar altamente onerosa para toda a sociedade.

 Por Alessandra Cardoso – assessora do INESC

O Código Florestal e o Pequeno Produtor

O empenho dos ruralistas em colocar em regime de urgência a votação em plenário do Código Florestal indica de que no início da próxima legislatura, em fevereiro, voltará a pressão pela votação do relatório Aldo Rebelo.

Na linha de resistência, os esforços das organizações da sociedade civil contrárias às alterações no Código não têm sido suficientes para “convencer” parlamentares identificados com os interesses do agronegócio a não votarem favoravelmente à proposta, caso ela vá a plenário. Adicionalmente, no trabalho quase cotidiano de monitorar o Congresso e reagir às investidas dos ruralistas, tem havido ensaios no sentido de construir adaptações ao Código que não impliquem em retrocessos, mas este novo rumo para o debate ainda está por vir.

As entidades representativas dos pequenos produtores e assentados de reforma agrária têm demonstrado capacidades diferenciadas de mobilizar suas bases para uma resistência mais explícita às mudanças. Assim como são diferenciadas as reações de suas bases à sedução de se desobrigarem de manter a Reserva Legal. Isto, a despeito da clareza geral de que a medida de desobrigação da Reserva Legal nas propriedades até quatro módulos fiscais, que é de fato a única alteração endereçada especificamente ao pequeno produtor, está a serviço de uma estratégia dos ruralistas de ampliação da base social favorável a todo o pacote de alterações pretendidas.

Esta incerta resistência das entidades parece um reflexo da própria dificuldade de convencer suas bases de que a mudança, além de oportunista, não é uma saída para o pequeno produtor. Em grande medida isto ocorre porque, de fato, é difícil resistir à tentação de apoiarem uma proposta que promete isentá-los do ônus financeiro por ações de desmatamento e da culpa por não cumprirem “as leis”. Ou seja, a irregularidade ambiental da pequena produção é sim um problema que requer uma solução.

Pensando por essa ótica, a construção de uma resistência mais firme a essa proposta de alteração do Código Florestal passa, centralmente, pela capacidade de construir uma alternativa adequada à pequena produção.

Para o pequeno produtor, como já assinala a Via Campesina em sua nota, o caminho da sustentabilidade passa por: “assistência técnica capacitada para o manejo florestal comunitário; crédito e fomento para desenvolvimento produtivo diversificado; recuperação das áreas degradadas com sistemas agroflorestais; planos de manejo madeireiro e não-madeireiro simplificados; canais de comercialização institucional que viabilizem a produção oriunda das florestas”.

Além destes passos, outro que nos parece fundamental hoje, ainda mais diante da crise climática global, é valorizar mais efetivamente a função ambiental da pequena produção. A instituição de uma política de pagamento por serviços ambientais que remunere devidamente e de forma desburocratizada os pequenos produtores pela manutenção das suas Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente é um tema crucial neste debate. É um caminho que já vem sendo trilhado por inúmeras iniciativas, em Minas Gerais, na Bahia, no Espírito Santo; que precisam ganhar força e escala.

A proposta de novo Código Florestal está na contramão desta saída, tanto quanto também estão as duas propostas que tramitam na Câmara sobre Serviços Ambientais (PL nº 792/07) e REDD+ (PL nº 5.586/09), recentemente aprovadas pela Comissão de Agricultura. Estão construídas para compensar os produtores, em especial os grandes, pelo seu esforço de manutenção de áreas de preservação que excedem aquelas legalmente previstas. Por sinal, este é outro elemento que explica o anseio dos ruralistas em reduzir as áreas obrigatórias de preservação.

Fará grande diferença a retomada de esforços conjuntos entre organizações socioambientalistas e entidades representativas de agricultores familiares, camponeses e trabalhadores/as rurais objetivando a construção de alternativas que equacionem melhor a função social e ambiental da pequena produção.

É preciso que o diálogo e a articulação entre esses setores sejam rapidamente fortalecidos e que as falsas contradições sejam superadas em favor de propostas que contemplem os legítimos interesses dos pequenos produtores e a sustentabilidade ambiental.

Por Alessandra Cardoso – assessora do INESC

Educação de Qualidade

Cleomar Manhas (assessora política do Inesc)

Final de ano, especialmente, final de governos estaduais e nacional, é tempo de se apresentar dados estatísticos sobre o avanço das políticas sociais. A educação é sempre destaque e, nem sempre as notícias são auspiciosas, visto que as dívidas históricas para com a população mais vulnerável são imensas, fazendo com que pequenos avanços não os atinjam a ponto de minorar desigualdades.

A situação da educação no Brasil ainda está na UTI, apesar de ter saído do estado gravíssimo e estar em estado grave. A Conferência Nacional de Educação votou pelo aumento do investimento na educação para 7% do PIB até 2011 e 10% até 2014. Por isso é preocupante a declaração recente do Ministro da Educação à imprensa, propondo a ampliação do financiamento anual para apenas 7% até 2015.

Dizem que a falta de recursos não é o único problema da educação. É sabido que não, no entanto, é sabido, também, que os recursos atuais, 4,7% do PIB, são insuficientes para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. E que seria necessário um investimento grande, de cerca de 10% do PIB, ao menos por um tempo, até que se atingissem patamares satisfatórios. Foi assim que países como a Coréia do Sul fizeram para mudar o cenário da educação e, consequentemente, a possibilidade de se ampliar os índices de desenvolvimento sustentável.

A imprensa acaba de repercutir duas pesquisas que, aparentemente, tratam de públicos distintos, no entanto, a história não é bem assim, visto que são frutos do mesmo problema, ou seja, a falta de investimento efetivo em educação.

A primeira é o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), elaborada pela OCDE ( Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), programa internacional de avaliação comparada, que tem por finalidade a produção de indicadores de efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos. Idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países avaliados, no caso do Brasil é a faixa em que estão concluindo o ensino fundamental e iniciando o ensino médio.

A segunda é a análise elaborada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) acerca dos dados coletados na PNAD/2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) sobre a evolução do analfabetismo convencional e do analfabetismo funcional. Entendendo por analfabetismo convencional as pessoas com mais de 15 anos que não conseguem escrever e ler um bilhete simples e por analfabetismo funcional as pessoas com mais de 15 anos, que possuem menos de quatro anos de escolaridade.
O PISA mostrou que o Brasil, de 2003 para 2009, conseguiu sair dos 383 pontos para 401 pontos, ou seja, avançou 18 pontos, o que por um lado é uma boa notícia, mas por outro, demonstra que o país ainda é o 53° de uma lista de 65 países e seus níveis de proficiência são considerados como moderados. E, caso se verifique os dados desagregados, constatar-se-á que quase metade do universo pesquisado ainda possui níveis baixos de leitura, ou seja, dos seis níveis de proficiência em que se divide o PISA, encontra-se no nível 1 ou baixo. Não estão aptos a lerem e refletirem sobre o que estão lendo.

Levando em consideração que o PISA procura respostas para perguntas tais como a capacidade de os/as jovens raciocinarem e comunicarem suas idéias e se estão preparados para os desafios impostos pela sociedade, pode-se inferir que boa parte deles não consegue se manifestar e expor suas idéias, além de fazer uma leitura mais ampla do mundo.

O IPEA fez um estudo comparativo abrangendo o período de 2004 a 2009. Com relação ao analfabetismo convencional houve uma redução de 1,8% visto que se saiu do patamar de 11,5% de analfabetos para 9,7% atualmente. Analfabetos funcionais eram 12,9% em 2004 e são 10,7% em 2009.

Quando os dados são desagregados por região as desigualdades se evidenciam e ampliam ao reforçar as diferenças regionais, entre zona rural e urbana, por cor e, principalmente, por renda. Visto que o maior número de analfabetos encontra-se entre os negros e pardos, moradores da zona rural, especialmente no nordeste e estão entre as faixas mais pobres da população.

A região Nordeste, apesar de ter tido a maior queda nas taxas, lidera o ranking nacional com 18,7% de analfabetos convencionais e 12,6% de analfabetos funcionais. Somados os dois índices pode-se dizer que no Nordeste 31,3% da população acima de 15 anos é analfabeta funcional ou convencional. Ao acrescentar-se os dados do PISA, que analisa a população com 15 anos que possui 8 anos de escolaridade chegar-se-á a triste conclusão de que grande parte da população nordestina, de 15 anos ou mais, possui dificuldades de inserção no mundo da comunicação do século XXI, por déficits de escolarização.

Em termos de Brasil, somados analfabetos convencionais e funcionais chega-se a 20,4% da população, ou seja, um em cada 5 brasileiros acima de 15 anos é subescolarizado. Ao acrescentar os dados do PISA, grosso modo, pode-se dizer que mais da metade da população, de 15 anos de idade ou mais, possui dificuldades oriundas da baixa, ou da falta de qualidade da educação.

A futura presidenta Dilma, caso queira deixar uma marca importante no país, poderia assumir o compromisso de investir, de fato, na busca da educação de qualidade. E conforme registrado no documento final da Conferência Nacional de Educação, o financiamento adequado das políticas educacionais é o alicerce para a construção de um Sistema Nacional de Educação, que garanta o acesso equitativo e universal à educação básica de qualidade, garantindo a permanência e sucesso escolar de crianças, adolescentes, jovens e adultos, além de assegurar que não se forme novos analfabetos funcionais. E, por fim, se comprometer com a redução drástica do analfabetismo convencional.

 

30% das cotas para mulheres nas eleições

CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria

 

Foram 15 anos desde a primeira iniciativa para alterar o quadro de subrepresentação feminina até a sua exigibilidade no atual pleito eleitoral. Tempo hábil para que os partidos políticos fossem se adequando à necessidade de incorporar mais mulheres no seu cotidiano, criando instâncias especificas, investindo na formação política, destinando recursos e apoiando candidaturas. Dessa forma, não é justificável alegarem tamanha dificuldade para cumprirem a cota.

Segundo os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poucos foram os partidos que cumpriram o percentual exigido por lei nos estados, para os cargos proporcionais (Deputado Federal e Deputado Estadual/Distrital). Apenas o estado do Mato Grosso do Sul chegou ao percentual de 30,55% de candidaturas femininas para o cargo de deputado/a federal. Embora como unidade federativa tenha alcançado o índice estipulado, grande parte dos partidos sul matogrossenses não chegaram a esse percentual. Isso acontece devido a alguns partidos lançarem apenas um/a candidato/a e esta ser do sexo feminino. Ademais, para o cargo de deputado/a estadual a proporção entre os sexos ficou abaixo do fixado em lei, em 25,66%.

Em seguida estão os estados de Santa Catarina e do Rio de Janeiro com 28,9% e 28,53%, respectivamente, para o cargo de deputado/a federal. Para deputado/a estadual, Santa Catarina obteve a melhor colocação das unidades federativas, com 30,85% e o Rio de Janeiro em segundo lugar, com 28,26%.

Com os piores índices para deputado/a federal encontram-se Pernambuco, com 7,25%, e Goiás, com 10,49%. O Espírito Santo figura em último lugar para deputado/a estadual e Maranhão e Tocantins logo à frente com os percentuais de 14,66% e 14,72%, respectivamente.

Os dois maiores colégios eleitorais, além do Rio de Janeiro, não se encontram em patamares tão superiores. São Paulo possui apenas 21,01% e 19% de candidatas mulheres à Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa, respectivamente, e Minas Gerais 15,21% e 14,84%.

A região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas tanto para deputado/a federal quanto para estadual com 26,15% e 27,68% e a região Norte o pior também para ambos os cargos, com 17, 56% e 19,81%. Pode-se apontar uma tendência de que onde os TRE’s atuaram de forma mais rígida em relação ao cumprimento da lei, os partidos tiveram uma preocupação maior em apresentar sua lista em conformidade com o novo texto legal.

Analisando os partidos políticos em cada unidade federativa para a disputa à Câmara Federal, observa-se também o descaso com a lei por muitos deles. A média dos partidos que conseguiram cumprir as cotas foi de 6,59 partidos em cada estado. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) não alcançou as cotas em nenhum estado e os Democratas (DEM) em apenas três. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem o melhor desempenho, atingindo o número de candidaturas femininas necessárias para preencher o percentual exigido em lei em treze estados. Nas candidaturas para as Assembléias Legislativas e Câmara Distrital, o cenário é ainda pior. A média ficou em 5,59 partidos sendo que nos estados do Espírito Santo e Rondônia nenhum partido alcançou o percentual mínimo. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) observou a lei em 12 estados, o melhor resultado para o cargo, sendo os piores foram do Partido da Causa Operária (PCO), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Verde (PV).

Aliado a todo esse cenário desfavorável, teve-se ainda a decisão do TSE de não firmar entendimento em relação ao descumprimento da lei, delegando a decisão para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Dessa forma, nos estados onde houve uma atuação mais firme dos tribunais no sentido de se fazer cumprir a lei, obtiveram-se os melhores índices, segundo o levantamento realizado por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). Ainda conforme o pesquisador, já existem no país 2,5 mulheres para cada vaga em disputa na Câmara Federal e quase 3 mulheres para cada vaga das Assembléias Legislativas (e distrital). Nas palavras de José Eustáquio, portanto, não faltam mulheres candidatas e é perfeitamente possível o cumprimento do percentual de 30% mínimo para cada sexo. O que não é possível e nem justo é o TSE ignorar a mudança da Lei e fazer uma interpretação contrária ao caminho de uma maior equidade de gênero. O que tem de ser feito é diminuir a quantidade excessiva de homens candidatos.

O CFEMEA juntamente com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) encaminharam cartas para o TSE, TREs e procuradores regionais eleitorais, numa tentativa de suscitar o debate e sensibilizar os operadores do direito, cobrando uma postura firme para que a alteração da lei não reste como letra morta.

Contamos que os Tribunais Eleitorais primem pela fiscalização e exigência do cumprimento da Lei 12.034/2009 no pleito que se inicia. Especialmente porque a lei atual superou a exigência de mera reserva de vagas por sexo para determinar o preenchimento obrigatório de no mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Trata-se de uma mudança da regra legal que exige da mesma maneira uma mudança na postura para sua aplicação. Compreendemos, portanto, que nos pedidos de registros de candidaturas apresentados pelos partidos à Justiça Eleitoral existem mais candidaturas do sexo masculino do que as que a lei permite.

Um breve histórico

As cotas foram idealizadas com o intento de gerar medidas reparatórias no sentido mais concreto de proporcionar, nas disputas eleitorais de hoje, uma vantagem inicial às mulheres, compensando ao menos em parte os prejuízos devidos ao seu ingresso forçosamente tardio à arena política. Sua finalidade última é propiciar aumentos efetivos nos percentuais de mulheres presentes nas esferas de representação política como candidatas e, sobretudo, como eleitas. Além desse componente de caráter distributivo, a política de cotas possui o objetivo mais simbólico de alterar a cultura política, marcada por percepções de gênero que naturalizam as desigualdades.

Introduzidas pela Lei nº 9.100, em 1995, as cotas eleitorais no país estabeleceram as normas para a realização das eleições municipais subsequentes e determinou uma cota mínima de 20% para as mulheres.
Este dispositivo foi revisado em 1997, com a Lei n.º 9.504, que estendeu a medida para os demais cargos eleitos por voto proporcional, ampliando o percentual anterior para 30% e mantendo-o em todas as eleições seguintes, tanto municipais quanto estaduais e federais.

Contudo, em sua redação, a lei não exigia a obrigatoriedade de preenchimento dos percentuais, ou seja, os partidos e coligações não eram obrigados a preencher as vagas destinadas às mulheres. Caso o percentual mínimo estabelecido não fosse preenchido por um dos sexos, não poderia apenas ser substituído por homens, sendo possível, no entanto, deixá-lo em aberto, lançando as candidaturas disponíveis, sem que por isto haja alguma sanção sobre o partido.

Além disso, ao mesmo tempo em que instituiu a reserva de vagas para mulheres, a legislação ampliou o número de candidaturas que cada partido ou coligação pode apresentar. Essa característica dá abertura para que não existam deslocamentos de candidatos homens, frente ao maior número de candidatas mulheres. Isso porque a legislação aprovada em 1997 ampliou em 50% o número de candidatos que podem concorrer, ou seja, um partido pode lançar até 150% de candidatos para o total de vagas em disputa.

A Lei 12.034, de 2009, alterou a redação da Lei 9.504 de “deverá reservar” para “preencherá”, ou seja, tornou obrigatório o cumprimento do dispositivo legal.

Vale ressaltar que juntamente com essa alteração, outras duas medidas foram aprovadas com o objetivo de fortalecer a participação política feminina: 10% do tempo de propaganda partidária (e não eleitoral – proposta essa rejeitada pelos parlamentares do sexo masculino) e a destinação de 5% dos recursos do fundo partidário para a formação política e o incentivo à participação feminina. Nenhuma delas foram cumpridas pelos partidos. A mobilização feita no ano passado pelos movimentos feministas, pela própria Bancada Feminina por gestoras públicas (reunidas na Comissão Tripartite para a Revisão da Lei de Cotas, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) para a aprovação dessas e outras medidas (como a inclusão do quesito racial nas fichas de candidaturas; tempo de 30% mínimo para as mulheres nas propagandas eleitorais e partidárias; paridade nas candidaturas; e especialmente MULTA para os partidos que não cumprirem as cotas) foram rejeitas, para não dizer ridicularizadas pelos parlamentares do sexo masculino durante a tramitação da proposta. Ora, enquanto os partidos não compreenderem a participação das mulheres, bem como de outros segmentos da sociedade que sempre foram excluídos das instâncias de poder e decisão, como parte fundamental de uma democracia que se diz representativa, continuaremos vendo tal situação de impunidade. Impunidade essa que, infelizmente, o estado brasileiro – representados pelos tribunais eleitorais – tem sido conivente.

A exemplo da não aplicação da Lei Maria da Penha que temos visto em caso cotidianos e cruéis de assassinatos de mulheres em suas relações domésticas, estamos com mais uma situação de desrespeito aos direitos das mulheres. Temos leis que não são cumpridas. Até quando nossa cidadania será vista com tamanho desdenho?

Desafios aos 20 anos do ECA

Cleomar Manhas – Assessora do INESC

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está completando 20 anos, e temos vários desafios a enfrentar, para transformar o texto da lei em políticas públicas promotoras de direitos. Um importante desafio é a conquista da participação efetiva de crianças e adolescentes na formulação e controle social dessas políticas, ou seja, o protagonismo infantojuvenil.

A Convenção sobre os Direitos da Criança é mais explícita com relação à participação das crianças na tomada de decisão, ou seja, a criança realmente como sujeito de direitos. No Estatuto, essa perspectiva é mais tímida – prevalece a proteção. Então, um grande desafio aos 20 anos seria emancipar de fato a nossa infância, para que consigam se perceber como sujeitos de direitos.

O Brasil é signatário da Convenção; no entanto, ainda não regularizou a sua prestação de contas com relação às ações governamentais voltadas às crianças. E ainda não possui uma instância de monitoramento de direitos humanos, o que dificulta o controle democrático sobre as políticas. Isso é uma ação imediata, em razão da qual os movimentos sociais devem se mobilizar para que se resolva.

A legislação relacionada à promoção de direitos de crianças e adolescente é avançada; no entanto, é importante que exerçamos o controle social, para que setores conservadores da sociedade não promovam o retrocesso com relação a direitos que sequer estão sendo exercidos, visto que só existem na legislação.

As desigualdades sociais explicitam cotidianamente que a legislação e as políticas ainda não promovem equidade. É necessário que materializemos nosso fosso social para podermos diminuí-lo, ou erradicá-lo – afinal, as utopias são necessárias.

Um grande desafio, talvez o principal nesses 20 anos do ECA, seria a conquista de políticas públicas populares e integradas, visto que a plena realização dos direitos só é possível com a realização de todos os direitos. A cidadania só é possível quando os cidadãos e as cidadãs podem acessar todas as políticas promotoras de direitos, tais como saúde, educação, assistência social, segurança pública, moradia de qualidade.

Para tanto, precisamos reinventar o nosso modelo de desenvolvimento e erradicar a praga do patrimonialismo que assola nosso país desde o seu processo de colonização – especialmente nos municípios distantes, aonde a informação chega com mais vagar, e as pessoas, muitas vezes por não terem conhecimento, ficam a mercê de governantes oportunistas, que se apropriam de direitos da população, oferecendo-os como se fossem favores, deixando-a sempre como devedora.

Além disso, esse ranço patrimonialista traz consigo outro grave problema, o nepotismo. Notadamente, as políticas de assistência social e de promoção de direitos de crianças e adolescentes ficam a cargo das primeiras-damas, nem sempre preparadas para o exercício de tal tarefa, dificultando o caminho à consolidação de políticas realmente republicanas.

Outro desafio não menos importante é um olhar sobre os adolescentes, visto que a maioria das políticas públicas secundariza esse público. Com relação à saúde pública, por exemplo, o processo de desenvolvimento dessa faixa etária não é destacado como uma ação ministerial. Podemos até mesmo inferir que esse seja um dos motivos de se ter uma incidência tão significativa de gravidez na adolescência. O mesmo acontece com a segurança pública, visto que esse público é alvo constante da violência; também se reflete na educação, pois uma parcela significativa de adolescentes está fora das escolas de ensino médio.

A falta de integração de políticas também impede que se tenha uma política de cultura de paz, unindo segurança pública, educação, saúde, direitos humanos, assistência para oferecer tratamento adequado, por exemplo, aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Aliás, esse é um público totalmente invisível aos olhos da sociedade, não havendo controle social algum sobre as ações desenvolvidas no âmbito das instituições que atendem esses adolescentes.

Isso tudo nos faz lembrar que não basta às políticas serem leis; devem ser oferecidas com qualidade, de outra forma não passarão de protocolo de intenções. O salto de qualidade está na mobilização em torno da realização dos direitos, por meio do oferecimento de todas as políticas públicas, com qualidade e integradas.

Por fim, com relação ao Sistema de Garantia de Direitos, os desafios aos 20 anos do ECA são a necessidade de se criar conselhos de direitos e tutelares onde ainda não existam, além de aprimorar o funcionamento e dar mais estrutura aos existentes; capacitar e regular o funcionamento dos conselhos tutelares, visto que eles atuam com uma gama complexa de problemas; criar varas especializadas e expandir os núcleos especializados em criança e adolescente nas defensorias públicas, além de qualificar os núcleos já existentes.

Leia o artigo no site do  Jornal OGlobo

Clique aqui para assistir ao vivo o seminário “20 anos do ECA e as políticas públicas”

Veja a programação do Seminário “Os 20 anos do ECA e as Políticas Públicas: Conquistas e Desafio”,  que ocorrerá nos dias 13 e 14 de julho na Câmara dos Deputados.

20 anos do ECA: 20 anos de labuta

Márcia Hora Acioli – Assessora do INESC

 

Há um pouco mais de vinte anos, o Brasil ainda vivia sob a égide da ditadura militar e o povo ocupava as ruas pela democracia com foco nas eleições diretas e na necessidade de uma nova Constituição Federal, processo chamado de Constituinte. Uma verdadeira ebulição política.

Na época os grupos de extermínio que eliminavam meninos e meninas pobres operavam impunemente. O massacre era escandaloso. A justificativa implícita era defender o patrimônio dos comerciantes. Ou seja, meninos e meninos pobres eram considerados ameaça pública. Para piorar as coisas, a lei vigente, o Código de Menores baseava-se na doutrina da Situação Irregular, que responsabilizava a própria criança ou adolescente pelo abandono em que se encontrava. Permitia o simples recolhimento dos/as que estivessem “perambulando” nas ruas, atribuindo a eles/as a responsabilidade pela situação em que se encontrava. Portanto, a lei tinha destinatários específicos que eram os/as pobres, evidentemente, a maioria negra. Noutras palavras, o Código de Menores punia, os já punidos pelo destino.

Mais do que novas leis, o país precisava inaugurar novas formas de ver, considerar e governar crianças. O Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA foi concebido neste contexto. Foi escrito com milhares de colaboradores/as, além das próprias crianças e adolescentes.

Não há como negar que o ECA é uma das leis mais bem fundamentadas do Brasil. Trouxe a idéia inédita de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em situação peculiar de desenvolvimento, sendo portanto, prioridade na elaboração de políticas públicas. No artigo 4º o ECA explicita a importância da destinação privilegiada de recursos para a realização das políticas garantidoras de direitos. O ECA ainda trouxe a perspectiva de descentralização do poder fortalecendo a cultura democrática, ainda frágil à época. A participação da sociedade nos Conselhos Tutelares e nos Conselhos de Direitos, instâncias locais zeladoras de direitos, garantia maior distribuição do poder. O novo marco legal deixa de ser uma lei para punir crianças pobres para ser uma que defende direitos de todas. A partir de então, se há uma criança vivendo nas ruas, sabe-se que falharam o Estado, a sociedade e a sua família simultaneamente.

Pois bem, o Brasil comemora no dia 13 de julho de 2010 o aniversário de 20 anos deste novo marco legal. O ECA é uma referência histórica que exigiu uma nova cultura política, uma ampla revisão na forma de elaborar as políticas públicas que deveriam passar a ser concebidas à luz deste conjunto de idéias.

As mudanças foram muitas, no entanto, soam ainda como um ensaio geral para a uma mudança mais importante. A realização plena dos direitos não permite brechas entre uma política e outra, entre um direito e outro. Quando a política pública não é universalizada (não chega a todos), e/ou quando o conjunto das políticas é fragmentado não se efetiva a Proteção Integral que significa todos os direitos para todas as pessoas, o tempo todo, em qualquer lugar.

Como resultado da distância entre o que está escrito na lei e o acesso ao direito, as populações mais jovens ainda carregam o pesado fardo da culpa pela precária situação em que se encontram. A sociedade conservadora não mudou e insiste em atribuir a elas a responsabilização seja pela própria ‘desocupação’, ou pela violência urbana. Neste cenário as pessoas ainda são tratadas conforme a cor da pele e as mulheres vistas como seres de segunda categoria. É importante compreender que, assim como os direitos são interdependentes e a realização de um implica na realização de outros tantos direitos, quando há uma violação de direitos, ocorre também em uma série de violações subseqüentes.

Arautos da ordem estabelecida usam todos os meios para tentar convencer que o ECA é uma lei inadequada. Há interesses diversos e ideologias por trás deste esforço. Certamente não são os mesmos dos que defendem uma sociedade mais justa. Muitos daqueles que acham nobre o trabalho de crianças ficaram ricos às custas da exploração do trabalho infantil (quase escravo), assim como os que querem ver reduzida a idade penal não pensam na prevenção da violência, mas na ‘limpeza urbana’.

Falar de cidadania das populações mais jovens é um enorme desafio em uma sociedade de maioria conservadora em que os direitos de muitos são preteridos em nome dos privilégios de pouquíssimos.

Com uma idade mais madura a lei ainda custa a se efetivar na íntegra para todas as crianças e adolescentes do país. A sociedade desigual promove diferentes acessos ao direito que é universal. As mudanças acontecem aos poucos e dependem de muitos fatores como trabalho digno para as famílias, educação de qualidade, esporte, cultura, formação profissional, moradia decente e lazer na própria comunidade, mas sobretudo, de concepção política e gestão pública ética e competente.

É importante reconhecer os avanços, que não foram poucos, mas é preciso atenção redobrada para defender a lei que vive ameaçada por aqueles que ainda não entendem que uma sociedade que permite a violência contra crianças e adolescentes é uma sociedade que padece de uma doença grave.

Senado aprova o desconfigurado Estatuto da Igualdade Racial

Edélcio Vigna e Alexandre Ciconello, assessores do Inesc

É lamentável, portanto, que a relatoria do Estatuto tenha parado na mão do Senador Demóstenes, que representa a posição de uma minoria e não da maioria da população brasileira, composta de negros e pardos. É mais lamentável ainda a posição do governo, do Senador Paim e de setores do movimento social que concordam com esse retrocesso. A presença de organizações sociais e do movimento negro, sindicalistas, representantes religiosos e do ministro Eloi Araujo, da Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), mobilizou a sessão dando-lhe um clima participativo, que contrastava com as críticas ao vergonhoso acordo promovido pela Casa Civil, presidência da República e partidos políticos.

As críticas da sociedade civil, apoiadas pelo Inesc, centravam-se no acordo envolvendo a Bancada Ruralista, que retirou do texto o artigo que tratava dos territórios de remanescentes Quilombolas. O voto do relator-senador Demóstenes Torres, foi favorável ao Substitutivo da Câmara, com rejeição integral ao artigo que tratava da política nacional de saúde da população negra; e as propostas de cotas de isenção fiscal a empresas que mantenha uma cota de 20% de trabalhadores negros; a reserva de 10%, pelos partidos políticos, para as candidaturas de representantes da população negra e cotas para as universidades. Estas supressões foram muito criticadas.

O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007/2008 indica que a taxa de mortalidade infantil entre os brancos está em 19,4 óbitos por mil nascidos e entre os negros (pretos e pardos), em 24,4 por mil nascidos. Para além disso, o racismo institucional que existe no sistema de saúdem, faz com que a taxa de mortalidade de mulheres negras supere a de mulheres brancas, devido as desigualdades no atendimento. Dessa forma, retirar a possibilidade da criação de uma política de saúde para a população negra é manter as coisas como estão e contribuir para o aprofundamento da desigualdade racial.

O relator Demóstenes ressaltou que realizou apenas emendas de redação para suprimir algumas expressão e fazer colagens para evitar que o Substitutivo fosse atacado como inconstitucional. Reafirmou que o texto foi acordado ‘exaustivamente’ com o movimento negro, com o governo e com o senador Paulo Paim. Isso é no mínimo duvidoso, pois a maior parte do movimento negro é contra as mudanças realizadas desde a Câmara e está lutando ferozmente contra as ações ajuizadas pelo DEM no STF contra a regularização de terras quilombolas e as políticas de cotas em universidades.

O senador Paim fez questão de declarar que a primeira versão avançava em uma série de propostas e que na Câmara houve um acordo global e foi aprovado. Sublinhou que o projeto não é o “ideal, mas foi o possível em uma correlação de força existente na Casa”. Essa atitude comodista, do autor do projeto, de aceitar a sua desconfiguração até o ponto de torná-lo inócuo contribui para minar as forças progressistas que tem criticado o acordo realizado entre o DEM, o governo e outros partidos e grupos para quem lugar de negro nesse país deve continuar a ser na cozinha, nas favelas, nos IMLs e nos campos de futebol.

Muitos representantes de organizações negras insatisfeitos com a aprovação do projeto saíram da sessão gritando “Zumbi”, “Ganga Zumba” e “Não esqueceremos os traidores”.

É triste ver a elite branca comemorando a aprovação do Estatuto “sem cotas” , “sem mencionar raça”, “sem quilombos”. E viva a democracia racial brasileira defendida em um Senado dominado por representantes brancos em um país de maioria negra, que devido ao racismo, vivenciam uma cidadania restrita e privada de direitos.

A Educação e o Combate ao Trabalho Infantil

(Por Cleomar Manhas*)

O dia 12 de junho é o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. O Brasil possui legislação avançada com relação ao tema, a começar pelo texto constitucional que ressalta em seu artigo sétimo a “proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.”

O Brasil também é signatário da Convenção 182 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) aprovada em 1999 e promulgada no país por decreto em 2000, que prevê que os países que ratificaram o texto deverão banir as piores formas de trabalho infantil que, entre outras, correspondem às formas de trabalho escravo, ao tráfico de crianças, à prostituição, recrutamento para atividades ilícitas como o tráfico de drogas; trabalhos que possam afetar a saúde física e psíquica das crianças. Para a aplicação do previsto no texto da Convenção, são consideradas crianças qualquer pessoa com menos de dezoito anos.

Pode-se constatar, então, que o nosso país possui leis que atentam para a proteção de crianças e adolescentes, especialmente, se relacionada à proibição do trabalho precoce, que infelizmente ainda precisam ser de fato implementadas, haja vista os resultados demonstrados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE) de 2007, onde se diz que o trabalho infantil atinge 10,8% da população entre 5 e 17 anos, ou cerca de 4,8 milhões de crianças e adolescentes.

Além disso, percebemos que a maioria das/os adolescentes que estavam desenvolvendo trabalhos domésticos não possuía direito trabalhista algum, ou seja, se encontram em situação de trabalho ilegal. Até porque o trabalho infantil desenvolvido em âmbito doméstico dificilmente é notificado, por não haver fiscalização, além de muitas vezes nem ser visto como trabalho, mas sim como “favor” que se presta a famílias mais pobres.

Outros pontos relevantes, que merecem destaque na pesquisa dizem respeito à relação trabalho infantil e escola. A Pnad 2007 constatou que o número de crianças matriculadas vem aumentando e o número daquelas que estudam e trabalham está diminuindo; contudo, a parcela daquelas que só trabalham se manteve inalterada, ou seja, as crianças que trabalham têm maior dificuldade de frequentar a escola, além de não conseguirem mudar suas realidades. A pesquisa demonstrou, ainda, que os locais com maior incidência de trabalho infantil também são os locais com menores Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O levantamento do Pnad também verificou a questão da cor e da situação econômica do trabalho infantil, visto que crianças e adolescentes submetidas a esse tipo de situação em geral são negras e pardas e pertencem a famílias de baixa renda residentes nas áreas rurais das regiões norte e nordeste. Ou seja, aqui estão juntas várias formas de exclusão: de raça, de renda e de regionalidade.

Infelizmente não se tem dados desagregados relacionando analfabetismo e trabalho infantil, mas a maior taxa de analfabetismo também está concentrada nesta faixa populacional. E por analogia pode-se inferir que as crianças submetidas ao trabalho infantil e fora da escola também se concentram nas famílias com menor escolaridade.

Atualmente está em discussão no Senado um projeto de lei que propõe alterações na Lei Pelé. Desde que o projeto estava na Câmara dos Deputados a sociedade civil e o Ministério Público do Trabalho tentam inserir em seu texto medidas de proteção ao/a atleta em formação, tais como vínculo na carteira de trabalho e previdência social, fundo de garantia, pagamento de piso de um salário mínimo, frequência obrigatória na escola. No entanto, os clubes de futebol estão fazendo forte pressão para que os parlamentares não aceitem estas alterações, pois resultariam em gastos para estas entidades esportivas.

E o mais grave é que, em muitos casos, as próprias famílias dos atletas em formação, especialmente as de baixa renda, não exigem nada na esperança que os/as filhos/as sejam futuros fenômenos, ou futuros “ronaldinhos”. Enquanto uma ínfima parcela consegue o tão esperado sucesso, a maioria acaba por retornar ao mundo sem estar na escola, sem garantias e tendo de se submeter a trabalhos que não lhes dão de um futuro mais promissor que o de seus pais.

A resolução desta grave questão reside no desenvolvimento de políticas intersetoriais que ataquem todos os lados do problema, no entanto, a educação deve ser a política de frente, visto que é o direito agregador de outros direitos. É inegável que entre as famílias com maior escolaridade o trabalho infantil é praticamente inexistente, pois mesmo aquelas pessoas que, por inúmeros motivos, que vão do desconhecimento ao egoísmo, defendem o trabalho infantil, se estiverem entre as famílias com melhores rendas, não defendem para seus filhos, mas sim para os filhos dos pobres que são úteis para cuidar de suas casas e zelar pelos seus filhos que vão à escola, enquanto eles lavam suas roupas.

Assessora política do Inesc
 

Corrupção também se enfrenta com reforma política

Como, pela atual legislação, qualquer modificação nas regras eleitorais passa necessariamente pelo Congresso Nacional é bom que se tenha em conta o que pensam os atuais parlamentares sobre ela. Pesquisa publicada pelo Inesc, recentemente, aponta os principais motivos pelos quais esta reforma não emplaca. Para a grande maioria dos parlamentares, “não se deve mudar o sistema político”, “não se pode pensar em mecanismos que possibilitem a representação de segmentos nunca representados ou sub-representados” (por exemplo, população indígena, população negra, mulheres, homo-afetivos e favelados), “a democracia direta é inviável”. O que parece os unir é somente o conservadorismo. Neste contexto, como pensar uma reforma política que enfrente a questão das formas de se exercer o poder e seus mecanismos de controle? Afinal, quem no Brasil tem o poder de exercer o poder?

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político tem defendido arduamente que uma mudança no sistema político seria uma das melhores maneiras de enfrentar vários males da nossa democracia, como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. Este conjunto de valores e práticas que perpassam instituições políticas/públicas e a sociedade são as bases para a corrupção.

A referida plataforma, construída desde 2004 por um conjunto de movimentos sociais e organizações da sociedade civil brasileira é estruturada em cinco grandes eixos: fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia representativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e da comunicação e a transparência e democratização do judiciário. A plataforma entende que este conjunto de eixos, com suas propostas, articulados, é capaz de contribuir para uma nova cultura política nas instituições políticas/públicas e na própria sociedade. Esta nova cultura política deverá ter como base os princípios da igualdade, diversidade, justiça, liberdade, participação, transparência e controle social. Vale ressaltar ainda que uma base importante para esta nova cultura política é a construção de um Estado realmente público, democrático e laico.

Para chegarmos a isso, precisamos enfrentar, com radicalidade, a questão da corrupção. Quando falamos em corrupção, estamos falando de uma forma de fazer política baseada no uso do poder político para a manutenção de interesses privados e particulares e, ao mesmo tempo, interesses privados e particulares assaltando os espaços públicos e de poder. Num círculo vicioso que não tem permitido uma renovação significativa dos quadros políticos brasileiros. Utiliza-se deste expediente para manter-se imune às punições legais existentes e manter-se no poder. Assim a corrupção alimenta o poder e o poder alimenta a corrupção.

A corrupção no nosso país não é apenas monetária/financeira, mas é principalmente o uso do poder político para interesses privados e particulares (aqui incluído o desejo de permanecer sempre em cargos eletivos). Para isso, mudam-se as regras do jogo eleitoral a bel prazer de quem está no poder. Vide o processo que permitiu a reeleição. O maior roubo da corrupção é o roubo do poder de decisão do povo, que não tem nenhum mecanismo de revogação de mandato ou de controle do processo decisório, por exemplo, a não ser o limitado processo eleitoral onde o que mais se conta são as estratégias de marketing dos/as candidatos/as e os recursos financeiros que se tem (muitos oriundos do Caixa 2 dos doadores, fruto da sonegação ou corrupção). Este processo cria, como muito bem definiu o professor e jurista Fabio Konder Comparato, uma “democracia sem povo”.

Nos últimos anos a sociedade brasileira criou alguns mecanismos e tentativas de controle social sobre a ação do Estado. Graças a estes mecanismos (sejam os institucionais como os conselhos, sejam as organizações que monitoram o orçamento público de forma autônoma) e à democracia – mesmo que formal – que os casos de corrupção estão sendo denunciados.

Entretanto, este processo é paradoxal, pois promove a sensação de que o Brasil é mais corrupto na democracia do que na ditadura. Sensação falsa, pois na ditadura não havia liberdade de denúncia, portanto pouco sabemos sobre este período da história brasileira. Algumas forças políticas ainda defendem que para enfrentar a corrupção somente uma ditadura. Mas a história tem mostrado que o contrário é mais verdadeiro. Só enfrentamos a corrupção com a radicalização da democracia e a construção de um poder democrático. Não uma democracia que se estruture apenas na representação (via processo eleitoral e partidos). Mas sim uma democracia que conjugue a questão da representação, com a democracia direta e a participativa.

A democracia direta é o direito que a população tem de decidir sobre as grandes questões que afetam a sua vida, portanto a democracia direta desloca o centro do poder decisório das instituições oriundas dos processos eleitorais para a participação popular. Neste sentido, a política deixa de ser monopólio exclusivo dos detentores de mandatos e dos partidos e passa a ser do conjunto da sociedade.

Para chegarmos a isso, precisamos de uma nova regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal, que define as formas de manifestação da soberania popular (plebiscito, referendo e iniciativa popular). A atual regulamentação, feita pela Lei 9.709, de 1998, não só restringe a participação, como a dificulta. Por exemplo, só o legislativo pode convocar referendo e plebiscito. Sendo assim um mecanismo de democracia direta precisa passar pelo aval do parlamento (democracia representativa) para ser exercido. Sem falar na exagerada burocracia para poder apresentar propostas de leis de iniciativas populares.

Além disso, precisamos criar novos mecanismos de participação direta, por exemplo, o veto popular. Devemos criar um sistema de democracia direta, conjugado com os instrumentos e mecanismos representativos e participativos.

Em 2009 um conjunto de organizações, entre elas a Plataforma, a ABONG, a OAB, a CNBB, o INESC, a AMB, com apoio da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, apresentaram uma proposta de lei na Comissão de Participação Legislativa de nova regulamentação do art. 14 da Constituição Federal.

Entre estas propostas, destacamos:

a) a simplificação do processo e a garantia da sua convocação: utilização das urnas eletrônicas para a iniciativa popular; a aceitação de qualquer documento expedido por órgão público oficial com foto como comprovante para assinatura de adesão (hoje só pode ser com título de eleitor); e que os referendos e plebiscitos possam ser convocados pela própria população.

b) Que seja prevista a convocação obrigatória de plebiscitos, referendos e outras formas de consultas para os principais temas nacionais, como por exemplo, tamanho da propriedade da terra, emissão de títulos públicos que representem parcela significativa do PIB, privatização de bens e empresas públicas, acordos internacionais com instituições financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc.) acordos de livre comércio, criação ou fusão de municípios e estados, grandes obras com forte impacto socioambiental, mudanças nas leis eleitorais, entre outros temas.

c) precedência de votação por parte do Legislativo dos projetos que venham de leis de iniciativa popular.

Por democracia participativa entendemos a participação, via organizações e movimentos sociais, nas definições das políticas públicas, inclusive nas econômicas e não apenas nas chamadas políticas sociais. É uma participação que se dá via organizações da sociedade civil autônomas e independentes do Estado e dos partidos. Uma das manifestações desta forma democrática são os conselhos e conferências criados, principalmente, depois da Constituição Federal de 1988. Apesar da proliferação de espaços participativos como estes em todo o Brasil e sobre quase todas as políticas públicas, precisamos criar um sistema de participação que rompa com atual fragmentação dos espaços participativos. Além disso, estes espaços precisam ser autônomos (e não apenas homologadores de decisões já tomadas pelo executivo), ter caráter deliberativo e laico, a sociedade organizada de fato deve escolher seus representantes, o orçamento público de cada política deve ser acompanhado e deliberado por estes espaços, e eles precisam se constituir em espaços de partilha de poder e não um faz de conta da participação.

Para isso, destacamos algumas propostas:

a) Criação de espaços de democracia participativa nos poderes Legislativos e Judiciário, incluindo o Ministério Público, e não apenas no Executivo.

b) Criação de mecanismos de participação, deliberação e controle social nas políticas econômicas, de desenvolvimento e no orçamento público.

c) Criação de mecanismos de diálogos e de interlocução dos diferentes espaços já existentes de participação e controle social.

Por fim, no que se refere à democracia representativa precisamos fazer uma reforma eleitoral (que o senso comum tem chamado de reforma política) que mude completamente a forma de escolha dos/as nossos/as representantes (vereadores/as, deputados/as, prefeitos/as, senadores/as, governadores/as, presidente). A representação não pode ser um “cheque em branco” onde só temos o direito em votar a cada quatro anos e nada mais. Pelas regras atuais não temos controle nenhum sobre a representação. Não é à toa que boa parte dos escândalos de corrupção dos últimos anos estão associados à democracia representativa, ou mais precisamente, ao chamado “Caixa 2” para manter este sistema.

Para alterar a democracia representativa, destacamos algumas propostas, tais como:

a) Financiamento público exclusivo de campanha. Recurso privado não pode financiar a política. Este é um dos maiores fatores de corrupção no Brasil. Precisamos instituir um sistema de financiamento público de campanhas, com regras rígidas de controle, fiscalização e punição para quem descumprir. O financiamento público também enfrentaria outra questão importante para a democracia que é a busca da igualdade de condições econômicas nos processos eleitorais.

b) Votação em listas pré-ordenadas. Um dos problemas do atual sistema é a distorção na representação. Parcelas da população não estão representadas ou estão sub-representadas, como é o caso das mulheres, população indígena, negra, etc. Não construiremos democracia no Brasil mantendo no poder apenas um rosto “masculino, branco etc”.

c) Criação de uma comissão de fiscalização do processo eleitoral: formada pela justiça eleitoral, partidos e representantes da sociedade civil.

Entendemos que uma reforma política entendida de forma mais ampla que simplesmente a reforma do sistema eleitoral é um dos elementos fundamentais para enfrentarmos a questão da corrupção. Em outras palavras, o atual sistema político com suas formas de exercício do poder é elemento central da cultura da corrupção e da impunidade no Brasil. Sem mudar isso radicalmente não teremos um país livre da corrupção.

José Antonio Moroni e

Ana Claudia Teixeira

Visões Fiscais

Neste artigo são contrapostas duas visões sobre a questão fiscal brasileira.
Uma visão prioriza em suas análises o crescimento das despesas públicas, separando despesas de custeio das relativas a investimentos, concluindo que o excesso de despesas de custeio impede que sobrem recursos para os investimentos na infraestrutura.

Defendem elevados superávits primários (receitas menos despesas, exclusive juros) como melhor arma para reduzir a taxa básica de juros (Selic). É um sinal importante ao mercado financeiro, que o governo federal irá controlar o déficit fiscal e reduzir a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB).

Para conseguir estes superávits defendem a redução das despesas de custeio, especialmente da previdência social, do funcionalismo e dos programas sociais, que foram as que mais cresceram nos últimos anos. Assim, elevações de salário mínimo, reajustes salariais, contratação de servidores públicos e aumentos nos programas sociais vão na contramão do objetivo central, que é obter elevados superávits primários.

Para reduzir as despesas da previdência social advogam o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, contenção nos reajustes do salário mínimo e a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. Para as despesas com pessoal, defendem a redução do número de servidores e contenção dos reajustes salariais.

O que está por trás desta visão é que o Estado é um mau aplicador de recursos ao contrário do setor privado. Assim, quanto menor a despesa com o Estado, mais recursos sobrarão para o setor privado desenvolver suas atividades. É uma política minimalista do Estado, não apenas em seu tamanho, mas também em sua interferência na vida econômica das empresas.

A outra visão sobre a questão fiscal considera além das despesas, as receitas públicas como determinantes dos resultados fiscais e vê como inadequada a oposição entre despesas de custeio e investimentos por cumprirem funções distintas, complementares e necessárias.
Ao invés de manutenção de elevados superávits primários para reduzir a Selic, propõem a redução da Selic para permitir menores resultados primários. Assim, a adequação fiscal depende fundamentalmente do Banco Central, que deveria operar com taxas de juros ao nível internacional, o que aliviaria rapidamente as despesas com juros, sendo esse o principal remédio para a saúde das finanças públicas.

É contra o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria, caso mantido o fator previdenciário, e contra a desvinculação do piso previdenciário ao salário mínimo, que deverá crescer para reduzir as desigualdades na distribuição de renda. Com relação às despesas de pessoal defendem a adequação delas às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado.

O que está por trás desta visão é que o Estado deve regular a economia e ter os recursos necessários para cumprir as obrigações que lhe são atribuídas pela sociedade através da Constituição Federal.

Ambas as visões reconhecem que as despesas públicas devem ser racionalizadas e priorizadas, evitando desperdícios, só que para a primeira visão a redução de despesas deveria ser usada preferencialmente para investimentos ou abater a dívida pública. Para a segunda visão, especialmente para atender a demanda social reprimida e para programas de redistribuição de renda.

A seguir breve análise dessas visões.

Os determinantes dos resultados fiscais são o nível e a evolução das receitas e das despesas. As receitas dependem fundamentalmente da atividade econômica e da eficiência das máquinas fazendárias. Níveis de crescimento próximos a 5% ao ano permitem lucros e massa salarial superiores ao crescimento do PIB e o governo arrecada proporcionalmente a essas bases de tributação. Alem disso, com esse nível de crescimento do PIB se reduz a inadimplência e a sonegação, que são elevadas. As despesas se subdividem entre custeio, investimentos e juros. As duas primeiras estão aquém das necessidades de atender aos elevados déficits sociais e de infraestrutura do País. As despesas com juros constituem a maior anomalia das contas públicas, devido ao elevado nível da Selic, que contamina de forma direta ou indireta o endividamento em títulos do governo federal. Nos últimos quinze anos a gastança com juros atingiu em média por ano 7,51% do PIB. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi omissa ao não limitar o impacto fiscal da política monetária.

Independentemente da obrigação dos gestores públicos de racionalizar e priorizar as despesas e investimentos é importante reconhecer a importância que têm cada uma para o desenvolvimento econômico e social do País. As despesas de custeio contribuem para reduzir o déficit social e os investimentos atendem às necessidades de ampliar a oferta de equipamentos públicos e de infraestrutura.

Um dos termômetros das contas públicas é o resultado nominal (resultado primário menos os juros). Ignorar os juros como despesa pública é além de um erro conceitual, a desconsideração de um dos maiores componentes da despesa pública do País. O outro termômetro é o nível e a evolução da relação entre a dívida e o PIB. Essa relação depende do resultado nominal e não do resultado primário. Em termos macroeconômicos os gastos do governo em expansão, elevam a demanda, pressionando a inflação. Quando o Banco Central eleva a Selic, cria um gasto adicional de governo e eleva a demanda. Para os aplicadores que ganham com a elevação da Selic, há um aumento do consumo pelo efeito riqueza. Ainda sob o aspecto fiscal uma elevação das despesas com juros equivale matematicamente a uma redução de igual montante no resultado primário, piorando as contas públicas.

Existem estudos que demonstram que o crescimento das despesas previdenciárias pelo envelhecimento da população, caso mantido o fator previdenciário, é mais do que compensado pela redução das despesas na área social com a diminuição da população jovem. Quanto ao impacto do salário mínimo na previdência social, deve-se levar em conta o efeito que causa nas receitas públicas pela ativação da economia.

Com relação às despesas de pessoal o que deve nortear seu montante é a adequação delas às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado, supondo uma gestão de recursos humanos adequada. O setor público tem muito a avançar neste aspecto. É provável que haja excesso de servidores nas funções-meio e falta nas funções-fim. As funções-meio servem de suporte administrativo, jurídico e operacional às funções-fim, aonde se dão as prestações de serviços nas áreas sociais, de segurança, de fiscalização e de atendimento ao público. As funções-fim concentram cerca de 80% do total de servidores públicos e são patentes suas carências em termos quantitativos e qualitativos. Devem ser estabelecidos limites estreitos aos cargos em confiança, que em muitos casos nada mais são do que cabos eleitorais.

O Estado numa sociedade democrática deve atender o que lhe é determinado pela sua Constituição tanto em termos de prestação de serviços e investimentos quanto na regulação e participação da atividade econômica e financeira. Caso ela obrigue o atendimento universal para a saúde, previdência, assistência social e segurança, e educação até o ensino médio, como é o nosso caso, deve contar com os recursos necessários a essas finalidades.

* Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.

Os Capitais Misturados de Belo Monte

São muitos os desafios técnicos de engenharia e inúmeros os problemas sociais e ambientais envolvidos, alguns ainda desconhecidos. Prevê-se a intensificação do desmatamento na região e o conseqüente aumento das emissões de gases de efeito estufa – confesso que desconheço se alguém calculou a quantidade de gases poluentes e CO2 será “necessário” lançar na atmosfera para produção do cimento utilizado. Também se prevê o ressecamento de áreas úmidas e de vários cursos d’água, comprometendo a biodiversidade em geral e a biodiversidade aquática em particular. Isso tem implicações diretas no modo de vida e nas fontes alimentar e de renda de comunidades indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares. Calcula-se em pelo menos 30 mil o número de pessoas afetadas diretamente pelas obras e pelas mudanças ambientais provocadas no rio Xingu. A esse problema se acrescenta uma onda migratória que pode chegar a 100 mil pessoas somente para a cidade de Altamira, dobrando a população atual e agravando ainda mais a situação social na região.

Mas ao contrario do que se poderia pensar, neste breve artigo não vou me ater a traçar os inúmeros problemas, conflitos e disputas em torno do barramento e da instalação da usina hidrelétrica no rio Xingu. Antes, quero chamar a atenção para Belo Monte como um caso interessante para nos ajudar visualizar os principais agentes e relações que estão configurando o modos operandi do capitalismo à brasileira na atualidade – ao menos no tocante aos grandes projetos de infra-estrutura – e uma característica ainda pouco problematizada: o que estou chamando de mistura de capitais.

Além do papel decisivo do Estado na viabilização deste e outros projetos, os fundos de pensão de funcionários de empresas estatais têm assumindo ai crescente protagonismo, tanto financeiro quanto político. A PREVI (dos funcionários do Banco do Brasil) é considerado o maior fundo de pensão da América Latina, responsável por um patrimônio de R$ 142,6 bilhões. A ele seguem PETROS (dos funcionários da Petrobrás), FUNCEF (funcionários da caixa Econômica Federal), Fundação CESP (ligado as empresas publicas e privadas do setor de energia elétrica do Estado de São Paulo) e VALIA (dos funcionários da mineradora Vale). Coincidentemente, ambas PREVI e FUNCEF têm à frente dirigentes ligados as principais centrais sindicais de trabalhadores no Brasil, particularmente a CUT, e manifestaram intenção de investir na construção de Belo Monte.

O BNDES é outro ator chave no atual modelo de financiamento dessas obras, assumindo parcela considerável do financiamento alegando serem de “utilidade pública”, ou por intermédio da holding BNDESPar (BNDES Participação S.A.), criada pelo banco para administrar sua participação no capital de empresas estatais e privadas de setores como papel e celulose, armamentos, etanol, carne bovina, construção civil e engenharia, petróleo e gás, mineração etc.

Considerado o “grande filé” do momento no setor hidroenergético, a exploração comercial de Belo Monte está atraindo grandes grupos empresariais do setor. Um desses é o Grupo Neoenergia, considerado o terceiro maior investidor privado do setor elétrico brasileiro, que entra na corrida por Belo Monte integrado com a Vale, Andrade Gutierrez e Votorantim. Coincidentemente o fundo previdenciário dos funcionários do Banco do Brasil (PREVI) controla 49% das ações desse grupo, seguido do grupo espanhol Iberdrola com 39% e o Banco do Brasil Investimentos (BBI) com 12%. A PREVI também é a principal controladora da Vale junto com o banco Bradesco.

Um interessante arranjo político-financeiro – típico dos tempos de “mistura de capitais” – encontramos na conformação da Companhia Energética de Minas Gerais. O Grupo CEMIG é uma empresa mista, de capital aberto, controlada pelo Governo de Minas Gerais que até o dia 7 de abril dizia não ter interesse em associar-se com qualquer um dos consórcios que disputarão Belo Monte, mas compor com o grupo vencedor. Entre os acionistas da CEMIG estão fundos de pensão nacionais (PREVI, PETROS, CENTRUS, FUNCEF e Eletroceee) e internacionais (United Nations Joint Staff Pension Fund, The State of California Public Employees Retirement System, The United Nations Joints Staff Pension Fund), além de grandes instituições financeiras internacionais (Citibank NA New York, Abu Dhabi Investment Authority, Deutsche Bank AG London, Credit Suisse First Boston).

Espero ter podido suscitar no leitor a curiosidade necessária para que siga buscando informar-se sobre os arranjos políticos, financeiros, sociais e culturais que estão viabilizando o chamado de “novo milagre brasileiro”, que com a emergência dos fundos de pensão na última década configura uma inédita mistura de capitais. Bom seria se pudéssemos falar sobre as relações disso tudo com o novo modelo extrativista em implantação na região sul-americana, mas isso vai ficar para uma próxima vez, pois infelizmente chegamos ao limite do espaço disponível.

Ricardo Verdum
Instituto de Estudos Socioeconômicos
 

 

INESC apóia Abril Vermelho

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) inicia dia 17 até o dia 23 de abril um movimento maciço pela ocupação de terras em todo país. Esse movimento é denominado “Abril Vermelho”. Esta mobilização está assombrando os latifundiários (improdutivos por natureza), tirando o sono da Bancada Ruralista e de todo seu séquito entrincheirado nos diversos postos de poder.

Estes donos das terras griladas, com títulos requentados nos cartórios mal arranjados, deveriam saber que esta data, 17 de abril, não foi consagrada como “Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária” por um fundamentalista de esquerda, mas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em um decreto, que se transformou na Lei 10.469/2002, com apenas dois artigos (10. É instituído o dia 17 de abril como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação), o presidente Fernando Henrique legalizou a mobilização pela conquista da terra no Brasil.

O Brasil é um dos países que mais concentra terra no planeta. Os dados do Censo Agropecuário/2006 demonstram que mais de 50% da população, cerca de 95 milhões de pessoas, detém menos de 3% das terras, enquanto 46 mil pessoas detém quase metade das terras. A concentração da terra aferida pelo índice de Gini, que possui uma escala de 00 a 01 (quanto mais próximo de 01 maior é a concentração da terra), atinge um índice de 0,854. Esta concentração aprofunda a desigualdade e engrossa o caldo de pobreza cultural e material na área rural. Neste contexto desfavorável são as populações mais fragilizadas que sofrem maior impacto e, dentre elas, as mulheres e, dentre as mulheres, as negras e as pardas, que são a maioria da população feminina rural.

A reivindicação pelo acesso a terra é um direito e compete ao Estado providenciar sua realização. Para isso, foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para que a União no exercício de sua competência execute a reforma agrária.
A Constituição Federal, de 1988, define as terras que devem ser desapropriadas: os imóveis rurais que não estiverem cumprindo a função social (art. 184) e a propriedade improdutiva (art. 185, II). Um imóvel que não esteja cumprindo a função social não é uma propriedade é um objeto de valor especulativo. A terra não pode ser um objeto de especulação, deve ter como destino a produção de alimentos e a preservação da cultura rural.

Por isso, quando a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), da Bancada Ruralista, protocola um documento no Ministério da Justiça, para combater o “Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária”, está indo contra a lei que garante a mobilização dos trabalhadores rurais. É de se pensar que a Senadora do DEM imagina que as mulheres trabalhadoras rurais poderiam promover um chá beneficente em prol da reforma agrária. Elas irão é de enxada, foice e facão na mão para cima das terras devolutas que os grileiros invadiram e das terras improdutivas que os latifundiários estão estocando.

A CNA, em seu documento, propôs ao governo que implemente um Plano Nacional de Combate às Invasões de Terra, semelhante ao que foi feito para enfrentar o tráfico de drogas. Sugeriu, também, que os governadores possam arregimentar a Força Nacional de Segurança Pública para impedir novas “invasões de terras”. Essas sugestões de força não conduzem a uma negociação pacífica, apenas promovem a violência. A CNA nunca vai entender que os Sem-Terra não querem confronto, mas a posse da terra para produzir e ter uma vida digna, coisa que os grandes proprietários de terras jamais possibilitaram aos seus empregados.

Enquanto a CNA apela para o Ministro da Justiça contra os trabalhadores rurais sem-terra, uma pesquisa realizada pelo própria Confederação demonstra que menos de 1% de fazendas visitadas pela CNA cumpre legislação trabalhista, Ou seja, 99% não cumprem a legislação trabalhista! A mídia publicou parte da pesquisa que constata “entre as falhas encontradas, estão trabalhadores sem carteira assinada, alojamentos inadequados e empregados que costumam almoçar no campo, e não em refeitórios apropriados, o que é considerado ‘degradante’ pelo Ministério do Trabalho”.

Enquanto a oligarquia agrária e a sua representação social e parlamentar – a Bancada Ruralista – movimentam-se para preservar as terras griladas e devolutas invadidas, o MST declara em altos brados: “damos início à Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, realizada em memória dos 19 companheiros assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, durante operação da Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, em 1996”.

A meta do MST é superar os números da jornada de 2009, quando foram realizadas 29 ocupações de terra. Em outros anos as ocupações passaram de uma centena. A população brasileira ao assistir pela TV os atos de corrupção e escândalos, promovidos por executivos e elites parlamentares, está aprendendo rapidamente que a participação democrática, o controle social sobre o uso dos recursos públicos só ocorrerá se houver uma alteração radical no sistema de poder. Essa alteração só acontecerá por meio da mobilização popular. Assim, o Inesc e centenas de outras organizações identificam-se com o chamamento do MST e apóia o “Abril Vermelho”.

As redes, fóruns, movimentos populares e organizações da sociedade civil já compreenderam que a omissão fortalecerá a articulação dos setores conservadores que se manifesta no sentido de criminalizar os movimentos sociais. Dessa forma, o Inesc cerra fileiras com as organizações da Via Campesina, apóia o “Abril Vermelho” e convoca as organizações não-governamentais para que se associem a esta mobilização que promove a cidadania e o respeito aos direitos humanos.
 

Edélcio Vigna, Assessor do Inesc

Construção da Usina de Belo Monte viola Constituição e Convenção da OIT

Os parlamentares ouviram os constrangimentos, coações, desrespeito e precarização crescente das condições de vida por que passam milhares de famílias no Estreito há quase uma década, e o apelo para que o mesmo não aconteça com as populações ribeirinhas, agricultores, indígenas, pescadores artesanais e outros possíveis afetados pela UHE de Belo Monte.

À exemplo do ocorrido em 1º de dezembro passado, em audiência convocada pelo Ministério Público Federal em Brasília, os representantes do Governo Federal não compareceram ao debate. A presidência da mesa informou que os Ministérios do Turismo, Minas e Energia, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades e da Pesca, além do Ministério do Meio Ambiente disseram estar impossibilitados devido a um “mal entendido” que teria havido na convocação da audiência.

Também convidado, o Consórcio Estreito Energia (CESTE) não compareceu e ignorou a convocação para participar da audiência. Vencedor do leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em julho de 2002, o CESTE é formado pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda. (que em dezembro passado transferiu para sua controlada Tractebel Energia a participação que detinha de 40,07% da UHE Estreito), Vale (ex do Rio Doce), Alcoa Alumínio S.A, BHP Billiton Metais e Camargo Correa S.A. Também envolvidas com a obra estão a OAS Engenharia, a Andrade & Canella, a Voith Siemens e a Alstom, todas contratadas pelo consórcio como prestadoras de serviços e fornecedoras de equipamentos.

O BNDES é o principal financiador de Estreito, participando com 72.6% dos custos do projeto, estimado em R$ 3,6 bilhões em valores de 2007. Segundo informa o próprio banco, parte do financiamento foi repassada diretamente aos integrantes do consórcio, outra parte foi “intermediada” pelos bancos privados Unibanco-Itaú, Bradesco e Banco Votorantim. O MPF pretende mover ação buscando inviabilizar o repasse pelo BNDES da última parcela “devida” ao consórcio, até que esse solucione as pendências dos compromissos firmados com a população atingida na região.

A audiência serviu também para divulgar o Relatório Missão Xingu: Violações de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, elaborado por Marijane Vieira Lisboa e José Guilherme Carvalho Zagallo, da Plataforma DhESCA. No documento são apontadas várias irregularidades e outros tantos problemas identificados pelos autores em visitas realizadas in loco.

Tanto José Zagallo, da Plataforma DhESCA, quanto a subprocuradora-Geral da República do MPF, Dra. Sandra Cureau enfatizaram que, no caso Belo Monte, a Constituição Federal de 1988 foi  desrespeita pelas empresas e pelo governo federal. Ela estabelece no Artigo 231 a necessidade de autorização do Congresso Nacional para realização desse tipo de obra, posicionamento que deve ser precedido de consulta e do consentimento ou não dos povos indígenas afetados. Além disso, foi completamente desconsiderado o estabelecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificado no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143 e em vigor desde 2003, que aponta procedimento semelhante.

No ritmo como as coisas vão, a Convenção 169 logo vai estar no ralo. Para evitar isso, só mesmo com muita mobilização social e o Congresso Nacional tomando as medidas cabíveis, juntamente com o Ministério Público Federal.

Ricardo Verdum, assessor Inesc

 

Vídeo feito a partir da Audiência Pública no Congresso Nacional
Imagens e edição: Rodolfo Vilela

Direitos humanos são construções históricas e resultado de luta

Na conferência de abertura do curso Cidadania e Direito à Educação, realizado em São Paulo no dia 13/03/2010 e promovido pela Ação Educativa, o assessor de Direitos Humanos do INESC e coordenador da Plataforma DhESCA Brasil, Alexandre Ciconello, fez uma ampla exposição sobre o significado dos direitos humanos e destacou a historicidade do conceito, bem como os desafios para sua efetivação, contextualizando o desenvolvimento e o reconhecimento dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais. “Direitos humanos são construção histórica, a própria noção de direito é uma conquista, que advém de luta social. Os direitos são conquistados por quem vive em situação de opressão e violação de direitos”, destacou.

Ciconello explicou que a noção contemporânea de direitos humanos advém da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que estabeleceu, concretamente como documento assinado por todos os países do mundo, as bases políticas e conceituais desses direitos, que foram posteriormente desenvolvidos por um conjunto de documentos normativos internacionais com força de norma jurídica. É, portanto, um conceito jurídico, em que valores morais, filosóficos e religiosos, de igualdade, justiça, liberdade, sustentabilidade e dignidade humana passam a ser ‘codificados’ e constituem um sistema de direito positivo internacional, criando obrigações para os Estados Nacionais e para a comunidade internacional, tendo como princípios básicos a universalidade, a liberdade com igualdade e a não discriminação.

A declaração elenca uma série de direitos civis e políticos, que estão mais relacionados à liberdade do indivíduo em relação ao Estado. “O contexto da declaração é o de uma polarização ideológica no mundo (Guerra Fria), e os direitos humanos também entram em disputa. Os países comunistas questionam a ausência de direitos sociais, econômicos e culturais na declaração das Nações Unidas”, afirmou Ciconello.

Esse processo de disputa resulta na construção de dois pactos na década de 1960: o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e o Pacto de Direitos Civis e Políticos. “São dois instrumentos normativos internacionais, ratificados pelo Brasil somente em 1992”. Esses três documentos internacionais (Declaração Universal e Pactos) formam a
chamada “Carta de Direitos Humanos” da ONU.

Em 1993, com a Conferência da ONU sobre Direitos Humanos, em Viena, define-se que a dignidade humana significa a conjunção de direitos civis e políticos com os direitos econômicos, sociais e culturais, e determina-se que os países construam programas nacionais de direitos humanos.

No Brasil, a sociedade privilegiou, no contexto da ditadura, a luta por direitos civis e políticos, fortemente negados no contexto da repressão política e da restrição das liberdades individuais. No entanto, sobretudo após a Constituição de 1988 e principalmente na década de 90, quando foi criada Plataforma DhESCA Brasil e surgem outras organizações de direitos humanos abordando temas específicos (educação, saúde, terra, diversidade sexual, comunicação, alimentação, indígenas, quilombolas, mulheres etc), a sociedade passa a lutar mais fortemente pelo reconhecimento e implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais.

No contexto atual, amplia-se a luta para a efetivação do conceito de dideitos ambientais, de viver em ambiente saudável, preservado. Ressalta-se, dessa forma, a relação entre a luta por direitos e os momentos históricos vividos, bem como as relações de poder que perpassam construção e efetivação dos direitos humanos.

Estrutura e princípios dos direitos humanos

Além de terem como princípios *universalidade*, *liberdade com digualdade* e *não discriminação*, os direitos humanos são *indivisíveis* – uma violação a um direito é uma violação da dignidade da pessoa – e *interdependentes*, ou seja, a violação do direito à educação é também, por exemplo, violação do direito ao trabalho, dado que diferenças na escolaridade estão relacionadas ao acesso desigual ao trabalho.

O Estado, em relação aos direitos humanos, tem como obrigações: *respeitar* uma vez que o próprio Estado não pode violar; *proteger* que terceiros infrinjam os direitos de alguém; *efetivar*, ou seja, o Estado deve promover direitos por políticas públicas; e *reparar*, em caso de violação, através do sistema de Justiça.

Ciconello também destacou que a operacionalização dos Direitos Humanos se dá do abstrato ao concreto. Isso significa que há um caminho a ser percorrido da estrutura normativa internacional para a aplicação no cotidiano das pessoas. Tal caminho se inicia pela construção e assinatura de tratados internacionais, passa pela Constituição Federal, que no caso brasileiro traz no artigo sexto os direitos sociais, e deve-se tornar lei para, então, ser consolidada em política pública. Uma vez tornados política pública, os direitos são materializados na execução orçamentária.

Desafios à implementação

Em sua apresentação, Ciconello elencou quatro desafios para a efetivação dos direitos humanos no Brasil, a partir das motivações do não cumprimento pleno desses direitos. Nesse sentido, a questão das desigualdades surgiu como tema central da exposição. “O Brasil é estruturalmente uma sociedade desigual. Então, a universalização dos direitos se coloca como questão estruturante”.

Ciconello destacou três entraves principais: patrimonialismo, racismo e sexismo, que geram desigualdades relacionadas a renda, raça, gênero e território. As políticas públicas universais ainda não são suficientes para universalizar direitos, por se defrontarem com tais entraves. A política de saúde, exemplificou Ciconello, ainda que tenha como pressuposto a universalidade do atendimento, revela-se desigual na materialidade do sistema, uma vez que as mulheres negras são, de acordo com pesquisas, pior atendidas do que as brancas.

Para elucidar a questão da desigualdade que resulta do racismo, Ciconello valeu-se de dados do Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). De acordo com relatório PNUD (2005), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil colocava o país, em 2002, na 73ª posição. “Se desagregássemos os indicadores sociais e de renda que formam o índice por raça/cor, teríamos que o Brasil negro ocuparia a *105ª* posição no /ranking/, enquanto o Brasil branco ocuparia a *44ª *posição. A comparação entre o Brasil branco e o Brasil negro expressa em estatísticas a distância desses dois mundos. A taxa de matrícula no ensino médio é outro exemplo. Ainda que tenha crescido para ambos, manteve a distância no acesso entre negros e brancos”, afirmou. Além disso, apontou-se a discriminação no mercado de trabalho, expressa pela diferença salarial entre negros e brancos com mesma escolaridade média.

Justifica-se, portanto, como primeiro desafio, a adoção de medidas afirmativas, para que se cumpra aquilo que está expresso em tratados e convenções internacionais assinados pelo Brasil, em que o País se compromete a reduzir as desigualdades raciais. “Isto só se realiza por ações afirmativas, uma vez que a igualdade formal do direito mantém privilégios. As políticas universais não estão conseguindo diminuir a desigualdade, por isso a necessidade de políticas afirmativas para universalizar direitos. Não se deve tratar de forma igual os desiguais”.

Como segundo desafio, Ciconello colocou o enfrentamento da violência, estrutural no País. “O Brasil é o sexto país onde mais se mata no mundo. São 26 homicídios por 100 mil habitantes. Na Europa não se chaga a 2 por 100 mil e nos EUA, considerado um país violento, a taxa está em 7 por 100 mil”, comparou. Todos os países posicionados acima do Brasil no ranking passam ou passaram recentemente por guerra civil.

A violência se reflete na situação de mulheres, jovens negros, crianças, bem como na criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. “Quem luta para mudar a realidade é criminalizado. Quem luta por democracia, pelo acesso à terra, pelos direitos reprodutivos, por democratização da comunicação etc, é criminalizado e relacionado a um contexto de violência”, explica. É nesse sentido que defensores de direitos acabam perseguidos pela luta contra a exclusão e a opressão.

Ciconello também relacionou o tema com o modelo de desenvolvimento excludente e ambientalmente insustentável, elencado como terceiro desafio. “Devemos nos perguntar a quem o Estado beneficia com o agronegócio. O modelo macroeconômico de desenvolvimento do País é prejudicial aos direitos humanos, na medida em que concentra renda, é excludente e ambientalmente insustentável”, destacou, relacionando em seguida a política macroeconômica com o orçamento público. “A principal aplicação de recursos é para diminuir o custo para a reprodução do capital, para beneficiar atividades predatórias e a poucos grupos”.

Dessa forma, o especialista comparou os investimentos em políticas compensatórias como o programa Bolsa Família e aquilo que é gasto para pagamento de juros da dívida pública. “Entre 2004 e 2007, a União gastou R$ 755 bilhões com os juros da dívida, o que corresponde a 30% do orçamento. Já pelo [programa] Bolsa Família foram investidos R$ 12 bi”.

Outro questionamento está no privilégio do agronegócio exportador em detrimento da agricultura familiar. Ainda que expresse altas cifras, Ciconello questiona quem se beneficia disso. “Apenas uma elite do campo, e que ainda prejudica o meio ambiente”.

Já o quarto desafio é a construção de uma cultura em direitos humanos, a conscientização das pessoas em relação à temática. “É urgente a democratização das telecomunicações no país, hoje concentrada nas mãos de poucas famílias, ligadas ao poder econômico. Há uma reprodução de visão única, o que dificulta a conscientização da necessidade de luta pelos direitos”.

O conferencista finalizou sua exposição afirmando que tais concepções e desafios basearam a formulação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3, divulgado recentemente pelo Governo Federal e que vem sofrendo sistemáticos ataques de setores conservadores justamente por pautar questões centrais para a realização da justiça social no País, como a distribuição da terra, a preservação do meio ambiente, a laicidade do Estado e o respeito à liberdade religiosa, o direito das mulheres e as políticas afirmativas.

Sobre o Inesc e a Plataforma DhESCA

O Inesc é uma organização não governamental que tem por missão “*Contribuir para o aprimoramento da democracia representativa e participativa visando à garantia dos direitos humanos, mediante a articulação e o fortalecimento da sociedade civil para influenciar os espaços de governança nacional e internacional”, atuando com a* promoção dos direitos humanos a partir do orçamento público. Leia mais em https://inesc.org.br/

Já a plataforma DhESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) é uma articulação de 34 organizações e redes nacionais de direitos humanos, que desenvolve ações de promoção, defesa e reparação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, visando o fortalecimento da cidadania e a radicalização da democracia.
Ela possui relatorias nacionais do direito humano à educação, saúde, moradia e terra, alimentação, meio ambiente e trabalho. A função de Relator é liderar investigações independentes sobre violações de direitos. Leia mais em http://www.dhescbrasil.org.br/

*Alexandre Ciconello,
Sistematizado por Hugo Fanton

Assista ao vídeo Cidadania e Direito à Educação –  Alexandre Ciconello

 

Câmara dos Deputados tem pauta eleitoral

Nos anos eleitorais a Câmara dos Deputados tem expediente legislativo de apenas um semestre. A partir de agosto os parlamentares entram em recesso branco para preparar suas campanhas, montar as dobradinhas e cuidar da propaganda eleitoral. Como diz um velho axioma: “melhor que ser eleito, é ser reeleito”. Assim, a cada dois anos o Congresso revive um compasso de espera e de angustia.

Durante o primeiro semestre a pauta da Câmara dos Deputados fica em estado de suspensão. Nenhuma matéria, por mais importante que seja, tem a garantia de ser votada. Um projeto polêmico pode sair da pauta para evitar um prejuízo eleitoral. Outro, que poderá desagradar os governadores, não terá a unanimidade das lideranças. Um terceiro poderá não entrará na pauta, mesmo depois de dezoito anos de espera, caso não esteja de acordo com os interesses de diversos setores econômicos.

 

A pauta para o primeiro semestre de 2010 é uma cesta de variedades:

• O Pré-Sal, que é um conjunto de projetos de lei, está na pauta, mas nada garante que vai a votação. A dificuldade é convencer os governadores, onde os reservatórios de petróleo e gás estão localizados, a partilhar os royalties com os demais estados. A criação do fundo social com recursos do pré-sal e a permissão à União vender à Petrobras, sem licitação, o direito de explorar até cinco bilhões de barris de petróleo, também não é consenso. O governo tem grande interesse em regulamentar a matéria e vai jogar pesado e a oposição pretende tirar todo proveito desta situação.

• A Lei Pelé, que garante recursos para os clubes formadores de atletas, também não é nenhum mar de rosas. A partilha dos recursos pelos clubes também não é nenhum item consensual. O projeto tem apoio de alguns setores dentro do governo e os clubes em situação financeira difícil poderão chegar a um acordo. A sociedade civil questiona o texto do projeto.

• A PEC da Alimentação, que já foi aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Espera um segundo turno. Este projeto tem apoio do governo, da oposição e de setores importantes da sociedade civil. Tem grande chance de ser aprovado.

• O projeto contra o trabalho escravo foi apresentado em 2001, pode entrar na pauta. Este projeto permite o confisco de terras onde forem encontrados trabalhadores submetidos a regime análogo à escravidão. Foi aprovada no Senado e aguarda votação em segundo turno na Câmara dos Deputados desde 2004. Este projeto enfrenta uma forte oposição da Bancada Ruralista e do Agronegócio. Inúmeras organizações da sociedade civil apóiam este projeto e instituíram o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

• O projeto que dispõe sobre o Estatuto das Sociedades Indígenas foi apresentado em 1991. A sociedade civil está forçando para que entre na pauta. Enfrenta forte oposição dos ruralistas, empresas madeireiras e de grupos mineradores nacionais e internacionais, que estão sempre pressionando os limites dos territórios indígenas. As organizações indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos, entre outras, apóiam o projeto, mas as lideranças partidárias resistem em colocá-lo em votação.
Existem também diversos projetos de decreto legislativo que ratificam acordos internacionais. Entre estes podemos ressaltar:

• O que aprova o texto do Acordo de Cooperação em Matéria de Comunicação entre o Brasil e a Venezuela, celebrado em Caracas, em 2005. Este projeto está para entrar em discussão em turno único. Já entrou e saiu de pauta diversas vezes. É provável que a repercussão do fechamento das TV Cabo em Caracas, poderá prejudicar a tramitação da matéria.

• O texto do Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Zimbábue, assinado em 2006, também está enfrentando resistências. Entrou em discussão em turno único, mas foi retirado de pauta. Muitos se opõem ao regime político do Presidente Mugabe que está há 28 anos no poder e se reelegeu para mais um mandato. Após o primeiro turno das eleições o Zimbábue entrou em crise política. No segundo turno o candidato de oposição retirou a candidatura por ter sofrido ameaças. Mugabe enfrenta condenações da comunidade internacional – Estados Unidos e Canadá já anunciaram sanções ao regime.

A pauta é uma indicação política de votação. Nada indica que os projetos listados chegarão ao plenário. Muitos poderão continuar no limbo, tal como o Estatuto das Sociedades Indígenas, e outros, que não estão elencados poderão entrar depois de uma reunião de líderes. Todo cuidado é pouco, pois cada movimento pode alterar no tabuleiro eleitoral.

 

Edelcio Vigna

Assessor Político do INESC

COP 15: impasse em Copenhague

Brasília, 19 de janeiro de 2010.

   A COP15, Conferência promovida pelas Nações Unidas (ONU) para discutir o clima do Planeta Terra, realizada na capital dinamarquesa, Copenhague, durante 7 e 18 de dezembro de 2009, envolveu milhares de pessoas do mundo oficial, dos setores produtivos e da sociedade civil organizada e movimentos sociais, muita segurança policial e, ao mesmo tempo, muita dificuldade de vislumbrar o que seria possível alcançar. Esperava-se que fosse um momento de inflexão, um momento político sem precedência, ou seja, esperavam-se decisões de grande vulto e com poderes jurídicos efetivos sobre todas as nações. Nunca a humanidade e o planeta estiveram tão ameaçados desde que o tempo histórico começou a correr. E nunca em tão pouco tempo histórico, cerca de 200 anos, as mãos humanas produziram tanta destruição acelerando processos da natureza que poderiam demorar milhões de anos para começar.

   Na abertura da conferência todas as autoridades falaram da urgência de se fazer um acordo efetivo e um plano de ação. O primeiro ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen; o secretário-executivo da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Yvo de Boer; e a prefeita de Copenhague, Ritt Bjerregard, foram uníssonos ao lembrarem o compromisso urgente dos países e das necessárias condições políticas, financeiras e tecnológicas para solucionar problemas, mitigar e adaptar aos efeitos das mudanças climáticas.

   A Ministra dinamarquesa Connie Hadeggaard, eleita presidente da COP 15, fez um trocadilho dizendo: “viemos de Bonn e Barcelona e agora é o tempo do C de Copenhague. Tempo de encontrar soluções”. Ela assinalou ser este o momento de encontrar compromissos efetivos, pois existe pressão do mundo e vontade política mais profunda para um acordo efetivo. Afinal, o mundo todo está olhando para que os líderes mundiais acertem os passos. Se perdermos esta oportunidade será muito difícil conseguir outro momento com a mesma força, considerou a Ministra. Será?

   Dr. Rajendra K. Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), fez um discurso duro e alarmante, afirmando a posição defendida pela comunidade cientifica. Recentemente os dados foram contestados por piratas que capturaram dados e usaram a internet para desqualificar o trabalho deste grupo de cientistas. Seu discurso foi claro e efetivo. Assinalou a importância deste momento histórico de ação e urgência frente impactos irreversíveis da mudança climática do planeta.

   O Quarto Relatório (AR4) do IPCC, apresentado pouco tempo antes da COP13, realizada em Bali, em 2007, teve um profundo impacto sobre as decisões de Bali e todos os debates que se sucederam. Ações globais deveriam ser tomadas com urgência urgentíssima, por meio de um plano de ação para implementação por todas as partes, levando em consideração as responsabilidades comuns, porém diferenciadas entre os países.

   Mais uma vez, o AR4 apresentou os cenários dos fatos decorrentes das mudanças climáticas: aumento da temperatura em meados do século XX em níveis de 0,74 centígrados, provocando o derretimento do gelo em todo o planeta e o consequente aumento do nível dos oceanos. As Ilhas Maldivas e Estados constituídos por várias pequenas ilhas estão desaparecendo, inclusive a costa de Bangladesh. Pessoas estão perdendo suas terras e tendo que ser removidas de seu habitat secular. Tuvalu, durante toda a Conferência, expressou dramaticamente o impacto da mudança climática e a tragédia anunciada que estão vivendo.

   Cerca de 40 mil pessoas foram a Copenhague acompanhar este processo e as câmeras de todas as televisões e jornais to mundo estavam focados no Bela Center, local de encontro das reuniões oficiais. A sociedade civil organizada acompanhou por dentro e de fora. Realizou uma das maiores marchas nas ruas de Copenhague com mais de 100.000 pessoas protestando com o rumo da conferência e com a percepção que seria um grande fiasco. Pelo menos com a ambição que se pretendia. De fato, foi um fiasco. De fato, nossa ambição de ver nossos líderes comprometidos com mudanças substantivas nos padrões de produção e consumo, em especial dos países ricos, mais uma vez, frustrou-nos.

   Algumas considerações importantes devem ser feitas para ajudar-nos a sair desta sensação de profunda frustração. Primeiro, é importante considerar que o nível de nossa ambição era muito grande para a realidade dos países. Nenhuma população dos países ricos, em sua maioria, está preparada (psicológica, cultural e materialmente) para enfrentar as mudanças que são necessárias. Construir uma mentalidade não capitalista, menos individualista e mais complementar e solidária envolve mudança de mentalidades. Apresentamos poucos sinais de estarmos preparados, ainda, para esta mudança. Os setores empresariais são os que estão jogando mais duro e não querem pagar a conta da transição de modelo, em especial, porque o preço dos combustíveis fósseis ainda é bem mais barato que a busca de energia limpa e renovável. Como combater esta mentalidade?

   Os Estados nacionais também não estão em condições de impor posições mais avançadas, na medida em que estão fragilizados e comprimidos entre a inconsciência da maioria população e o os interesses das grandes empresas. Tudo isso gera uma sensação de impotência e frustração, sentimentos que tomaram a todos e todas nós ao término da COP15.

   Segundo, temos que considerar que esta conferência foi a que mais repercutiu na imprensa. Provavelmente, por causa no número de desastres naturais que vêm ocorrendo, e pela concentração de líderes de Estados presentes, a atenção do mundo foi maior. O fato é que podemos dizer que, do ponto de vista do debate público, a conferência foi fundamental.

   Terceiro aspecto, a visibilidade da mesma, ajudou de forma estratégica a novas composições de poder entre os países. Os países insulares que pouco apareciam neste debate, tiveram uma força importante, representados pelo discurso do representante de Tuvalu. Os países africanos pressionaram como grupo em si e como membros do G-77 (cerca de 130 países membros). Garantiram que China, Índia, Rússia ou Brasil não costurassem acordos paralelos. E há que se considerar que a presença do Brasil e de sua posição firme na apresentação de proposta de emissão voluntária de quase 40% de corte nas emissões de gazes de efeito estufa foram cruciais para o aprofundamento do debate.

   A frustração foi grande porque as expectativas eram maiores ainda. Desta forma, a sensação foi de muita tristeza e desamparo. Mas, ao mesmo tempo, foi um processo de re-energização do debate, maior tomada de consciência pública no âmbito mundial e local. Bases fundamentais para mudanças mais concretas. Os países ricos perceberam que não comandam como antes, e muito menos os países pertencentes ao G-20. Na Conferência das Partes, as decisões a serem implementadas pelos países deve ser por consenso e foram exatamente, os menores, menos visíveis, tais como Tuvalu, Bolívia, Venezuela entre outros que “melaram” o jogo dos poderosos, impediram o consenso forjado que pretendia o Ministro da Dinamarca. O jogo do poder fica mais complexo e isso me parece positivo.

   Por fim, temos que considerar o papel da sociedade civil organizada, que com sua diversidade de posições, mas afinada na ambição, promoveu debates consistentes, pressionou os governos dentro do espaço oficial e nas ruas de Copenhague. Mostrou que ação política, construção crítica e mobilização são fundamentais para quebrar o gelo dos burocratas ou daqueles que insistem em manter o privilégio de viver a despeito de nações e de povos, a despeito da fauna e da flora, a despeito da saúde do Planeta! Acredito que, sob este aspecto, a COP15 foi um sucesso.

   Agora é olhar para o futuro, não perder a sintonia nem nossa agenda. Pensar como poderemos fazer da COP16, em Cancun, México, um momento de afirmação e melhor equação das tensões, renovando nossas ambições e esperanças de um acordo juridicamente vinculante, de corte radical nas emissões de gases, de maior comprometimento dos Estados, de mudança de padrão de produção e consumo. Tudo isso conforme nos é orientado pela ciência e pelo bom senso.

Iara Pietricovsky é membro do Colegiado de Gestão do INESC

 

O Plano de Direitos Humanos e a educação

Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2010.

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançado em dezembro de 2009 e elaborado a milhares de mãos, contempla várias áreas importantes que estão para além dos direitos civis e políticos. O documento abarca, também, os direitos sociais, ambientais, econômicos, culturais, de solidariedade, dos povos, entre outras áreas configuradas nas inúmeras convenções e pactos internacionais.

Dentre essa gama de direitos, destaca-se o direito à educação. Ele está presente no eixo orientador III, que preconiza “universalizar direitos em um contexto de desigualdades” e estabelece como diretriz a “garantia dos direitos humanos na forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena”.

A educação, assim como as diversas políticas sociais que compõem esse eixo, apresenta-se como objetivo estratégico, afirmando a importância de o Estado assegurar o “acesso à educação de qualidade e garantia de permanência na escola”.

Nesse sentido, é importante que os movimentos sociais ligados à educação associem suas pautas aos direitos humanos, reforçando a relevância de juntar forças em prol de uma cidadania plena que englobe todos os direitos fundamentais para se alcançar a equidade.

Dentre as propostas para a educação estão questões basilares, como a garantia de permanência na escola, que hoje é o maior desafio. Outro ponto importante é a universalização da oferta da educação infantil. Apesar de ser garantida em lei, ela não é realidade em grande parte dos municípios brasileiros. Além disso, assegurar a qualidade do ensino formal público com seu monitoramento contínuo e atualização curricular é ação fundamental prevista no documento.

Outro aspecto estratégico contemplado no Plano diz respeito ao desenvolvimento de programas para a reestruturação das escolas, transformando-as em polos de integração de políticas educacionais, culturais e de esporte e lazer. Se houver entendimento e associação entre Estado e sociedade, com foco nos direitos humanos, pode-se reconstruir esse locus e transformá-lo em referência para as comunidades onde se encontram.

Já o respeito à diversidade pode ser amadurecido com a adequação do currículo escolar e a realização de atividades que valorizem as diferenças, além de garantir a todas as diferentes gentes o direito a atividades físicas e esportivas e alimentação saudável. Ainda dentro deste princípio, o Plano contempla a realização de ações afirmativas para o ingresso das populações negra, indígena e de baixa renda no ensino superior, o que exige a ampliação das instituições de ensino superior públicas.

Outra questão relevante é o fortalecimento de programas de educação no campo e nas comunidades pesqueiras, estimulando a permanência dos estudantes na comunidade, com a devida adequação às realidades e culturas locais.

Como não poderia deixar de ser, o PNDH discute também a questão dos espaços de educação não formal e a educação de jovens e adultos. Apesar de serem amplamente debatidos, esses processos de ensino e aprendizagem ainda sofrem com preconceito e marginalização. São métodos que geralmente se desenvolvem à parte, apesar de serem, quase sempre, inspirados em Paulo Freire. Por isso, o PNDH os coloca no conjunto das ações de educação, dando a eles a visibilidade e a importância necessárias.

Quando propõe a integração dos programas de alfabetização de jovens e adultos às iniciativas de qualificação profissional e educação cidadã, o Plano atua na associação da alfabetização a uma possibilidade da ampliação da cidadania. Outra ação voltada para a valorização da educação não formal é o fortalecimento de processos educativos que valorizem a arte e a cultura das comunidades tradicionais.

A educação e a cultura em direitos humanos é outro aspecto contemplado no Plano e que precisa ser amplamente difundido. Isto porque o seu alcance abrange toda a gama de processos educativos, com a proposta de implantação e implementação, de fato, do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Afinal, a educação em direitos humanos é “canal estratégico capaz de produzir uma sociedade igualitária e vai além do direito à educação permanente e de qualidade”. E isso pode ser feito por meio de inovações curriculares e inserção de temas de direitos humanos como educação transversal.

Alem dessas, outras questões estão previstas no PNDH, como a inserção nos currículos escolares da história dos povos indígenas e história afro-brasileira; a inserção da temática de gênero; a orientação sexual nos ensinos fundamental e médio; a formação dos futuros docentes em direitos humanos.

Só assim, será possível garantir um processo educacional igualitário e justo para todas as crianças e adolescentes brasileiros, de acordo com princípios de emancipação e autonomia.

 

Cleomar Manhas é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

 

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