Reforma Política ampla, democrática e participativa

 

        Muito se tem falado — e não é de hoje —  em reformas no Brasil. Mas pouco se fala sobre a natureza dessas  reformas. Geralmente as reformas são apresentadas como a solução de todos os problemas e mazelas do país. Foi assim com a reforma da previdência, é assim com a  reforma   tributária.  Não é diferente com a chamada reforma política.  Ficamos com a sensação de que se a  reforma que “está na moda” não for  feita, o Brasil  corre o risco de acabar na próxima semana.

            Antes de mais nada precisamos analisar a natureza de cada reforma. Por exemplo, na reforma da previdência não houve a preocupação em como incluir os milhões de brasileiros e brasileiras que estão fora do sistema  previdenciário  e sim em uma  reforma para tirar  direitos conquistados pela luta dos/as trabalhadores/as, desmontar  o conceito de  seguridade social da Constituição de 1988 (saúde, previdência e assistência social) e, principalmente, em como desmontar o sistema público de previdência e incluir as  regras de mercado numa política de proteção social.  A reforma tributaria não é pensada com o objetivo de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo  e sim equalizar as  disputas das  três esferas de governo pelos recursos. O sistema tributário brasileiro está entre os  mais  injustos do mundo, pois faz com que quem ganha menos contribua mais e quem  ganha mais  contribua menos, ferindo o princípio constitucional da progressividade das  tributações (quem mais  ganha,  contribui mais).

            Com a reforma política não é diferente. Ela é vista como uma forma de  equalizar as disputas de  poder pelos  grandes partidos. Por isso, tem um caráter apenas da reforma do sistema eleitoral e não a reforma de quem  exerce o poder, de como se exerce o poder, em nome de quem se  exerce o poder e quais os mecanismos que se tem de controlar o poder.  Enfim, a  reforma política deve ser a reforma do poder e não apenas do sistema eleitoral (que é conseqüência do sistema político que ai temos).

Tradicionalmente, no Brasil, a reforma  política entra na pauta do Congresso e do Executivo em momentos de escândalos,  crises políticas ou de  fragilidade da  hegemonia  do grupo que está no poder. Foi assim na ditadura militar quando o poder da Arena foi ameaçado pelo  MDB que podia ter  a maioria parlamentar. O poder de plantão resolveu a questão  conseguindo novos deputados e senadores  arenistas, através da  criação de  novos estados, seja por desmembramento dos existentes ou transformação dos  territórios em estados.  Sem  falar nos senadores biônicos.

            Na verdade o que está sendo chamado de reforma política não passa de uma reforma do sistema eleitoral, num momento de forte questionamento e desgaste da vida e da atuação política partidária.

A verdadeira reforma  política não se reduz  a reforma do voto, dos partidos ou da representação, mas sim a reforma das  instituições políticas e do Estado,  criando  uma nova forma de se exercer o poder e com mecanismos de controle público do Estado.  A verdadeira  reforma política devia partir   da  necessidade da ampliação dos espaços de participação cidadã  e  dos sujeitos politicos, isso é, deveríamos estar discutindo a democracia representativa, combinado com a democracia  participativa e direta.  Enfim um novo modelo de democracia, que reconheça as diferentes formas de se  fazer  política  e os seus diferentes sujeitos.

 

 

José Antônio Moroni, membro do colegiado de  gestão do Inesc (Instituto de  Estudos Socioeconômicos), da diretoria  executiva nacional da  ABONG (Associação Brasileira de ONGs) e do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).

PAC ou IIRSA Nacional?

O discurso de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) feito pelo presidente Lula — prometendo um crescimento sustentável (não usou esta palavra) de pelo menos 5% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB) e afirmar que o desenvolvimento não se deve realizar em prejuízo da democracia — não foi  unanimidade entre as organizações da sociedade civil. Tanto as entidades empresariais como as organizações sindicais apresentaram ressalvas.

O governo prevê investimentos da ordem de R$ 503,9 bilhões em quatro anos. A maior parte virá das empresas estatais (R$ 436 bilhões). Para 2007, há um montante de R$ 77 bilhões, em investimentos públicos, no orçamento da União, sendo R$ 49 bilhões de responsabilidade das empresas estatais e outros R$ 26 bilhões de aplicação do governo (orçamento fiscal e da seguridade social). É um projeto que conta, em grande parte, com recursos da iniciativa privada e a forte utilização das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Até o momento, as PPPs não foram apropriadas pela iniciativa privada como um bom negócio. Há, também, uma série de restrições dos segmentos de esquerda, inclusive internacional.

Avaliamos que o programa está sendo implementado no sentido de auxiliar a execução de diversos projetos que estão programados no âmbito da Iniciativa de Infra-estrutura Sul-americana. É, digamos, a parte nacional da IIRSA. Alguns cientistas políticos estão indicando que o PAC pode indicar uma retomada do modelo no qual o Estado é provedor do desenvolvimento. Dessa forma, estaria sinalizando com a volta do Estado interventor na economia. Mas, o PAC pode entrar pelo caminho do insustentável e contradizer todos esses pareceres caso decisões, como as do Comitê de Política Monetária (COPOM) se multipliquem. A decisão do COPOM de diminuir o ritmo de redução da taxa de juros SELIC foi uma ducha de água fria no clima criado pelo presidente Lula a favor do crescimento do país Ao fixar a taxa em 13%, reduzindo somente 0,25%, o Comitê diz a quais interesse está servindo. Num clima de busca de apoio ao setor produtivo para investir mais e gerar mais empregos, reforçar os interesses do capital financeiro e especulativo é no mínimo um contra senso. É a luta da usura contra a produção, contra o crescimento.

O PAC foi apresentado não como um programa de governo, mas como um programa de Estado. Ambiciona-se que seus marcos não se delimitem somente a um mandato governamental, mas que se estendam por um largo tempo. Tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, como a da Casa Civil, Dilma Rousset, se expressaram favoráveis à necessidade de o governo deixar um portfólio de projetos aos governos futuros.

O presidente Lula disse que o país deve acelerar seu crescimento, mas com responsabilidade e não como a música da jovem guarda em que entrávamos a 120 por hora na Rua Augusta. Naqueles dias, recordo, parávamos a quatro dedos da vitrine ou do desastre (mesmo nas curvas da estrada de Santos). Esperamos que o governo também possua bons freios para proteger, em especial, os segmentos mais vulneráveis da população. Pensamos nas populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares e camponeses que sofrerão diretamente o impacto das obras programadas.

Neste sentido, o PAC não aborda nenhum programa de desconcentração da terra, em especial no Norte onde se concentram imensas áreas griladas. Onde a violência do latifúndio faz do trabalhador livre, escravo. Determina quem vive e quem morre. Sem nenhuma medida de desconcentração de poder a oligarquia agrária vai se apropriar, em grande parte dos R$ 8,1 bilhões que serão aplicados na melhoria e construção de estradas. As terras dos latifúndios serão valorizadas e o que era improdutivo passará a valer moeda corrente no mercado de capitais.

O PAC está divido em cinco blocos: as medidas de investimento em infra-estrutura, de estímulo ao crédito e financiamento, investimento institucional, desoneração tributária e medidas fiscais de longo prazo. O portfólio de infra-estrutura é o mais importante para o governo. Por isso, a sociedade civil e o Ministério Público devem se manter alerta, pois as obras, em geral, envolvem um alto grau de risco de corrupção, malversação e desvio de recursos públicos. O ministro Mantega expôs a possibilidade de o governo investir cerca de R$ 24 bilhões neste setor — equivalente a 1% do PIB. Se com isso o governo espera alavancar o PAC, imagine o quanto o país poderia avançar se investisse os R$ 166 bilhões que serão pagos de juros e serviço da dívida pública, este ano.

Dos outros blocos do programa, o que causa maior preocupação é o que diz respeito às leis ambientais. O presidente Lula fez uma declaração infeliz. Afirmou que as atuais leis ambientais estavam travando o desenvolvimento. O ministro Mantega, em sua exposição, reforçou tal declaração afirmando ser necessário melhorar o marco regulatório das leis ambientais para “abrir caminhos para que o investimento possa se realizar”. Esperamos que este sentimento bandeirante de “abrir caminhos” não ocorra com ônus ambiental e dos recursos naturais.

A apresentação do PAC como um programa de Estado é uma iniciativa importante. Lamentamos que ele tenha vindo à luz somente no segundo mandato e não no primeiro, onde as possibilidades de avançar seriam mais realistas. Além de observar a falta de ritmo política do governo, questionamos se os próximos governos terão a mesma avaliação das necessidades conjunturais.

Acreditamos que as organizações da sociedade civil do campo democrático se alinham à necessidade de um projeto de governo que impulsione o desenvolvimento nacional com justiça social. Avaliamos que a manutenção do crescimento do país em índices irrisórios, como os das duas últimas décadas, promoverá um acúmulo insustentável de injustiças sociais e de assimetrias regionais. Neste contexto, quem está sustentando os déficits nacionais são as classes economicamente menos favorecidas e as desigualdades regionais estão se ampliando em vez de diminuir as suas margens.

Aplaudimos a iniciativa do governo de dizer quais são os seus planos para os quatro anos de mandato, aonde vai jogar força e no que vai investir. Mas, é importante que as organizações sociais mantenham suas antenas ligadas, atentas à fiscalização e ao monitoramente dos projetos do PAC. Seria muito importante que os coletivos sociais promovessem avaliações constantes do desenvolvimento do PAC para manter a sociedade informada e mobilizada.

Entre o susto e a razão

O milênio começou com um susto, em 11 de setembro de 2001, mas, se os sustos passam, o medo costuma permanecer. O ano de 2007 se inicia com o atropelo das crises que se acumularam ao longo do tempo. O mundo está à espera da troca de império. Embora relutantes em deixar o mando, que dura quase um século, os Estados Unidos estão condenados a ocupar o segundo plano. Emergem os chineses, com uma agressiva estratégia para, inicialmente, substituir os ocidentais na tutela colonial da África, e, depois, estender sua influência sobre a Ásia e a América Latina. Será mais difícil seu avanço sobre a Europa, que se organiza para manter o predomínio cultural sobre o Ocidente.

O avanço chinês é visto com temor, tendo em vista sua imensa população. Se a ela se somarem os habitantes dos países próximos, como é o caso do Paquistão e a Índia, será a metade do mundo contra a outra metade. Nesse caso, provavelmente voltaremos à bipolarização e à guerra fria, como tem ocorrido sempre na História, ou ao desfecho bélico, quando o equilíbrio de poder se rompe. Mas todas essas perspectivas sombrias estão na dependência de outra, ainda mais sombria: a de que um desastre natural (ou provocado) venha a abreviar a presença do homem em nosso planeta. A advertência dos especialistas, acolhida pela ONU, e divulgada na semana passada, é fundada em evidências clamorosas. Mas, ainda mais assustadora, havia sido a advertência da própria natureza, com os maremotos da Ásia.

Se a estridência das informações ocas, e dos espetáculos que amortecem a razão e os sentimentos, deixassem aos neurônios algum tempo livres para a reflexão, poderíamos fazer um balanço positivo da nossa presença no planeta. Poderíamos, em primeiro lugar, pensar com os astrofísicos, e ver uma fímbria do grande mistério: a vida, tal como a conhecemos, só foi possível na Terra como resultado de circunstâncias precisas. Se a órbita terrestre fosse um pouco mais distante ou mais próxima do Sol, não teríamos a oportunidade de ser e de expressar a consciência que temos do mundo. A vida natural só foi possível aqui, e na tênue superfície terrestre, embebida dos gases da baixa atmosfera. Todos os animais (é o que presumimos) vivem sem essas reflexões, porque desde Aristóteles se intui que a sua memória não pode ser suscitada voluntariamente. A reflexão – é outra descoberta antiga – é o confronto das impressões do presente com as que ficaram guardadas do passado. Por isso só o homem pode meditar a natureza e, como preço dessa inteligência, ter consciência angustiante da morte.

Temos, como espécie – que se vem reproduzindo com as mesmas condições biológicas há milhares de séculos – uma história de que nos orgulhar. Se é verdade que nos entrematamos, desde que há registro das disputas pelo espaço vital, é também verdade que conseguimos momentos de excepcional beleza, principalmente na arte. As esculturas de Fídias e de Miguelângelo, os poemas de Hesíodo, a música de Bach, e a poesia épica de Homero bastam para justificar a Humanidade. Mas tudo isso pode desaparecer de um momento para o outro.

Se as coisas do mundo assim caminham, a sua marcha condiciona os passos brasileiros nestes próximos anos. É hora de insistir na realização de um projeto nacional de longo prazo, que nos permita a coesão da sociedade brasileira nos esforços que garantam a nossa autodeterminação política. Há dois movimentos políticos no mundo que parecem opostos, mas, no fundo, são harmônicos: a descentralização política e administrativa e a formação de grandes blocos confederados. A União Européia é a grande novidade histórica da Idade Moderna, e nos mostra que só podem ser unidas as partes que se diferenciam. Se as partes não fossem diferentes, constituiriam um universo homogêneo, e não haveria razão nem condições para que se unissem.

Os estados europeus se uniram em tratados de interesse comum, que os fortalecem no conjunto mundial, mas asseguraram, nesses acordos, a autodeterminação dos signatários e a preservação de sua identidade cultural. O Brasil tem uma extensão continental, com diferenças históricas marcantes, o que faz da federação, mais do que um projeto político, clamorosa necessidade. Ao poder econômico (sobretudo o estrangeiro), sediado em São Paulo, sempre interessou a concentração do poder administrativo, primeiro no Rio e agora em Brasília. A burocracia centralizada sufoca os interesses dos Estados, porque se associa ao poder econômico, a fim de impor sua visão técnica ao resto do País.

 

 Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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