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Betinho

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Hoje fazem 10 anos de morte de Herbert de Souza, o Betinho. Os muito jovens talvez não saibam quem ele foi. Isso porque somos um país de memória fraca, muito fraca. Nossos heróis são esquecidos ou morrem de overdose, como diria Cazuza. Mas convém lembrá-lo, nesse momento em que a política parece ter sido reduzida à maldita arte do possível e a utopia foi deixada para uns poucos malucos.

Repetiram tantas vezes o mantra da não-alternativa que uns e outros, ex-revolucionários, especialmente depois que chegam ao poder, acreditam que nada podem mudar. Deixem tudo como está ou vamos bem devagarinho, ensinam, sem provocar marola para não assustar. O melhor mesmo é fazer como sempre fizeram os donos do poder, vamos até tornar as coisas um pouquinho melhor para eles de modo que não nos acusem de anti-capitalistas ou coisa pior.

Betinho era o contrário desse conformismo. Ele dizia que se fosse deixar na mão do destino (ou do mercado) teria morrido muito antes, talvez no quartinho onde foi isolado quando diagnosticado com tuberculose, ainda adolescente. Hemofílico, sobreviveu a dois golpes militares (Brasil e Chile) e amargou mais de 10 anos de exílio. Não se abalou nem quando foi diagnosticado com vírus HIV, juntamente com os dois irmãos, Chico Mário e Henfil, também hemofílicos. Justamente quando ele achava que estava tudo dando certo, anistiado, apaixonado pelo filho pequeno, aprontando mil e umas, vinha aquela notícia que, ao final dos anos 80, soava mais como uma sentença de morte.

Teimoso, ele seguiu em frente e fez do drama pessoal uma causa pública. Já tendo criado o Ibase, fundou a Abia, a primeira ONG a enfrentar o problema da Aids no Brasil. A lei que determinou o controle dos bancos de sangue é batizada de “Lei Betinho”, em homenagem ao seu empenho na luta pelo fim do criminoso mercado de sangue. Sofreu como um cão danado a morte dos dois irmãos e acho que nunca voltou a sofrer tanto outra vez. Mas não se deixou matar de véspera e ainda oferecia, com aquele sorriso bem Fradim, um “pouquinho de Aids” para quem reclamasse de cansaço perto dele.

Na década de 1990, voltou a mobilizar o Brasil como o principal animador da Campanha Contra a Fome, desafiando mais uma vez o “impossível” e a boa consciência de uma esquerda que achava que distribuir alimentos era mera caridade, como se compaixão e solidariedade com o próximo não fossem valores revolucionários no mundo que vivemos. A “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida”, nome oficial do movimento, politizou como nunca o tema da exclusão social e da pobreza, resgatando para o centro do palco o impulso individual e a capacidade de mobilização de cada uma das milhões de pessoas que se organizaram em milhares de comitês pelo país afora. Tudo isso parece ter sido esquecido nesses tempos de Fome Zero.

O silêncio quase total da mídia e do governo neste aniversário de morte nos envergonha. Foi assim há alguns meses, quando completaram os dez anos de morte de Darcy Ribeiro. Esquecemos rápidos os nossos heróis.

Betinho era um artista do impossível e queria a utopia no presente. Entrou de cabeça em quase todas as causas que importaram no seu tempo, cometeu equívocos políticos e até éticos – os quais purgou em praça pública, como no caso da doação de um bicheiro para salvar a Abia do fechamento iminente – , mas sorveu a vida até a última gota, com paixão e sem nunca deixar de acreditar que podemos sim mudar o mundo. O impossível é possível e a única coisa que não tem mesmo solução é a morte.

Texto publicado no Blog Opinativas

Reforma do Sistema Político: devolver o poder ao povo.

 Reforma do Sistema Político:  devolver o poder ao povo

 

Jose Antonio Moroni

Colegiado de Gestão do  INESC

Diretor da executiva nacional da  ABONG

A reforma política é  tema recorrente na vida política brasileira. Está presente na agenda há vários anos, mas sempre orientada pelos interesses eleitorais e partidários. É o chamado casuísmo eleitoral — geralmente, alterações de curto prazo e de curta duração. Como por exemplo, a reeleição.   Por isso que a maioria da população  tem a concepção de reforma política apenas como reforma do sistema eleitoral.

Está presente, também, nas discussões acadêmicas e na mídia. Na academia mais como um objeto  a ser estudado/pesquisado e na mídia, quase sempre, como a solução de todos os males do país ou de forma pejorativa. Para ambos, um instrumento para melhorar a governabilidade do Estado (manter as elites no poder) ou, aumentar sua eficiência (como atender melhor aos interesses das elites).

No âmbito da sociedade civil organizada, das organizações e movimentos, que defendem o interesse público, aqui entendido como os interesses da maioria da população, e a radicalização da democracia, a reforma política está inserida em um contexto mais amplo que necessariamente diz respeito a mudanças no sistema político, na  cultura política, tanto na sociedade  como no  Estado.  Portanto na  forma de se  fazer e pensar a política.

Por isso os princípios democráticos que devem nortear uma verdadeira reforma política são:  da igualdade, da diversidade, da justiça, da liberdade, da participação, da  transparência e do controle social.  Em resumo, entendemos como reforma política a reforma do próprio processo de decisão, portanto, a reforma do poder e da forma de exercê-lo.  Quem exerce o poder, em nome de que se exerce o poder, quais os mecanismos de controle do poder. Em fim quem tem o poder de exercer o poder.

Uma verdadeira reforma política deve enfrentar problemas que estão na  origem  do nosso país, tais como, o patriarcado, o patrimonialismo, a  oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. A corrupção aqui entendida também como a usurpação do poder do povo. Isso se manifesta em frases  que escutamos em todos os lugares, “votar para quê, se voto para mudar e as  coisas não  mudam” ou “votar para quê, se depois eles  fazem o que querem”.

Na Carta de 88, os constituintes elegeram como os objetivos fundamentais da República Brasileira “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e  que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Se todo o poder emana do povo, conforme  define a nossa Constituição, pensar  a  reforma política é pensar como este poder deve ser devolvido ao povo que tem o direito de exercê-lo de  forma  direta e não apenas por delegação.

A incapacidade das instituições vigentes de concretizarem plenamente os objetivos da Constituição, o aumento do sentimento de distância entre os/as eleitores/as e seus/suas representantes coloca em risco a crença nos processos  democráticos. Este é um risco que não podemos correr.

Democracia é muito mais que o direito de votar e ser votado. Não podemos apenas ser chamados a participar nos momentos eleitorais. Precisamos  criar novos mecanismos de participação,  que resgate o poder de decisão da população.

A Reforma Política que defendemos visa a radicalização da democracia, para enfrentar as desigualdades e a exclusão, promover a diversidade, fomentar a participação cidadã. Isto significa uma reforma que amplie as possibilidades e oportunidades de participação política, capaz de incluir e processar os projetos de transformação social que segmentos historicamente excluídos dos espaços de poder, como as mulheres,  afro­descendentes,  homossexuais,  indígenas, jovens,  pessoas com deficiência,  idosos e todos os  despossuídos de direitos trazem para o  cenário político.

Não queremos a “inclusão” nesta ordem que aí está. Queremos mudar esta ordem. Por isto, pensamos o debate sobre a Reforma do Sistema Político como um elemento-chave na crítica às relações que estruturam este mesmo sistema.  Entendemos que o patrimonialismo e o patriarcado a ele associado; o clientelismo e o nepotismo que sempre o acompanha; a relação entre o populismo e o personalismo, que eliminam os princípios éticos e democráticos da política; as oligarquias, escoltadas pela corrupção e sustentadas em múltiplas formas de exclusão (pelo racismo, pelo etnocentrismo, pelo machismo, pela homofobia e outras formas de discriminação) são elementos estruturantes do atual sistema político brasileiro que queremos transformar.

A construção de uma verdadeira reforma do sistema político precisa estar alicerçada em cinco eixos:

1 – Fortalecer a democracia direta;

2 – Fortalecer a democracia participativa;

3 – Aprimorar a democracia representativa: sistema eleitoral e partidos políticos

4 – Democratizar a informação e a comunicação e a

5- Democratização do  Poder Judiciário

A reforma política deve dar nova regulamentação às formas de manifestação da soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular), conforme projeto de lei, proposto pela OAB e CNBB, em tramitação no Congresso Nacional. Precisa também criar novas formas e mecanismos de participação direta. Mas para isso é fundamental o acesso as informações públicas, entre elas as orçamentárias. É uma vergonha que até hoje no Brasil o Executivo não disponibilize de forma clara e transparente essas  informações.

Precisa também repensar a atual arquitetura da participação. A multiplicação de espaços participativos  não significa automaticamente a partilha de poder.  Isso ficou evidente no processo de consulta realizado em 2003  sobre o Plano Plurianual – PPA, onde nenhum dos acordos feitos em relação a continuidade do processo  foram  cumpridos, tanto pelo Executivo como no Parlamento.  Precisamos  caminhar na direção da construção de um sistema integrado de participação  que inclua a política econômica e não  apenas as políticas sociais.

Precisamos aprimorar e fortalecer a democracia representativa. Priorizando a democratização dos partidos e a qualificação dos processos eleitorais. A fidelidade partidária, financiamento público exclusivo de campanha, votação em lista fechada e a possibilidade de revogação de mandatos pela população  devem  ser prioridades. Antes de tudo é necessário criar a equidade nas disputas políticas que se  fazem via mecanismos da democracia  representativa.

Uma reforma política que  fique restrita apenas ao sistema eleitoral não serve à sociedade. Discutir apenas a fidelidade partidária, o financiamento publico de campanha, votação em lista pré-ordenada é uma reforma de perfumaria. Precisamos ir além, muito além.

É preciso democratizar a vida social, as relações entre homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos, na vida privada e na esfera pública. É preciso democratizar as relações de poder.  Portanto democracia é muito mais que apenas um sistema político formal, é também a forma como as pessoas se relacionam e se organizam. Neste sentido, reforma política é devolver o poder ao povo do qual ele nunca devia ter retirado.

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