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Em defesa da democracia no Paraguai

Em defesa da democracia no Paraguai

 

Edélcio Vigna

 

O Inesc, como uma organização que privilegia nas suas atividades os direitos humanos, na sua atuação junto ao Parlamento do Mercosul, vem repudiar qualquer tentativa de violação contra os princípios democráticos. Lembra a Cláusula Democrática, existente no Protocolo de Ushuaia, que garante o regime em todos os Estados-parte do Mercosul. Sem este sistema de governo, nenhum país poderá ser parte do Mercado Comum.

 

O Inesc soma sua indignação e faz eco com a Associação das Organizações Não-Governamentais do Paraguai e com a Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas, que expressaram apoio ao presidente Fernando Lugo, após a denúncia de um plano de golpe de estado que teria a participação do ex-presidente do país, Nicanor Duarte, além do general Lino César Oviedo.

O presidente do Paraguai, recém-eleito, Fernando Lugo apresentou detalhes dos planos e afirmou que representantes das Forças Militares tinham as informações sobre a tentativa. A notícia repercutiu em todo o país e gerou manifestações de diversos segmentos sociais em favor da manutenção da democracia e do respeito pela vontade popular que elegeu Lugo.

O presidente do Parlamento do Mercosul, o deputado brasileiro Dr. Rosinha, emitiu um documento empenhando seu apoio ao presidente Lugo e a democracia paraguaia.  No entendimento desta Presidência, tal tentativa representa não apenas uma agressão covarde à democracia e ao povo paraguaio, mas também uma ofensa inaceitável contra o Mercosul e, particularmente, contra o seu Parlamento, instituição voltada à consolidação da democracia, no âmbito do bloco?.

 

Veja abaixo a íntegra da nota pública divulgada pelo Parlamento do Mercosul em defesa da democracia no Paraguai:

“Apoio à democracia paraguaia 

A Presidência do Parlamento do Mercosul vem a público manifestar o seu mais veemente repúdio à noticiada tentativa de golpe de estado contra o governo eleito do presidente Fernando Lugo, da República do Paraguai.

No entendimento desta Presidência, tal tentativa representa não apenas uma agressão covarde à democracia e ao povo paraguaios, mas também uma ofensa inaceitável contra o Mercosul e, particularmente, contra o seu Parlamento, instituição voltada à consolidação da democracia, no âmbito do bloco.

A Presidência do Parlamento do Mercosul lembra que o Protocolo de Ushuaia, que instituiu, no contexto dos Estados-parte do Mercosul, bem como nos Estados associados do Chile e da Bolívia, a cláusula democrática do Mercado Comum do Sul, é compromisso inalienável e fundamental para a estabilidade política da região e o processo de integração. Portanto, quaisquer violações dessa cláusula pétrea resultariam na impossibilidade de que o Estado transgressor pudesse permanecer no Mercosul.

A Presidência recorda, ademais, que Carta Democrática Interamericana, firmada no âmbito da OEA, também demanda, de todos os Estados signatários, respeito incondicional às normas e instituições democráticas, bem como compromisso solene com o estado de direito.

A Presidência do Parlamento do Mercosul destaca que os recentes pleitos eleitorais do Paraguai, que resultaram na eleição do Exmo. Sr. presidente Fernando Lugo, transcorreram dentro da mais absoluta normalidade e tiveram alta taxa de participação popular, o que demonstra o atual grau de maturidade da sociedade civil paraguaia e comprova a sólida e insofismável legitimidade das autoridades democraticamente constituídas naquele país.

Por último, a Presidência manifesta a sua mais plena confiança nas instituições e no povo paraguaios e expressa seus votos de prosperidade e paz àquela grande nação. 

Dr. Rosinha

Presidente do Parlamento do Mercosul”

Lamento muito, mas não deu…

A Rodada de Doha da OMC voltou a tropeçar devido à imposição da pauta pelos países desenvolvidos. Os países emergentes, como a China e a Índia, colocaram o pé na porta e não rebaixaram suas ambições diante dos EUA e da União Européia. O Brasil ficou intermediando as propostas e sua liderança na OMC pode ter saído maculada. O que fazer? Voltar-se para a integração sul-americana e cuidar das feridas abertas no âmbito do MERCOSUL. Retomar o trabalho no bloco e aparar algumas arestas que podem ter ficado com a Argentina e Venezuela, que se colocaram frontalmente contra as posições dos países desenvolvidos, enquanto o Brasil buscava um consenso.

Os negociadores seguiram às palpadelas nestes oito dias de rodadas, como se estivessem em um quarto escuro. Receberam as ordens, mas não encontram eco. Suas propostas se chocavam com as dos outros negociadores. Assim, não conseguiam apoio para avançar, mas continuavam repetindo o mantra. Assim, a resistência de cada negociador se esgotou.

Acusado de ser um dos culpados pelo fracasso das negociações da Rodada de Doha, o ministro da Índia, Kamal Nath, afirmou: “Não estamos isolados. Se bloquear uma ronda é não aceitar uma proposta dos países ricos, então que seja assim”. Os países em desenvolvimento demonstraram que as regras do mercado internacional não serão mais elaboradas somente ao gosto dos países desenvolvidos. Com a emergência de novas forças que se projetaram no cenário internacional, a história da globalização não será mais a mesma.

Depois de muitas tentativas de articulação de posições dentro do G7, e entre o G7+Lamy+coordenadores de agricultura/NAMA+outros 30 países presentes ficou claro que as negociações da Rodada de Doha não tinham consenso suficiente para ser fechada. As propostas que buscavam contornar os problemas não foram suficientes para superar as diferenças em temas como produtos especiais, produtos sensíveis, salvaguardas, e quase todo o texto de NAMA (coeficientes, flexibilidades, anticoncentração e setoriais).

A rodada que começou, seu ultimo dia, com uma reunião áspera entre EUA versus Índia e China, terminou na terça-feira. EUA e União Européia não se entenderam com a Índia e China sobre as propostas de salvaguardas em agricultura (Algodão e Bananas) e setoriais em NAMA. Vários outros dissensos agitaram o dia: a Argentina avaliou que o documento de NAMA não servia nem para discussão. O Equador, de um lado, Guiana e Camarões de outro, discutiram sobre o comércio de bananas. O Senegal reclamou dos EUA sobre algodão. Bangladesh e Nepal discutiram com Lesoto e El Salvador sobre erosão de preferências. A Venezuela, Nicarágua, Cuba e Bolívia questionaram todo o processo.

À tarde, enquanto o G7 ameaçava romper as negociações, o diretor-geral Pascal Lamy realizou uma série de consultas temáticas que não chegaram a lugar algum. O ministro Celso Amorim, do Brasil, voltou a declarar que as conversas estavam por um fio. Os EUA e a Índia continuaram o bate-boca publico sobre salvaguardas.

Os informes internos do G7 apontavam uma cristalização de posições entre “orientais” (Índia, China e Japão) e “ocidentais” (UE, EUA, Austrália e Brasil) sobre três temas agrícolas: produtos especiais, salvaguardas e produtos sensíveis. A discussão passou de preços/volumes de comércio para a política. Enquanto a negociadora dos EUA, Susan Schwab, avaliava quantos votos de parlamentares perderia no Congresso a cada percentual de salvaguardas, o indiano Kamal Nath avaliava quantas dezenas de milhões de eleitores perderia nas eleições a cada percentual concedido.

As negociações desta rodada foram tão difícil que até a União Européia saiu rachada. A Alemanha, Reino Unido e Suécia de um lado, França, Itália, Portugal, Grécia, Hungria, Polônia e República Checa de outro, com a Holanda e a Espanha no meio. Fica evidente que, passados sete anos desde o início da Rodada de Doha, a conjuntura política e as disputas de poder tornaram a arena da OMC bem mais complexa. Começando com o reagrupamento do G20 em Cancun, com o NAMA-11 neste último ano, as rupturas internas de interesses dentro da EU e o fim do governo Bush produziram um jogo bem mais complexo, com muitos mais níveis e infinitas posições.  Um olhar para trás, desde o fim da Rodada do Uruguai, onde os países ricos dominavam e se impunham sobre qualquer tema, o colapso desta mini-ministerial corrobora e atesta esta complexidade.

Resta-nos agora esperar para ver qual será o resultado deste retumbante fracasso nas conversações da última semana em Genebra. Qual será o próximo passo?

Bolsa Família

Site Ibase

 

O Inesc reproduz a entrevista realizada com Mariana Santarelli, uma das responsáveis pela coordenação executiva do trabalho.

 

Entrevista: Mariana Santarelli

Flávia Mattar e Jamile Chequer

 

Ibase acaba de concluir a pesquisa “Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas”. Entre os objetivos estão o levantamento do perfil das famílias beneficiadas, como adquirem os alimentos e as repercussões do Bolsa Família na segurança alimentar e nutricional. Ao todo, foram entrevistados 5 mil titulares do cartão Bolsa Família, em 229 municípios brasileiros do Nordeste, Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Sul. A pesquisa contou também com uma fase qualitativa, na qual foram ouvidos 170 titulares em 15 grupos focais e 62 gestores(as) em entrevistas semi-estruturadas. Um levantamento como este favorece não só a reflexão sobre o Bolsa Família como a proposição de políticas públicas que somem esforços para a diminuição da pobreza e da insegurança alimentar. A pesquisa do Ibase, Mariana Santarelli, fala sobre as fortalezas e desafios do Programa, além de mostrar a situação de beneficiários(as) e a forma como percebem e lidam com o Bolsa Família. Mariana também aponta recomendações para potencializar a iniciativa.

Ibase – Qual a importância de uma pesquisa como essa?

Mariana Santarelli – O Programa Bolsa Família é uma política elaborada para lidar com o problema da fome e beneficia aproximadamente 11,1 milhão de famílias pobres brasileiras. Pela trajetória do Ibase com o tema da segurança alimentar e nutricional, não poderíamos deixar de analisar esta política e em que medida influencia a capacidade das famílias se protegerem da fome. A pesquisa ajuda a compreender como as famílias mais pobres se alimentam e de onde vêm os produtos consumidos, o que nos dá condições para pensar que políticas, entre as que já existem e as que podem vir a ser implementadas, são mais relevantes para garantir o direito humano à alimentação, principalmente em um contexto de crise mundial de alimentos.

Ibase – O Bolsa Família é uma iniciativa eficaz no combate à pobreza?

Mariana Santarelli – Sua finalidade é transferir renda para quem não tem ou tem renda muito baixa. Ele cumpre sua parte. Mas não tem a capacidade de resolver todos os problemas. No Brasil, a pobreza é um fenômeno complexo e tem determinantes que a reproduzem permanentemente. É preciso que, junto com a transferência de renda, tenhamos outras políticas públicas capazes de romper com esse ciclo de geração de pobreza que nega a cidadania a milhões de brasileiros. O que vimos na pesquisa é que a insegurança alimentar grave está fortemente associada à baixa escolaridade, à exclusão do mercado formal de trabalho e à precariedade no acesso a serviços públicos, como saneamento básico. Políticas públicas capazes de atacar estes problemas aumentam as condições das famílias de superar a pobreza.

Ibase – As pessoas beneficiadas ainda vivenciam a fome?

Mariana Santarelli – Adotamos a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), instrumento utilizado na Pnad 2004, que reflete aspectos do acesso aos alimentos. Os dados mostram que mais da metade das famílias beneficiadas, aproximadamente 6,1 milhões, está em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, ou seja, passou por restrições alimentares e até mesmo fome nos meses que antecederam a pesquisa.

Ibase – O Bolsa família contribui para a segurança alimentar e nutricional dessas famílias?

Mariana Santarelli – A pesquisa mostra que os beneficiários fazem uso do recurso para comprar mais alimentos e variar sua alimentação. Para muitos, o Bolsa Família é a única renda regular garantida, o que permite que ao menos o arroz e o feijão estejam garantidos todo mês. Há grande impacto também na variedade, as famílias passam a comer mais carne, leite, legumes e verduras. Por outro lado, também aumenta o consumo de alimentos não-nutritivos e calóricos, como biscoitos e industrializados.

Nos grupos focais percebemos que as titulares, em sua maioria mulheres e mães, sabem o que é saudável, mas pela escassez de recursos acabam optando por uma alimentação que proporciona saciedade. Tendem também a satisfazer os desejos dos filhos, o que é mais do que justificável. O Bolsa Família aumenta o poder de escolha e de compra dos alimentos, o que é ótimo, mas não significa, necessariamente, uma alimentação mais saudável. Por isso, há a necessidade de programas direcionados para a educação alimentar, principalmente nas escolas; de iniciativas que aumentem a oferta de alimentos adequados e pouco consumidos, como legumes, verduras e frutas a preços mais acessíveis; e também de ações de regulamentação da propaganda de alimentos.

Ibase – Qual a percepção das pessoas beneficiadas?

Mariana Santarelli – As pessoas beneficiadas percebem o programa como uma iniciativa que “ajuda, mas não resolve”, o que corrobora a visão do Ibase de que é uma iniciativa importante, mas são necessárias outras políticas para garantir a emancipação das famílias.

Nos grupos focais, observamos que as pessoas beneficiadas preferem garantir a sobrevivência de suas famílias por meio do trabalho a depender do programa. Para aqueles que estão no auge da capacidade produtiva, principalmente homens, ser beneficiário chega mesmo a ser algo que causa vergonha.

Alguns expressam o desejo de receber o benefício para sempre. Este é o caso daqueles que vivem sob as condições mais extremas de pobreza e em municípios onde não há muitas alternativas de inserção no mercado de trabalho.

Há exemplos de como uma fonte estável e regular de renda significa maior possibilidade de planejamento de gastos e, principalmente, segurança. Muitas das mulheres titulares passaram a se sentir mais independentes financeiramente e respeitadas após a inclusão no programa.

Ibase – De acordo com a sua resposta, a alegação de que o Programa gera acomodação não é correta…

Mariana Santarelli – O Bolsa Família não faz com que as pessoas se acomodem e deixem de buscar trabalho, a não ser em casos em que há exploração de mão-de-obra ou quando o trabalho é de extrema precariedade. Nestes casos, é mais do que justificável que as pessoas não se submetam a estas condições. Se o Bolsa Família serve como apoio para isso, é bastante positivo.

Ibase – Quais as principais recomendações do Ibase em relação ao Programa?

Mariana Santarelli – É necessário avançar na definição e na formalização de espaços que estimulem e viabilizem práticas intersetoriais no âmbito do Bolsa Família, nas três esferas de governo. Assim, será gerada capacidade de potencializar o acompanhamento das condicionalidades e fazer avançar iniciativas de geração de trabalho e renda.

Ainda que o programa seja de extrema importância, há uma série de outras políticas, algumas já em curso, que merecem ser melhor exploradas, como a Política Nacional de Alimentação Escolar, que poderia ser estendida ao ensino médio, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que aumenta a demanda por produtos da agricultura familiar, ao mesmo tempo que provê assistência alimentar às famílias mais vulneráveis.

Há ainda iniciativas que vêm sendo experimentadas, tanto por prefeituras como pela sociedade civil organizada, que possibilitam a oferta de produtos alimentares saudáveis e pouco consumidos a preços mais acessíveis e que estimulam a aproximação de produtores e consumidores. Tais iniciativas poderiam ser mais estimuladas e incorporadas pelos governos locais.

 

Pesquisa Ibase –  REPERCUSSÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA SEGURANÇA
ALIMENTAR E NUTRICIONAL DAS FAMÍLIAS BENEFICIADAS

O desafio de eliminar o racismo no Brasil

O artigo foi originalmente publicado no site da Oxfam, como um estudo de caso para o Relatório da Pobreza, lançado esta seman

O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial
Alexandre Ciconello

O morro da Providência e suas lições

Ao analisar um dos episódios que mais chocaram a sociedade brasileira, o assassinato de três rapazes do morro da Providência, no Rio de Janeiro, depois de terem sido entregues por integrantes do Exército a um bando de traficantes de um morro vizinho, Atila Roque argumenta que o evento denota “um sinal que ultrapassamos o fundo do poço e nos aproximamos perigosamente das profundezas do horror totalitário”.

A questão da banalização da violência contra jovens pobres e da insuficiência das desculpas apresentadas pelas autoridades aos familiares das vítimas, segundo Atila, representam uma “humilhação para o Estado brasileiro e lança uma mancha sobre o Exército”.

Leia a íntegra do artigo O Ovo da Serpente.

Fantasias racialistas

O debate sobre a adoção de cotas para estudantes negros nos vestibulares para universidades públicas tem sofrido com argumentos falaciosos difundidos ad nauseam  pelos que se opõem à adoção dessas políticas. Com isso estamos correndo o risco de perder a oportunidade de realizar uma discussão realmente necessária sobre a eficácia das políticas afirmativas para a promoção da igualdade e da justiça social em uma sociedade historicamente marcada pelo racismo.

Um desses argumentos produz a mais perversa das inversões que é a acusação de racistas ou de promotores do ódio racial lançada sobre os defensores das ações afirmativas. Como se o racismo precisasse ser inventado no Brasil.

O que as políticas de cotas fazem é simplesmente reconhecer, com base em pesquisas acadêmicas e séries estatísticas produzidas ao longo das últimas décadas, que o racismo é um fator importante na trajetória de vida e na redução do leque de oportunidades disponíveis às populações de pele mais escura. Uma população que na linguagem do IBGE recebe a denominação de parda ou preta e que na vida cotidiana das pessoas assumem denominações mais diversificadas e nem sempre muito gentis: escurinhos, morenos, sararás, neguinhas. Homens e mulheres que sofrem em graus variados com os preconceitos de uma sociedade que se desejou por muito tempo européia, e não africana, e que elegeu a pele clara — e as características físicas a ela associadas, como os cabelos lisos (e sempre que possível louros), traços faciais “finos” —,  como sinais de beleza e inteligência.

Tentar carimbar isso de “racialização” da sociedade brasileira é um exagero que se presta à exibição narcísica de saberes acadêmicos, mas que nada tem a ver com o mundo da vida. Os eventuais equívocos e erros cometidos na implementação das cotas, poucos se comparados a outras políticas sociais focalizadas, merecem ser discutidos no marco de metodologias que avaliam eficácia e eficiência das políticas públicas.

Da mesma forma, reduzir tudo ao problema da pobreza, opondo cotas às políticas supostamente universais, é negar as conseqüências psicológicas e sociais do racismo, produzindo um falso dilema. As cotas não se opõem à valorização da escola pública ou à necessidade de investir em políticas sociais de caráter universal. Mas propõem uma aceleração do acesso de estudantes negros à educação superior. Elas representam um atalho legítimo para a constituição no curto prazo de uma elite composta de pardos, pretos, cafuzos, morenos ou qualquer definição que se queira dar a essa população de pele escura que se confronta cotidianamente com o preconceito da sociedade. O Brasil precisa de médicos, advogados e, especialmente, professores universitários negros.

As políticas que apenas começam a ser implementadas nas universidades brasileiras adotam modelos diversos, combinam cotas sociais e raciais, e promovem a diversidade em um ambiente universitário em que pretos e pardos estiveram quase sempre ausentes. Cerca de metade das experiências vigentes em universidades públicas, segundo avaliação recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), adotam cotas raciais e sociais sobrepostas, operando, assim, com dois critérios complementares que devem ser observados simultaneamente para o preenchimento das vagas destinadas aos negros.

Finalmente, a acusação de que os defensores de cotas são teleguiados ou inocentes úteis de fundações internacionais e plagiadores da experiência supostamente fracassada dos EUA causa assombro por ignorar deliberadamente a longa trajetória de luta dos movimentos negros no Brasil, além de apresentar uma narrativa descontextualizada do debate norte-americano. Desde os anos 1930, grupos dos movimentos negros brasileiros apontavam para a necessidade de políticas públicas que garantissem o acesso da população negra à educação e, mais recentemente, no início dos anos 1980, os cursinhos pré-vestibulares para negros e carentes passaram a sublinhar o direito à educação superior. É surpreendente ver intelectuais e acadêmicos tão ilustres subscrevendo visões tão distorcidas.

As políticas de cotas apenas agora começam a ser avaliadas e os primeiros resultados desmentem largamente as críticas que continuam a ser repetidas sem qualquer amparo em dados. Não baixaram a qualidade da universidade, não colocaram “pobre-contra-pobre”, não beneficiaram apenas uma “elite de classe média negra”. Ao contrário, contribuíram para renovar o debate sobre o lugar da educação superior na conquista da cidadania plena e o papel das universidades públicas.

Essa experiência exemplar não deve ser interrompida em nome de fantasias racialistas despropositadas ou, em alguns casos, da defesa de privilégios de grupos que sempre resistiram à incorporação dos negros à vida republicana.

Fantasias racialistas: Em favor do sistema de cotas

O debate sobre a adoção de cotas para estudantes negros nos vestibulares para universidades públicas tem sofrido com argumentos falaciosos difundidos ad nauseam  pelos que se opõem à adoção dessas políticas. Com isso estamos correndo o risco de perder a oportunidade de realizar uma discussão realmente necessária sobre a eficácia das políticas afirmativas para a promoção da igualdade e da justiça social em uma sociedade historicamente marcada pelo racismo.

Um desses argumentos produz a mais perversa das inversões que é a acusação de racistas ou de promotores do ódio racial lançada sobre os defensores das ações afirmativas. Como se o racismo precisasse ser inventado no Brasil.

O que as políticas de cotas fazem é simplesmente reconhecer, com base em pesquisas acadêmicas e séries estatísticas produzidas ao longo das últimas décadas, que o racismo é um fator importante na trajetória de vida e na redução do leque de oportunidades disponíveis às populações de pele mais escura. Uma população que na linguagem do IBGE recebe a denominação de parda ou preta e que na vida cotidiana das pessoas assumem denominações mais diversificadas e nem sempre muito gentis: escurinhos, morenos, sararás, neguinhas. Homens e mulheres que sofrem em graus variados com os preconceitos de uma sociedade que se desejou por muito tempo européia, e não africana, e que elegeu a pele clara — e as características físicas a ela associadas, como os cabelos lisos (e sempre que possível louros), traços faciais “finos” —,  como sinais de beleza e inteligência.

Tentar carimbar isso de “racialização” da sociedade brasileira é um exagero que se presta à exibição narcísica de saberes acadêmicos, mas que nada tem a ver com o mundo da vida. Os eventuais equívocos e erros cometidos na implementação das cotas, poucos se comparados a outras políticas sociais focalizadas, merecem ser discutidos no marco de metodologias que avaliam eficácia e eficiência das políticas públicas.

Da mesma forma, reduzir tudo ao problema da pobreza, opondo cotas às políticas supostamente universais, é negar as conseqüências psicológicas e sociais do racismo, produzindo um falso dilema. As cotas não se opõem à valorização da escola pública ou à necessidade de investir em políticas sociais de caráter universal. Mas propõem uma aceleração do acesso de estudantes negros à educação superior. Elas representam um atalho legítimo para a constituição no curto prazo de uma elite composta de pardos, pretos, cafuzos, morenos ou qualquer definição que se queira dar a essa população de pele escura que se confronta cotidianamente com o preconceito da sociedade. O Brasil precisa de médicos, advogados e, especialmente, professores universitários negros.

As políticas que apenas começam a ser implementadas nas universidades brasileiras adotam modelos diversos, combinam cotas sociais e raciais, e promovem a diversidade em um ambiente universitário em que pretos e pardos estiveram quase sempre ausentes. Cerca de metade das experiências vigentes em universidades públicas, segundo avaliação recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), adotam cotas raciais e sociais sobrepostas, operando, assim, com dois critérios complementares que devem ser observados simultaneamente para o preenchimento das vagas destinadas aos negros.

Finalmente, a acusação de que os defensores de cotas são teleguiados ou inocentes úteis de fundações internacionais e plagiadores da experiência supostamente fracassada dos EUA causa assombro por ignorar deliberadamente a longa trajetória de luta dos movimentos negros no Brasil, além de apresentar uma narrativa descontextualizada do debate norte-americano. Desde os anos 1930, grupos dos movimentos negros brasileiros apontavam para a necessidade de políticas públicas que garantissem o acesso da população negra à educação e, mais recentemente, no início dos anos 1980, os cursinhos pré-vestibulares para negros e carentes passaram a sublinhar o direito à educação superior. É surpreendente ver intelectuais e acadêmicos tão ilustres subscrevendo visões tão distorcidas.

As políticas de cotas apenas agora começam a ser avaliadas e os primeiros resultados desmentem largamente as críticas que continuam a ser repetidas sem qualquer amparo em dados. Não baixaram a qualidade da universidade, não colocaram “pobre-contra-pobre”, não beneficiaram apenas uma “elite de classe média negra”. Ao contrário, contribuíram para renovar o debate sobre o lugar da educação superior na conquista da cidadania plena e o papel das universidades públicas.

Essa experiência exemplar não deve ser interrompida em nome de fantasias racialistas despropositadas ou, em alguns casos, da defesa de privilégios de grupos que sempre resistiram à incorporação dos negros à vida republicana.

Modelo de desenvolvimento predatório e violência: as mazelas da sociedade brasileira

Alexandre Ciconello

O relatório anual da Anistia Internacional divulgado essa semana, mais uma vez expõe as mazelas da sociedade brasileira: violência, impunidade e modelo de desenvolvimento predatório. O recrudescimento da violência policial, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, e os impactos das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) são dois destaques do relatório.

A sociedade brasileira pouco tem debatido os impactos sociais do modelo de desenvolvimento e de programas de governo como o PAC, PAS – Plano Amazônia Sustentável ou o IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana. As grandes obras previstas como rodovias, ferrovias, portos, hidrelétricas e represas são concebidas com pouca preocupação no que se refere aos impactos socioambientais de projetos de tal envergadura. Na verdade, tais obras atendem aos interesses de grandes corporações e exportadores, vinculados a atividades econômicas concentradoras de renda como o agronegócio, mineração e a produção de biocombustíveis.

Mesmo com a resistência dos movimentos sociais e das populações mais vulneráveis do semi-árido nordestino, o governo insistiu em levar adiante o Projeto de transposição do Rio São Francisco — que beneficiará projetos de irrigação de grandes proprietários rurais — ao invés de implementar políticas alternativas para a região, já elaboradas e que beneficiariam agricultores familiares e pequenas comunidades.

 

O relatório afirma que “a expansão da monocultura, como as plantações de soja e de eucaliptos, a extração ilegal de madeiras e a mineração, juntamente com projetos de desenvolvimento, como a construção de represas e o projeto de desvio do Rio São Francisco, estiveram entre as principais fontes de conflito” em 2007 no Brasil. Aliado a isso, a expansão do setor canavieiro para a produção do etanol tem aumentado os casos de ocorrência de trabalho escravo no país, como o ocorrido em uma fazenda da empresa produtora de etanol no Pará, em 2007, onde mais de 1000 pessoas foram libertadas.

 

A quem interessa esse tipo de desenvolvimento, que expulsa populações inteiras de suas terras; destrói seus modos de vida comunitário e tradicional; seus meios de sustento; desmata a floresta aumentando o desequilíbrio ambiental e climático no mundo; que viola direitos humanos fundamentais como a liberdade e a dignidade. Para onde vão os lucros obtidos por grandes corporações nacionais e internacionais beneficiadas com essas políticas?

 

Esse modelo de desenvolvimento predatório e insustentável ambientalmente tem violado cada vez mais os direitos humanos (civis, políticos, sociais, econômicos e culturais) ao invés de promovê-los. O Brasil ainda se pauta pela lógica antiga de buscar o desenvolvimento econômico a qualquer custo, ignorando as necessidades da população de baixa renda e dos grupos mais vulneráveis. O desenvolvimento humano e a garantia de condições de vida digna para todos/as é posto em segundo plano.

 

Por outro lado, a violência aumenta, especialmente nos grandes centros urbanos. A resposta do Estado tem sido truculenta, como a política de extermínio do governo do Rio de Janeiro. Segundo o relatório da Anistia, a partir de dados oficiais, em 2007, a polícia carioca “matou ao menos 1.260 pessoas(…) Todas as mortes foram classificadas como “resistência seguida de morte”. A maioria dessas pessoas são jovens e negros, que são as vítimas preferenciais dos assassinatos nesse país. Essa é apenas uma dimensão — a mais cruel delas —  de como o racismo opera na sociedade brasileira. Segundo dados do IPEA (2006, p. 80), em 2005, a taxa de homicídios de negros (31,8 por 100.000) era cerca de duas vezes superior à observada para os brancos (18,4), sendo que na região Nordeste — uma das mais pobres do país — a taxa de homicídios de negros era mais de três vezes superior a dos brancos.

 

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, após a publicação do relatório, afirmou que não vai mudar a sua política de segurança em razão da publicação do relatório da Anistia Internacional. O pior é que tal atitude é apoiada por outras autoridades públicas. Segundo o relatório, “apesar dos relatos abundantes de violações de direitos humanos cometidas pela polícia, o Presidente Lula e outras autoridades de seu governo apoiaram publicamente certas operações policiais militarizadas de grande repercussão, especialmente no Rio de Janeiro.”

 

Estamos no ano da celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Brasil ainda não tem muito o que comemorar. A afirmação de que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” ainda não é uma realidade em nosso país e por vezes parece que retrocedemos em vários aspectos.

 

Em dezembro de 2008 será realizada a XI Conferência Nacional de Direitos Humanos com o objetivo de revisar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) de 2002. Até agosto serão realizadas as conferências estaduais. Violência e Segurança Pública; Desenvolvimento e Direitos humanos, são dois dos seis eixos orientadores do debate em todo o país, refletindo a centralidade que esses dois temas vem adquirindo no debate sobre os direitos humanos no Brasil. É uma oportunidade para que movimentos e organizações avaliem as atuais ações do Estado, propondo e formulando estratégias para o avanço dos direitos humanos, que não irá ocorrer se o Estado continuar a priorizar um modelo de desenvolvimento social e ambientalmente insustentável, predatório e concentrador de renda e uma política de segurança pública truculenta e ineficaz.

 

Para saber mais: Informe 2008 da Anistia Internacional: o estado dos direitos humanos no mundo, em http://thereport.amnesty.org/prt/the-world-by-region

Por que os bancos choram

Le Monde Diplomatique

Há duas razões para a gritaria dos banqueiros, após o aumento de impostos decidido pelo governo. Rompeu-se a lógica de conceder sucessivos benefícios fiscais ao setor financeiro. E fica claro que é possível uma reforma tributária verdadeira, capaz de reduzir a concentração de renda

 

Evilásio Salvador

O ano começou com o mini pacote tributário e fiscal de ajuste das contas públicas, para suprir a perda de R$ 40 bilhões de arrecadação, devido à rejeição da CPMF pelo Senado Federal. As medidas de ajuste anunciadas pelo governo são basicamente três: a) elevação das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) paga pelas instituições financeiras, que passou de 9% para 15%; b) corte de R$ 20 bilhões no orçamento; e, c) a expectativa de uma arrecadação extraordinária de R$ 10 bilhões, em função das mudanças de estimativas da inflação e do crescimento do PIB.

As medidas do governo foram seguidas de manifestação de representantes de entidades da sociedade civil, organizações populares, movimentos sociais, intelectuais e religiosos. Intitulado “Por uma Reforma Tributaria Justa”, o documento apóia uma reestruturação do sistema de impostos e defende a tributação do setor financeiro. Já a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), como seria de esperar, reagiu e criticou a elevação das alíquotas.

Neste artigo, vamos argumentar que o aumento da CSLL paga pelos bancos é uma medida importante. Em primeiro lugar, justiça fiscal significa onerar mais aqueles que têm maiores condições de contribuir com a manutenção do Estado e dos serviços públicos. Todos sabem que o setor financeiro, é um dos mais beneficiados pela política econômica pós-Plano Real. [1]. Ele tira proveito dos três sustentáculos desta política: elevada taxa de juros, superávit primário e câmbio valorizado. O resultado é evidente: ano após ano, os lucros bilionários dos bancos batem novos recordes.

Os privilégios de que desfrutam os banqueiros vêm, aliás, de longa data, como demonstra um estudo desenvolvido pelo professor Ary Minella, em seu livro sobre esta classe social e sua influência política. [2]. Entre as transformações do setor financeiro no país, ao longo dos anos, uma das mais marcantes é sua vinculação crescente à dívida pública interna e aos juros pagos pelo Estado — por meio de operações com os títulos públicos [3]. Além de tranferir-lhes parte importante da renda nacional, o Estado os protege das crises. Vale lembrar, por exemplo, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), em 1995, uma espécie de “socorro” para recuperar, com fundos públicos, as instituições financeiras então em dificuldades.

O setor mais beneficiado pela política econômica é, além disso, sempre privilegiado com impostos baixos

Porém, apesar dos privilégios desfrutados pelo setor financeiro, uma das questões que mais chama atenção quando se estuda o sistema tributário brasileiro é a baixa tributação dos bancos. Em artigo de nossa autoria, batizamos essa situação de “paraíso tributário dos bancos” [4].

Seria impossível, neste artigo, relacionar a longuíssima série de decisões políticas que tem garantido esta desoneração injusta. Fiquemos nas mais recentes. A partir de 1996, a Lei 9.249 instituiu o conceito de “juros sobre o capital próprio”. Trata-se de uma medida artificial, que favorece os bancos e empresas bastante capitalizadas. Uma parte do lucro apurado pelas pessoas jurídicas é considerada despesa e, em vez de recolhida ao Tesouro — na forma de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL —, pode ser distribuída aos acionistas. É como se as pessoas físicas pudessem, ao fazer a declaração anual de Importo de Renda, deduzir, dos rendimentos obtidos, a remuneração financeira potencial de seu patrimônio.

O favorecimento pode ser constatado em números. Entre 2002 e 2004, os lucros de 216 empresas de capital aberto estudadas pelo jornal Valor saltaram de R$ 3,99 bilhões para R$ 49,72 bilhões — ou seja, multiplicaram-se por 12. No entanto, as provisões para pagamento de IR e CSLL aumentaram apenas seis vezes (de R$ 2,19 bilhões para R$ 12,28 bilhões). [5]. A redução da carga tributária é igualmente expressiva quando examinadas apenas as instituições financeiras. Nos últimos sete anos, seus lucros cresceram 5,5 vezes. Já a tributação — que incide sobre o resultado, e portanto deveria acompanhar este índice — aumentou apenas 2,7 vezes. A CSLL das instituições financeiras, um dos tributos que financia a seguridade social (Previdência, Assistência Social e Saúde), cresceu somente 122,76%.

Estima-se que, só em 2006, o mecanismo permitiu que bancos e empresas deixassem de pagar R$ 22 bilhões, em IR e CSLL. Sozinhos, os cinco maiores bancos nacionais pagaram a seus acionistas, a título de “juros sobre capital próprio” um montante de R$ 6 bilhões. O valor distribuído proporcionou uma redução nas despesas com encargos tributários desses bancos no montante de R$ 2,1 bilhões (IRPJ e CSLL).

Pouco mais tarde, em 2006, outro presente. O governo editou a MP 281, reduzindo a zero as alíquotas de IR e de CPMF para certos investidores estrangeiros no Brasil. As operações beneficiadas pela MP são cotas de fundos de investimentos exclusivos para investidores não-residentes, que possuam no mínimo 98% de títulos públicos federais. Novamente, o grande beneficiado é o setor financeiro. Após a MP 281, vem crescendo o interesse dos bancos estrangeiros com filiais no Brasil em emitir, no exterior, bônus indexados em reais. Eles lançam tais papéis pagando juros abaixo do Depósito Interfinanceiro (DI), e ingressam no país os recursos obtidos, utilizando-se da condição de favorecida de “investidores estrangeiros”. Compram, em seguida, títulos do Estado, remunerados segundo o DI. Ganham a diferença realizando uma operação de arbitragem.

Para que o “andar de cima” contribua, tributar a renda elevada e o patrimônio

Os Boletins de Arrecadação da Receita Federal revelam que, entre 2000 a 2006, os bancos recolheram ao Tesouro, na forma de Imposto de Renda e CSLL, apenas R$ 51,9 bilhões (em média, menos de R$ 7,5 bilhões anuais). Nesse mesmo período, só de Imposto de Renda, os trabalhadores pagaram R$ 233,8 bilhões [6].

Vimos, portanto, que há enorme espaço para uma maior tributação do sistema financeiro. Ainda que os bancos possam repassar parte de aumento de custo aos seus clientes, trata-se de uma medida importante, que provoca uma pequena mudança na estrutura do sistema tributário brasileiro, no caminho de recuperar a tributação direta, tão esquecida nos últimos anos.

O caminho da construção da justiça tributária passa pela mobilização da sociedade civil em defesa da maior progressividade dos impostos no Brasil, tributando a renda do “andar de cima” da pirâmide social do país, que há muito tempo beneficia-se de enormes privilégios fiscais. A pequena mudança na alíquota da CSLL, ainda que tímida, poderá ser um embrião de uma reforma mais profunda na estrutura tributária do país.

Outra pista para o debate sobre reforma tributária: apesar da enorme concentração patrimonial que marca o pais — as cinco mil famílias muito ricas (0,001% do total das famílias) têm patrimônio equivalente a 40% do PIB brasileiro [7] — os impostos que incidem sobre o patrimônio respondem por insignificantes 3,4% do montante de tributos arrecadado pela União, estados e municípios. Não seria hora de seguir o exemplo de tantos outros países e aumentar a tributação sobre este fator, como meio de obter justiça fiscal e assegurar serviços públicos de qualidade?

O “derretimento” do dólar e suas implicações para o Brasil.

O governo anunciou medidas para conter a valorização do real frente ao dólar na busca de impedir o que os economistas vêm classificando como “derretimento” da moeda norte-americana. Entre as medidas anunciadas estão a isenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) DE 0,38% sobre as exportações e a cobrança a alíquota de 1,5% de IOF sobre os investimentos estrangeiros que entrarem no país para aplicações de renda fixa. Anunciou, também, o fim da exigência de cobertura cambial para as exportações.

Na avaliação de Evilásio Salvador, assessor de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc, as medidas são paliativas. No que se refere aos recursos especulativos, ele argumenta que são as taxas de juros os grandes atrativos para esse tipo de capital e o Banco Central do Brasil, pelas indicações, pretende elevar a taxa de juros na reunião de abril. Alega, ainda, que apesar da taxação em 1,5¨do IOF para investimento estrangeiro especulativo, a medida não retoma o mesmo patamar de incidência tributária existente em 2006.

Evilásio argumenta que a intenção do ministro da Fazenda de não permitir déficits nas contas externas poderia passar pela revogação do artigo 10 da Lei nº 9.249/1995 que isentou do imposto de renda a distribuição de lucros e dividendos, incluindo as remessas para o exterior.

Leia o artigo de Evilásio Salvador intitulado “Câmbio, imposto e economia em um país concentrador de renda”

 

 

 

Reforma Tributária – Uma “reforma” superficial e perigosa

Le Monde Diplomatique

Embora simplifique a arrecadação e combata a guerra fiscal, a mudança no sistema de impostos proposta pelo governo é uma oportunidade perdida. Ela evita promover, via tributos, a redistribuição de renda – e pode abrir caminho para o fim de conquistas históricas relacionadas à Seguridade Social

 

Evilásio Salvador

O governo enviou ao Congresso Nacional, por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), novo projeto de reforma tributária. Seu objetivo seria simplificar o sistema de impostos, eliminando alguns deles e acabando com a “guerra fiscal” entre os estados. Contudo, perde-se mais uma chance de debater princípios tributários inscristos na Constituição: em especial, a eqüidade, a progressividade e a capacidade contributiva. Ou seja, evita-se o caminho da justiça fiscal e social — um importante instrumento para a redistribuição da renda e a erradicação da pobreza sempre evitado pelos mais favorecidos. Há um aspecto ainda mais problemático: a “reforma” pode minar as bases do Orçamento da Seguridade Social. É ele que tem garantido a efetivação dos direitos relativos à Previência, Saúde, e Assistência Social alcançados na Constituinte, e parte da modesta redução de desigualdade ocorrida nos últimos anos.

Os principais pontos da proposta de “reforma” tributária são:

a) a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extinção de cinco tributos federais (a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins; a Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS; a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis – CIDE; e a contribuição social do salário-educação);

b) a incorporação da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);

c) a redução gradativa da contribuição dos empregadores para a Previdência Social, a ser realizada nos anos subseqüentes da reforma e definida em projeto de lei a ser enviado ao Congresso 90 dias após da promulgação da PEC;

d) a unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), a ser realizada por meio de lei única nacional e não mais por 27 leis das unidades da federação;

e) a criação de um Fundo de Equalização de Receitas (FER), para compensar eventuais perdas de receita do ICMS por parte dos estados;

f) a instituição de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), permitindo a coordenação da aplicação dos recursos da política de desenvolvimento regional.

O principal objetivo da reforma é simplificar a legislação tributária — tanto por meio da redução das legislações do ICMS, quanto pela eliminação de tributos, trazendo maior racionalidade econômica e amenizando as obrigações suplementares das empresas com custos de apuração e recolhimento de impostos. Além disso, a cobrança do ICMS no estado de destino da mercadoria deverá eliminar a “guerra fiscal”.

Do ponto de vista técnico, há racionalidade. Há medidas para evitar a guerra fiscal e se reduz a burocracia com recolhimento de impostos. Mas os tributos continuam transferidos ao consumidor

A criação do IVA-F vai reduzir a cumulatividade do sistema tributário. Hoje a CIDE-Combustíveis e parte da arrecadação da Cofins e da Contribuição para o PIS são cobradas diversas vezes sobre um mesmo produto – isto é, em todas as etapas de produção e circulação da mercadoria. O IVA-F vai tributar apenas o valor adicionado em cada estágio da produção e da distribuição. Assim, o tributo incidirá sobre a diferença entre o preço de venda do produto e o custo da aquisição, nas diversas etapas da cadeia produtiva. Embora mais adequado, o novo modelo não corrige uma distorção típica dos tributos indiretos: eles são quase sempre repassados ao preço final do bem ou serviço, sendo pagos, portanto, pelo consumidor final.

Aliás, o governo deveria aproveitar a oportunidade para regulamentar o Art. 150, § 5º, da Constituição. Diz ele: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Trata-se de uma importante conquista, que pode assegurar maior transparência na arrecadação dos tributos. Sua efetivação, contudo, tem sido sistematicamente adiada.

A proposta de reforma traz avanços para as empresas, com a simplificação do recolhimento tributário. É algo que pode resultar no aumento da eficiência econômica e da produtividade. Porém, a marca principal do sistema tributário brasileiro, que é a sua enorme regressividade, permanece indelével.

Para começar a corrigi-la, o governo poderia abrir, entre a sociedade, um debate sobre os impostos que incidem sobre o patrimônio. Convém lembrar que as 5 mil famílias mais ricas do Brasil têm em patrimônio algo em torno de 40% do PIB brasileiro [1]. Ainda assim, a arrecadação de tributos sobre o patrimônio é insignificante: eles responderam, em 2007, por apenas 3,3% do montante arrecadado. A proposta de “reforma” tributária silencia sobre o assunto.

Outra implicação importante da “reforma” diz respeito ao financiamento da Seguridade Social. Os três mais importantes tributos que a financiam no Brasil serão modificados. A Cofins e a CSLL serão extintas; e haverá desoneração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento. Para a Seguridade, passam a ser destinados 38,8% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operações com bens e prestações de serviços (IVA-F). Em teoria, não há perdas: esse percentual corresponde exatamente ao percentual que os impostos vinculados à Seguridade (Cofins e CSLL) representaram em relação à receita tributária obtida por meio de uma cesta mais ampla de tributos (onde se incluem IR, Cofins, PIS, CIDE, Salário-educação e IPI).

Os grandes desafios da sociedade civil: evitar a diluição do orçamento próprio da Seguridade Social, assegurar as conquistas da Constituinte, retomar a idéia de Justiça Tributária

Em termos políticos, a mudança é grave. Um dos maiores avanços da Constituição, em termos de política social, foi a adoção do conceito de Seguridade Social, englobando em um mesmo sistema as políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social [2]. Para assegurar a manutenção desta Seguridade ampliada, a Constituição multiplicou também as fontes de seu financiamento O artigo 195 estabeleceu que elas deveriam incluir, além dos aportes dos empregados e empregadores, os recursos provenientes das contribuições sociais sobre o lucro, a receita, o faturamento, a importação de bens e serviços e a receita de concursos de prognósticos (loterias).

Este princípio da diversidade das bases de financiamento da seguridade social estará em risco, caso a “reforma” seja aprovada na versão proposta pelo Executivo. Restarão inscritos no Artigo 195, como bases de financiamento da seguridade social, a contribuição sobre a folha de salários, a contribuição do trabalhador para a Previdência Social e a receita de loterias — sendo que a contribuição sobre folha de pagamento deverá ser reduzida, ao longo dos próximos anos. A idéia de orçamento de Seguridade Social diversificado em fontes de financiamentos retroagirá à situação de antes da Constituinte. Haverá perda da exclusividade de recursos para a Seguridade Social, que poderá ficar fragilizada em seu financiamento, dependendo de uma partilha do IVA-F e da arrecadação das contribuições previdenciárias.

A reforma tributária reforça ainda mais uma idéia em vigor desde a fusão do fisco, que resultou na criação Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB). Sustenta-se que o orçamento da União é único, desconhecendo a existência do orçamento específico da Seguridade Social. A lei assegura a destinação das contribuições previdenciárias para o pagamento dos benefícios previdenciários, creditados diretamente no Fundo do Regime Geral de Previdência Social sob a gestão pelo INSS (art. 5º, inciso II). Mas a criação da SRFB transferiu a competência de cobrar a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento do ministério da Previdência para o da Fazenda.

Mesmo que seja garantido um repasse à seguridade social, com base em parte do orçamento fiscal, deixarão de existir as receitas próprias da Seguridade Social, alocadas em orçamento exclusivo, como determina Constituição. Com o tempo, a noção de separação da Seguridade Social vai-se desvanescer – o que poderá facilitar políticas de redução (“flexibilização”) de direitos, defendidas por diversas correntes políticas.

Evitar este retrocesso será, provavelmente, a principal batalha dos movimentos sociais, na tramitação da nova “reforma” tributária. Mas a sociedade civil não pode ficar apenas na defensiva. Por isso, a coluna debaterá, na próxima edição, os caminhos para criação de princípios de justiça tributária no Brasil.

Mais

Evilásio Salvador é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique. Edição anterior da coluna:

Por que os bancos choram
Há duas razões para a gritaria dos banqueiros, após o aumento de impostos decidido pelo governo. Rompeu-se a lógica de conceder sucessivos benefícios fiscais ao setor financeiro. E fica claro que é possível uma reforma tributária verdadeira, capaz de reduzir a concentração de renda

Os bilhões que nos tomaram
Como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) desvia todos os anos bilhões de reais da Saúde, Educação e Previdência e os transfere para os mercados financeiros. Radiografia de um mecanismo que a mídia interesseiramente esconde

CPMF: muito além dos clichês
Às vésperas decisão do Congresso, uma análise em profundidade sobre o papel do tributo. Por que é regressivo. Qual sua importância no combate à sonegação. E o principal: como iniciar a construção de um sistema de justiça fiscal no país. Nova coluna do Diplô tratará permanentemente do tema

[1] Conforme POCHMANN, Marcio et al (Orgs). Os ricos no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004

[2] BOSCHETTI, Ivanete. SALVADOR, Evilásio. “Orçamento da Seguridade Social e política econômica: perversa alquimia”. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, v. 87, 2006, p. 25-57.

Gasto social e política macroeconômica – trajetória e tensões no período de 1995 a 2005

Este trabalho analisa a trajetória do Gasto Social Federal (GSF) de acordo com a metodologia de áreas de atuação, desenvolvida na Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atualiza-se a série iniciada em 1995 até o ano de 2005, completando assim um período de 11 anos. Constata-se o crescimento do Gasto Social Federal, liderado pelas áreas de previdência e assistência social, tanto em seus valores reais, quanto em proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Todavia, discute-se que tal crescimento permitiu uma expansão na proteção social proporcionada pelas políticas públicas – que não deve ser subestimada.

A trajetória do GSF revela-se também bastante irregular e instável no período, e um segundo objetivo deste texto consiste em relacionar essa instabilidade à condução da política macroeconômica. Observa-se que as mudanças ocorridas na gestão da política econômica – que delimitam claramente os três mandatos presidenciais deste período – condicionam fortemente a trajetória do GSF. Para tal, contextualiza-se esse gasto diante da trajetória da despesa financeira do governo federal e ao desempenho da carga tributária.

 

Gasto Social e Política Macroeconômica

Transgênico: De grão em grão, multinacionais enchem o papo


A aprovação do milho transgênico da Bayer e da Monsanto, duas grandes transnacionais do agronegócio, seguiu os critérios da lucratividade e da visão econômica mais tacanha. O Conselho Nacional de Biossegurança, formado por 11 ministros de Estado, perdeu a razão no mês do carnaval. Em meio a um festim de sandices, o governo rachou: aprovou por sete votos a quatro o milho transgênico, numa clara manifestação favorável ao agronegócio, enquanto Lula, acompanhado da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, encontrava-se na Guiana Francesa com o presidente francês Nicolas Sarkozy, cujo governo proibiu o milho MON 810 (o mesmo que foi liberado no Brasil) em nome do “princípio de precaução”, em janeiro deste ano.

Na defesa do produto das transnacionais, os ministros utilizaram os argumentos mais anticientíficos existentes. Desconsideraram todo estudo existente que colocava em dúvida a segurança alimentar do milho transgênico. Desconsideraram os dados do Ibama[1] que indicam que “para cada quilo de herbicida reduzido no Rio Grande do Sul, houve um aumento de 7,5 kg de glifosato no período de 2000 a 2004”. Desconsideraram a ameaça à saúde humana e animal mesmo depois do contundente painel “Vítimas do agronegócio na Cúpula da Biodiversidade”, corrida em Curitiba[2]. Desconsideraram as análises da Anvisa[3] que avaliam como inadequados e insuficientes os estudos da Monsanto e da Bayer para atestar a segurança alimentar e determinar os riscos à saúde pública, bem como seus estudos sobre alergenicidade e toxicidade. Desconsideraram as ponderações do Ibama que não foram realizados estudos sobre os impactos nos ecossistemas brasileiros e que a liberação do milho transgênico contaminará as variedades de milho crioulas, cultivadas pelos pequenos agricultores, indígenas e quilombolas.

O Registros de Contaminação Transgênica – 2006, do Greenpeace, alerta que há uma contínua e criminosa contaminação global nos estoques de milho. Na ultima década foram encontradas lavouras de milho contaminadas em 14 países: Áustria, Brasil, Chile, Croácia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Nova Zelândia, Suíça e Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia e Eslovênia.

As desconsiderações dos ministros do governo Lula terão custos sociais, ambientais e econômicos para os agricultores familiares e para o país. Os ministros sobrepuseram os interesses econômicos de um setor da sociedade e das multinacionais à saúde e bem-estar da população. Os ministros desprezaram o Protocolo de Cartagena de Biossegurança, ao relegar o princípio da precaução, que estabelece os meios e condições ao país de exigir elementos suficientes que comprovem a inocuidade dos produtos alimentares à saúde e ao meio ambiente.

A Casa Civil defendeu, de forma bisonha, uma visão técnica em um assunto de segurança alimentar e nutricional. A ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, relevou as questões que questionavam a segurança do milho transgênico para a saúde humana e animal. Desautorizou os estudos realizados no âmbito de seu próprio governo, mesmo sabendo que vários países da Europa proibiram o milho transgênicos por ameaçar a saúde do contribuinte.

As organizações e os movimentos sociais apresentaram uma serie de documentos, estudos e pesquisas demonstrando o perigo da aprovação do milho transgênico no Brasil. A irresponsabilidade do governo coloca em risco a produção dos pequenos e médios agricultores familiares e a saúde da população, em especial os segmentos mais sensíveis, idosos e crianças. Neste sentido o Inesc acompanha as críticas das demais organizações sociais, faz eco às suas ponderações e apóia as ações judiciais que venham a ser interpostas à decisão atabalhoada tomada pelo governo federal.

 


Carta Aberta aos Ministros do Conselho Nacional de Biossegurança – Contra liberação do milho transgênico


[1] Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis/Ministério do Meio Ambiente

[2] 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8), em Curitiba, em 2006.

[3] Agência Nacional de Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde

Plano de Aceleração do Crescimento: muito empenho e pouca execução

O governo federal comemora o primeiro aniversário do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, a menina dos olhos do Presidente Lula nesta terça-feira, dia 22 de janeiro. O programa é sempre celebrado como a principal alavanca do crescimento econômico do país, na medida em que se propõe a ultrapassar os entraves existentes principalmente na área de infra-estrutura. Uma análise dos dados orçamentários não aponta para grandes comemorações.

Apesar de o governo ter empenhado[2] a quase totalidade dos recursos autorizados pela Lei Orçamentária de 2007, não se pode concluir que o PAC vá de vento em popa. Até 31 de dezembro foram empenhados R$16 bilhões dos R$16,6 bilhões autorizados. O empenho significa que o recurso foi reservado para determinada ação, mas não significa sequer que a ação foi iniciada.

Embora um dos grandes motivos de comemoração seja o fato de que foi empenhada a quase totalidade dos recursos, um olhar mais detalhado sobre a execução das ações previstas pelo Programa mostra uma outra realidade.

A execução do orçamento 2007 mostra que somente R$4,9 bilhões foram liquidados o que corresponde a 29,55% do total autorizado para o PAC. O restante das despesas, em torno de R$11 bilhões, foi incluído em restos a pagar. São aqueles recursos que somente foram empenhados e sobre os quais não se tem a menor certeza de sua execução.

Os restos a pagar, na sua origem legal, têm o papel de mostrar o que foi concluído, ou liquidado, mas, que não foi possível pagar no exercício vigente e ficará para o exercício seguinte. Em Boletim anterior[3], o Inesc já apontava para o perigo que é jogar em restos a pagar despesas sobre as quais não se tem o menor controle sobre sua verdadeira execução. Não fica transparente para a sociedade o que será realmente concluído ou executado.

Um recorte sobre a execução por unidade orçamentária (UO) mostra que há ações do PAC que não conseguiram nem sequer terem a sua execução iniciada. É o caso do Ministério das Cidades, nas ações do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, que em 31 de dezembro apresentava 0,06% de despesa liquidada. Somente R$130.446,00 foram liquidados de um total de R$236,5 milhões autorizados.

No Ministério dos Transportes, o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), que cuida das estradas, é um outro exemplo de execução baixa. Do total de recursos destinados para o PAC, foram executados apenas 35,84%.

As ações do PAC previstas para serem executadas pelo Ministério da Saúde, por meio da Fundação Nacional de Saúde, alcançaram o patamar irrisório de 1,85% do total autorizado.

A análise da aplicação dos recursos do PAC por Unidades da Federação revela que 12 estados e o Distrito Federal tiveram uma execução orçamentária (orçamento liquidado/orçamento autorizado) bem abaixo de 29,55%, que foi o percentual de execução do programa como um todo. Chama atenção que as obras do PAC no Amapá e no Rio de Janeiro têm uma execução orçamentária inferior a 10%.

O que os dados mostram não merece comemoração. Os níveis de execução das ações do PAC deixam muito a desejar. É importante lembrar que as ações aqui apontadas se referem àquelas que constam da Lei Orçamentária de 2007. As aplicações previstas no PAC para serem executadas pela iniciativa privada e pelas empresas estatais não estão computadas.

De qualquer forma, são recursos orçamentários disponíveis que não foram utilizados para deslanchar o crescimento do país, conforme previsão do Programa. Não basta empenhar recursos. Tem que empenhar também a capacidade de execução.

[1] Assessora de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc

[2] Os dados e informações apresentados nesta nota foram retirados do Sistema Siga Brasil/Senado, disponível em www.senado.gov.br

[3] – Ver Nota Técnica n.° 10 de 2007, em www.inesc.org.br

Betinho

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Hoje fazem 10 anos de morte de Herbert de Souza, o Betinho. Os muito jovens talvez não saibam quem ele foi. Isso porque somos um país de memória fraca, muito fraca. Nossos heróis são esquecidos ou morrem de overdose, como diria Cazuza. Mas convém lembrá-lo, nesse momento em que a política parece ter sido reduzida à maldita arte do possível e a utopia foi deixada para uns poucos malucos.

Repetiram tantas vezes o mantra da não-alternativa que uns e outros, ex-revolucionários, especialmente depois que chegam ao poder, acreditam que nada podem mudar. Deixem tudo como está ou vamos bem devagarinho, ensinam, sem provocar marola para não assustar. O melhor mesmo é fazer como sempre fizeram os donos do poder, vamos até tornar as coisas um pouquinho melhor para eles de modo que não nos acusem de anti-capitalistas ou coisa pior.

Betinho era o contrário desse conformismo. Ele dizia que se fosse deixar na mão do destino (ou do mercado) teria morrido muito antes, talvez no quartinho onde foi isolado quando diagnosticado com tuberculose, ainda adolescente. Hemofílico, sobreviveu a dois golpes militares (Brasil e Chile) e amargou mais de 10 anos de exílio. Não se abalou nem quando foi diagnosticado com vírus HIV, juntamente com os dois irmãos, Chico Mário e Henfil, também hemofílicos. Justamente quando ele achava que estava tudo dando certo, anistiado, apaixonado pelo filho pequeno, aprontando mil e umas, vinha aquela notícia que, ao final dos anos 80, soava mais como uma sentença de morte.

Teimoso, ele seguiu em frente e fez do drama pessoal uma causa pública. Já tendo criado o Ibase, fundou a Abia, a primeira ONG a enfrentar o problema da Aids no Brasil. A lei que determinou o controle dos bancos de sangue é batizada de “Lei Betinho”, em homenagem ao seu empenho na luta pelo fim do criminoso mercado de sangue. Sofreu como um cão danado a morte dos dois irmãos e acho que nunca voltou a sofrer tanto outra vez. Mas não se deixou matar de véspera e ainda oferecia, com aquele sorriso bem Fradim, um “pouquinho de Aids” para quem reclamasse de cansaço perto dele.

Na década de 1990, voltou a mobilizar o Brasil como o principal animador da Campanha Contra a Fome, desafiando mais uma vez o “impossível” e a boa consciência de uma esquerda que achava que distribuir alimentos era mera caridade, como se compaixão e solidariedade com o próximo não fossem valores revolucionários no mundo que vivemos. A “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida”, nome oficial do movimento, politizou como nunca o tema da exclusão social e da pobreza, resgatando para o centro do palco o impulso individual e a capacidade de mobilização de cada uma das milhões de pessoas que se organizaram em milhares de comitês pelo país afora. Tudo isso parece ter sido esquecido nesses tempos de Fome Zero.

O silêncio quase total da mídia e do governo neste aniversário de morte nos envergonha. Foi assim há alguns meses, quando completaram os dez anos de morte de Darcy Ribeiro. Esquecemos rápidos os nossos heróis.

Betinho era um artista do impossível e queria a utopia no presente. Entrou de cabeça em quase todas as causas que importaram no seu tempo, cometeu equívocos políticos e até éticos – os quais purgou em praça pública, como no caso da doação de um bicheiro para salvar a Abia do fechamento iminente – , mas sorveu a vida até a última gota, com paixão e sem nunca deixar de acreditar que podemos sim mudar o mundo. O impossível é possível e a única coisa que não tem mesmo solução é a morte.

Texto publicado no Blog Opinativas

Reforma do Sistema Político: devolver o poder ao povo.

 Reforma do Sistema Político:  devolver o poder ao povo

 

Jose Antonio Moroni

Colegiado de Gestão do  INESC

Diretor da executiva nacional da  ABONG

A reforma política é  tema recorrente na vida política brasileira. Está presente na agenda há vários anos, mas sempre orientada pelos interesses eleitorais e partidários. É o chamado casuísmo eleitoral — geralmente, alterações de curto prazo e de curta duração. Como por exemplo, a reeleição.   Por isso que a maioria da população  tem a concepção de reforma política apenas como reforma do sistema eleitoral.

Está presente, também, nas discussões acadêmicas e na mídia. Na academia mais como um objeto  a ser estudado/pesquisado e na mídia, quase sempre, como a solução de todos os males do país ou de forma pejorativa. Para ambos, um instrumento para melhorar a governabilidade do Estado (manter as elites no poder) ou, aumentar sua eficiência (como atender melhor aos interesses das elites).

No âmbito da sociedade civil organizada, das organizações e movimentos, que defendem o interesse público, aqui entendido como os interesses da maioria da população, e a radicalização da democracia, a reforma política está inserida em um contexto mais amplo que necessariamente diz respeito a mudanças no sistema político, na  cultura política, tanto na sociedade  como no  Estado.  Portanto na  forma de se  fazer e pensar a política.

Por isso os princípios democráticos que devem nortear uma verdadeira reforma política são:  da igualdade, da diversidade, da justiça, da liberdade, da participação, da  transparência e do controle social.  Em resumo, entendemos como reforma política a reforma do próprio processo de decisão, portanto, a reforma do poder e da forma de exercê-lo.  Quem exerce o poder, em nome de que se exerce o poder, quais os mecanismos de controle do poder. Em fim quem tem o poder de exercer o poder.

Uma verdadeira reforma política deve enfrentar problemas que estão na  origem  do nosso país, tais como, o patriarcado, o patrimonialismo, a  oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. A corrupção aqui entendida também como a usurpação do poder do povo. Isso se manifesta em frases  que escutamos em todos os lugares, “votar para quê, se voto para mudar e as  coisas não  mudam” ou “votar para quê, se depois eles  fazem o que querem”.

Na Carta de 88, os constituintes elegeram como os objetivos fundamentais da República Brasileira “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e  que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Se todo o poder emana do povo, conforme  define a nossa Constituição, pensar  a  reforma política é pensar como este poder deve ser devolvido ao povo que tem o direito de exercê-lo de  forma  direta e não apenas por delegação.

A incapacidade das instituições vigentes de concretizarem plenamente os objetivos da Constituição, o aumento do sentimento de distância entre os/as eleitores/as e seus/suas representantes coloca em risco a crença nos processos  democráticos. Este é um risco que não podemos correr.

Democracia é muito mais que o direito de votar e ser votado. Não podemos apenas ser chamados a participar nos momentos eleitorais. Precisamos  criar novos mecanismos de participação,  que resgate o poder de decisão da população.

A Reforma Política que defendemos visa a radicalização da democracia, para enfrentar as desigualdades e a exclusão, promover a diversidade, fomentar a participação cidadã. Isto significa uma reforma que amplie as possibilidades e oportunidades de participação política, capaz de incluir e processar os projetos de transformação social que segmentos historicamente excluídos dos espaços de poder, como as mulheres,  afro­descendentes,  homossexuais,  indígenas, jovens,  pessoas com deficiência,  idosos e todos os  despossuídos de direitos trazem para o  cenário político.

Não queremos a “inclusão” nesta ordem que aí está. Queremos mudar esta ordem. Por isto, pensamos o debate sobre a Reforma do Sistema Político como um elemento-chave na crítica às relações que estruturam este mesmo sistema.  Entendemos que o patrimonialismo e o patriarcado a ele associado; o clientelismo e o nepotismo que sempre o acompanha; a relação entre o populismo e o personalismo, que eliminam os princípios éticos e democráticos da política; as oligarquias, escoltadas pela corrupção e sustentadas em múltiplas formas de exclusão (pelo racismo, pelo etnocentrismo, pelo machismo, pela homofobia e outras formas de discriminação) são elementos estruturantes do atual sistema político brasileiro que queremos transformar.

A construção de uma verdadeira reforma do sistema político precisa estar alicerçada em cinco eixos:

1 – Fortalecer a democracia direta;

2 – Fortalecer a democracia participativa;

3 – Aprimorar a democracia representativa: sistema eleitoral e partidos políticos

4 – Democratizar a informação e a comunicação e a

5- Democratização do  Poder Judiciário

A reforma política deve dar nova regulamentação às formas de manifestação da soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular), conforme projeto de lei, proposto pela OAB e CNBB, em tramitação no Congresso Nacional. Precisa também criar novas formas e mecanismos de participação direta. Mas para isso é fundamental o acesso as informações públicas, entre elas as orçamentárias. É uma vergonha que até hoje no Brasil o Executivo não disponibilize de forma clara e transparente essas  informações.

Precisa também repensar a atual arquitetura da participação. A multiplicação de espaços participativos  não significa automaticamente a partilha de poder.  Isso ficou evidente no processo de consulta realizado em 2003  sobre o Plano Plurianual – PPA, onde nenhum dos acordos feitos em relação a continuidade do processo  foram  cumpridos, tanto pelo Executivo como no Parlamento.  Precisamos  caminhar na direção da construção de um sistema integrado de participação  que inclua a política econômica e não  apenas as políticas sociais.

Precisamos aprimorar e fortalecer a democracia representativa. Priorizando a democratização dos partidos e a qualificação dos processos eleitorais. A fidelidade partidária, financiamento público exclusivo de campanha, votação em lista fechada e a possibilidade de revogação de mandatos pela população  devem  ser prioridades. Antes de tudo é necessário criar a equidade nas disputas políticas que se  fazem via mecanismos da democracia  representativa.

Uma reforma política que  fique restrita apenas ao sistema eleitoral não serve à sociedade. Discutir apenas a fidelidade partidária, o financiamento publico de campanha, votação em lista pré-ordenada é uma reforma de perfumaria. Precisamos ir além, muito além.

É preciso democratizar a vida social, as relações entre homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos, na vida privada e na esfera pública. É preciso democratizar as relações de poder.  Portanto democracia é muito mais que apenas um sistema político formal, é também a forma como as pessoas se relacionam e se organizam. Neste sentido, reforma política é devolver o poder ao povo do qual ele nunca devia ter retirado.

Câmbio, imposto e economia em um país concentrador de renda


O governo anunciou algumas medidas econômicas para segurar a valorização do real frente ao dólar. Entre elas estão duas modificações na área tributária: a isenção do IOF de 0,38% sobre as exportações e a cobrança de uma alíquota de 1,5% de IOF sobre os investimentos estrangeiros que entrarem no país para aplicações em renda fixa. Além disso, anunciou o fim da exigência de cobertura cambial para as exportações, ou seja, a necessidade dos exportadores trazerem as receitas recebidas em moedas estrangeiras para o Brasil.

As alterações na área tributária evidenciam um tratamento privilegiado que o governo concede às diferentes rendas na economia brasileira. Em 15 de fevereiro de 2006, foi editada a Medida Provisória (MP) n.º 281 (convertida na Lei 11.312, de junho de 2006) que reduziu a zero as alíquotas de Imposto de Renda (IR) — antes era 15% —e isentou a CPMF para investidores estrangeiros no Brasil. Os grandes beneficiários  pela benevolência tributária do Estado brasileiro com a medida foram (e ainda são)  os bancos. Pois, após a edição da MP cresceu o interesse de bancos estrangeiros, com filiais no Brasil, em captar recursos no exterior vinculado ao comportamento do Real. A operação é a seguinte: os bancos emitem títulos em reais fora do país pagando juros abaixo do Depósito Interfinanceiro (DI) e depois ingressam com esses recursos como investidores estrangeiros no Brasil, comprando títulos públicos que financiam a dívida. Em bom português é a política econômica favorecendo os rentistas que vivem de juros dos papéis da dívida pública brasileira.

A combinação de elevadas taxas de juros (a mais altas do planeta) e de um paraíso tributário para especulador estrangeiro permitiu a enxurrada de dólares em aplicações de curto prazo no país. O resultado é uma forte valorização do real frente ao dólar, que tem como conseqüência a perda de competitividade dos produtos brasileiros no exterior, trazendo efeitos negativos sobre a balança comercial (a diferença entre exportações e importações) e o saldo de transações correntes.

As medidas adotadas são paliativas, pois o que atrai recursos especulativos ao país é a elevada taxa de juros praticada pelo Banco Central do Brasil – Bacen e, ao que tudo indica, será elevada em abril, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). No tocante à questão tributária, apesar do importante retorno da taxação do investimento estrangeiro especulativo, com a cobrança de 1,5% de IOF sobre o valor do capital principal, a medida não retoma o mesmo patamar de incidência tributária existente em 2006 (15% de Imposto de Renda e 0,38% de CPMF) . O Brasil continua concedendo um tratamento tributário desigual às diferentes espécies de renda (juros, lucros, dividendos e salários). Assim, o especulador estrangeiro continuará pagando menos imposto que o trabalhador brasileiro.

O ministro da Fazenda também anunciou suas preocupações em não permitir déficits nas contas externas. O governo poderia começar a concretizar suas intenções revogando o artigo 10 da Lei 9.249/1995 que isentou de Imposto de Renda (IR) a renda dos capitalistas com a distribuição de lucro e dividendos, incluindo as remessas para o exterior. Neste particular, os dados do Banco Central revelam que a remessa de lucros e dividendos ao exterior alcançou, em 2007, o montante de US$ 22,4 bilhões, o maior volume desde 1947.

Em 2008, o Brasil voltará a depender de capitais estrangeiros para financiar as contas externas, pois a era de superávits em conta corrente chegou ao fim. As contas correntes são integradas pelo somatório da balança comercial, das transferências unilaterais (donativos) e da conta de serviços e rendas (lucros, dividendos, aluguéis, salários. O saldo de transação corrente vai ser a diferença entre o que Brasil enviou de recursos ao exterior e o que recebeu nessas contas. Esse resultado foi negativo em US$ 4,2 bilhões no mês de janeiro/2008, acumulando saldo negativo de US$1,2 bilhão, equivalente a 0,09% do PIB, nos últimos doze meses. A principal razão desse saldo negativo foi a elevada quantia enviada ao exterior em forma de lucros, dividendos e juros. O Bacen projeta para 2008 um déficit em conta corrente de US$ 3,5 bilhões.

Como as remessas de lucros e dividendos estão isentas de imposto de renda, o Brasil vem abrindo mão de receitas tributárias em favor da renda do capital. Houve época em que a taxação sobre essas transferências internacionais chegou a 25%, na época de edição da Lei 9.249/95 a alíquota era de 15%. Convertendo o valor de US$ 22,4 bilhões à taxa de câmbio média de 2007, chega-se ao montante de R$ 43,5 bilhões, que se fossem tributados com uma alíquota de 15% possibilitaria uma arrecadação tributária de R$ 6,5 bilhões.

No aspecto macroeconômico, o fim da cobertura cambial vai trazer implicações negativas para economia brasileira. O Bacen poderá ter dificuldades para formar reservas internacionais, já que o volume de dólares deixados pelos exportadores brasileiros no país será menor. Até fevereiro/2008, 33 grandes corporações já tinham aberto contas no exterior para aproveitar a regra, até então vigente, que permitia deixar até 30% das receitas com exportações no exterior.  Além disso, o comportamento dos exportadores poderá seguir o mesmo padrão dos especuladores, que irão avaliar a partir agora a diferença entre juros internos e externos, a expectativa do câmbio futuro (Real/Dólar) e o risco de quebra do país. Com isso, restará como caminho principal na atração de dólares para financiar as importações, a manutenção de elevadas taxas de juros.

Por fim, o IBGE anunciou que Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 5,4%, a maior elevação de 2004, alcançando R$ 2,6 trilhões. A renda per capita também subiu 4%, com isso, estima-se a renda média dos brasileiros foi de R$ 13,5 mil, em 2007. Convém ressaltar que a renda per capita é uma média, o que esconde a enorme concentração de renda vigente no país, que só é comparada a de alguns países da África Subsaariana, uma das regiões mais miserável do mundo. Junto com os resultados do PIB, foi o anunciado o aumento recorde de 9,1% na tributação sobre produtos, reforçando a necessidade que a reforma tributária altere a marca indelével do sistema tributária brasileiro: a regressividade. Essa característica é resultado da concentração da arrecadação tributária sobre consumo, com os mais pobres pagando mais impostos que os mais ricos. Está na hora de submeter os rendimentos do capital (juros, lucros e dividendos) a tabela progressiva do imposto de renda, pois a atual legislação tributária trata de forma benevolente a renda dos capitalistas comparativamente à dos trabalhadores, ferindo a isonomia prevista na Constituição Federal. Com isso, fazer justiça tributária e distribuição de renda no país da concentração de renda e riqueza.



[1] Economista, Assessor de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc.

 

MP do agronegócio legaliza concentração de terras na Amazônia


   O presidente Lula assinou uma Medida Provisória que possibilitará aos latifundiários e às transnacionais do agronegócio a se apoderarem de mais terras na Amazônia Legal. O texto da MP foi inspirado pela Bancada Ruralista, sob a liderança do líder do governo no Senado, o senador Romero Jucá. Há alguns anos atrás a regularização estava limitada em imóveis rurais de até 100 hectares, depois foi ampliada para 500 hectares e agora triplicada para 1.500 hectares.

Essa medida abre possibilidade para que o agronegócio avance sobre as glebas dos posseiros e das famílias de agricultores/as e, como detentor do capital financeiro, compre as áreas regularizadas. Esse processo concentrador de terra e poder na Amazônia Legal vai aumentar o poder dos seus aliados políticos, a Bancada Ruralista. Essa estratégia é parte do um avanço do território do agronegócio sobre o território dos camponeses e dos indígenas, onde se encontra a riqueza dos recursos naturais. A tendência de savanização da Amazônia, apontada pelas pesquisas sobre mudança climática, vai acentuar-se com o desmatamento que virá após a compra das terras pelo agronegócio.

Essa possessão do agronegócio não é expressão do desenvolvimento, nem do crescimento do país, mas uma forma de exterminar a cultura rural camponesa e indígena de resistência diante das previsões contrárias às suas sobrevivências. A tendência de territorialização do agronegócio significa a monopolização do território camponês. Assim, não se pode aceitar a expanção do agronegócio como um processo de modernização e de valorização da vida.

O senador Romero Jucá, durante a cerimônia de assinatura da MP pelo presidente Lula, declarou que esta era uma “MP do Congresso”. Essa declaração poderia soar como uma ironia se não fosse apenas uma tirada política e se a competência de edição de MP não fosse exclusiva do presidente da República e o Congresso não estivesse, justamente, discutindo a redução de edições de MPs, que travam a pauta legislativa, impedindo as propostas de lei de serem votadas no plenário.

O senador Jucá, como ministro da Previdência Social foi alvo da mídia, que até hoje assombra o senador. A Agência Senado[1] confirmou que o senador do PMDB/RR é investigado nos inquéritos nº 2221 (apura denúncias feitas quando Jucá era ministro da Previdência Social, em 2005) e nº 2116 (suspeita de irregularidades em empréstimos feitos pelo Banco da Amazônia para a empresa Frangonorte) que tramitam no Supremo Tribunal Federal, ambos sob segredo de Justiça.

O presidente Lula, na cerimônia de lançamento da MP, lembrou aos parlamentares presentes que “é preciso que o Legislativo vote a reforma tributária” e que “o Congresso precisa levar a cabo a reforma tributária“. Em bom politiquez, a mensagem é a seguinte: assino a MP do agronegócio e vocês votam a reforma tributária. Isso é o que chamamos nos bastidores da ciência política de apresentar a fatura no momento da compra.

A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) parabenizou o presidente Lula pela assinatura da medida provisória. E afirmou, candidamente, assim como o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Roberto Kiel, que a aprovação da MP do agronegócio deverá beneficiar 90% dos posseiros da Amazônia. Porém, Kiel, vai além ao afimar que “agora eles poderão comprar do governo federal as terras que já ocupavam há anos e não vão precisar de concorrer com outros interessados”.

Diante dessas expressões de êxtases dos ruralistas, de alguns parlamentares e de técnicos do governo, perguntamos o que os ex-posseiros ganharão com a MP. Roberto Kiel, em nota do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), responde: “receberá a Certidão de Cadastro de Imóvel Rural e terá sua propriedade incluída no Sistema Nacional de Cadastro Rural. Isso permitirá a realização de transações imobiliárias (como a venda e o desmembramento do imóvel rural) e possibilitará o acesso às políticas públicas (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –Pronaf)”.

Sabe-se que o Pronaf não está passando por seus melhores momentos. Há uma série de pesquisas que demonstram certa inadimplência dos tomadores de empréstimos junto ao programa. A Revista de Economia e Sociologia Rural traz um relatório da pesquisa de Carlos Guanziroli[2] que afirma que “o atraso é maior quando o risco é do Tesour, chegando a 48% no caso do PRONAF/C. O grupo A/C também registrou alto índice de atraso. Dados do Ministério de Integração Regional referido aos Fundos Constitucionais da região Norte mostram índices de inadimplência bastante altos em 2004: PROCERA: 42,6%, PRONAF/A: 3,4%, PRONAF/C: 8,1%, PRONAF/D: 4,2%”. Acrescenta, o estudo, que os dados de inadimplência não são muito altos porque parte dessas dívidas foi renegociada, tendo sido acordados  novos prazos de vencimento, o que oculta o verdadeiro atraso dos créditos.

Assim, nas entrelinhas da declaração do diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, pode-se inferir a possibilidade de compra das terras pelo agronegócio e de como uma política de crédito rural, como o Pronaf, pode não ser a melhor oferta do Estado para os/as agricultores/as familiares. Assim, a falaciosa declaração de que 90% dos posseiros da Amazônia poderão ser beneficiados começa a soar mais como uma ameaça do que uma saída para seus problemas[3].

A Medida Provisória levada ao presidente da República pela Bancada Ruralista para que se amplie a área dos imóveis a serem regularizados na Amazônia Legal de 500 hectares para 1.500 hectares é um cavalo de tróia. No bojo do encantamento da possibilidade dos camponeses de obterem o título de propriedade de suas posses há, em verdade, uma armadilha de apoderamento de suas terras.

Se essa MP é tudo o que pensamos que seja, é importante que os movimentos sociais do campo saibam, de fato, o que vão enfrentar. Que comecem a se mobilizar contra essa medida patológica, que amplia o poder político de um grupo organizado de parlamentares no sentido de extinguir os elementos resistentes da cultura rural camponesa e indígena.



[1] Agência Senado, em 17/07/2007. Site: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL67406-5601,00.html

 

[2] Carlos E. Guanziroli, Rev. Econ. Sociol. Rural v.45 n.2 Brasília abr./jun. 2007.

[3] Em 2005, em Alagoas, pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), somente no Pronaf/B a inadimplência atinge 3.808 alagoanos. Em algumas agências do Banco do Brasil, a inadimplência varia em até 50%, sendo a maior concentração de falta de pagamento no Pronaf/C (O Jornal, 5/6/2005, Dívidas impedem que produtores rurais tomem novos empréstimos, http://www.faeal.org.br/info_detail.asp?id=174).  Em dezembro/2007, o Banco do Nordeste suspendeu a liberação de recursos do Pronaf/B em 23 municípios do Norte de Minas e Vales do Jequitinhonha e Mucuri. O motivo é que nesses municípios o índice de inadimplência superou 15% em relação ao valor total dos contratos em vigor. (Assessoria de Comunicação, Emater-MG faz campanha para melhorar aplicação do crédito rural, http://www.emater.mg.gov.br/portal.cgi?flagweb=site_tpl_paginas_internas&id=1352)

 

Direito à segurança: um balanço das respostas brasileiras e uma agenda para o Brasil

Direito à segurança: um balanço das respostas brasileiras e uma agenda para o Brasil[1]

 

Silvia Ramos[2]

 

 

Neste artigo pretendo apresentar um panorama geral da violência no Brasil, especialmente da violência letal, e indicar as principais características de sua distribuição, focalizando faixa etária, gênero, cor, classe e, principalmente, território. Pretendo analisar as principais respostas da sociedade civil brasileira a este fenômeno e indicar quais linhas de força explicam a baixa presença de participação de organizações não-governamentais e movimentos sociais em relação às políticas de segurança e às polícias. Finalmente, identificarei as maiores lacunas e as experiências mais inovadoras e criativas neste campo.

 

Panorama da violência no Brasil

No Brasil, 50 mil pessoas são assassinadas por ano. Nossas taxas de mortes violentas estão entre as mais altas do mundo há mais de duas décadas. Passamos de 11,7 homicídios por 100 mil habitantes, em 1980, para 26,9 pelos mesmos 100 mil, em 2004. Países da Europa Ocidental têm taxas inferiores a 3 mortes intencionais por 100 mil habitantes e os Estados Unidos encontram-se na faixa de 5 a 6 mortes intencionais por 100 mil habitantes.

 

Gráfico 1

Homicídios no Brasil: números absolutos e taxas por 100 mil habitantes de 1980 a 2004

 
 

Tabelas no arquivo pdf anexo 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade – Datasus.

 

IGCC – Idade, gênero, cor e classe: um indicador de risco para morte violenta no Brasil

Uma característica marcante no panorama brasileiro é a concentração dos homicídios na população jovem. Na faixa etária dos 15 aos 24 anos, as taxas são extraordinariamente mais altas do que as verificadas para a população como um todo. A tendência, como se observa no Gráfico 2, é nacional, ocorrendo mesmo nos estados com taxas de violência letal mais baixas. Entre os não-jovens, no Brasil, 9,6% do total de óbitos são atribuíveis às causas externas. Entre os jovens, as causas externas são responsáveis por 72,1% das mortes. Os homicídios respondem por 39,7% das mortes de jovens de 15 a 24 anos; os acidentes de transporte respondem por 17,1% e os suicídios por 3,6% (WISELFISZ, 2006). Em alguns estados, a taxa de homicídios de jovens ultrapassa os 100 por 100 mil jovens. Quando examinamos algumas áreas urbanas pobres, focalizando os jovens, encontramos taxas de mais de 200 homicídios dolosos por 100 mil habitantes.

 

Gráfico 2

Taxa de homicídios por 100 mil habitantes em diferentes estados brasileiros: jovens e total -2004

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade – Datasus.

 

 

Sexo também é um fato explicativo importante para compreender características do fenômeno. Seguindo um padrão predominante no cenário internacional, não só as mulheres, como as jovens representam uma proporção muito pequena das vítimas de violência letal. Como se sabe, mulheres são as vítimas mais freqüentes de violências interpessoais (domésticas e conjugais) e são as principais vítimas de lesões corporais. Uma cultura machista contribuiria, portanto, não só para a quantidade assombrosa de mortes violentas entre jovens do sexo masculino, mas também para explicar o perfil da vitimização feminina.

 

 

 

Gráfico 3 – Percentual de homicídios por sexo Jovens e população total – 2004

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade – Datasus.

 

Paralelamente à idade e gênero, estudos têm identificado a existência de uma dramática concentração de mortes violentas na população negra (somatório dos classificados como pretos e pardos), indicando que a distribuição desigual de riquezas e recursos sociais (educação, saúde, saneamento) entre brancos e negros, no Brasil, acaba por provocar outro tipo de desigualdade, aquela na distribuição da morte violenta. Assim, são os negros e, entre estes, os mais jovens, as vítimas preferenciais da violência letal.

As taxas de homicídios para negros são mais altas em todas as idades a partir dos 11 anos, embora muito mais acentuadas entre os 18 e os 26 anos, faixa em que os números aumentam sistematicamente. Enquanto a diferença é de 2,8% aos 13 anos de idade, esta sobe para 10,3% aos 14 anos, e 17,2% aos 19 anos de idade. Em seguida, a diferença vai diminuindo, chegando a 6% depois dos 26 anos e a menos de 1% depois dos 48 anos de idade (SOARES & BORGES 2004). Quando observamos apenas a população masculina, os contrastes são ainda mais acentuados, como se vê no gráfico 4.

Gráfico 4

Taxa de homicídios (por 100 mil habitantes) de homens segundo cor e idade no Brasil – 2000

Fonte: Borges, Doriam. Com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade – Datasus.

 

As variáveis idade, gênero, cor e classe social, combinadas, também são um fator de risco para ser considerado suspeito pela polícia. Os jovens pobres, predominantemente negros, moradores de favelas e das periferias dos grandes centros são os suspeitos preferenciais da polícia. Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, na cidade do Rio de Janeiro, em 2002, revelou que 57,9% das pessoas paradas pela polícia andando a pé na rua têm entre 15 a 29 anos. Por sua vez, considerando pessoas paradas em todas as abordagens policiais, os negros sofrem revista corporal em 55% das vezes em que são abordados, contra 32,6% das vezes quando os brancos são abordados (RAMOS e MUSUMECI, 2005). A distribuição das próprias operações policiais são variáveis por bairro, predominando as abordagens a pé na rua, com revistas corporais, nas áreas pobres e as “blitz” de automóveis, quase sempre sem revistas corporais, nas áreas mais ricas.

 

Geografia da morte: as cidades fraturadas

Nas regiões metropolitanas do país, como se sabe, a criminalidade violenta cresceu predominantemente em favelas e bairros pobres das periferias urbanas. Nessas áreas, especialmente a partir dos anos 80, instalou-se o tráfico de drogas e os conflitos entre facções rivais que disputam o controle de um mercado altamente lucrativo. Também ao longo dos anos, cresceram a violência e a corrupção policiais, umbilicalmente ligadas ao tráfico de drogas. É nesses territórios pobres e carentes de serviços públicos que se registram os mais altos índices de violência letal. Nas cidades brasileiras mais violentas é possível identificar uma geografia da morte, em que as maiores vítimas são jovens negros e pobres.

A Figura 1 ilustra a desigualdade na distribuição da violência letal entre os diversos bairros do município do Rio de Janeiro. O mapa traz a divisão do município em AISPs (Áreas Integradas de Segurança Pública). Como se pode perceber, as AISPs 2, 19 e 23, que englobam os bairros da Zona Sul da cidade (Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico, Barra), nas quais se concentram moradores com maior poder aquisitivo, são aquelas que apresentam as mais baixas taxas de homicídios. Ali são comuns taxas que variam entre 4,7 a 10 homicídios por 100 mil habitantes, próximas dos padrões norte-americanos. Já as AISPs 27, 9 16, situadas na Zona Oeste e no Subúrbio, que reúnem bairros pobres e regiões repletas de favelas, Acari e Santa Cruz, Complexo do Alemão, Vigário Geral e parada de Lucas, por exemplo, chegam a registrar taxas de até 84 homicídios por 100 mil habitantes. Essa distribuição configura a presença de dois padrões radicalmente diferentes existentes na mesma cidade: a uma distância de 40 minutos entre os bairros mais pobres e os mais ricos, entre os mais bem servidos pela presença do Estado e onde o Estado permaneceu por longos anos ausente, a ponto de grupos armados manterem controle total sobre territórios inteiros de áreas de favelas. Na prática, são dois países convivendo na mesma cidade. Como veremos, também são duas polícias e duas políticas de segurança.

Manchas territoriais de concentração de mortes violentas nos bairros pobres e nos aglomerados de favelas também se evidenciam em cidades nas quais estudos sistemáticos têm sido desenvolvidos, como os do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) sobre a violência letal e Belo Horizonte, como mostra a Figura 2.

Figura 1

Taxa de homicídios por 100 mil habitantes no município do Rio de Janeiro: Áreas Integradas de Segurança Pública – 2003

 

Fonte: Musumeci (2002), com dados do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro e IPP (estimativas populacionais 2002).

 

 

Figura 2

Clusters de homicídio em Belo Horizonte – 1995 a 2000

 

 

Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – Crisp/UFMG

O sistema de justiça criminal, as políticas de segurança e a Polícia

Com quê políticas públicas de segurança o país tem respondido ao fenômeno da crescente violência urbana? Nos mais de vinte anos desde que o processo de transição da ditadura militar teve início (1985), o setor que menos progressos fez em relação à modernização e à democratização foi o de Justiça Criminal, em particular o das instituições policiais (Leeds, 2005). Apenas na segunda metade da década de 1990 começaram a ser registrados os primeiros esforços sistemáticos de elaboração de políticas públicas de segurança baseados numa perspectiva contemporânea, identificada com a combinação entre eficiência e direitos humanos. Até então, o tema era relegado, pela maioria dos governos, às esferas corporativas das próprias polícias (Soares, 2000). O silêncio em relação à escalada de violência letal predominou também entre amplos setores intelectuais, na mídia e mesmo entre as organizações não-governamentais durante os anos 1980 e em parte da década de 1990. Efetivamente, nos contextos acadêmico e universitário, salvo raras exceções, são relativamente recentes a criação de centros de pesquisa voltados para os temas da violência com foco em segurança pública.
O perfil sócio-econômico das principais vítimas da violência letal e sua baixa capacidade de pressão política podem ajudar a explicar o despertar tardio dos governos, da mídia e da sociedade civil brasileira para o tema da segurança pública e para a necessidade de investir em modernização, controle e democratização das instituições de polícia. A maioria das polícias civis e militares nos estados da Federação foram se degradando e algumas tornaram-se violentas e ineficientes. O crime organizado que se estrutura em torno do tráfico de armas e drogas, por meio de mecanismos em níveis diversos, corrompeu amplos segmentos das corporações policiais, em alguns casos atingindo desde as bases até às chefias (Lemgruber, Musumeci & Cano, 2003). Em alguns estados, a violência policial transformou-se em um problema que afeta as corporações e vitima as populações pobres, que se vêem encurraladas entre a violência dos grupos armados de traficantes e a violência e a corrupção policiais.

No Estado do Rio de Janeiro, segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública para o ano de 2006, a Polícia é responsável por 14% das mortes violentas intencionais. Os “autos de resistência” – isto é, as mortes registradas como decorrentes de confrontos com a Polícia –, aumentaram 280% em seis anos (de 289, em 1999, subiram para 1.063, em 2006), denotando um crescimento extraordinário do uso da força letal pela Polícia.

A violência policial também assume, tal como as taxas de homicídios na cidade, uma geografia específica, estando fortemente concentrada na Zona Oeste e nos bairros de Subúrbio, as áreas mais pobres da cidade. Em 2006, os batalhões dos Subúrbios do Rio (3o, 9o,16o e 22o BPMs) mataram 357 civis enquanto os batalhões da Zona Sul (2o, 19o, 23o e 31o BPMs) mataram 34. A mesma desproporção havia ocorrido em 2003 (Ramos & Musumeci, 2005). A baixa presença de organizações de direitos civis nessas áreas, aliada a uma espécie de “naturalização” da idéia de que conflitos em favelas provoquem vítimas civis podem ajudar a compreender por que esses números são espantosamente em algumas regiões.

O fenômeno do uso excessivo de força letal pela Polícia é um problema grave em vários estados da federação. Muitas Polícias estaduais nem mesmo divulgam estatísticas sobre mortes ocorridas em ação. Em São Paulo e em Minas Gerais, onde há dados, vêm sendo colocadas em prática políticas de redução da violência policial letal. Em São Paulo, as mortes em confronto com policiais caíram significativamente: de 573, em 2004, para 300, em 2005 (www.ssp.sp.gov.br) Em Minas elas tiveram uma pequena redução: de 103, em 2004, para 99, em 2005 (dados do Comando de Policiamento da Capital). Nesses dois estados, como veremos, os governos têm igualmente desenvolvidos esforços que vêm baixando progressivamente a violência letal em geral.

As características das mortes em confronto são indicadoras das suas dinâmicas. Um estudo minucioso dos autos de resistência (Cano, 1997) focalizando os anos de 1993 a 1996, na cidade do Rio de Janeiro, revelou que as vítimas são majoritariamente jovens do sexo masculino (de 15 a 29 anos, com ênfase na faixa de 20 a 24) e que 64% são negros (pretos e pardos), contrastando com a presença de 39% de negros na população carioca. O estudo também mostrou que as mortes decorrentes das ações policiais concentram-se em favelas e que quase a metade dos corpos recebeu quatro disparos ou mais e 65% dos cadáveres apresentava pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, configurando casos de execuções sumárias. O fato é que, no Rio de Janeiro, a violência policial encontra-se fora de controle dos comandos superiores. Na medida em que a “licença para matar” foi concedida aos policiais que atuam nas favelas e bairros pobres, abriu-se um amplo terreno para o crescimento da corrupção e para os chamados “acertos” ou “arregos” entre traficantes e agentes policiais (Soares, Bill & Athayde, 2005).

Em relação às políticas de segurança, tem havido experiências importantes no Brasil. Recentemente, alguns municípios passaram a incorporar pesquisadores e organizações da sociedade civil na elaboração e execução de políticas públicas (Sento-Sé, 2005). O caso

Relator do Orçamento corta R$ 265 milhões da reforma agrária

 Relator do Orçamento corta R$ 265 milhões da reforma agrária

Edélcio Vigna

Assessor Reforma Agrária e Soberania Alimentar

Inesc

 

Um dos princípios basilares do Orçamento da União é a anualidade. O orçamento deve compreender o período de um exercício financeiro, que corresponde ao ano fiscal[1]. A Constituição Federal diz, no artigo n.º 35 das Disposições Transitórias , que “a lei orçamentária da União será encaminhada até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”, mas não prevê nenhum tipo de punição em caso do não cumprimento dos prazos estabelecidos. Ocorre que, quando a disputa política fica acirrada, os parlamentares dão um jeitinho e postergam a votação. O orçamento de 2008, sancionado pelo Congresso Nacional no último dia 12 de março, deverá ser sancionado antes do final do mês. O grande atraso na votação do orçamento deste ano foi decorrente da rejeição da CPMF pelo Senado Federal. O rombo foi grande e as receitas que viriam desta taxa evaporam-se. Foi necessário que o governo e o Congresso fizessem uma recomposição das receitas frente às despesas. Assim, até o momento, o governo tem utilizado a cada mês um mecanismo de executar apenas 1/12 dos recursos previstos para o ano. Nesta recomposição, um grupo de programas teve seus recursos diminuídos e, entre eles, os que tratavam das políticas sociais. Dessa forma, os programas que compõem o orçamento da reforma agrária foram atingidos, perdendo R$ 265,1 milhões.

Tabela 1

Programas – Valores previstos no PLOA 2008 para a Função: ORGANIZAÇÃO AGRÁRIA

Programa

PL

Autografo

Dif.  (Autógrafo – PL)

ASSENTAMENTOS PARA TRABALHADORES RURAIS

965.231.000

956.449.600

-8.781.400

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PROJETOS DE ASSENTAMENTO

1.997.421.726

1.913.625.570

-83.796.156

GERENCIAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA E DESTINAÇÃO DE TERRAS PÚBLICAS

78.402.600

80.211.359

1.808.759

GESTÃO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO

34.950.000

30.910.000

-4.040.000

AGRICULTURA FAMILIAR – PRONAF

264.991.011

267.966.809

2.975.798

APOIO ADMINISTRATIVO

496.381.383

473.366.126

-23.015.257

CRÉDITO FUNDIÁRIO

580.440.817

517.100.824

-63.339.993

PAZ NO CAMPO

12.300.000

10.300.000

-2.000.000

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE TERRITÓRIOS RURAIS

245.436.000

229.634.630

-15.801.370

BRASIL QUILOMBOLA

77.800.234

62.320.188

-15.480.046

EDUCAÇÃO DO CAMPO (PRONERA)

67.576.471

55.016.472

-12.559.999

CONSERVAÇÃO, MANEJO E USO SUSTENTÁVEL DA AGROBIODIVERSIDADE

1.250.000

1.250.000

0

ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL NA AGRICULTURA FAMILIAR

395.990.350

365.083.550

-30.906.800

CIDADANIA E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DAS MULHERES

29.500.000

19.300.000

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