A grita contra PNDH

Seria engraçado se não fosse perverso, pois quando as estatísticas apresentam, por exemplo, a enorme desigualdade social separando ricos e pobres, a enorme concentração de renda colocando a maior parte do Produto Interno Bruto nas mãos de poucos privilegiados, não se vê grita alguma, nem por parte da elite, nem por parte da grande mídia.

No entanto, quando se trata de uma tentativa,— discutida amplamente com a sociedade civil—, de se estabelecer parâmetros de respeito aos direitos humanos, incluindo a grande diversidade de gentes que compõem a sociedade brasileira, o burburinho fica tão alto que parece até vindo de grande parte da população. Mas não, está vindo dessa minoria privilegiada, que por sê-lo, também possui lugar de fala privilegiado, ou seja, a grande mídia que se faz onipotente e onipresente e se diz “democrática”, porém, com muito medo de sofrer controle social, para o qual, quando dirigido a si, dá o nome de “volta da ditadura”.

A grita geral é direcionada ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) lançado em 21 de dezembro ( segundo seus críticos “no apagar das luzes do ano de 2009”). E apesar de dizerem que foi elaborado pelo governo apenas, a verdade é que é fruto de ampla discussão com a sociedade civil. Suas diretrizes foram aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos e tiveram como parâmetro as resoluções de cerca de 50 outras conferências setoriais tais como saúde, direitos das mulheres, igualdade racial, crianças e adolescentes, cidades, educação, segurança alimentar, segurança pública dentre tantos outros temas que compõem a teia dos direitos humanos.

As conferências, suas resoluções e os planos advindos delas são frutos de uma árvore chamada democracia participativa, que apesar de sofrer os reveses de um Estado patrimonialista, gera bons frutos por meio da participação de parte da sociedade que reivindica participar de forma mais contundente do que apenas em momentos eleitorais. Até por saber que uma democracia participativa forte melhora a qualidade da democracia representativa.

Apesar de o plano conter seis eixos orientadores, várias diretrizes e objetivos que abarcam o extenso universo dos direitos humanos, a crítica restringiu-se a pontos que a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), em manifestação defendendo o interesse dos ruralistas, chamou de demônio ou complexos do governo Lula. Mas, na verdade, são os tabus que não foram resolvidos ao longo dos oito anos de governo, por afetarem diretamente a parte privilegiada que usufrui do Estado patrimonialista há 510 anos.

Os pontos mais criticados dizem respeito às concessões para rádio e televisão; intensificação de mecanismos de democracia participativa tais como plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular; reformulação da legislação sobre planos de saúde; financiamento público de campanha; mudanças nas regras para reintegração de posse de terras, taxações de grandes fortunas, descriminalização do aborto, união civil homossexual, abertura dos arquivos da ditadura etc. Que ao contrário do que dizem os críticos, não são iniciativas governamentais em resposta ao que o próprio governo se recusou a fazer nos 7 anos de mandato, mas sim pressão dos setores organizados da sociedade reivindicando que este e outros governos que virão coloquem o dedo nas feridas expostas, que acentuam as desigualdades e os preconceitos e que, infelizmente, o atual governo recusou-se em trazer à luz do dia para resolvê-las.

E como bem disse a presidenta do Chile Michele Bachelet acerca do esclarecimento dos fatos ocorridos na ditadura daquele país: “as feridas devem ser lavadas para que possam cicatrizar”.

 

Cleomar Manhas – assessora do Inesc

Consciência Negra, resistência, luta e transformação.

Apesar dos avanços e conquistas recentes da luta anti-racista, a realidade da população negra brasileira não nos deixa muito a comemorar.
Segundo o IPEA: “negros nascem com peso inferior a brancos, têm maior probabilidade de morrer antes de completar um ano de idade. Jovens negros morrem de forma violenta em maior número que jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontrarem um emprego, recebem menos da metade do salário recebido pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem. Ao longo de toda a vida, sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e em maior pobreza que brancos.”

O racismo é a chave para se entender e superar a reprodução da pobreza e das desigualdades sociais no Brasil. Ele é percebido e vivido no cotidiano: nos shopping centers de elite, onde a negritude associada à pobreza é cirurgicamente afastada por intermédio da segurança privada e pela não presença de negros/as no atendimento ao público; na programação televisiva, onde os negros/as, quando aparecem, ocupam as tradicionais posições de subordinação (a empregada doméstica, o bandido, a prostituta, o menino de rua, o segurança); nas piadas e expressões de cunho racista sempre presentes nas reuniões de família brancas. Expressões como “não sou racista, mas nunca aceitaria meu filho ou filha casando com um negro/a” são comuns no Brasil. São milhões de pequenas e grandes atitudes, opções, decisões diárias, tomadas dentro de uma estrutura social e simbólica onde a cor da pele é um determinante importante. Isso faz com que negros/as tenham maiores dificuldades de acessar direitos, tendo que enfrentar constantemente, atos de preconceito e discriminação. Por isso somamos a nossa voz à celebração de Zumbi dos Palmares. Resistência, luta e transformação. Viva Zumbi!. 

 

 

Alexandre Ciconello 

Assessor do INESC

Acesse abaixo mais informações e matérias sobre o Dia da Consciência Negra:

http://www.geledes.org.br 

http://www.irohin.org.br 

http://www.afropress.com 

 

 

Fratura exposta: Parlasul versus CMC

Artigo Edélcio Vigna, assessor do Inesc

Como pode um parlamento fortalecido pelo voto direto e universal continuar submetido a um órgão formado por autoridades executivas indicadas pelos governos nacionais? Como o “poder que emana do povo” pode estar sob interesses nacionais dos ministros de relações exteriores?

O MERCOSUL não é um governo sub-regional para que tenhamos os três poderes montesquiano dotados de uma harmonia e de uma relativa autonomia. Mas, a previsão de que o Parlasul venha a se constituir em um órgão cujos membros serão eleitos pelos eleitores nacionais dos quatro países (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) supõe que este Parlamento venha se fortalecer a cada mandato. Em um processo acumulativo de força. Um dos motivos pelos quais o Parlasul respeita a tutela do CMC advém da sua fragilidade conjuntural dada pelas condições dos seus representantes serem ainda indicados pelos parlamentos nacionais.

A suspensão das eleições na Argentina e no Uruguai, que ocorreriam este ano e a do Brasil que seria realizada em 2010, produziram um prejuízo político incalculável ao Parlasul. O veto do Ministro do Paraguai, no CMC, ao acordo parlamentar da composição proporcional que definiria o número de cadeiras para as eleições de 2009 e 2010, dimensiona este desgaste político.

Até 2008 a composição do Parlasul foi de 18 parlamentares por país membro plenos do MERCOSUL, com a participação de parlamentares da Bolívia e Venezuela. O Protocolo Constitutivo do Parlasul determina que para o mandato 2011/2014 haja uma composição proporcional . Para atender esta exigência os parlamentares aprovaram uma proporcionalidade nas seguintes bases: Paraguai e Uruguai manteriam o piso de 18 parlamentares, Argentina, 43 e Brasil, 75. Como houve questionamentos foi aprovado um acordo por uma “proporcionalidade atenuada”, onde a Argentina elegeria 26 e o Brasil, 37 representantes.

O Paraguai elegeu, em 2008, 18 parlamentares. A Argentina, o Brasil e o Uruguai aprovariam as normas eleitorais para que as eleições pudessem ser realizadas em 2009 e 2010. Ocorre que por motivos políticos conjunturais as normas não foram aprovadas nos respectivos parlamentos nacionais. Assim, as eleições previstas não puderam ser realizadas.

Para a Argentina e Brasil havia um problema adicional: teriam que aprovar uma norma eleitoral provisória para 2009 e 2010, e depois aprovar uma legislação definitiva que regularia as eleições de 2014. A suspensão das eleições na Argentina e Uruguai foi justificada por falta de tempo político, mas a do Brasil o motivo foi o veto do CMC.
O Ministro paraguaio, das Relações Exteriores, justificou o veto afirmando que só promoveria o consenso se os países aprovassem a criação do Tribunal do MERCOSUL, um órgão de solução de controvérsias. O governo paraguaio tem seus motivos e as organizações sociais reconhecem a importância da criação de órgão de solução de controvérsias. Mas, colocar esta demanda nacional de forma tão radical a ponto de promover a suspensão das eleições do Parlasul é ignorar a importância social do Parlamento para a democratização da estrutura autoritária e mercantil do MERCOSUL.

A maioria dos parlamentares aceitou passivamente o veto do CMC. Não sentiu o impacto negativo da suspensão das eleições na dimensão político-simbólica da sociedade civil. Como justificativa da omissão declaram a falta de informação dos eleitores. Assim, os representantes continuarão sendo bionicamente indicados pelo Congresso Nacional. Apostaram na ignorância social e, com isso, enfraqueceram o poder de representação do Parlasul frente à postura impositiva do CMC.

O Parlasul representa os povos do MERCOSUL e os membros do CMC os interesses dos governos nacionais. Por isso, esses dois órgãos não poderão conviver em um único espaço de decisão político-administrativa por muito tempo. Principalmente porque a integração regional, um dos objetivos e princípios do Parlasul , depende de um pensamento supranacional, coisa que o CMC não poderá assumir porque os ministros representam os interesses nacionais.

Alimentou-se uma expectativa que os parlamentares reagiriam com mais radicalidade contra o veto do CMC. Que o Parlasul enfrentaria a postura autoritária do CMC. Que questionaria a decisão consensual ou o poder de veto de um país sobre a decisão dos demais. Mas, essa postura foi negada e com ela a possibilidade da população fortalecer, por meio do voto direto, o Parlasul como uma dimensão democratizadora das estruturas de decisão do Mercado Comum do Sul.
 

Dados Sociodemográficos, Políticas Públicas e Direitos Indígenas

Ricardo Verdum 2 

Se estima existir no Brasil um total de 220 povos indígenas, vários deles submetidos à jurisdição de mais de um Estado nacional, como é o caso dos Guarani (Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai), Yanomami (Brasil e Venezuela), Tukano (Brasil e Colômbia) e Tikuna (Brasil, Colômbia e Peru). Os indígenas estão presentes em todos os estados da Federação e seus territórios (“terras indígenas”, no linguajar jurídico do estado brasileiro) somam aproximadamente 110,6 milhões de hectares – o equivalente a aproximadamente 13% do território nacional e 21% da Amazônia brasileira. Essa população representa uma diversidade lingüística que ultrapassa o número de 180 línguas, classificadas em 35 famílias lingüísticas.

Em termos demográficos, a população indígena no Brasil foi estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por ocasião do Censo Demográfico de 2000, em cerca de 734 mil pessoas, o que equivaleria à 0,4% da população do país.

Já a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, chegou recentemente a um número aproximadamente 520 mil pessoas sendo atualmente atendidas nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), distritos esses que compõem o subsistema de atenção à saúde indígena, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Desse total, 54,2% dessa população tem seus territórios [reconhecidos ou não pelo Estado brasileiro] localizados na chamada Amazônia Legal e 26% nos estados que integram a Região Nordeste.

No âmbito do Governo federal, e envolvendo instituições de pesquisa e organizações não governamentais, está em curso uma série de atividades que visam à realização de um recenseamento da população brasileira, ai incluídos os povos indígenas. Esse recenseamento terá início em agosto de 2010, num processo que deverá estar concluído, impreterivelmente, até dezembro desse ano.

Estar atento a esse processo e aos resultados alcançados é de fundamental importância, visto que dele decorrerá uma série de avaliações e propostas de políticas públicas específicas, direcionadas para indivíduos ou para coletividades, que pode ser uma comunidade local; um conjunto de comunidades locais em um ou mais territórios; o conjunto da população de um determinado povo; pode ser políticas destinadas a uma faixa etária específica da população (infância, por exemplo) ou para o contingente feminino (saúde da mulher, por exemplo); ou mesmo ao conjunto da população indígena no Brasil, independente de gênero ou faixa etária. Há também o caso dos indígenas que vivem em cidades, dispersos ou concentrados em determinados bairros, que por sua vez vêm demandando políticas específicas do “subsistema de atenção à saúde indígena”. 3

Como os Censos anteriores, os números, dados e informações levantados em 2010 estarão informando, por exemplo, o desenho das políticas sociais de saúde, educação e assistência do próximo Plano Plurianual (2011-2014), as “metas” a serem alcançadas anualmente e ao final do período, e os respectivos orçamentos anuais. Deve informar também políticas de fomento e de assistência técnica ao “desenvolvimento indígena” e as chamadas políticas de “inclusão social” do Estado nacional.

Os números do Censo servem de base inclusive no cálculo de representação indígena em conselhos e comissões, como foi o caso do cálculo do número de representantes indígenas, por região, na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância política vinculada ao Ministério da Justiça, composta por representantes de órgão do governo federal e dos povos indígenas e da sociedade civil brasileira.

Em fim, se produzir dados e informação sociodemográficas sobre a situação dos povos indígenas é de fundamental importância para o planejamento e implementação de políticas públicas no âmbito do Estado brasileiro, em parceria ou não com organizações da sociedade civil e com organizações indígenas, o mesmo se pode dizer em relação a importância de serem desenvolvidos e aplicados mecanismos próprios e independentes de geração de informações e análises sobre essa população, assim como de indicadores e metodologias para avaliar as ações governamentais e seus resultados, á luz do que lhes é assegurado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (aprovada em 13 de setembro de 2007) e pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, adotada em 27 de junho de 1989.

Notas:
1. Texto elaborado para o seminário do Social Watch, “Orçamento e Direitos”, realizado no Rio de Janeiro de 24 a 26 de agosto de 2009.
2. Antropólogo, assessor de políticas indígena e socioambientais do INESC, verdum@inesc.org,br
3. Sobre a demografia dos povos indígena no Brasil ver: PAGLIARO, Heloísa (org.), Demografia dos Povos Indígenas no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz e Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2005; IBGE/ Coordenação de População e Indicadores Sociais, Tendências Demográficas: uma análise dos indígenas com base nos resultados da amostra dos censos demográficos 1991 e 2000, Rio de Janeiro, 2005.

 

Paraguai não se entende com o Parlasul

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

As eleições para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) no Brasil poderão não ocorrer caso o Paraguai continue rejeitando a proposta de proporcionalidade para a próxima legislatura do Parlasul (2011/2015). A proposta foi aprovada pelos parlamentares e destinava 18 cadeiras para o Paraguai e Uruguai, 47 para a Argentina e 75 para o Brasil.

Para que não houvesse um acréscimo no volume de gastos orçamentários foi, inclusive, aprovado uma proporcionalidade atenuada, para que na próxima legislatura a Argentina elegesse 26 parlamentares (dos 47) e o Brasil, 37 (dos 75). Essa decisão dos parlamentares foi desconsiderada pelos Ministros que compõe o Conselho do Mercado Comum (CMC).

No CMC, o órgão supremo de decisão, formado pelos Ministros de Relações Exteriores e de Economia dos países membros do MERCOSUL, que aprova as decisões por consenso, o Paraguai fez valer seus interesses diante de uma proposta supranacional. Este é o cerne da questão: o MERCOSUL com um órgão que centraliza as decisões, imbuído de um pensamento mercantil e mercantilizado, dificilmente cederá espaço ou acatará as decisões de um órgão, como o Parlasul, que se pretende aberto, democrático e com amplos canais de participação social.

A posição dos ministros vem refletindo os interesses dos governos nacionais. Assim, o governo do Paraguai, por exemplo, que quer ver instalado o mais rápido possível o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) do MERCOSUL, conforme está no Protocolo de Olivos, não aprova a proporcionalidade para o Parlasul se junto não for instalado o TPR.
Ocorre que a criação de um Tribunal supranacional não é uma questão simples para as legislações brasileira e uruguaia. Para que se crie um órgão supranacional sob o qual o Brasil esteja submetido é necessário promover uma alteração na Constituição, pois esta não permite que nenhuma legislação esteja acima dela. Os congressistas terão que apresentar uma proposta de emenda a Constituição (PEC) que deve ser votada no Congresso Nacional, em dois turnos, com quorum de 3/5 dos votos em cada casa. Em geral, a tramitação de uma PEC pode demorar mais que uma legislatura. Assim vincular a questão da proporcionalidade para o Parlasul à criação do Tribunal, não nos parece uma atitude razoável por parte do governo paraguaio.

O Tribunal terá sede em Assunção/Paraguai e será integrado por cinco juristas – quatro indicados países membros do MERCOSUL e um por consenso. O mandato será de dois anos, renováveis por duas vezes consecutivas. O objetivo é resolver conflitos de natureza comercial. Essa é uma reivindicação antiga da Argentina, mas encontra resistências por parte do Brasil. Este mecanismo de solução de controvérsias fortaleceria o MERCOSUL e descartaria de vez as arbitragens externas e tribunais “ad hoc”.

O Inesc, como uma organização da sociedade civil, apóia a criação do Tribunal Permanente de Revisão. Reconhece que é um avanço para a institucionalidade do MERCOSUL. Um mecanismo de solução de controvérsias dará maior credibilidade e estabilidade aos acordos que Mercado Comum fará com outros blocos e países. Mas, não se pode deixar de criticar a posição adotada pelos representantes paraguaios que transformaram seus interesses em moeda de troca em detrimento do pleno funcionamento do Parlamento do MERCOSUL.

Os representantes do Parlasul são representantes dos povos do MERCOSUL e não representantes de governo membros deste Mercado. Não é prática da boa política que uma representação nacional coloque seus interesses sobre os interesses supranacionais. O Parlasul que foi instituído sob o empenho de parlamentares dos diversos países, pode sofrer um abalo de confiança caso as eleições previstas não ocorram.

Na Argentina e no Uruguai as eleições previstas para este ano não vão ocorrer por motivos de tempo político-legislativo. Não foi possível harmonizar as regras das eleições nacionais com as do Parlasul em tempo hábil. No Brasil está para ocorrer o mesmo. Se as normas eleitorais para o Parlasul não forem aprovadas no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) até início de outubro, não haverá eleições.
Quem perde com isso? O processo de integração regional. Os povos podem se integrar, romper as fronteiras culturais. Mas, a união aduaneira enquanto instituição continuará a cobrar a permanência das pessoas em solo nacional por tempo previsto em lei. A polícia especializada continuará, nas grandes cidades, a perseguir os migrantes nos porões das casas. O confronto continuará no campo com as milícias armadas do latifúndio.

A sociedade precisa de espaços democráticos que oxigenem os centros fechados das decisões. O Parlamento do MERCOSUL se ainda não é o que se deseja, não deixa de ser um instrumento importante. Por isso, confiamos no senso de responsabilidade das autoridades e das lideranças sociais paraguaias e estamos certos que a proporcionalidade será aprovada no CMC.

O Inesc continua manifestando sua solidariedade ao povo paraguaio em sua luta por soberania energética e pela reinterpretação do Tratado de Itaipu, como diz o “Manifesto de Solidariedade dos movimentos brasileiros ao povo paraguaio”. Continuamos no mesmo caminho rumo à integração regional e a radicalização da democracia.

 

 

 

 

Mudanças Climáticas: uma discussão necessária

As oficinas ocorreram nas regiões norte (Belém/PA) e nordeste (Recife/PE) e reuniram lideranças dos diversos estados membros dessas regiões. No norte a oficina foi realizada em parceria com o FAOR(Fórum da Amazônia Oriental) e o Talher/RECID(Rede de Educação Cidadã) e no nordeste a parceria foi com a ASA( Articulação no Semi-Árido Brasileiro) e também com o Talher/RECID.

Em ambas as regiões houve participação de várias entidades representativas das comunidades de ribeirinhos, quilombolas, indígenas, agricultores familiares dentre outros.
O principal objetivo do projeto, além da geração de subsídios à formulação de políticas públicas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas e ambientais, é a produção e divulgação de um vídeo que possa contribuir com o debate do tema em nível nacional, além de ser envido à COP 15- Conferência sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em dezembro de 2009 em Copenhagen, na Dinamarca.

Nos dois eventos apareceu com muita força o repúdio às grandes obras como as hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia e dos rios Xingu e Tapajós, no Pará, a transposição do Rio São Francisco, atingindo diversos estados do Nordeste tais como Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco e as desapropriações de terras em função do Complexo Portuário de Suape em Pernambuco.

Foi ressaltada, ainda, a necessidade de se investir com maior vigor na agricultura familiar e em tecnologias sociais apropriadas à agroecologia e menos no agronegócio. Além da necessidade imediata de se realizar uma verdadeira reforma agrária, pois não adianta terras sem o investimento em tecnologia e financiamentos acessíveis ao/a agricultor/a familiar.

As queimadas e o assoreamento dos rios foram questões de muita relevância, acompanhadas de solicitação de revitalização das bacias dos rios, em especial, no Nordeste, do Rio São Francisco, que em vários pontos apresenta um volume reduzido de água, dificultando, até mesmo, a navegação.

O grande destaque dessas oficinas foi o grau de organização e de conscientização dos participantes com relação aos problemas e aos avanços de suas comunidades e a sintonia com os problemas ambientais e climáticos mundiais. É perceptível que são pessoas que se organizam e dialogam em suas comunidades alternativas para melhorar a qualidade de vida, até mesmo com relação às gerações futuras.

No Nordeste,em especial na Paraíba, há um trabalho de resgate cultural que inclui técnicas de plantio orgânicas e conhecimentos de medicina tradicional, como os fitoterápicos, que além de estarem cultivando as ervas, estão produzindo os medicamentos e difundindo o conhecimento entre as comunidades.

O resultado foi muito positivo e gerador de conteúdos para debate sobre mudanças climáticas e conhecimento sobre os diversos projetos que se desenvolvem em vários cantos desse Brasil e contribuem para a reflexão sobre o modelo de desenvolvimento que permita a perenidade do Planeta Terra.

Cleomar – Assessora do Inesc

Nova Lei Eleitoral para o Parlasul

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

 

O debate sobre as normas eleitorais para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) continua no Congresso Nacional. A eleição deverá ocorrer a três de outubro junto com as eleições presidenciais e a de deputados federais e estaduais. O Brasil deverá eleger 37 parlamentares.

Os candidatos brasileiros concorrerão em lista fechada e preordenada. Um dos critérios para a preordenação será que dos cinco primeiros lugares, dois deverão ser ocupados por um dos sexos. Pode ser três homens e duas mulheres e ou três mulheres e dois homens.

A eleição será realizada pelo sistema proporcional, em circunscrição nacional. O voto será direto, secreto, universal e obrigatório. A urna eletrônica deverá exibir o painel do Parlasul depois das demais eleições proporcionais (deputados federais e estaduais) e antes das eleições majoritárias. Os partidos terão toda a liberdade para realizar coligações, independente das coligações realizadas nas eleições para presidente da República e deputados.

As organizações, como o Inesc se opõe fortemente contra a manutenção das coligações, ainda mais como esta no texto: “É facultado aos partidos políticos celebrar livremente coligações para as eleições de Parlamentares do MERCOSUL”. Avaliamos que as coligações enfraquecem os sistema partidário e, conseqüentemente, os partidos políticos. Retira do pleito a distinção ideológica ou de posição política. O eleitor ao votar em uma lista coligada poderá eleger outro parlamentar de um partido político que advoga teses adversas das quais o eleitor comunga, mas que está na lista preordenada devido ao acordo coligado.

A propaganda de rádio e televisão começará quarenta e cinco dias antes das eleições e serão reservados cinco minutos para divulgação das listas de candidatos. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começará divulgar a natureza, características e importância das eleições ao Parlasul, cento e oitenta dias antes. As organizações da sociedade civil estão pleiteando junto ao TSE participação na elaboração dos programas do horário eleitoral gratuito.

De acordo com algumas projeções o quociente eleitoral (QE) para essa eleição será de 2,7 milhões devotos. Apura-se o QE dividindo o número de votos válidos apurados pelos 37cadeiras a serem preenchidas. Segundo esta previsão, realizada pelos técnicos da Representação Brasileira do Parlasul, o partido que mais elegeria candidatos seria o PMDB com quatro parlamentares, seguido do PT e do PSDB, com três. Elegeriam dois parlamentares o DEM, PDT, PP, PSB, PTB. Os partidos menores elegeriam apenas um.

É importante ressaltar que no Parlasul os parlamentares se agrupam por famílias ideológicas e não por partidos políticos. Deputados eleitos pelo PT ou PMDB, por exemplo, necessariamente não comporão uma mesma família ideológica. Isto porque as questões são debatidas de forma supranacional– a partir do interesse dos povos do mercosulinos e não de uma população nacional específica. Assim, os blocos internos são formados por parlamentares dos quatro países que se aproximam por interesses ideológicos e não exclusivamente partidários.

Os deputados/as e senadores/as que compõem a Representação Brasileira ainda estão ajustando a proposta de lei, que estabelece normas para as eleições, em 2010, dos parlamentares do Parlasul. Percebe-se um grande esforço para que a lei seja aprovada. As organizações da sociedade civil acompanham as discussões e tem profundo interesse que tragam algumas inovações que poderão ser incorporadas nas eleições de 2014.

Está legislação tem data de validade, uma única eleição, pois outra lei deverá ser aprovada em 2014 para que o Brasil eleja os 75 parlamentares que tem direito no Parlasul, de acordo com a proporcionalidade. Para as eleições de 2010 foi concensuada uma proporcionalidade atenuada de 37 parlamentares. Essa progressividade até a proporcionalidade plena foi fruto de um acordo entre os demais países do MERCOSUL.

Leia a Minuta de PROJETO DE LEI No , DE 2009.
 

Eleições de 2010 podem ser suspensas

Edélcio Vigna, Assessor do Inesc

Em outubro de 2010 ocorrerá no Brasil a eleição para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul). Os eleitores deverão eleger, por voto universal, obrigatório e secreto, 37 candidatos, ordenados em listas, com alternância por sexo. Esta eleição ocorrerá simultaneamente com as eleições Presidenciais e para o poder Legislativo. Para isso é necessário que o Congresso Nacional aprove uma lei específica que ordene o processo eleitoral.

A Representação Parlamentar Brasileira no Parlasul elaborou o anteprojeto de lei e convidou algumas organizações sociais para uma Audiência Pública, no Senado Federal, para debater a proposta. Durante a Audiência, de forma surpreendente, alguns parlamentares do partido DEM, PSDB e PP, defenderam a organização de uma “Lista Única” composta por parlamentares do atual mandato para concorrer nas eleições 2010 para o Parlasul. A proposta do “Listão” escandalizou a maioria dos presentes e foi interpretada como um resquício saudosista dos senadores biônicos dos tempos da ditadura.

Propor uma “Chapa Única” para a eleição do Parlasul, em uma Audiência Pública, devidamente gravada – vídeo e som -, foi um desrespeito para com a democracia e uma ofensa aos que estavam na sala e aos telespectadores que assistiam à sessão. Propor Chapa Única composta por deputados cujos mandatos terminam em 2010 para um novo mandado de 2011 a 2015 no Parlasul chega às margens da indecência. Tudo isso em um contexto em que o Senado se debate com sérias denuncias de imoralidade e desmandos.

Ainda bem que a maioria dos parlamentares que estavam presentes repudiou a proposta. Os mais comprometidos com a construção do Parlasul, como o presidente da Representação Brasileira, dep. Tóffano e o ex-presidente do Parlasul, dep. Rosinha, prontamente demonstraram a total discordância desta manobra. Este gesto foi seguido por outros que estavam na sessão. A possibilidade, levantada pelo dep. Nilson Mourão, de que o “Listão” poderia ser derrotado pelos votos brancos e nulos, em uma Campanha conduzida pelas organizações sociais, calou a pretensão de golpe contra a opinião publica eleitoral. O bom-senso parece ter prevalecido e as listas partidárias deverão ser formadas e apresentadas aos eleitores.

Há espaços tão masculinizados que a possibilidade de participação da mulher, além do controlado, é uma temeridade. Assim é o Congresso Nacional e assim reagem os parlamentares. Chega a ser instintivo, não-racional. Apenas reagem e depois dizem, “não foi bem isso o que eu queria dizer”. Quando alguns parlamentares-homens se opuseram à alternância por sexo na lista preordenada, foram as parlamentares do mesmo partido que reagiram com indignação à obstrução. A ex-senadora e deputada Emília Fernandes, representando a Reunião Especializada das Mulheres do MERCOSUL, fez uma brilhante exposição da importância da mulher na política brasileira. A senadora Marisa Serrano seguiu a mesma linha defendendo a lista preordenada com alternância de sexo. Esses novos ares pareciam que iam oxigenar a sala de audiência.

Propusemos o financiamento da campanha publico e exclusivo, com recurso alocado no orçamento de 2010. A resposta de um parlamentar foi: “Como vamos explicar ao eleitor que a eleição de Presidente da República não tem financiamento público e a do Parlasul, tem?”. A lógica do argumento da maior igualdade das legislações possível entre as duas eleições não caberia neste contexto se entendessem que poderiam aproveitar esta eleição para experimentar novas formas de realizar uma eleição. Parecem não entender que atual processo eleitoral precisa ser inovado. Sentem-se imobilizados diante do convencional, mesmo que este seja uma múmia.

Outro ponto delicado na Audiência foi a proposta de que a proporcionalidade das listas deveria ter como base as bancadas eleitas em 2010 e não o percentual de votos obtidos pelas listas. Para compor os 37 nomes eleitos a base de cálculo será o número de deputados federais eleitos e não o número de votos que as listas receberão. No sentido estrito, as listas vão ser articuladas entre os partidos, mas a votação não terá nenhum sentido, pois o que vai definir o número de eleitos/as de cada lista será a votação da bancada federal (deputados federais). Assim, a eleição das listas será pró-forma, não terá valor ou sentido algum. Poderíamos radicalizar a proposta de que as listas sejam formadas pelos partidos e, em vez de serem inutilmente submetidas aos eleitores, esperem o resultado das eleições federais e, então, as vagas sejam proporcionalmente distribuídas. O Congresso Nacional seria, pelo menos, mais honesto para com os eleitores e faria uma economia considerável.

Os parlamentares mais comprometidos como processo de construção do Parlamento do MERCOSUL reagiram a esta e outras propostas de cercear a realização de uma eleição democrática. Estes parlamentares e organizações da sociedade civil estão envolvidos no desafio de encontrar alternativas diante da possibilidade do Congresso Nacional não aprovar a lei eleitoral parar o Parlasul.

Para evitar essa possibilidade e apoiar as propostas que avancem no sentido de ampliar a participação popular, criar instrumentos de controle social das eleições e dos candidatos, na ampla visibilidade das fontes de financiamento de campanhas e na democratização dos partidos políticos, entre outros. Caso este apoio não seja explicitado é possível que as propostas mais conservadoras que restringem a participação ganhem espaço e se concretizem na lei específica.

Novas tentativas de acordo ainda serão realizadas. Os parlamentares estão fazendo consultas junto as suas lideranças partidárias. É importante ressaltar que esta legislação é provisória, valida somente para as eleições de 2010, onde serão eleitos os 37 parlamentares. Em 2014, quando serão eleitos 75 representantes definitivos, uma nova lei será exigida. Portanto, esse é um debate que está começando e começando tarde.

Avaliamos que é fundamental que haja eleições, mas não qualquer eleição. Para garantir uma eleição democraticamente substantiva é necessário que as organizações da sociedade civil participem do processo de elaboração da lei eleitoral específica. Que se abra o debate e se discuta nacionalmente a importância do Parlamento MERCOSUL. Que se debata o mandato destes parlamentares. Para que servem? Qual a função?

Solicitamos às organizações que enviem suas criticas e sugestões para a Representação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL: cpcm@camara.gov.br

 

Sociedade Civil debate Lei Eleitoral do Parlasul

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

A integração político-institucional sul-americana caminha a passos largos. Pode parecer surpresa para a maioria da população, mas talvez estejamos construindo a arquitetura de um futuro poder Legislativo Sul-americano. Quatro países (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) já têm representantes indiretamente indicados no Parlamento Mercosul. O passo mais audaz desta arquitetura regional será realizar uma eleição direta para este espaço.

Nesse sentido, a representação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) está preocupada com a primeira eleição direta que ocorrerá em 3 outubro de 2010. Nesta data, os eleitores elegerão os 37 representantes brasileiros que irão compor a próxima legislatura (2011-2015). Atualmente, Argentina, Brasil e Uruguai têm uma representação de 18 parlamentares indicados. Os 18 do Paraguai foram eleitos em 2008.

A legislação eleitoral, para vigorar, tem que ser aprovada um ano antes das eleições. Dessa forma, é necessário que o Congresso Nacional priorize o debate sobre a lei das eleições do Parlamento do MERCOSUL. No Parlasul, até agora, apenas a abancada do Paraguai foi eleita diretamente. A do Uruguai pode ser eleita este ano. A da Argentina não será eleita para o próximo mandato, porque as eleições gerais foram antecipadas e, provavelmente, não haverá tempo para harmonizar a legislação existente.

O Congresso brasileiro, mesmo com as atuais crises, tem a responsabilidade exclusiva de ajustar à legislação eleitoral a lei que regerá as eleições para o Parlasul. Alguns deputados como Carlos Zaratini (PT-SP), Geraldo Thadeu (PPS-MG) e Geraldo Magela (PT-DF) e o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), apresentam anteprojetos que estão sendo debatidos no âmbito do parlamento, em especial na representação brasileira no Parlasul.

Este esforço está sendo conduzido por uma comissão suprapartidária a fim de chegar a um texto comum. Para isso, foram designados os seguintes deputados: ACM Neto (DEM-BA), Dr. Rosinha (PT-PR), José Paulo Toffano (PV-SP), Germano Bonow (DEM-RS), Claudio Díaz (PSDB-RS) e Geraldo Magela (PT-DF).

Algumas organizações da sociedade civil estão acompanhando este debate, e podem ser convidadas para participar da Comissão, mesmo como observadoras. No sentido de efetivar o principio da participação social nas decisões nacionais e internacionais, os governos estão agregando na formulação de seus programas lideranças sociais. Atentos a este principío, o atual presidente da Representação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL, deputado José Paulo Toffano (PV-SP), convidou algumas representações da sociedade civil para participar da próxima reunião da Comissão Suprapartidária.

As regras eleitorais

A eleição do Parlasul ocorrerá na mesma data das eleições para presidente, deputados e senadores. De acordo com o texto apresentado pela Comissão, os parlamentares serão eleitos pelo sistema proporcional por meio de listas preordenadas pelos partidos, sendo a circunscrição nacional. Os primeiros cinco nomes serão compostos por representantes das cinco regiões brasileiras, com intercalação por gênero. O mesmo se repete para os cinco nomes seguintes até o décimo nome. O candidato ao Parlasul não poderá concorrer a outro mandato eletivo federal ou estadual.

O Inesc defende propostas concretas para que a eleição do Parlasul não repita algumas distorções verificadas no Brasil. Nesse sentido, propomos:
1. Financiamento publico exclusivo de campanha;
2. Lista preordenada com alternância por sexo;
3. Somente listas partidárias (isto é, inexistência de coligações, pois deturpam a representação);
4. A democratização do processo de convenções atuais ou real representatividade e participação dos filiados (princípio do não-caciquismo );
5. Participação social nas peças publicitárias do TSE visando o esclarecimento da população sobre a eleição do Parlasul.

A contribuição de grandes empresas para a eleição do Parlasul é imoral e antirepublicana. O princípio do financiamento público desta eleição não for imposto, o que teremos será uma eleição de grandes empresas e federações de empresas interessadas apenas nas trocas comerciais.

A sociedade civil entende que pode contribuir substantivamente com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas mensagens da propaganda eleitoral para divulgar as eleições do Parlasul. Uma crítica é que os programas formais do TSE tendem afastar em vez de atrair os eleitores. Defendem a importância de se adotar uma linguagem usual e uma dinâmica diversa da que o TSE vem adotando.

Nesta eleição do Parlasul, há uma justaposição entre eleições majoritárias e proporcionais. A característica de eleição majoritária dar-se-á pelo seu caráter nacional. A lista de candidatos será votada nacionalmente. Não se escolherá um candidato, mas uma lista. Porém, a lista que mais receber mais votos não será a vencedora, mas receberá as vagas proporcionais a sua votação. Os votos apenas indicarão a proporção de candidatos que ocuparão as vagas entre as 37 existentes. Se um partido obtiver 55% do total dos votos em nível nacional, receberá 20 cadeiras (55% de 37 cadeiras).

Mas o que mais incomoda as lideranças sociais é que, da forma que se pretende organizar as eleições – isto é por meio de coligações de partidos – o eleitor votará em uma lista partidária, mas elegerá simultaneamente candidatos de outros partidos sem nenhuma identidade programática entre eles (e muito menos afinados com o eleitor). Se as coligações forem mantidas, o eleitor poderá votar em uma lista, por exemplo, do DEM e eleger candidatos do PT ou votar no PT e eleger candidatos do DEM. Isso porque o anteprojeto permite os partidos celebrarem coligações “livremente”. As coligações em eleições proporcionais geram um verdadeiro “contrabando ideológico”. Já se sabe que os partidos, por vislumbrarem conquistar poucas cadeiras no Parlasul, terão de escolher nomes “experimentados” para puxarem suas listas. Nesse sentido, um eleitor de esquerda do Rio Grande do Sul a depender da coligação do seu partido, não terá opção: votará na sua sigla de preferência (e provavelmente, sem saber) acabará elegendo um coronel de uma oligarquia do Maranhão (ou de Alagoas). Imaginem uma coligação entre PT, PMDB e PTB: se Lula fosse o 1º nome da lista, provavelmente receberia votos suficientes em nível nacional para eleger a si e os próximos da coligação – por exemplo: Roseana Sarney (2º nome da lista) e Roberto Jefferson (3º nome da lista).

Os pontos de divergência de fundo entre representantes da sociedade civil e o anteprojeto apresentado pela Comissão Suprapartidária da Câmara dos Deputados são: coligações; financiamento público exclusivo, intercalação/alternância por sexo (não gênero), forma de convenção partidária, participação no horário eleitoral.

Os representantes da sociedade civil esperam que a Comissão Suprapartidária adote como procedimento convidar as organizações para apresentarem suas sugestões sobre o anteprojeto. Este comportamento, consoante como principio da participação, já esta sendo adotado na reunião de 7 de julho, onde comparecerão a Reunião Especializada de Mulheres do MERCOSUL, a União Parlamentar do MERCOSUL, o Fórum Consultivo Econômico e Social do MERCOSUL e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
 

Separar o Joio do Trigo

Ricardo Verdum
Antropólogo, assessor do Inesc

A regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, tem pela frente um grande desafio a ser enfrentado: como separar o joio do trigo?

Como fazer para que as boas intenções – que move alguns setores de governo –  não sejam atropeladas pelo interesse exclusivo no “negócio da terra”? 

Como fazer para que a medida chegue a quem na terra trabalha e dela retira o sustento da sua família? Antes dessa pessoa e seus famíliares serem enxotados (por jagunços, pistoleiros e grileiros), a mando dos velhos coronéis, ou dos coronéis do asfalto, que mantêm um olho no espelho retrovisor da sua highlux e outro nos mercados de futuro da carne bovina, da soja e da cana-de-açúcar?

E os territórios indígenas ainda não regularizados pelo Estado brasileiro? A Lei 11.952/09, sancionada pelo presidente Lula da Silva no último dia 25 de junho, afirma que não serão passíveis de alienação ou concessão áreas “tradicionalmente ocupadas por populações indígenas”. Mas serão ampliadas as capacidades humanas, financeiras e técnicas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para, preventiva e preliminarmente, identificar eficientemente o território de direito dos povos indígenas na Amazônia Legal?

Como fazer para que as famílias agroextrativistas sejam beneficiadas pela iniciativa? Como fazer para que terras hoje ocupadas por comunidades tradicionais e famílias quilombolas não sejam invadidos por terceiros, diretamente ou por intermédio de “laranjas”, afoitos interessados em beneficiar-se das novas regras de privatização de terras na Amazônia?

A nova Lei anuncia que ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) serão dadas condições para realizar vistorias de fiscalização dos imóveis rurais de até 4 (quatro) módulos fiscais. Esperamos que sim!

Ao MDA também estão sendo transferidas, pelo prazo de 5 (cinco) anos, renovado por  mais cinco, as competências do Incra para  regularizar as áreas rurais na Amazônia Legal e o poder de expedir títulos e efetivar doações de áreas urbanas.

Também caberá ao MDA, em colaboração com o Ministério do Planejamento (MPOG), a criação de um sistema informatizado, a ser disponibilizado na internet, que segundo é anunciado, visa “assegurar a transparência sobre o processo de regularização fundiária” de que trata a Lei.

E para fiscalizar se houve desmatamento irregular em área de preservação ou de reserva legal das ocupações regularizadas? Quem o fará e com que condições? A Lei é pouco clara sobre isso.

Por outro lado, a lei prevê a instituição de um “comitê” que avaliará, “de forma sistemática”, diz, a implementação das disposições da Lei, contando para isso com a participação de “representante da sociedade civil organizada que atue na região amazônica”. Supondo que esse(s) ou essa(s) representante seja alguém atento aos riscos acima mencionados, que poder terá ele/ela para promover análises independentes e divulgá-las livremente, por exemplo, ao Ministério Público ou às organizações da sociedade civil mais diretamente “representativas” do(s) prejudicado(s)?

Se considerada a crescente permeabilidade do governo federal às pressões dos setores econômicos que historicamente vem se apropriando das terras da União, o que inclui obviamente os territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas; o “costume” das elites políticas no país de fazerem uso da máquina administrativa e dos recursos públicos para eleger e reeleger candidatos de interesse; e a relativa passividade de vários movimentos sociais, que com raras exceções, têm tido dificuldades para enfrentar (conceitual, analítica e metodológicamente] as transformações havidas nas técnicas de dominação e domesticação das insatisfações sociais e individuais, tudo parece indicar que muito joio virá junto com o trigo.

A não ser que…

 

Parlamentares Assumem Compromisso com os Direitos Sociais

Os parlamentares presentes afirmaram o compromisso com a defesa do sistema de proteção social no Brasil e não irão admitir modificações que impliquem em retrocesso na garantia dos direitos sociais estabelecidos na Constituição. As entidades e os parlamentares voltaram a afirmar a necessidade urgente de modificações no Relatório da proposta de Reforma para impedir a perda de direitos sociais.

A coordenação do movimento ressaltou os seguintes princípios que devem ser considerados na reforma tributária:

  1. Exclusividade das fontes e autonomia orçamentária, com destinação específica das despesas vinculadas a políticas sociais protegidas pela Constituição de 1988.
  2. Atendimento em cada período fiscal ao princípio da demanda por direitos sociais já regulamentados, por exemplo, na área de previdência e assistência social. irrestrito no caso dos direitos expressos individualmente, e compatível no caso dos direitos expressos como demanda por bens coletivos.
  3. Não existência de teto físico-financeiro aos orçamentos sociais, mas tão somente princípios fiscais compatíveis com os princípios da política social.
  4. Progressividade na tributação das fontes de recursos exclusivas destinadas à política social, especialmente à Seguridade Social. Ou seja, em nome da justiça tributária, os mais ricos devem pagar mais impostos para preservar o financiamento da proteção social.
  5. Instituição de um Fundo Nacional da Seguridade Social.

Nos últimos dias o movimento tem recebido apoio de novas entidades da sociedade civil como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Além disso, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal encaminhou ofícios ao Ministro Guido Mantega, ao Presidente do Senado Federal, aos Senhores Ministro da Educação, Ministro da Saúde, Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministro da Previdência Social e Presidente da Câmara dos Deputados cobrando explicações referentes ao Financiamento dos Direitos Sociais sob ameaça na Reforma Tributária – PEC 233/2008 (leia aqui).

Também reforça a defesa do financiamento das políticas sociais e a construção do sistema tributário com justiça social, o pronunciamento do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, que lançou a publicação “Indicadores de Equidade do Sistema Tributário Nacional” e incluiu no Parecer encaminhado ao Presidente da República a “garantia à vinculação das aplicações e à diversidade das fontes de financiamento da seguridade social, conforme está constitucionalmente definido” (leia arquivo).

Evilásio Salvador

 

O combate à discriminação

Alexandre Ciconello

Às vésperas da 2.ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o governo do Estado de São Paulo apresentou à Assembleia Legislativa um projeto de lei (PL) que estabelece diversas penalidades para quem praticar atos de racismo, prevendo multas que podem chegar a até R$ 140 mil.

Essa é uma boa contribuição do Executivo paulista para a luta contra o racismo e pela construção de uma sociedade baseada na justiça social. O racismo é um dos principais fatores que estruturam as desigualdades sociais no Brasil. As inaceitáveis distâncias que ainda separam a população negra da população branca, em pleno século 21, se expressam nas relações interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços públicos, ao mercado de trabalho, ao ensino superior, etc.

Punir atos de discriminação racial é um primeiro e importante passo na luta contra o racismo. Contudo, ainda é muito difícil condenar alguém por discriminação racial. Na maioria das vezes, o preconceito e a discriminação não são explícitos, embora suas consequências o sejam. É difícil provar que uma família negra não conseguiu alugar uma casa em razão de preconceito, assim como é difícil provar que alguém não conseguiu um emprego, embora isso aconteça com frequência.

Um ponto de destaque do projeto do governo estadual diz respeito à punição aos agentes que impedirem ou retardarem a prestação de serviço de saúde, público ou privado, em razão de cor ou raça. Muitas vezes isso ocorre em razão da estrutura das instituições que prestam serviços à população. Chamamos isso de racismo institucional, ou seja, quando as práticas discriminatórias são comuns na forma como as organizações se estruturam e definem seus procedimentos internos.

Diversos estudos demonstram como atos de discriminação ocorrem na prestação de serviços públicos à população. As mulheres negras, por exemplo, recebem um pior tratamento do sistema de saúde público do que as mulheres brancas. Para além da punição, o governo paulista deveria implementar programas de combate ao racismo institucional em todos os órgãos estaduais que prestam serviços à população, sensibilizando e formando servidores públicos, revendo normas internas discriminatórias, que nem sempre estão escritas, mas são praticadas no dia a dia.

Acreditamos que o governo e a sociedade paulista estão dando um importante passo na luta contra a discriminação racial no Estado. Esperamos, agora, que a Assembleia Legislativa debata e aprove o projeto encaminhado pelo governador e que as medidas previstas sejam efetivamente implementadas, incluindo ações de combate ao racismo institucional.

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Governo se afasta da Sociedade Civil

 Edélcio Vigna, assessor do Inesc

 

O Governo está encurralando os setores mais vulnerabilizados da sociedade civil, em especial os povos da terra. A ofensiva para desmantelar as legislações agrárias e ambientais está ganhando contornos  dramáticos. As denúncias de violações de direitos humanos de acesso a terra, de mortes anunciadas e de tentativas de assassinatos estão se proliferando tanto na mídia convencional, como nas infovias.

O governo está surdo a qualquer crítica das organizações que eram parceiras fieis de suas políticas e estratégias de gestão. Este afastamento do “político” e do “social” está colocando e risco as conquistas de participação pelas organizações sociais e sindicais.

O governo está aumentando recursos orçamentários em alguns programas, mas não está permitindo que os setores diretamente interessados monitorem e participem da execução das ações. Em outros programas, como no caso do Pronera, o “Manifesto em defesa da Educação no Campo”, do MST denuncia que o governo “já proibiu o pagamento de bolsas aos professores das universidades que desenvolvem os cursos e a realização de novos convênios, além de ter cortado 62% do orçamento previsto para o programa”.

Há um diálogo e um contra-diálogo que se anulam e excluem a participação social. Os interlocutores não se ouvem e os desmandos não só continuam, mas aceleram-se. A reforma agrária está praticamente paralisada. O Código Florestal está sofrendo um ataque cerrado dos ruralistas para neutralizar o poder da legislação de proteger e preservar as matas nativas. Flexibilização ambiental é um eufemismo para desregulamentação em nome do lucro. 

Os recursos naturais, que vão desde as águas de superfície aos minérios do subsolo, passando pela riqueza da biodiversidade, atraem a cobiça e estimulam a violência se não forem urgentemente protegidos pelos Poderes Públicos. São estes Poderes da República que tem o mandato delegado pelo pacto social para intervir, com a força necessária, para garantir a sua preservação. A Constituição Federal em seu art. 20, V, estipula que os recursos naturais são bens da União. No art. 24, IV, § 1º, diz que compete a União legislar sobre os recursos naturais. O art. 91, III, esclarece que compete ao Conselho de Defesa Nacional “propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”.

Dessa forma, os Poderes republicanos não podem se omitir, nem legislar com parcialidade. Se o comportamento contrário prevalecer o tecido social tenderá a se esgarçar. A transparência e a visibilidade da execução e funcionamento da administração pública é um instrumento que a sociedade conquistou e não pode abandonar. Esses instrumentos de controle social ainda não chegaram plenamente aos Poderes da República. O Executivo desenvolveu mecanismos capazes de dar alguma visibilidade aos seus atos. O Legislativo deverá seguir o exemplo, com os escândalos que a mídia vem denunciando. O Judiciário será questionado, em breve, para que dê visibilidade de seus atos administrativos, legais e políticos, pois não há justiça neutra.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Nota Pública, pergunta: Quem é o responsável pelas mortes de dois trabalhadores rurais mortos a tiros em Bom Jesus do Araguaia (MT)?” Esses cidadãos morreram em frente às terras que o Presidente da República desapropriou em 2004 e o Juízo da Primeira Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso mandou retirar as famílias cadastradas pelo INCRA, que tinha iniciado os procedimentos para a regularização do assentamento. Enquanto os grileiros da Amazônia Legal ganham uma Medida Provisória para regularizar a toque-de-caixa as terras griladas, as famílias sem-terras herdam a violência dos piores tempos da ditadura. Se o poder público não protege os segmentos sociais mais vulnerabilizados, ajuda a violentá-los. A impunidade incentiva o fosso da desigualdade e, torna cúmplices silenciosos todos e todas que se omitem.

A Associação Brasileira pela Reforma Agrária (ABRA) emitiu um “Manifesto contra a absurda e arbitrária sentença Judicial” dada pela Segunda Vara Federal de Presidente Prudente, que apura as supostas irregularidades em cooperativas de assentamentos do Pontal do Paranapanema. Muitos outros manifestos e denuncias poderiam ser citados.

O que interessa questionar é como um governo de esperança pode caminhar para seu último mandato ignorando a própria história? Esta situação esquizofrênica, onde o rosto não se reconhece diante do espelho, perturba todo o corpo provocando a dispersão. A história das organizações sociais brasileiras nunca passou por situação semelhante. A dispersão provocada pela ditadura foi imposta. Esta que nos avizinha é de outro gênero e muito mais prejudicial. Aquela fortalecia a luta, esta enfraquece.

Fundo da Amazônia: breve análise de riscos e desafios

Ricardo Verdum
Antropólogo, assessor do Inesc

Nesta segunda (15) e terça-feira (16) as entidades da sociedade civil que integram a Plataforma BNDES estarão reunidas em Brasília para avaliar os dois primeiros anos de atuação. Estão na pauta desses dois dias de trabalho as dificuldades e os desafios encontrados no diálogo com o BNDES; o conceito de corresponsabilidade do Banco nos danos causados pelos projetos que financia; como fazer avançar a agenda de transparência; e a preparação do primeiro encontro nacional dos atingidos por atividades financiadas pelo BNDES.

Esse texto tem por objetivo indicar, de forma resumida, riscos e desafios hoje percebidos na implementação do Fundo Amazônia (FA), que tem o BNDES como principal agente operador dos recursos financeiros.

O Fundo Amazônia foi criado no dia 1º de agosto de 2008, pelo Decreto No. 6.527. As diretrizes e os critérios de aplicação dos recursos do Fundo foram definidos nas duas primeiras reuniões da Comissão Orientadora (COFA), realizadas respectivamente nos meses de outubro e novembro passado. Uma terceira reunião aconteceu no último dia 29 de maio, quando foi apresentado o acordo de cooperação técnica celebrado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e debatida a participação de empresas privadas como beneficiárias do Fundo.
Não obstante a urgência de incentivos financeiros de promoção da “floresta em pé”, na prática o FA ainda não saiu do papel; além disso, há vários aspectos de ordem prática e, principalmente, política que necessitam ser definidos e qualificados:
1. Causa preocupação a decisão de limitar a atuação do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA). Formado por representantes dos governos federal e estaduais e da sociedade civil, ele não tem atribuição de definir quem receberá o recurso disponibilizado pelos doadores nacionais e internacionais. E mais, segundo o Decreto 6.527, ao COFA caberá unicamente tomar ciência da aplicação dos recursos e ter acesso ao relatório anual do Fundo.
2. Outro ponto é a metodologia e os instrumentos a serem utilizados para (1) aprovar as propostas de financiamento, (2) avaliar a execução físico-financeira dos projetos aprovados e (3) medir os impactos sociais e ambientais gerados no curto e no médio prazo, considerando o objetivo de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e, principalmente, a promoção da conservação e uso sustentável do bioma amazônico. Até onde sabemos, eles não vieram a público, nem mesmo para apreciação dos membros do COFA.
3. Preocupa-nos a visível fragilidade política, técnica e financeira do Ministério do Meio Ambiente, hoje numa posição subalterna em relação aos interesses do setor ruralista, maior responsável pelo desmatamento da Amazônia, que avança a passos largos dentro dos Poderes Executivo e Legislativo, desrespeitando e desqualificando a legislação ambiental. A aprovação da Medida Provisória 458, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, coloca em estado de risco o direito coletivo à terra das populações indígenas, quilombolas e tradicionais. Se sancionada, ela incentiva a integração desses solos ao mercado de terras; regulariza e incentiva a grilagem de terras na Amazônia; e cria condições para o o agronegócio expandir a pecuária e as monoculturas de dendê, da cana-de-açúcar e da soja em prejuízo da floresta.
4. Há grande risco de o Fundo tornar-se um meio de mitigar e compensar impactos socio-ambientais de obras de infraestrutura planejadas e em execução na Amazônia brasileira. Ou pior, ser uma “moeda de troca” com as populações locais e organizações da sociedade civil com atuação na região (inclusive representados na COFA) e financiar quem desmata e polui. O risco é real se considerarmos que o BNDES é um dos principais financiadores e provedores de crédito para este tipo de empreendimento no Brasil e na região sul-americana.
5. Preocupa-nos a pressão feita pela iniciativa privada visando garantir seu acesso aos recursos do Fundo. É certo que não há restrição a esse tipo de apoio em nenhum documento oficial do Fundo, mas até o momento predominou o entendimento de que os recursos de doação não deveriam servir para esse fim.
6. Outro risco real é o governo federal utilizar os recursos do Fundo como um substituto aos investimentos que deveria fazer a partir do orçamento público (PPA e LOA), por exemplo: para cobrir os cortes orçamentários de custeio e investimento decorrentes do chamado “contingenciamento”.
7. O ano de 2010 é ano eleitoral no Brasil e é “costume” no país os governantes utilizarem ampla e intensivamente a máquina administrativa e os recursos públicos como meios para eleger e reeleger candidatos de interesse, pressionado principalmente por setores politicamente conservadores, que, no geral, têm sido os maiores responsáveis pelo desmatamento e a degradação da Amazônia brasileira: os ruralistas.

Da perspectiva de quem deseja que o Fundo cumpra com seus objetivos e que não tenha uso político ou uso negativo na região, nos parece ser fundamental que grupos independentes do governo e da iniciativa privada tenham condições de acompanhar e avaliar com isenção a utilização dos recursos financeiros ai alocados. Garantir transparência e capacidade de avaliação independente é importante para o futuro da Amazônia.

 

Quando a criança vira cifra

Márcia Acioli

Há alguns domingos a mídia tem explorado imagens de imensa estupidez desferida contra uma menina, que, por ser criança tem medo como qualquer outra. Chora, se cansa, quer, precisa e tem o direito ao colo da mãe. Não se trata de uma menina qualquer, mas de uma pequena profissional da mídia. Para os adultos, é trabalho que certamente lhe confere prestígio e dinheiro. Os seus pais não estão livres da responsabilidade pela tensão que tem vivido nos últimos dias.

Trato aqui dos episódios em que Maisa, apresentadora mirim da SBT, debate com Sílvio Santos, chora no palco e busca, em vão, o colo e o conforto da mãe, que também pressionada, não pode lhe acolher a tempo. Para agravar a situação o apresentador convoca a platéia para ofender a criança com gritos chamando-a de medrosa. No primeiro dia, temendo um garoto mascarado (que também fica assustado com a situação) ela sai correndo apavorada do palco. No domingo seguinte, ela é debochada e mais uma vez derrama lágrimas diante o seu patrão que não a poupa e continua os abusos iniciados anteriormente. Após se sentir magoada sai correndo de novo, bate a sua cabeça numa câmara, chora bastante, diz que quer a mãe. A produção sutilmente a empurra de volta para o desamparo da exposição pública. Esperta, ela argumenta, mas continua desamparada em situação de extremo constrangimento.   

Se fosse com um adulto o caso seria certamente cruel, envolvendo criança é desumano.

Trabalho infantil é violência. Seja braçal, mecânico ou glamouroso o esforço laboral submete a infância a estresse, a situações de risco, ameaça sua saúde e rouba-lhe o tempo para brincar. Subtrai às crianças o precioso tempo para ficar à toa, para apreciar as formas das nuvens coloridas, tempo para sentir o ventinho no rosto ou para cochichar algum segredo mortal no ouvido de um amigo real ou imaginário. O trabalho de crianças é prejuízo certo e incalculável. Agride a condição de infância. A vida não é rebobinável e este período único e curto da vida escorre pelo ralo.

Não é o caso de bater na mesma tecla embolorada: “lugar de criança é na escola, temos que tirar meninos da rua”. Discurso vazio de sentido. Palavras velhas, gastas que não resolvem todas as situações. Há crianças que frequentam escola, não vivem nas ruas, e estão submetidas ao trabalho e ao estresse do trabalho.

Os fatos envolvendo Maisa nas últimas semanas evidencia o quanto os interesses pelos lucros certos que podem trazer uma menina engraçadinha anula a sua condição humana. A criança passa a ser uma singela máquina de produzir dinheiro, com o relevante aumento de audiência. O que acontece é que, o seu grau de profissionalismo faz com que, aparentemente, dispense os cuidados que qualquer criança exige. O patrão esquece que lida com uma menina pequena e espera dela, cada vez mais empenho, compromisso profissional sem qualquer cuidado com a sua condição de criança.

Com apenas 6 anos de idade ela precisa ser protegida e ter todos os seus direitos assegurados, inclusive ao lazer, ao respeito e à dignidade, que não são direitos secundários ou menores como querem nos fazer crer alguns discursos sisudos e insensíveis.  Não há direito menor.

Fantasiada de Shirley Temple, com cachinhos bem desenhados, vestidos à moda antiga, uma personagem é criada e no lugar de uma educação integral de qualidade a menina é submetida a uma agenda cansativa e desgastante com ensaios e gravações. 

Como a Shirley Temple, assim como a Judy Garland, atriz do Mágico de Oz, Maisa corre sérios riscos de ser escrava de um projeto de adultos ambiciosos, ávidas por ganhos, e ter seu desenvolvimento modelado pelo compromisso com um formato massacrante de sucesso.

Enquanto isso a infância, em estado terminal, definha e pede socorro.

 

Sobre o Aquecimento Global e a Mobilização Solidária e pela Paz.

Juros, spread e muita cara de pau!

Os outros e nosotros

 O outro, o estrangeiro, não é percebido em sua dimensão social e política, ao contrário, é visto no espaço do espetáculo, do folclore e enriquece a mim, como identidade hegemônica. Eu o tolero, mas na verdade não o respeito. Pois se pensarmos sem pré-conceitos, veremos que toleramos o que não está em nossa perspectiva de convivência mais próxima, ou aqueles que não nos são caros, pois ao contrário não toleraríamos, conviveríamos sem problemas de olhá-los nos olhos, não haveria tolerância, pois não haveria a possibilidade da intolerância.

A educação formal, apesar de as propostas multiculturalistas estarem na ordem do dia e em todas as rodas politicamente corretas, aparentemente, acolhe a diferença, todavia, apenas de maneira superficial, sem que haja espaço para a manifestação dessa diferença, ou esperando que ela se revele apenas como alegoria. Ou, ainda pior, acolhemo-la para demonstrar nossos bons sentimentos e uma face conectada com a diversidade da humanidade.

Há, por conseguinte, o refúgio mais confortável, o campo da moralidade, que já está dado e resguardado pelas rodas intelectuais e suas institucionalidades, com discursos já concebidos e aceitos como dentro da verdade da coisa. Ou como bem disse Larrosa “configuram a gramática discursiva de certas camadas sociais devidamente treinadas no politicamente correto”.

A escola, para Larossa, ao invés de demarcar identidades, deveria aceitar a nossa indefinição, ou, como ele diz, nosso estrangeirismo, aproveitar o que de melhor o estrangeiro nos traz, “a possibilidade de nos percebermos também estrangeiros”. Assim, o que seria tolerância, passaria a ser convivência e troca, pois teríamos a oportunidade de compartilhar nossos estrangeirismos. Entendendo que as identidades não são estáticas como nossa compreensão quer perceber, mas estão permeadas por conjunturas, acontecimentos inesperados e interações com outras identidades que podem gerar mudanças.

A convivência pressupõe espaços públicos promotores de encontros. A escola deveria ser um desses espaços, mas está cada vez mais privatizada e fechada por muros. O argumento para o fechamento é a violência urbana, mas sabemos que não é isso, ou não é só isso, o que mais querem preservar são os valores morais trazidos nos ombros há séculos. Uma das instituições que menos se permitiu mudar ao longo da história foi a escola.

A escola formal é a portadora do saber e da legitimidade de ensinar. A ela cabe acolher as crianças e os adolescentes para que eles deixem a condição de “alunos”, ou sem luz, para a condição de iluminados. Mesmo com a crise do paradigma iluminista, esta instituição não abriu mão do seu lugar, daquela que traz a luz, que ilumina. E essa instituição que ilumina, segrega e marca os diferentes ao não acolher a todos com suas diferenças, porém, com direitos iguais.

Os argumentos produzidos socialmente, aos quais me referia no início do texto, que promovem verdades, são utilizados quase sempre contra aqueles que não fazem parte do lado hegemônico da sociedade. Aqueles que muitas vezes são invisíveis, os toleráveis, mas com os quais preferimos não conviver, a não ser quando eles reforçam nosso lado multicultural.

Isso ocorre, por exemplo, quando se discute o aprofundamento da violência urbana, a falta de uma política de segurança pública e a consequente necessidade de aumentar o aparato repressivo, como única alternativa ao caos urbano causado pela marginalidade e que bateu às portas da elite e da classe média. Nesse momento, aquele invisível, torna-se muito evidente, pois se transforma em alvo que devemos atacar.

Alguém tem de ser o culpado pelas mazelas que atravessamos e, certamente, não será um dos meus, será, especialmente, aquele que me incomoda, que quero não ver, mas ele teima em aparecer na minha frente, nos espaços nos quais circulo, deixando um pouco mais cinzento o meu horizonte, causando-me culpa e mal estar, ou nem isso, apenas repugnância. Ele é o violento.

E isso justifica o fato de se defender o aumento das penas, mesmo que não tenhamos cadeias suficientes e que as existentes sejam espaços de maus tratos e desrespeito aos direitos humanos. Mas de que direitos humanos estamos falando? Essas criaturas são desprovidas de humanidade, portanto, sem direitos. Os meninos e meninas de 16 anos já são grandes o suficiente para saberem o que estão fazendo, eles tem de sentir o peso do Estado, mesmo que nunca tenham sentido sua leveza, pois não é novidade que quem cumpre pena são pobres e negros, ou negros e pobres; aqueles a quem normalmente é negado o direito a uma escola de qualidade, uma vida digna, moradia, acesso a transporte público, lazer.

Quando defendem o aumento do aparato repressivo não conseguem perceber que vivemos em uma sociedade repressiva e autoritária desde sempre e isso não resolveu o problema da violência. Prendem o Fernandinho Beiramar em uma prisão de segurança máxima e querem nos fazer crer que ele é realmente o chefão do tráfico, como se não fosse evidente que os grandes “empresários” do setor de narcóticos estão em outros espaços muito mais “ascéticos” e impunes, pois fazem parte do lado hegemônico, da verdade da coisa.

Para os adolescentes o ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente- prevê que aqueles que cometem atos infracionais devem ficar em instituições educadoras, que mantenham atividades socioeducativas, para que o processo de amadurecimento do jovem não seja comprometido. E dizem que isso não é o suficiente, pois querem imputar-lhes penas mais severas e mais cedo, aos 16 anos, como se a parte que cabe ao Estado estivesse cumprida e que a sociedade se preocupasse em fazer o controle social dessas instituições.

Nem uma coisa, nem outra, o Estado mantém espaços desumanos, que não educam, apenas aumentam a sensação de segregação social; medidas socioeducativas são celas superlotadas, como a dos presos comuns. A sociedade sente-se aliviada, pois por um tempo ficará livre dos “elementos” e controle social é para aqueles providos de “humanidade”.

Além disso, sempre que ocorre algo com o lado hegemônico da sociedade, volta à discussão sobre a maioridade penal, ou o aumento do tempo de internação dos adolescentes, mas nunca se discute que três anos na vida de um adolescente é muito diferente que três anos na vida de um adulto. O adolescente está se socializando, descobrindo o mundo. O tempo flui com outra intensidade.

Um bom exemplo de que precisamos rever o paradigma repressivo é a quantidade de dinheiro que os Estados Unidos gastam anualmente com a repressão e combate às drogas e conseguem barrar uma quantidade pequena das drogas que entram no país. E para esse combate ultrapassam suas fronteiras e desrespeitam os seus “estrangeiros”.

É fato que desigualdade não é a causa da violência, mas pode-se dizer que a violência quase sempre é a reafirmação da desigualdade– em suas diversas formas de manifestação e não apenas desigualdade social–, a população mais vitimizada não tem espaço para manifestar-se em suas identidades, pois os espaços públicos estão cercados.

A nossa sociedade é secularmente autoritária e de dominação e quando ameaçada manifesta-se de forma violenta. Ouvi isso no seminário “Violência e segurança pública no Brasil: outros olhares, outros rumos” promovido pela ABONG, onde se falou também que temos de mudar a nossa forma de olhar, pois sempre se fala da violência associando-a a pobreza, porque não se falar da violência associando-a a riqueza, que provoca desigualdade, que por si só não é causa da violência, mas é reafirmada por ela. Assim mesmo, dessa forma circular e, para muitos, simplista.

As formas propostas para o combate à violência são sempre soltas e baseadas em visões preconceituosas, discriminatórias e de isolamento do outro. O diálogo não é promovido e a visão nunca é sistêmica, pois uma política pública de segurança pressupõe, também e principalmente, medidas preventivas que passam por ampliação de espaços de convivência e troca.

Assim como há saúde preventiva, devemos propor, Estado e Sociedade, política pública de segurança preventiva, que deve ser associada às políticas sociais, especialmente, de educação. E, como foi dito também no seminário da ABONGª, o contrário de violência não deve ser a segurança e sim a liberdade, por isso a necessidade urgente dos espaços de convivência saudáveis, entendidos aqui como espaços de promoção da sociabilidade capazes de oferecer ambiente educativo e emocionalmente seguro à convivência e à troca entre diversos outros, estrangeiros, em suas diferenças e com possibilidade de construção de outras histórias geradas a partir da interação.

*ABONG- Associação Brasileira de Organizações não Governamentais.

Cleo Manhas

 

Por que mais US$ 180 bilhões ao BID?

Ricardo Verdum*

Em realidade residem dúvidas sobre o pedido feito pela direção do BID na 50ª Assembléia dos governadores da multilateral, em Medellín, de uma recapitalização da instituição em US$ 180 bilhões. Se aprovado pelos sócios, o BID passaria dos atuais US$ 100 bilhões para US$ 280 bilhões.

O principal argumento do grupo assessor que trabalha com o BID na proposta de recapitalização tem sido a de que esse aumento possibilitaria ao organismo multilateral destinar mais recursos aos países-sócios na região latino-americana, num momento de escassez de crédito, podendo chegar a até US$ 15 bilhões em empréstimos ao ano. Sem esta recapitalização os créditos não passariam de US$ 6 bilhões, argumentam. Argumento semelhante vem sendo defendido pelo Brasil, que defende juntamente uma maior participação da iniciativa privada em projetos de infra-estrutura.

Considerando o envolvimento do BID em iniciativas como a IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Sul-americana), bem como participação no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo brasileiro, isto poderá significar um incremento de recursos nos setores de hidroeletricidade e hidrocarburos, estratégicos no e para o desenvolvimento da região. No caso brasileiro, por exemplo, o BID poderia apoiar o fortalecimento da matriz energética brasileira, uma das mais limpas do mundo, auxiliando na re-potencialização da infra-estrutura hidroelétrica já instalada e na ampliação da capacidade de geração de energia alternativa (eólica, solar etc.). A produção de biocombustíveis pode ser também um setor a ser incentivado. Em tempos de busca de redução de gases de efeito estufa, estas alternativas devem ser privilegiadas.

Por outro lado, ao ser indagado durante a reunião com membros de organizações sociais da região no último dia 27 de março, em Medellín, sobre como o Banco pode perder quase US$ 2 bilhões nos últimos meses em aplicações nada transparentes e de alto risco, parecendo desconhecer a crise anunciada desde 2007, o presidente da instituição, Luis Alberto Moreno e outros gerentes simplesmente desconversaram, como se o tema fosse algo de interesse exclusivamente interno da instituição. Ou seja, faz-se necessário o desenvolvimento de mecanismos mais eficientes e eficazes de participação social, transparência e prestação de contas do BID.

Chamaríamos a atenção ainda para a necessidade de o BID ser mais eficiente na aplicação das políticas operativas (OP) destinadas a avaliar os impactos sociais e ambientais dos créditos solicitados pelos governos e pela iniciativa privada. O caso da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Cana Brava, no centro-oeste brasileiro, no estado de Goiás, é um exemplo de negligência do banco, fato esse reconhecido publicamente pela instituição em 2005.

Em não sendo dada a devida atenção a esses pontos, persistirá a dúvida: por que mais US$ 180 bilhões ao BID?

* Antropólogo, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e membro da coordenação da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.

 

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