Reforma tributária ou mera simplificação: O que os programas de governo dos presidenciáveis defendem

Por Graziele David, assessora politica do Inesc

Reformar ou simplificar o sistema tributário. O que parece ser um mero jogo de palavras revela muito mais do que o entendimento da tributação no país, descortina o modelo de Estado que cada presidenciável pretende fortalecer caso seja eleito.

A simplificação tributária, apesar de necessária, é insuficiente para resolver os graves problemas que o Brasil tem na arrecadação de tributos (impostos, contribuições, taxas). Ela é necessária para lidar tanto com o excesso de tributos que dificultam a arrecadação para o contribuinte e para a administração pública, quanto para reduzir a ‘guerra fiscal’ entre entes federados, ao realizarem desonerações tributárias para atrair empresas. Ocorreria assim ganho de eficiência na arrecadação e de competitividade na produção e exportação.

A principal proposta nesse sentido hoje é a defendida pelo Centro de Cidadania Fiscal – CCIF de criação de um Imposto sobre valor agregado – IVA (batizado de Imposto sobre Bens e Serviços – IBS) unificando cinco tributos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. O prazo de transição seria de 10 anos para os contribuintes e de 50 anos para a partilha entre os entes federativos. Com relação à alíquota, existiria uma nacional idêntica para todos os bens e serviços, mas estados e municípios poderiam alterar para determinados produtos. Também haveria um imposto seletivo, adicional à cobrança do IBS, sobre dois produtos, com a meta de reduzir o consumo: bebidas alcoólicas e cigarros.

Já a atual proposta do relator da Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados também segue no sentido de simplificação, apesar de ter algumas diferenças. Ela propõe unificar nove tributos: ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins, Cide, Salário-Educação, IOF e Pasep. O período de transição seria de seis anos para as empresas e de 15 anos para a nova divisão com Estados e municípios. As alíquotas seriam estabelecidas todas em lei complementar federal e a arrecadação, dividida num percentual com Estados e Municípios. Também existiria um imposto seletivo sobre seis produtos: energia, combustíveis, telecomunicações, cigarros, bebidas e veículos.

Entretanto, somente simplificar não reduz um grande problema existente: a composição da carga tributária brasileira amplia desigualdades ao invés de reduzir, como ocorre nos países mais desenvolvidos. Isso acontece porque mais de 50% dos tributos arrecadados incidem sobre o consumo, ao invés de serem sobre a renda e a propriedade. Como os tributos sobre o consumo pesam proporcionalmente mais sobre os mais pobres e a classe média, o resultado é que a atual composição da carga tributária faz com o grupo mais vulnerável da população – mulheres negras pobres – pague mais tributos proporcionalmente à sua renda do que os mais ricos.

É por essa razão que a defesa de uma reforma tributária não pode se ater somente à simplificação e à eficiência do sistema tributário. Ela deve necessariamente se ater à promoção da equidade e da redução das desigualdades, para a promoção de justiça fiscal e social.

A atual proposta que caminha nessa direção mais formulada nesse sentido é a da ‘Reforma Tributária Solidária’, organizada pela Anfip e Fenafisco, com a participação de várias outras organizações da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, acadêmicos e especialistas. Ela apresenta algumas premissas essenciais para a reforma do sistema tributário nacional, devendo ser esse: pensado na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico; adequado ao propósito de fortalecer o Estado de Bem-estar Social e reduzir desigualdades; progressivo com redistribuição da composição da carga tributária ao ampliar a tributação direta e reduzir a indireta; instrumento para reestabelecer as bases do equilíbrio federativo; desenvolvidas as tributações ambientais e sobre o comércio internacional.

planos de governo reforma tributaria

Observação: a candidata Vera Lúcia do PSTU não trata do tema da reforma tributária no seu programa de governo.

A escolha entre reformar por completo o sistema tributário ou somente simplificá-lo mostrará o compromisso dos candidatos à presidência com um Estado que irá fortalecer as despesas com investimentos e serviços públicos, voltado para o mercado interno, promotor da redução de desigualdades, garantidor de direitos; ou um Estado voltado para o investimento privado, para o mercado externo, despreocupado com as desigualdades e comprometido com a austeridade.

Isso porque existe uma relação direta entre mera simplificação tributária e políticas de austeridade pelo lado dos gastos do orçamento público. Para conseguir simplificar e reduzir a carga tributária, não é suficiente promover melhor gestão e eficiência das políticas públicas, uma vez que no Brasil elas já têm um financiamento per capita muito abaixo da média dos países da OCDE. Necessariamente ocorrerão cortes orçamentários nessas políticas promotoras de direitos e que a população tanto demanda, como saúde, educação, segurança, alimentação, transporte, entre outras.

Candidatura Fernando Haddad

Segundo consta do plano de governo, a estrutura tributária não pode continuar sendo predominantemente de impostos indiretos, que oneram em especial os assalariados e os mais pobres. Por isto, a reforma tributária será orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica, com as seguintes diretrizes:

•Isentar o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) de todos aqueles que ganham até cinco salários mínimos, condicionado à majoração para rendas mais elevadas por meio de faixas adicionais de alíquotas do IRPF para os super ricos;

•Tributação direta sobre a distribuição de lucros e dividendos seguindo tabela progressiva do IRPF. O aumento do IRPF pode ser combinado com redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para elevar a competitividade do setor privado compatível internacionalmente;

•Criação de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) moderno, com cobrança no destino, que substitua a atual estrutura de impostos indiretos (ICMS, IOF, IPI, ISS, etc.), respeitando o equilíbrio federativo, o financiamento da seguridade e viabilizando a transição de regimes. É fundamental que a mudança seja gradual e não represente perdas para os entes federados, mas, ao mesmo tempo, contribua para superar a desigualdade regional;

•Instituição de tributação sobre grandes movimentações financeiras, de caráter regulatório;

•Introdução do imposto sobre grandes patrimônios, bem como a reformulação do Imposto sobre heranças, especialmente grandes heranças e a extensão da cobrança do IPVA para jatos, lanchas e outros veículos;

•Alteração do Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR) para que possa atender aos requisitos de incentivo tanto da elevação produtiva do solo, quanto da preservação ambiental. Também virá acompanhado de novos mecanismos voltados para os usos da terra para desestimular o processo especulativo, as práticas predatórias ao meio ambiente e a aquisição de terras por estrangeiros;

•Rebalancear impostos incidentes sobre a folha de pagamento, equalizando o tratamento tributário entre pessoa física e jurídica e incentivando a formalização de todas as ocupações;

•Criação de “tributos verdes” que permitam ao Estado atuar sobre a emissão de gases de efeito estufa e estimular pesquisas e investimentos na adoção de tecnologias voltadas para a sustentabilidade ambiental – inserido dentro de uma proposta de reforma fiscal verde;

•Ampla revisão dos chamados “gastos tributários” regressivos, assim como os benefícios fiscais voltados à economia de alto carbono.

Candidatura Ciro Gomes

Para a candidatura Ciro, crescer distribuindo renda é fundamental. Reduzir as gritantes desigualdades econômicas e sociais do país requer um conjunto amplo e simultâneo de medidas, como promover uma reforma tributária com simplificação do sistema tributário e tributação proporcional dos mais ricos. Também serão adotadas as seguintes medidas:

•Redução, inicial, de 15% das desonerações tributárias;

•Revisão de todas as despesas do governo, de modo a eliminar desperdícios, sobreposições e privilégios; os gastos com investimentos, Saúde e Educação deverão ser preservados;

•Isenção de tributos na aquisição de bens de capital;

•Redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica;

•Redução de impostos sobre consumo (PIS/COFINS e ICMS);

•Criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), unificando vários tributos atualmente existentes;

•Eliminação gradual da chamada “pejotização”;

•Recriação do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos;

•Alteração das alíquotas do ITCD (imposto sobre heranças e doações);

•Simplificação da estrutura tarifária de importações;

•Elevação da alíquota do ITCD (imposto sobre heranças e doações).

Candidatura Marina Silva

No entendimento da candidatura da Marina, é imperativo promover a reforma tributária para reduzir a complexidade e a insegurança jurídica, que dificultam o estabelecimento de um ambiente favorável aos negócios e ao empreendedorismo. Neste sentido, propõe:

•implantação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), reunindo cinco tributos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.Os princípios que nortearão essas mudanças são: simplicidade, para que as regras sejam claras e de fácil aplicação, com o mínimo de exceções e regimes especiais; transparência, para que o cidadão tenha clareza de quanto paga e possa cobrar a melhoria dos serviços públicos, exercendo a sua cidadania tributária; neutralidade, para desestimular as distorções na forma de organização, instalação e operação das empresas, eliminando a deletéria guerra fiscal entre estados e municípios; e equidade, para dosar de forma adequada o tratamento dos cidadãos e das empresas, eliminando privilégios e a atual regressividade, que condena os mais pobres a pagarem, proporcionalmente, mais impostos.

Para corrigir a regressividade elevada do sistema tributário em nosso país e estimular o reinvestimento dos lucros na produção sugere-se:

•tributação sobre dividendos, com redução simultânea do IRPJ (Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas);

•elevação da alíquota do imposto sobre herança, com isenções progressivas;

•aumento da base de tributação sobre a propriedade;

•descentralização da autoridade para tributar;

•revisão do atual sistema brasileiro de tributação da pessoa jurídica, informando antecipadamente os critérios de interpretação da legislação. Novas tecnologias para que todas as informações sobre o fato gerador sejam transparentes e disponíveis em um guia nacional para o pagamento de todos os tributos incidentes de forma integrada.

Candidatura Jair Bolsonaro

O programa de governo do candidato Bolsonaro visa a unificação de tributos e a radical simplificação do sistema tributário nacional, com:

•gradativa redução da carga tributária bruta brasileira paralelamente ao espaço criado por controle de gastos e programas de desburocratização e de privatização;

•simplificação e unificação de tributos federais eliminando distorções e aumentando a eficiência da arrecadação;

•descentralização e municipalização para aumentar recursos tributários na base da sociedade;

•discriminação de receitas tributárias específicas para a previdência na direção de migração para um sistema de capitalização com redução de tributação sobre salários;

•introdução de mecanismos capazes de criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal; e

•aprimoramento da carga tributária brasileira fazendo com que os que pagam muito paguem menos e os que sonegam e burlam, paguem mais.

Candidatura Geraldo Alckmin

O programa de governo do Alckimin aborda muito superficialmente o tema. Diz apenas que buscará simplificar o sistema tributário por meio da substituição de cinco impostos e contribuições por um único tributo: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Candidatura Guilherme Boulos

No entendimento da candidatura Boulos, é preciso reformar o sistema tributário brasileiro, com simplificação e ampliação significativa da progressividade, para aumentar a equidade e a eficiência na arrecadação e seu caráter regulatório, com as seguintes medidas:

•redução das alíquotas com base mais ampla ao nível da empresa e tributar mais progressivamente a renda da pessoa física, resultando em ganho líquido de 1,3% do PIB na arrecadação de imposto de renda (de 7% para 8,3% do PIB, nível inferior ao dos países na OCDE, que é de 11,1%);

•aumento da alíquota de isenção do IRPF, com correção da tabela do IPRF;

•aumento da alíquota para 35% do IRPF para rendimentos acima de R$ 325 mil por ano;

•tributação linear sobre dividendos com base em uma alíquota de 20%;

•redução da alíquota de IRPJ/CSLL para 25%, mas ampliando a base de incidência pela revisão de benefícios tributários, como juros sobre capital próprio, que hoje favorecem os que podem contratar planejamento tributário e aproveitar as brechas (eg. Bancos);

•aumento da arrecadação de impostos sobre propriedade urbana e rural de 0,6% para 1% do PIB: legislação para facilitar cobrança de dívidas; reajuste da planta de valores dos imóveis; aumento da alíquota e da progressividade;

•aumento da arrecadação com tributação sobre herança e doações inter vivos (ITCMD) de 1,7% para 1,9% do PIB tributando as grandes fortunas na herança: federalizar o imposto sobre herança e aumento da arrecadação com tributação baseada em alíquotas progressivas de 2% a 40%; legislação para tornar nacional a administração do imposto, integrando-o com a base de dados do imposto de renda, de modo a reduzir a evasão pela mobilidade do patrimônio;

•aumento do imposto sobre grandes fortunas com arrecadação adicional de 0,1% do PIB;

•implementação de tributação ambiental;

•revisão das desonerações e outros gastos tributários;

•aumento da arrecadação de impostos sobre propriedade rural: legislação para fortalecer a cobrança de dívidas e a fiscalização; legislação para livrar a definição do valor administrativo dos imóveis da influência de grupos de interesse políticos (eg. lobby ruralista); regulamentação de maior progressividade de alíquotas para fins de justiça fiscal e instrumento extrafiscal para a política fundiária e fiscalização similar à do imposto de renda para as declarações do imposto territorial rural – ITR;

•modernização e redução gradual das alíquotas dos tributos que incidem sobre bens e serviços, como a cesta básica (Pis/Cofins, IPI, ICMS etc.): eliminação de cumulatividades via migração das bases de incidência para o valor agregado, com amplo aproveitamento de créditos, tributação e repartição no destino; manutenção das contribuições para a seguridade social em um modelo baseado na tributação sobre o valor agregado;

Candidatura Cabo Daciolo

O programa de governo do Cabo Daciolo menciona o tema superficialmente: segundo consta do plano de governo, “Governar é baixar juros e impostos. Uma questão imprescindível ao desenvolvimento se refere à redução da carga tributária”.

Candidatura João Amoêdo

A candidatura de Amoêdo entende que a carga tributária brasileira é elevada e complexa; gera insegurança jurídica além de enorme volume de burocracia; apresente visão ideológica contrária ao empreendedor e ao lucro. Por isso, propõe uma simplificação e redução dos impostos e burocracias para dinamizar a economia, facilitar o empreendedorismo e propiciar a criação de empregos. Para tal apresenta as seguintes propostas:

•adoção do IVA (Imposto de Valor Agregado);

•implementação de carga tributária inferior a 30% do PIB;

No entendimento do candidato, o brasileiro não precisa de um Estado grande porque é pobre, ele é pobre justamente por ter um Estado grande; não é necessário ter Estado para ajudar o próximo. Defende, ainda, que vai combater a pobreza e não a desigualdade por meio da geração de renda e não pela distribuição. As prioridades serão: redução do Estado, aumento da responsabilidade fiscal, garantia da propriedade privada, com destaque para o campo, para que o agronegócio tenha condições jurídicas e estruturais.

Candidatura João Goulart Filho

As propostas apresentadas são as seguintes:

•Promover uma Reforma Tributária Direta e Progressiva que elimine impostos indiretos, taxando a renda e a propriedade dos grandes e não o salário dos pequenos;

•Suprimir as renúncias fiscais;

•Revogar a Lei Kandir que isenta de ICMS produtos e serviços destinados à exportação;

•Revogar a isenção da contribuição previdenciária para o agronegócio;

•Estabelecer um imposto progressivo sobre as remessas de lucros das multinacionais para suas matrizes no exterior;

•Revogar a lei que isenta de impostos as importações das petroleiras estrangeiras instaladas no Brasil;

•Combater de forma rigorosa a sonegação fiscal.

Candidatura Álvaro Dias

O tema é mencionado em uma frase, a saber: “Promover reforma tributária que estabeleça como prioridade a mais justa distribuição dos recursos entre os entes federados, no contexto do novo pacto federativo”.

Candidatura Eymael

No seu programa de governo, o candidato Eymael recomenda promover a reforma tributária visando à simplificação do Sistema, a redução da carga tributária e o respeito à capacidade contributiva. Destaca ainda que é preciso repensar o Pacto Federativo, distribuindo de forma equitativa atribuições de recursos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Candidatura Henrique Meirelles

A candidatura Meirelles propõe a simplificação do sistema tributário brasileiro com estudos que visem à criação de um imposto de valor agregado, o IVA. Defende-se que a reforma tributária precisará respeitar o tempo de adequação ao novo modelo, sem comprometer incentivos legalmente estabelecidos, mais eficiente, sem aumentar a carga tributária.

 

 

Análise de programas econômicos das candidaturas à Presidência da República 2018

Por Adhemar S. Mineiro, economista e assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP), para o INESC

As propostas disponibilizadas pelas treze candidaturas que disputam essas eleições presidenciais de 2018 apresentam soluções bastante diferenciadas para a crise econômica que vivemos no país desde 2015, além da amplitude dos aspectos abordados e da orientação e dinamismo dos novos horizontes que propõem para o país. Os programas acabam, no geral, refletindo uma grande divisão quanto à análise e perspectivas em dois grandes campos de visão.

O primeiro campo identificado é o de uma perspectiva econômica liberal, fundada na chamada ortodoxia econômica. Esse ponto identifica não só um grande conjunto de candidatos, como Álvaro Dias, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoedo e Marina Silva, como o próprio atual Governo Temer e sua política econômica. Nesta visão, o centro da política econômica é um forte ajuste do setor público, envolvendo um conjunto de medidas. A contração fiscal, com eventual geração de superávit, a retomada do chamado “tripé macroeconômico” (metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal), a venda do patrimônio público (seja a venda de participações societárias do Estado, seja a venda de imóveis, seja a privatização de empresas), os limites ao gasto público, todos esses elementos aparecem em vários dos programas apresentados por esse conjunto de candidatos. Aparece ainda a criação inovadora de mecanismos financeiros buscando alavancar através de fundos e outros mecanismos a viabilidade de concessões e parcerias público-privadas para alavancar investimentos, em especial na área de infraestrutura. A redução dos recursos à disposição do Estado e a redução das taxas de juros (por mecanismos de gestão fiscal e redução da dívida pública), dentro desta concepção (que podem ser somados a mecanismos participativos para investidores, ou a ampliação da segurança jurídica para os investidores), abre espaço para o crescimento do investimento privado, que é o principal motor para essa visão da dinamização da economia brasileira. Um tema importante que aparece em alguns desses programas, com também diferentes redações e expressando diferentes perspectivas e formas de condução da questão, é o tema da independência/autonomia do Banco Central para a operacionalização de suas políticas (monetária e cambial).

O outro ponto importante para esse conjunto de candidatos que se organiza em torno a essa visão central liberal-ortodoxa é um abertura econômica, com ligação aos mercados externos, buscando neles também os elementos de dinamismo que não estão presentes no mercado doméstico, mas também o que chamam de conexão com as “cadeias globais de valor”. A velocidade e as formas dessa integração com o sistema internacional e da abertura comercial variam, mas aparecem como fundamental para essa perspectiva. Varia também a ênfase dos setores a se conectarem mais fortemente com o exterior (seja o agronegócio, setores com um pouco mais de agregação de valor à produção, como semimanufaturados, ou setores de maior conteúdo tecnológico, e alguns ainda incluem os setores de serviços). Dentro dessa perspectiva de abertura ao exterior, vale também a defesa de acordos de comércio, de novo variando aqui o formato (bilateral, multilateral, ou ambos) e a velocidade e as formas da abertura (rebaixamento ou eliminação de tarifas, eliminação de barreiras não tarifárias, etc.). A busca do caminho da vinculação aos fluxos do comércio internacional aparece nesses programas tanto como um elemento de demanda para a retomada do crescimento em um quadro de limitação ao investimento/gasto público, de forte redução no consumo nacional e de incertezas quanto ao investimento privado, que seriam os demais elementos dinamizadores da atividade econômica, quanto como uma visão estratégica de integração aos sistemas globais de produção e geração de valor. Curiosamente, ao apresentarem uma visão bastante positiva quanto a essa integração ao exterior, esse conjunto de candidatos passa ao largo dos debates dos últimos anos sobre as limitações ao comércio internacional, a guerra comercial internacional (da qual talvez a tensão entre China e EUA ou o esvaziamento da Organização Mundial do Comércio sejam apenas dois exemplos mais evidentes) e as possíveis alterações das cadeias produtivas globais com a introdução das inovações recentes, denominadas “Indústria 4.0”, que alteram substancialmente os esquemas de vantagens de localização de partes da produção no nível internacional que seguiam vigentes até aqui.

Um tema importante que parece representar uma aproximação entre um conjunto grande de candidaturas progressistas e conservadoras, heterodoxas e ortodoxas, liberais ou desenvolvimentistas, segundo a polarização ao gosto do freguês, diz respeito ao tema de uma reforma tributária. Quase todos os/as candidatos/as visitam esse tema tocando no eixo da modernização e simplificação tributária, na redução do número de impostos, na redução da oneração da produção e do consumo. Existem, entretanto, dúvidas quanto ao ritmo de condução da reforma, e a chamada “questão da divisão do bolo tributário” entre a União e os níveis subnacionais (Estados e Municípios). Os debates esquentam aqui, e as diferenças aparecem, quando se entra na discussão do volume tributário (enquanto normalmente as visões mais liberais falam em reduzir a tributação, as visões mais progressistas falam em manter ou aumentar) e a questão do pagamento da conta (normalmente aqui entram em debates níveis de isenção e a questão da progressividade, ou seja, os mais ricos serem mais tributados do que os mais pobres). Outros debates técnicos aparecem, mas tomando por base o consenso dos programas dos candidatos é provável que esse tema avance de alguma forma no próximo período.

Para o conjunto de candidatos mais identificado com uma perspectiva heterodoxa de condução da política econômica (Ciro Gomes, Fernando Haddad, Guilherme Boulos e João Goulart Filho) os temas centrais passam pela retomada do crescimento econômico, a dinamização do gasto público e dos investimentos públicos, a distribuição da renda e a redução das desigualdades (em diversas perspectivas, como a distribuição funcional da renda, mas também sob a perspectiva regional, de gênero, de raça/etnia, urbano/rural e outras), a recomposição e o aumento real do salário mínimo. Políticas industriais são também listadas de diferentes formas, não apenas como importantes para a retomada do crescimento e do desenvolvimento econômico mas também porque podem, dentro dessas perspectivas desenvolvimentistas, contribuir fundamentalmente para o próprio desenho do desenvolvimento futuro, não podendo ser de forma alguma neutras neste sentido.

Outro tema fundamental para esse conjunto de candidatos é como desfazer algumas das contrarreformas levadas adiante durante o curto Governo Temer. Aqui são listadas em especial a Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos) e a reforma trabalhista/reforma da CLT, e tratar com muito cuidado o tema previdenciário (onde diferenças aparecem mesmo entre esse “bloco” de candidatos).

Dentro desta perspectiva de rediscussão de determinadas questões está ainda o tema das privatizações. Trata-se para estes candidatos não apenas de estancar o processo, como em vários momentos defendem retroceder medidas que foram levadas adiante, reafirmando a necessidade de um papel ativo do setor produtivo estatal na viabilização de uma estratégia de desenvolvimento futuro. Em particular, são mencionados setores da área de energia, como elétrica, incluindo suas formas alternativas em expansão (eólica, solar) e a indústria de petróleo, apontada como importante não apenas pela capacidade de geração de renda no chamado Pré-sal, como pela capacidade de articulação industrial ao longo da cadeia de produção de máquinas e equipamentos (variam aqui entre os candidatos a ponderação destas possibilidades com as perspectivas de um desenvolvimento ambientalmente sustentável agora e no futuro).

O ponto da recuperação dos empregos e da renda dos mais pobres tem, nas propostas deste conjunto de candidatos, um papel emergencial, não apenas pelo forte impacto social (o desemprego é devastador), como pelo impacto econômico e sua capacidade de ativar a economia em um prazo muito curto (aqui presente a visão de que os mais pobres sempre transformam toda a sua renda rapidamente em consumo, dinamizando a economia de uma forma imediata).

Os investimentos públicos e privados, dentro desta perspectiva desenvolvimentista, não são vistos como antagônicos (para abrir espaço para o investimento privado é necessário reduzir o investimento e o gasto públicos, que é a perspectiva ortodoxa), mas de certa forma articulados, de maneira que a expansão do gasto e do investimento públicos dinamiza o investimento privado, e na maior parte das vezes vai à frente deste, se antecipando e indicando caminho e volumes demandados.

Outra questão importante que distingue as perspectivas ortodoxa e heterodoxa diz respeito ao tema da taxa de câmbio. Enquanto os candidatos com uma orientação ortodoxa apontam pura e simplesmente para o tripé macroeconômico (e o ponto relativo ao câmbio flutuante) como solução para o nível e a flutuação da taxa de câmbio, os candidatos com programas dentro de uma perspectiva mais heterodoxa apontam a necessidade de gerenciar de alguma forma a taxa de câmbio, colocando-a em um patamar que garanta a competitividade da indústria nacional (preocupação mais forte no programa de Ciro Gomes) e evitando flutuações bruscas com alguns mecanismos de controle de fluxos de capital (que aparecem de distintas formas, em especial nos programas Boulos e Haddad). Assim, esse ponto é fundamental na diferenciação dos dois “blocos” de candidatos.

A perspectiva de ajuste das contas públicas é vista como uma consequência importante da retomada do crescimento econômico, que permite de certa forma a recomposição da arrecadação fiscal sem maiores problemas, além de medidas de reconfiguração dos pagamentos da dívida pública e de redução das taxas de juros (vistas como uma expressão do poder oligopólico e político dos “rentistas” financeiros). Reduzindo os gastos financeiros e crescendo, além de outras medidas de ampliação da arrecadação, a questão do equilíbrio fiscal passa longe da centralidade que possui no discurso econômico conservador.

Assim, se percebem as principais diferenças, especialmente entre esses dois “blocos” de programas, que reúnem alguns dos principais candidatos que concorrem nesse processo eleitoral. A decisão a ser tomada é uma decisão que pode definir não um estilo ou uma discussão de curto prazo, mas o rumo de um processo de desenvolvimento de longo prazo no país, e por isso mesmo não é uma decisão simples.

A seguir apresenta-se uma breve sistematização dos programas dos(as) candidatos(as), na ordem alfabética de seus nomes.

Candidatura Álvaro Dias

 

No caso de Álvaro Dias, menos do que um detalhamento, em seu programa de governo é feita uma importante afirmação de princípios e estratégia. O centro da proposta é uma retomada vigorosa do crescimento (para uma média de 5% ao ano), capitaneada por investimentos que viriam a partir de uma reforma que reestruture o gasto público (com a revisão do custo de rolagem da dívida pública) e reduza os tributos, uma reforma financeira que diminua os juros para o setor privado, uma reforma previdenciária instalando o sistema de capitalização, e um forte incentivo ao investimento, em especial de pequenas e médias empresas e da agricultura. Para puxar o investimento, a única fonte de demanda apontada é o investimento em infraestrutura, todo o investimento previsto restante devendo ser alavancado pelas expectativas positivas por parte do empresariado a respeito das reformas pró-mercado definidas inicialmente. Empregos também seriam gerados, pelo proposto, por meio dessa retomada vigorosa dos investimentos privados (se prevê uma taxa de investimento, atualmente em torno de 15%, de 22% do PIB em 2022, último ano de governo). A respeito do déficit público, o programa aponta o objetivo de um déficit primário nulo já no primeiro ano de governo (2019) e um déficit nominal (ou seja, incluídos os gastos financeiros) zerado em 2023, primeiro ano do governo seguinte. O programa propõe ainda redução e simplificação tributária, com a eliminação de sete grandes impostos (PIS, Cofins, IPI, CIDE, IOF, CPP, CSLL). Chama a atenção, finalmente, algumas propostas na área do setor externo, como a proposta da constituição de 10 ZPEs (Zonas de Processamento de Exportações) e a formalização de 10 acordos comerciais bilaterais e 4 multilaterais até 2022, além de uma redução tarifária de 50% das atuais tarifas até esse mesmo ano.

Candidatura Cabo Daciolo

Apesar de não mencionar valores para o crescimento, o programa é ambicioso, pois o objetivo é figurar entre os países mais desenvolvidos do planeta. O programa também faz algumas reafirmações de princípio, como “Governar é baixar juros e impostos”, e “Empresas estatais estratégicas jamais serão privatizadas em nosso governo.” Para dinamizar o crescimento econômico, os principais pontos levantados são a ampliação das malhas rodoviária, ferroviária e hidroviária, e a expansão no mercado externo, pela ampliação do valor agregado dos bens exportados (deixar progressivamente de exportar primários e melhorar o conteúdo tecnológico dos bens exportados). Menciona ainda atrair investimentos internacionais em decorrência da baixa das taxas internas de juros,

Candidatura Ciro Gomes

A proposta estratégica da candidatura é caminhar simultaneamente com o chamado ajuste macroeconômico (“colocar a casa em ordem”) e a recuperação do setor produtivo para gerar empregos. Na perna do ajuste, o foco é no equilíbrio das contas públicas (alcançar o equilíbrio do gasto primário em dois anos de governo), na redução progressiva da relação dívida/PIB, diminuindo as taxas de juros e abrindo espaço para o investimento público e políticas sociais. A retomada da renda da população é baseada em um programa emergencial de empregos, e em investimentos em infraestrutura. Na área de investimentos, é fundamental no programa de governo do Ciro a ideia de uma taxa de câmbio competitiva internacionalmente (significando de fato uma desvalorização da real) de modo a alavancar, de forma sustentável e no longo prazo, a competitividade do setor externo brasileiro – a ideia aqui é que a competitividade a que o programa se refere é a dos bens manufaturados, e também o que chamam de serviços sofisticados (de maior agregação de valor). Para isso também é fundamental a implementação de políticas industriais ativas, defendidas no programa, e de forte financiamento, grande parte oriundo do sistema financeiro público, para levar adiante um programa de investimentos articulado por essas políticas industriais. O Banco Central, na proposta apresentada, orienta a sua atuação não apenas por metas de inflação, mas também por metas de emprego, como ocorre em outras partes (EUA, por exemplo). Além de uma forte ênfase no emprego no primeiro momento, é também fundamental na alavancagem da demanda doméstica dentro da proposta a ideia de crescimento econômico com distribuição de renda.

Candidatura Fernando Haddad

O programa do candidato parte em vários momentos da ideia de rever várias das contrarreformas implementadas nos últimos dois anos e meio, e na área econômica aparecem explicitadas a Emenda Constitucional 95 (de teto dos gastos públicos) e a reforma trabalhista. Existe também a ideia de uma retomada econômica de curto-prazo ativada por programas de geração de empregos (investimentos em infraestrutura e moradia, com a conclusão de obras inacabadas, retomada dos investimentos da Petrobrás e do programa “Minha Casa, Minha Vida”), reforço ao Programa Bolsa Família e retomada do crédito com juros e prazos acessíveis para famílias de baixa renda. Um ponto importante para a ampliação do consumo é a manutenção da política de valorização do salário mínimo. Para ampliar os investimentos, o financiamento virá fundamentalmente do sistema financeiro público, e aqui são pensados setores industriais estratégicos a serem estimulados (insumos básicos, fármacos, bens de capitais, defesa e aeroespacial, microeletrônica e outras), e a preocupação é apontar para a transição para a Indústria 4.0 (maior conteúdo de inovação, robótica, inteligência artificial, etc.). São pensados também mecanismos de controle sobre fluxos de capitais que permitam a redução da volatilidade da taxa de câmbio e a manutenção da competitividade externa de setores produtivos internos (bens manufaturados). Uma reforma tributária que crie o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) e elimine vários impostos, operando pela simplificação e modernização tributária, também é listada como fundamental. Um ponto importante no programa são os mecanismos de incentivo (tributários, financeiros e outros) para se transitar progressivamente para uma economia de “baixo carbono”, mais ambientalmente sustentável. A suspensão da política de privatização de empresas estratégicas e a recuperação do Pré-Sal também são vistos como importantes para a retomada do investimento, do crescimento e de uma estratégia sustentada de desenvolvimento. Vale apontar ainda aqui a ênfase nos instrumentos de incentivo à economia social e solidária. Finalmente, destacam-se incentivos à produção agrícola, incluindo a expansão da agricultura familiar e a reforma agrária.

Candidatura Geraldo Alckmin

O centro das propostas também diz respeito a um forte ajuste do setor público, por meio do corte de despesas do Estado (eliminação do déficit primário em dois anos, chegando a um superávit entre 2% e 2,5% no fim do governo), privatização de empresas estatais e venda de patrimônio imobiliário e acionário por parte do Estado (com recursos utilizados para a redução da dívida pública), redução dos subsídios e desonerações fiscais e uma reforma da Previdência. A manutenção da Lei de Teto dos Gastos também está apontada no programa. Fazem parte das propostas, ainda, a modernização e a simplificação tributária, com um novo sistema baseado no IVA; a restauração do tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação); e, um Banco Central com mandatos em sua diretoria. Na área de comércio exterior, defende-se a abertura da economia, a ampliação do comércio exterior para 50% do PIB (dobrar os fluxos, aproximadamente) e a assinatura de acordos comerciais bilaterais e multilaterais. Nessa área ainda, propõe-se a redução de barreiras tarifárias e não-tarifárias, tendo como objetivo um teto tarifário de 15%. Políticas sociais e distributivas focadas em grupos mais frágeis, inclusive a chamada “Bolsa Família 2.0”. A retomada dos investimentos é pensada através de investimentos em infraestrutura, especialmente com a implementação de parcerias público-privadas, e incentivos à agricultura e a modernização industrial (Indústria 4.0). O financiamento para tal é visualizado pelo funcionamento mais livre do mercado de crédito, segurança jurídica para os investimentos e entrada facilitada de bancos internacionais, o que ampliaria a competição por crédito de longo prazo dentro do país. A atuação competitiva desses agentes financeiros e de outros instrumentos de financiamento (fundos) levaria a uma redução das taxas internas de juros (especialmente associadas à redução do endividamento público e ao superávit das contas públicas).

Candidatura Guilherme Boulos

A proposta do candidato prevê em um primeiro momento um programa emergencial para recuperação do emprego e da renda, e do investimento público. Proteção ao emprego e política de valorização do salário mínimo, assim como uma Previdência com nenhum direito a menos e a reforma agrária popular e agroecológica. Prevê ainda uma renda básica universal. Na área industrial defende-se o fortalecimento do setor, sua desconcentração bem como evitar a captura dos setores por conglomerados. O sistema de financiamento público deve levar em conta esse objetivo, assim como as necessidades de modernização tecnológica, estruturação de uma matriz de menor consumo de carbono/ecologicamente sustentável, e com a ampliação de pequenas e médias empresas. Essas mudanças da estrutura industrial são também acompanhadas de um processo de integração regional, com o objetivo de superar a inserção internacional subordinada do Brasil, e com a inserção da perspectiva de desenvolvimento urbano e regional em sua formulação. Prevê aprofundar o controle público sobre setores estratégicos e reverter processos de privatização que foram levados adiante, assim como o desmonte do setor financeiro público. Para a alavancagem do investimento público, o programa prevê a recuperação da capacidade de gasto do Estado, através de mudança na estrutura tributária. Tal mudança dever tornar o sistema mais progressivo, amplo e simples. A regulamentação do setor financeiro (e uma auditoria da dívida pública), na perspectiva do programa, permitirá a redução dos custos da dívida pública e a utilização da taxa de câmbio “de forma mais estratégica”. São igualmente defendidas as revisões da Lei de Teto de Gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Vale ressaltar ainda o combate a todas as formas de desigualdade e discriminação no mercado de trabalho. Um ponto bastante interessante diz respeito à formulação do tema da independência do Banco Central na proposta do candidato: “aumentar a independência do Banco Central em relação ao mercado financeiro”, na exata contramão dos que defendem independência do Banco Central em relação à sociedade e ao Estado.

Candidatura Henrique Meirelles

O programa do candidato Meirelles aponta como estratégia que o país volte a crescer 4% ao ano. Para isso, coloca como condições a reforma tributária ampla e a reforma da Previdência Social, além de fortes investimentos em ampliação da infraestrutura, que permitam retomar um crescimento vigoroso nesta concepção. O investimento em infraestrutura é visto como um instrumento de geração de empregos no curto-prazo, e de melhoria geral de produtividade e de competitividade para o setor privado, aumentando eficiência e reduzindo custos. Esse investimento em infraestrutura será uma parceria entre o setor público e o setor privado, os investidores devem ser atraídos para esse processo por meio, por exemplo, de criação de “mesas de diálogo público-privado”. Novas concessões e privatizações também são defendidas. Finalmente, o programa defende uma maior abertura ao exterior, com a integração dos setores produtivos operando aqui às cadeias globais de valor.

Candidatura Jair Bolsonaro

Aponta para um superávit primário já em 2020, tendo o tema fiscal como central. O superávit fiscal é fundamental para a redução progressiva da relação dívida/PIB, e para isso aponta corte de despesas (e preocupação grande com a folha de pagamento do Governo Federal e as isenções fiscais). Segundo essa candidatura, essa redução teria um impacto no sentido da diminuição dos juros, estimulando investimentos, crescimento e geração de empregos pelo setor privado. Estima ainda reduzir em 20% o volume da dívida por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições financeiras oficiais. Isso contribuiria para reduzir o peso da administração da dívida nos gastos públicos e para a diminuição das taxas de juros. Apenas estatais estratégicas não seriam privatizadas ou extintas. Propõe ainda a redução da carga tributária e o estabelecimento de uma renda mínima universal igual ou superior ao que hoje é pago no Programa Bolsa Família. O Banco Central será politicamente independente do governo e será mantido o chamado “tripé macroeconômico”. Investimentos privados, alavancados pelo desenvolvimento do mercado de capitais, deverão garantir a migração da indústria nacional atual para a indústria 4.0 (o Estado contribui com o treinamento de mão de obra), os investimentos em infraestrutura de transporte e energia (inclusive a do petróleo, com a privatização do refino, vendas de varejo e transporte, pelo menos), tomando em consideração inclusive fontes alternativas de energia, como eólica e solar. Na área externa, propõe a redução de alíquotas e barreiras não-tarifárias para uma abertura comercial, a formulação de acordos bilaterais internacionais e a abertura de novos mercados externos para o agronegócio.

Candidatura João Amoedo

O estabelecimento de um Banco Central independente e a privatização de todas as empresas estatais são pontos de destaque do programa. A ideia também é uma política de corte dos gastos públicos e simplificação e modernização tributária, com a adoção do IVA. Aparece ainda como importante o fim dos subsídios à energia não renovável, como gasolina e diesel. A abertura comercial, com redução tarifária e novos acordos de comércio, também é mencionada. É apontada ainda a manutenção e melhoramento do Programa Bolsa Família, assim como a desindexação das aposentadorias e pensões do salário-mínimo. O programa defende o fim das políticas de campeões nacionais (adotada anteriormente pelo BNDES) e de conteúdo local. Aponta necessidade de parcerias, concessões e privatizações para melhorar toda a infraestrutura – portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, dutovias, hidrovias, infovias e mobilidade, também como forma de alavancar investimentos.

Candidatura João Goulart Filho

 

Na área do consumo, a principal proposta é dobrar o salário mínimo real em 4 anos, ou seja, no período do mandato, assim como acabar com o desemprego e promover uma melhoria geral dos salários e aposentadorias. No caso destas últimas, também é proposta a revogação de todas as medidas pós-Constituição de 1988, voltando ao texto da Constituição, e o fim do teto de pagamento do INSS para os setores público e privado. Propõe ainda retroceder nas mudanças da CLT aprovadas no ano passado e dobrar a multa no caso de demissão imotivada. Erradicação do trabalho escravo e adoção do princípio “salário igual para trabalho igual” também são propostas. A ênfase é um crescimento puxado pela ampliação do mercado interno. A retomada da econômica é pensada como um processo em que o retorno do investimento público em patamares maiores pode puxar o investimento privado, objetivando dobrar a taxa de investimento no país em 4 anos (para algo como 30%). Completar o processo de substituição de importações como estratégia de industrialização, defendida também com medidas de defesa da produção interna (tarifas, subsídios, câmbio competitivo), investimentos em infraestrutura e incentivo à produção da pequena e média propriedade rural voltada para o mercado interno completam o quadro. Para garantir o investimento, defende-se a redução das taxas básicas de juros e a utilização do sistema financeiro público (no caso do BNDES, com o retorno da TJLP como referência aos financiamentos). Fim da Lei de Teto de Gastos e canalização da renda de energia (petróleo e outras) para os investimentos públicos. Reestatização da Vale, recriação da Rede Ferroviária Federal e criação da Empresa Brasileira de Comércio Exterior também aparecem em um programa que joga grande peso no papel das empresas públicas. Finalmente, propõe-se uma reforma tributária direta e progressiva que elimine impostos indiretos, taxando a renda e a propriedade dos grandes e não o salário dos pequenos.

Candidatura José Maria Eymael

O gerenciamento do gasto público de modo a abrir espaço para investimentos, e uma reforma tributária simplificadora (e que reduza a carga tributária) são alguns dos eixos do programa econômico do candidato. Um programa de moradias, a prestação efetiva de serviços públicos em todas as regiões do país, e o adensamento da infraestrutura nacional (especialmente energia, estradas, ferrovias e portos) são outros objetivos apresentados. Um objetivo importante é trabalhar no sentido da redução do custo do crédito. Políticas de incentivo ao desenvolvimento urbano, saneamento básico e construção civil, vistos como setores a serem expandidos, o apoio ao empreendedorismo e a pequenas e médias empresas, e incentivos ao turismo e ao agronegócio também são citados nas propostas.

Candidatura Marina Silva

A construção de um país menos desigual passa pelo crescimento econômico. Retomar o crescimento de longo prazo no país depende fundamentalmente do aumento da produtividade e da capacidade de inovação. O programa se funda na estabilidade econômica, com base no tripé macroeconômico e na autonomia operacional do Banco Central. Para atender a situação emergencial de pobreza em que vive uma parte da população, é essencial o Programa Bolsa Família, e será estudado um programa de renda mínima universal. Programas de habitação popular e ampliação da infraestrutura são fundamentais, e mecanismos de financiamento para estes devem ser acionados (como concessões, PPPs e outros que envolvam nos projetos o setor privado, assim como investidores internacionais que possam ser atraídos), dada a reduzida capacidade de investimento do Estado. A carga tributária atingiu seu limite e não pode ser elevada, na avaliação do programa e, portanto a administração rígida do gasto público é fundamental, e sua manutenção dentro de um limite de crescimento que corresponda a 50% do crescimento do PIB. Em função da mudança da estrutura etária do país, que faz com que os gastos previdenciários cresçam muito rápido, é fundamental a reforma previdenciária, na avaliação da candidatura Marina. O programa também aponta no sentido da modernização e simplificação tributária, com a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que reuniria cinco impostos hoje existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS). Estímulo ao empreendedorismo, ao microcrédito e ao turismo também aparecem no programa. Defende-se incentivos à abertura comercial e à integração às cadeias produtivas internacionais, como forma de ampliar a eficiência e a produtividade. A conclusão das negociações comerciais em curso (Mercosul-União Europeia) e a procura por novos acordos (como com a Aliança do Pacífico – composta de Chile, Peru, Colômbia e México) devem ser perseguidos no plano internacional, assim como outros que não firam o aprofundamento do Mercosul como União Aduaneira. Também deve ser buscada a implementação de mecanismos de facilitação de comércio e investimentos.

Candidatura Vera Lúcia Salgado

O programa apresentado pela candidata aponta “a ruptura com o capitalismo, os grandes bancos e empresas, chamando a que a classe operária e a população pobre se rebelem, façam uma revolução que destrua o capitalismo e que construa, na luta, um governo socialista dos trabalhadores, baseado em conselhos populares”. Não se propõe, portanto, a qualquer mecanismo de gestão da crise conjuntural atual e nem a melhorias incrementais na situação de vida dos trabalhadores nesse momento. Assim, a ruptura com o megacomplexo empresarial atualmente existente, com a estatização das maiores empresas, e com os conglomerados transnacionais, incluídos os conglomerados financeiros, são colocados como pontos importantes, assim como do latifúndio e do agronegócio. Também são vistos como fundamentais a revogação de medidas adotadas no último período, como a Lei de Teto de Gastos e a das Terceirizações. Também não é aceita qualquer reforma da Previdência Social. A geração imediata de empregos e a necessidade de expansão da infraestrutura social (saúde, educação, saneamento) têm como proposta um plano de obras públicas sob controle dos trabalhadores. Finalmente, vale observar as propostas de um aumento geral de salários e aposentadorias tomando como mínimo o salário mínimo do DIEESE, cerca de quatro vezes o valor do salário.

O que as propostas das candidaturas à presidência dizem sobre o financiamento do SUS

Por Matheus Magalhães, assessor político do Inesc

A Lei nº 8.080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), completou 28 anos de vigência no último dia 19. Em contexto de período eleitoral, pesquisa realizada pelo Ibope a uma semana do início das campanhas constatou que a saúde foi o “problema” mais citado em todos os estados da federação. As menções variaram entre 69% (Alagoas) e 89% (Rio Grande do Norte), e superam as demais questões em todos os estados, mesmo considerando o limite da margem de erro.

A questão torna-se ainda mais sensível se considerarmos a redução da participação da União no financiamento do SUS, de 72% em 1993 para 42% em 2017. Em tese, esses resultados deveriam conferir prioridade à saúde pública em todas as campanhas para o Executivo.

Considerando que a priorização real da saúde pública, da qual dependem 69,7% da população brasileira, só é possível com enfrentamento ao seu subfinanciamento, buscamos avaliar como os programas de governo das candidaturas à Presidência da República tratam o tema do financiamento da saúde.

Com raras exceções, é comum aos programas de governo a afirmação de que a saúde é uma das prioridades, e que a política precisa ser aperfeiçoada, e até mesmo ampliada. Porém, as propostas balizam as divergências entre candidaturas para o financiamento da saúde, indicando quais são, de fato, suas intencionalidades e prioridades. E sem uma real elevação do financiamento da saúde, as possibilidades de ampliação do acesso aos serviços e qualificação do atendimento são restritas, e a efetivação da universalidade do sistema se torna inviável.Para além das propostas apresentadas para o financiamento da saúde, urge a necessidade de revogação do Teto de Gastos, que frustra as possibilidades de efetivação de direitos por meio de uma austeridade seletiva, privilegiando as despesas financeiras – sobre as quais não incide limitação.

Os programas que ignoram esse fator se comprometem inevitavelmente a uma política de restrição fiscal que amplia as desigualdades de acesso e põe em risco as condições de saúde da maior parcela da população brasileira.

Os Programas e suas propostas para o financiamento da saúde

As candidaturas que propõe aumento dos investimento em saúde e explicitam de forma mais nítida a proposta para esse financiamento são as de Guilherme Boulos, Fernando Haddad e João Goulart Filho.

Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Henrique Meirelles e Vera Lúcia falam em aumentar os gastos com saúde, mas sem estipular metas ou valores.

Os programas apresentados pelas candidaturas de Jair Bolsonaro, João Amoêdo e Álvaro Dias não pretendem  recursos para a política de saúde.

Eymael, Geraldo Alckmin e Marina Silva não se pronunciam concretamente a respeito do financiamento da saúde. No caso de Marina, o plano chega a constatar que a participação federal no financiamento do SUS caiu de 60% para 45% desde 2003, porém, em momento algum afirma, direta ou indiretamente, se pretende alterar esse quadro.

Por fim, destacamos que as candidaturas de Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Fernando Haddad e João Goulart Filho são as únicas a afirmarem a intenção de revogar a Emenda Constitucional 95 – que congelou os gastos sociais por 20 anos no país, mesmo que a economia cresça e a arrecadação seja elevada.

Do ponto de vista metodológico, a dimensão com que cada programa é abordado neste texto é condicionada à quantidade de propostas que apresenta para o financiamento da saúde. Em determinados momentos utilizamos a fonte em itálico para sinalizar expressões utilizadas na escrita original dos programas.

Candidaturas que defendem elevação do financiamento do SUS

O programa de Guilherme Boulos defende elevação do aporte federal na saúde de 1,7% do PIB (dado corroborado pela Conta Satélite de Saúde – IBGE) para 3% do PIB; reverter progressivamente a renúncia tributária com planos de saúde, começando por grandes empresas e pessoas de renda muito elevada; o pleno e imediato ressarcimento dos valores devidos pelos planos de saúde ao SUS; além de propor o fim da Desregulamentação das Receitas da União (DRU),[1] e das desonerações que incidem sobre recursos seguridade social.

A candidatura de Fernando Haddad coloca como meta o aporte de 6% do PIB para a política, considerando todas as esferas de governo (atualmente são 3,9%). O programa defende o retorno do Fundo Social do Pré-Sal (que transferia os ganhos com royalties do petróleo para saúde e educação, mas foi modificado para transferir somente 50%), além da utilização de novas regras fiscais, e realização de uma reforma tributária como formas de promover essa elevação. Afirma ainda que pretende utilizar a política tributária como forma de promoção da saúde, atuando sobre preços de tabaco, sal, gorduras, açucares e agrotóxicos.

João Goulart Filho estipula como meta 15% da Receita Corrente Bruta para a saúde (atualmente são 15% da receita corrente líquida, limitados pelo Teto de Gastos), o que dobraria o orçamento da saúde. Propõe também o fim da DRU, e a elevação de 12% para 15% do aporte das receitas de impostos estaduais para a saúde – assim como já ocorre no nível municipal.

Cabo Daciolo propõe fortalecer o financiamento do SUS com elevação da participação federal nas despesas. Por seu turno, Ciro Gomes defende a preservação dos investimentos em saúde ao argumentar a substituição da EC 95 por outro mecanismo de controle da evolução das despesas globais do governo, enquanto Henrique Meirelles diz que pretende aumento dos investimentos em promoção da saúde, também com maior participação federal. Vera Lúcia argumenta que é necessário investir de forma maciça em saúde e reverter o valor destinado ao pagamento da dívida com banqueiros.

Candidaturas que não preveem aumento para o financiamento do SUS

O plano de Jair Bolsonaro argumenta que os atuais gastos são compatíveis com os da OCDE. Para tanto, utiliza dados dos gastos totais com saúde (públicos e privados), desconsiderando que a participação dos gastos públicos naqueles países é 70% maior que no Brasil (se aqui são 42,4%, lá são 71,8% do total). Em seguida diz que os gastos do setor público são compatíveis com um nível de bem estar superior, e que é possível fazer mais com os atuais recursos, o que indica um alinhamento com a atual política fiscal do Teto de Gastos – que se evidencia com seu compromisso com o orçamento base zero.[2]

João Amoêdo restringe-se a dizer que gasta-se muito, mas gasta-se mal, e assim como praticamente todos os demais, defende a elevação da eficiência dos gastos. Permite-nos, portanto, inferir que pretende reduzir o orçamento da saúde.

Por fim, Álvaro Dias traz a proposta mais diferente: financiar a saúde e educação mediante capitalização previdenciária compartilhada, em contraposição ao modelo atual, com recursos estatais. O que significaria, na prática, a restrição do direito de acesso a essas políticas àqueles que puderem pagar previamente uma contribuição (capitalização).


[1] A saúde integra a seguridade social, junto com as políticas de assistência social e previdência. A seguridade tem fontes de financiamento definidas na Constituição, enquanto a DRU é o mecanismo que permite aos gestores desvincular até 30% dos recursos da seguridade paga uso com outros fins. Por meio dela, de 2005 a 2016 foram retirados em média R$ 52,4 bilhões por ano dessas políticas.

[2] Segundo o qual em hipótese alguma as despesas podem ser maiores que as receitas, desconsiderando os outros instrumentos de financiamento e gestão de recursos que o Estado dispõe para efetivar direitos – como rever renúncias tributárias, reduzir juros, diminuir gastos com política cambial, e adotar políticas monetárias menos restritivas e com ampliação do crédito.

Por que queremos o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários: o caso empresa Hydro Alunorte.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

O Inesc, com apoio de outras organizações, lançou a campanha #SóAcreditoVendo que pede o fim sigilo fiscal das empresas beneficiárias dos gastos tributários. São R$ 250 bilhões que o Estado deixa de arrecadar a cada ano para supostamente estimular investimentos que, em tese, trariam o desenvolvimento econômico. Quais são estas empresas é uma informação pública, mas bem escondida. Quanto elas deixam de pagar é segredo protegido por sigilo fiscal e quanto de benefício isto traz para a economia do país e para a sociedade é uma grande incógnita.

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O caso Hydro Alunorte é um bom exemplo para mostrar a importância da campanha. Em fevereiro de 2018 ocorreu um vazamento de rejeitos de bauxita da refinaria de alumina da Hydro Alunorte, pertencente ao conglomerado norueguês Norsk Hydro. O material com elevados níveis de chumbo, alumínio, sódio e outras substâncias contaminou o solo e água, que se tornou imprópria para consumo humano e animal. O desastre não é o primeiro em Barcarena, Pará, cidade que desde os anos 80 recebeu uma grande quantidade de empresas depois da implantação do complexo Alunorte-Albrás, de produção de alumina e alumínio. Desde 2000, Barcarena registrou 17 acidentes ambientais graves, segundo o Ministério Público Estadual. A Alunorte, que até 2010 era de propriedade da Vale S.A, foi responsável por dois acidentes, em 2003 e em 2009, também de vazamento de rejeitos contaminantes.

Esta empresa é, desde sua implantação na década de 80 até os dias de hoje, beneficiária de incentivos fiscais administrados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Em termos de investimento, o que ela faz é utilizar a bauxita extraída de Oriximiná e Paragominas, ambas no Pará, consumir bastante energia subsidiada e transformar em alumina. Para garantir uma maior rentabilidade para suas operações ela conta com desconto de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Em cima dos 25% que lhe sobra para pagar, ela ainda tem um desconto de 30% se comprovar que utilizou os recursos para investimentos.

Mas, afinal, quanto ela deixa de pagar por ano de imposto? Esta quantia está escondida nestes R$250 bilhões citados no início do texto. Não conseguimos saber o valor exato porque esta informação é protegida por um entendimento equivocado da Lei de Sigilo Fiscal. O que sabemos é que os sucessivos desastres e o baixo retorno  que esta empresa propicia para a Amazônia e para a população de Barcarena dificilmente poderiam ser compreendidos como desenvolvimento, ou seja, não se justifica essa quantidade de benefícios fiscais concedidos.

Também sabemos que este desastre ambiental e humano foi produzido por falta de responsabilidade com a segurança das operações da Alunorte que incluía, inclusive, o lançamento irregular de águas pluviais oriundas da usina, sem passar pelo sistema de tratamento e sem autorização do órgão ambiental competente.

Empresas como esta recebem incentivos fiscais há décadas na Amazônia, sem que se saiba quanto elas deixam de pagar e, ainda pior, sem que haja um controle mínimo dos benefícios que deveriam trazer à sociedade. Casos de irresponsabilidade como este precisam ser punidos, entre outras formas, com o imediato cancelamento desses incentivos fiscais, que caracterizam gastos tributários.

Enquanto queremos saber o mínimo – quanto cada empresa deixa de pagar –, no Congresso Nacional senadores e deputados trabalham para renovar por mais dez anos os incentivos fiscais na Amazônia, no Nordeste e ainda expandir para Centro Oeste. Trata-se do Projeto de Lei do Senador Eunício Oliveria (PMDB/CE) que já passou pelo Senado e agora tramita com urgência na Câmara dos Deputados.

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Direito à Cidade e Mobilidade Urbana nas Eleições de 2018

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

O direito à cidade é pauta essencial e vem crescendo desde a década de 1980, com os movimentos de moradia e a criação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), que acabou sendo protagonista na construção do capítulo sobre Política Urbana na Constituição de 1988.

A articulação continuou e várias organizações se juntaram a esta plataforma da Reforma Urbana, que incluía todos os âmbitos da vida nas cidades, mas tinha uma centralidade na luta pelo direito à moradia. A partir do MNRU, os movimentos passaram a atuar em Fóruns Nacionais e Internacionais. O que culminou, no início da década de 2000, articulado a partir do Fórum Social Mundial, no lançamento da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, documento político de unificação da pauta, que traz o seguinte conceito:

O Direito a Cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos.”

Portanto, é extremamente importante que os planos de governo das campanhas à Presidência da República considerem, de forma integral, a efetivação do direito à cidade, com todos os insumos necessários ao combate às desigualdades extremas, que vão desde os pequenos municípios até as grandes metrópoles. Contudo, a despeito do quadro aqui traçado, poucos planos de governo tratam de cidades.

Candidatura Fernando Haddad

O plano começa citando o que a “Constituição de 1988 representa um marco histórico na luta pela reforma urbana por prever o princípio da função social da propriedade urbana e diversos instrumentos que garantam a sua aplicação”. Lembra, ainda, que toda a legislação para garantia desse dispositivo constitucional foi aprovada durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), desde o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social até a Política Nacional de Mobilidade Urbana. E reconhece que, a despeito das políticas desenvolvidas, deixou a desejar com relação à redução das desigualdades.

Segue reafirmando compromisso com a agenda da reforma urbana e propõe que: “(…) instituirá novo Marco Regulatório de Desenvolvimento Urbano, que terá como referência a Nova Agenda Urbana aprovada na Conferência das Nações Unidas para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, em 2016, bem como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim como do Estatuto da Cidade e todo o marco institucional aprovado até 2014. O objetivo desse novo marco é garantir o direito à cidade, a democratização do espaço público e a sustentabilidade urbana. Ele criará o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) que aprimorará os mecanismos de cooperação federativa, de sorte a compatibilizar as agendas das pequenas, médias e grandes cidades, bem com a dos estados maiores e menores”.

Habitação

O SNDU terá o papel de definir mecanismos de governança metropolitana, além de criar programa de assistência técnica para qualificação e ampliação da capacidade técnica em municípios e estados. E propõe, ainda: “urbanização e regularização fundiária de loteamentos irregulares e assentamento precários; produção de unidades novas de Habitação de Interesse Social – HIS, incluindo promoção pública, privada e por autogestão; locação social; retrofit de edifícios habitacionais em áreas consolidadas; implantação de loteamentos de HIS; provisão de material de construção com assessoria técnica à habitação popular. O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) será retomado com modificações relevantes para que possa ser uma ferramenta que contribua com a estratégia da nova política urbana.” E diz que desta vez, o PMCMV levará em conta a localização dos conjuntos habitacionais em locais com infraestrutura urbana e próxima dos locais de trabalho, priorizando atendimento às famílias com renda familiar de até R$ 1.800,00. Coisa que não foi realizada nos governos anteriores e deixou um passivo social enorme com relação aos conjuntos habitacionais construídos no âmbito do Programa.

Propõe, ainda, medidas efetivas para conter a especulação imobiliária, além da criação do PAC urbanização para assentamentos precários e loteamentos irregulares, além da eliminação das áreas de risco e recuperação ambiental, por meio da Política Nacional de Regularização fundiária a ser criada.

Mobilidade e Acessibilidade Urbanas

O plano relata que a mobilidade urbana é um dos maiores desafios das cidades, especialmente as grandes cidades. E propõe: “(…) investir em infraestrutura de mobilidade sustentável, que reduza o tempo de deslocamento das pessoas, que rompa com o paradigma excludente e poluente do transporte individual motorizado e que assegure tarifas acessíveis. A prioridade do governo será apoiar a expansão e a modernização dos sistemas de transporte público, prioritariamente os de alta e média capacidade – trens, metrô, VLT, BRT e corredores exclusivos de ônibus.” Além de incentivar que os estados, DF e municípios tenham transporte confortável e dentro dos critérios de acessibilidade e implantação de ciclovias, tendo estas políticas como critérios para receberem recursos para a mobilidade. Propõe, ainda, municipalizar a CIDE combustível para atuar na redução das tarifas e expansão das gratuidades.  Incentivará carona solidária e compartilhamento de veículos para redução dos automóveis.

Mobilidade ativa, mudanças climáticas e iluminação e segurança

Com relação aos gases de efeito estufa, garante investimento em outras fontes energéticas tais como etanol, biodiesel, biocombustíveis e híbridos, além de veículos elétricos. Diz, sem explicar como, que serão incentivados veículos elétricos e não motorizados e haverá expansão de ciclovias e calçadas. Segue relatando que em parceria com os outros entes federados irá reduzir os acidentes de trânsito com ações educativas nas escolas e junto à sociedade, além de atuar na melhoria da formação de condutores e redução de velocidades nos centros urbanos.

Promete apoio a estados e municípios para adotarem política de gestão ambiental urbana, cuidando dos mananciais e arborização, e drenagem para evitar enchentes. O apoio se estende a iluminação pública municipal, com troca para iluminação de LED que diminui o consumo de energia e contribui para a segurança e mobilidade das pessoas.

Resíduos Sólidos

Afirma compromisso em fazer valer a Política Nacional de Resíduos Sólidos baseada na Lei nº 12.305/2010 e no Decreto nº 7.404/2010, com relação à eliminação de lixões e cumprimento das metas de reciclagem. Cita, ainda, o apoio às cooperativas de catadores como elemento estrutural da política.

Candidatura Ciro Gomes

A proposta da candidatura Ciro Gomes pouco aprofunda, de fato, em políticas para cidades. Fixa um pouco mais em habitação, mas o forte da proposta é infraestrutura, passando rapidamente por mobilidade urbana, apenas para dizer que haverá investimento. No entanto, não é possível perceber qual a sua concepção de mobilidade ou mesmo proposta para transporte coletivo urbano.

Infraestrutura

Diz ser necessário modernizar a infraestrutura e para isso pretende investir, junto com o setor privado, cerca de 300 bilhões de reais por ano para superar deficiências e gargalos, gerando novos empregos.

Propõe a criação de um fundo garantidor de investimentos em infraestrutura que contemple habitação, saneamento, resíduos sólidos, telecomunicações e mobilidade urbana. Mas não detalha de que forma vai atuar nestas áreas, nem deixa nítido qual a opção com relação à política de mobilidade urbana, que está apenas citada junto com rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

Habitação

Sugere reforçar o Programa Minha Casa Minha Vida com recursos adicionais levando em consideração a infraestrutura do entorno, pensando, até mesmo, em transporte, saúde e educação. O Sistema Financeiro de Habitação será fortalecido para obter novas formas de captação de recursos, no entanto, não está explicado de que forma isso será feito. Favorecerá fortemente as parcerias Público Privadas para “aumentar, estrategicamente, a sinergia com os investimentos privados”, com protagonismo do BNDES.

Candidatura Guilherme Boulos

O plano sugere “um programa para construir e manter cidades”, onde diz que as cidades, apesar de abrigarem a maior parte da população, são pensadas para poucos. Citando o direito à cidade, faz ótima análise sobre a financeirização das políticas urbanas, como a política habitacional que está a cargo de um banco, e a ação neste sentido é apenas empréstimo para aquisição da casa própria. Ou mesmo empréstimos para construção de grandes obras viárias. E não há um projeto cidade, especialmente que pense na população que não acessa recursos para “financiar sua urbanização”.

Promete uma política urbana que pense em reforma das cidades, atendendo as necessidades da vida e não da rentabilidade. Essa política será pensada de forma multisetorial (habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, assistência social, patrimônio histórico, etc).

Prevê, ainda, a criação do Sistema Único de Cidades, que pense em espaços menos fragmentados e fuja dos modelos únicos, com planejamento mais participativo, envolvendo repasse de recursos a estados e municípios por meio de fundos de desenvolvimento urbano com mecanismos de controle social, além de editais públicos para organizações da sociedade civil.

Habitação

No tema habitação, destaca a diversidade de programas habitacionais e a urbanização de assentamentos precários de acordo com as necessidades locais, com construção de casas por cooperativas e autogestão. “Ação emergencial na habitação apoiando a criação de serviços sociais de moradia nos municípios em situação de emergência habitacional, incluindo programas de locação social, reforma e reabilitação de edifícios e imóveis vazios para produção de moradia, em várias modalidades (casa própria, locação social, hotel social), assim como intervenções em áreas de risco”. Planejamento e gestão integrados e com participação popular e em parceria com as três esferas governamentais. Oferecimento de assistência técnica aos municípios.

Mobilidade Urbana

O plano propõe a criação de um teto nacional de tarifas, com política de financiamento e subsídios ao transporte coletivo, permitindo o acesso da população à cidade. Sugere, ainda, implementação de transporte de alta capacidade nas cidades maiores, sem dizer o que significa a alta capacidade.

Também destaca a priorização dos transportes coletivos e dos não motorizados sobre os individuais motorizados. E cita ações para redução dos acidentes, mas sem especificar com quais políticas isso será feito.

Saneamento e resíduos sólidos

Afirma que garantirá a universalização do saneamento básico e a implementação da Lei Nacional e do Plano Nacional de Saneamento, anulando todas as medidas de retrocesso trazidas pela Medida Provisória n° 844/2018. Diz, ainda, que garantirá a segurança hídrica com soluções que permitam o gerenciamento das águas nos diferentes períodos de estiagem e chuvas.

Com relação aos resíduos sólidos incentivará a constituição de consórcios públicos tendo como metas reduzir a deposição de resíduos nos aterros e ampliar a reciclagem, além de prever uma transição da destinação em lixões para a valorização do resíduo. Também fala em reduzir as emissões com relação ao transporte. No entanto, não há propostas de como acontecerá a redução dos lixões, ampliação da coleta seletiva, ou mesmo redução das emissões..

Candidatura Marina Silva

Inicia a proposta dizendo ser preciso desenvolver cidades saudáveis e democráticas, e que o planejamento urbano não pode reforçar a exclusão social. “Nosso governo se compromete a promover e fortalecer políticas para um planejamento urbano integrado, de cidades e regiões metropolitanas, que garanta, além do direito à moradia, acesso a meios de transporte coletivos, coleta de resíduos, saneamento básico e serviços públicos de qualidade. Promoveremos políticas para um urbanismo colaborativo, que valorizem a criação, revitalização e o uso de espaços públicos seguros e atrativos, onde a população possa interagir e se manifestar culturalmente. ”

Habitação

Propõe fortalecer programas de habitação popular preocupando-se com padrões urbanísticos e arquitetônicos adequados, com priorização da recuperação de centros urbanos degredados. Destaca, também, a importância de cidades mais compactas e a convivência entre diferentes classes sociais.

Saneamento e Resíduos Sólidos

Disserta sobre a efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e estímulo a redução, mas não deixa claro se é a redução do consumo. Cita coleta seletiva, universalização do saneamento básico, reciclagem e disposição adequada, sem falar como será feito.

Mobilidade Urbana e Mudanças Climáticas

O plano destaca investimento na expansão e qualificação dos sistemas de transporte públicos, estímulo a modais de baixa emissão de poluentes, e geração de energia limpa e renovável, com substituição de veículos com combustíveis fósseis por elétricos e movidos a biocombustíveis.

Cita que as cidades são fundamentais no combate às mudanças climáticas e, portanto, promete reduzir as emissões de gases de efeito estufa e apoiar planos de contingência e monitoramento de extremos climáticos.

Candidatura Henrique Meirelles

O único trecho do Plano de Governo do candidato que se aproxima do tema de cidades e mobilidade diz que: “(…) vai estabelecer como prioritárias as obras que busquem claramente um grande retorno social, como, por exemplo, saneamento básico, mobilidade urbana e creches”.

Candidatura Álvaro Dias

A candidatura divide a proposta em dezenove metas. E na introdução diz perseguir o crescimento sustentado por meio do estímulo ao empreendedorismo e melhoria da infraestrutura. Segue dizendo que “setores como transporte & logística, saneamento básico, energia elétrica, telecomunicações, mobilidade e descarte de resíduos sólidos terão destaque no investimento em infraestrutura, que atualmente apresenta um estoque de capital empregado correspondente a 12% do PIB, número excessivamente baixo se comparado com 65% no Japão e 40% na Índia. É fundamental um aumento do investimento nacional, que chegou ao seu ápice nesse século em 2013, representando 21% do PIB, para em seguida apresentar quedas constantes, atingindo patamares inferiores a 16%. Os recursos para novas inversões virão em parte através do ganho com a redução dos níveis de corrupção e desperdícios no governo e, noutra parte, com a contenção das despesas de custeio”.

No entanto, para além da proposta de ampliação do financiamento, não diz qual o modelo de cidade, ou de mobilidade, ou mesmo de política habitacional defende.

Candidatura João Goulart Filho

Habitação

Propõe uma reforma urbana que leve em consideração as pessoas sem teto e vivendo em situação precária. “(…) Nossa Reforma Urbana deverá taxar forte e progressivamente os imóveis desocupados, como meio de estimular sua ocupação; além disso, implementaremos um programa de construção de moradias para a população de baixa renda (até 3 salários mínimos) e de titulação de terrenos nas comunidades da periferia. Revogar a famigerada lei do Inquilinato, que, ao favorecer os despejos, protege o senhorio contra o inquilino.”

Mobilidade Urbana

A reforma urbana deverá contemplar o problema crônico do transporte público. E como solução para os deslocamentos propõe adensamento das linhas de metrô subterrâneo e de superfície nos principais centros urbanos, além de criar a Estatal Nacional Metrobrás para se responsabilizar pela proposta.

Conclusões

As candidaturas de Bolsonaro, Alckmin, Daciolo, Amoedo e Vera Lúcia não possuem propostas que defendam o atendimento ao direito à cidade, ou mesmo acerca da mobilidade urbana.

Sobre as demais candidaturas, há destaque para Haddad e Boulos, que, de fato, desenvolvem boas propostas em seus planos, até mesmo com a criação de sistemas integrados para as cidades, favorecendo políticas intersetoriais. São, também, as únicas candidaturas que possuem políticas para a mobilidade urbana de forma integrada e dissertam sobre mecanismos alternativos para redução das tarifas do transporte coletivo, sem, no entanto, tratarem do tema transporte como direito social. .

A candidatura de Ciro Gomes cita mecanismos de aperfeiçoamento das formas de financiamento, no entanto, não deixa transparente de que forma pretende incentivar a mobilidade. Marina Silva cita que irá incentivar os modais com baixa emissão de poluentes como forma de conter as mudanças climáticas. Haddad e Boulos também citam os combustíveis não poluentes e inversão de prioridades.

A redução da violência no trânsito é citada apenas por Haddad e Boulos. O primeiro vai atuar com campanhas em escolas e na sociedade, na melhoria da formação de condutores e redução de velocidades nos centros urbanos. O segundo cita, mas não informa como vai agir para reduzir as mortes no trânsito.

Os planos de Álvaro Dias e de Henrique Meirelles ponderam rapidamente sobre obras de infraestrutura, formas de financiamento, mas não explicitam quais as escolhas para esses temas. Já João Goulart deixa claro que dará prioridade aos sem teto para política de habitação e diz que priorizará como modal o metrô criando, até mesmo, uma estatal exclusiva, a Metrobrás.

Não há destaque para mobilidade e gênero em nenhum plano, apenas a candidatura Haddad salienta que incentivará programas voltados para a substituição do que existe por lâmpadas de LED, garantindo espaços mais seguros e iluminados.

Como as candidaturas propõem enfrentar os desafios socioambientais

Por Alessandra Cardoso e Leila Saraiva, assessoras políticas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O Brasil tem desafios do tamanho do seu vasto e complexo território, um deles é o de equacionar o que chamamos de questão socioambiental. Em linhas gerais, a temática socioambiental evidencia como os sucessivos governos enfrentam ou não o desafio de garantir um meio ambiente saudável, juntamente com o reconhecimento e garantia dos direitos das populações que vivem e sobrevivem com base em uma relação com a terra, o território, a floresta e a biodiversidade que não se resume à dimensão do mercado ou da sobrevivência material.

Alguns dos temas socioambientais ganham mais destaque na agenda pública, como o do desmatamento, por sua premência e peso na política global do clima. Outros, são objeto de intensa disputa de forças e poder, como é o caso da demarcação das terras indígenas e o reconhecimento dos territórios quilombolas. Mas todos eles não podem ser resolvidos de forma isolada de um projeto de país, de sociedade, de economia e de Estado.

Estabelecer limites e condições para a expansão do agronegócio, por exemplo, é imprescindível para garantir o direito dos povos indígenas aos seus territórios. Estes direitos estão sendo negados hoje porque há um interesse econômico forte, poderoso e representado no Estado para impedir que as terras indígenas sejam demarcadas, assim como para impedir que territórios de quilombolas e outras comunidades tradicionais sejam reconhecidos.

Por isto, é preciso olhar não apenas para os temas que aparecem nas “cartas de intenções” dos candidatos à presidência da República, mas também observar como as estratégias de crescimento econômico e de saída da crise, inclusive fiscal, dialogam com os desafios socioambientais. Dois anos de Teto dos Gastos já mostraram que não é possível ter políticas públicas funcionando com o orçamento congelado. O sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), os orçamentos pífios do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o desmonte das políticas públicas e tutti quanti são prova disto.

O que fazer com a EC 95 já é, portanto, um primeiro divisor de águas. Os candidatos que se comprometem com sua revogação são Ciro (PDT), Haddad (PT), Boulos (Psol), Vera (PSTU) e Goulart (PPL). Do outro lado, Marina (Rede), Bolsonaro (PSL), Cabo Daciolo (Patriota), Alckimin (PSDB), Álvaro Dias (PODE), Eymael (DC), Meirelles (MDB) e Amoedo (Novo) repetem o discurso da austeridade, que na prática já mostrou suas consequências.

Entre os candidatos que propõem manter a política de austeridade fiscal, Marina merece destaque por ser uma candidata identificada com a pauta socioambiental. Na sua proposta, o teto para os gastos seria baseado na metade da variação do PIB. Quer dizer, se o país voltar a crescer 3% ao ano, por exemplo, os gastos poderiam crescer somente em 1,5% ao ano em termos reais. Na prática, esta proposta é tão nefasta quanto o teto hoje vigente, ao não reconhecer que o estágio de sucateamento do Estado e das políticas públicas exige um gasto crescente em termos reais que não poderá ser viabilizado com tal limite.

Outro ponto caro à pauta socioambiental é o desmatamento. Desde 2012, há uma demanda vocalizada por várias organizações socioambientais para que o governo se comprometa com o desmatamento zero. Na proposta já formulada, algumas exceções seriam garantidas para a agricultura familiar (por um período de transição), para terras indígenas que são protegidas por legislação própria, e onde o desafio é proteção e fiscalização, assim como territórios de povos e comunidades tradicionais onde o uso coletivo dos territórios caminha ao lado da proteção. São ainda consideradas exceções para ações e projetos de segurança nacional, defesa civil, pesquisa, planos de manejo florestal, atividades de interesse social e utilidade pública, que são regulamentadas pelos órgãos competentes, a exemplo do licenciamento conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O grande desafio que está por traz do desmatamento zero é impedir novos desmatamentos, mesmo os legalmente autorizados. A questão central daí resultante é como estancar o avanço do agronegócio sobre áreas de floresta sendo que hoje seus atores podem desmatar áreas extensas de floresta sob a proteção legal do Código Florestal.

Os candidatos que abordam a questão do desmatamento zero são: Marina, Boulos e Lula/Haddad.

A abordagem que dão ao tema, no entanto, é distinta. Marina Silva indica que o compromisso com o desmatamento zero será alcançado por meio de mecanismos de mercado, entre eles o mercado de carbono, que estimularia “iniciativas para conferir valor às florestas, com vistas a atingirmos o desmatamento zero no Brasil, no menor prazo possível, com data limite em 2030”. Vale dizer que a crença no mercado como aquele que resolverá nossos males, e não só o do desmatamento, é uma tónica na sua proposta e está alinhada ao compromisso de continuar com a austeridade fiscal: “Considerando a severa restrição fiscal que limita fortemente o aumento de gastos discricionários, incluindo investimentos públicos, a forma mais racional de viabilizar projetos estruturantes no Brasil é pelo investimento privado”.

Haddad assumem o compromisso com a taxa de desmatamento líquido zero até 2022. Indicam claramente que isto implicaria em colocar um fim à expansão da fronteira agropecuária, o que passa pela “regulação do grande agronegócio para mitigar os danos socioambientais, impedir o avanço do desmatamento, assegurar o ordenamento da expansão territorial da agricultura de escala, corrigir as permissividades normativas, impedir excessos das subvenções públicas e subordinar sua dinâmica aos interesses da soberania alimentar do país”.

É importante notar que a palavra “líquido” não é mero detalhe, expressa a possibilidade de que áreas desmatadas possam ser compensadas com outras áreas, inclusive reflorestadas, o que reduz o escopo do desmatamento zero.

É para ressaltar esta diferença que o programa de Boulos reforça o compromisso com o desmatamento zero afirmando que “É possível, necessário e vantajoso ao Brasil zerar o desmatamento em uma década em todos os biomas. Para que isso seja efetivo, a meta deve ser do “desmatamento zero” e não “desmatamento ilegal zero” ou mesmo “desmatamento líquido zero”.

Ciro menciona vagamente a necessidade de se desenhar uma estratégia para redução do desmatamento. Meireles diz que é preciso acelerar programas de redução do desmatamento, detalhe, somente na Amazônia. Na mesma linha, João Amoedo propõe resolver o problema do desmatamento no longo prazo e somente na Amazônia. Bolsonaro, Alckmin, Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Eymael e Vera Lúcia nem sequer citam o problema do desmatamento.

Já no que tange à demarcação e regularização fundiária de terras indígenas e quilombolas, os candidatos que se comprometem com a pauta são: Boulos (PSOL), Ciro (PDT), Haddad (PT), Marina (REDE), Vera Lúcia (PSTU). Os demais candidatos ou se calam sobre o assunto, havendo programas que nem sequer mencionam o tema, ou propõe diretamente políticas anti-indígena e anti-quilombola, como é o caso do candidato Bolsonaro, que propõe que O Estado deve facilitar que o agricultor e suas famílias sejam os gestores do espaço rural”, ignorando os crescentes índices de violações aos direitos humanos no campo que acometem o país.

Por fim, outro ponto que chama atenção em uma análise mais geral dos programas das candidaturas é como a problemática socioambiental dialoga ou se confronta com o chamado “modelo de desenvolvimento” que as candidaturas defendem para o país. Embora seja arriscado ler as propostas sob esta ótica, dado que os documentos são cartas de intenção e em sua grande maioria muito vagos, eles apontam caminhos e devemos ficar atentos a eles e suas consequências.

A questão socioambiental, suas possibilidades, tensões e limites, está diretamente associada ao modelo de desenvolvimento. Não será possível, por exemplo, enfrentar o problema da demarcação das terras indígenas, da garantia ao território para quilombolas e dezenas de comunidades tradicionais, sem enfrentar o modelo de crescimento fortemente baseado na produção, extração e circulação de commodities. Faz parte da natureza deste modelo buscar a expansão e, dado seu poder dentro do Estado brasileiro, obstruir as possibilidades de equacionar o direito à terra e território. Esta é, como apontado anteriormente, uma questão também ligada ao desmatamento zero.

Um outro modelo de desenvolvimento, de base industrial moderna (a exemplo da indústria 4.0 tão mencionada nas propostas dos presidenciáveis), mas também de base florestal, regional, de transição ecológica entre outros adjetivos e substantivos, só tem chance de prosperar com muito planejamento, políticas públicas e orçamento público. Tal modelo está, entre outras coisas, na contramão da inserção subordinada do Brasil nas redes globais de produção e não será o mercado por sua obra e graça a prossegui-lo.

Logo, é fundamental entender qual planejamento e qual Estado estão sendo propostos pelas diferentes candidaturas. Neste ponto, existe um segundo divisor de águas.

Existem as candidaturas que partem do pressuposto de que o Estado, o planejamento, o investimento, o orçamento público e as políticas públicas são centrais para a saída da crise e para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, onde os desafios socioambientais estão, mais ou menos, postos: Boulos, Ciro, Haddad, Vera e João Goulart.

Existem as candidaturas que partem do pressuposto de que o Estado ou não é capaz ou não é necessário para induzir de forma mais direta o desenvolvimento, cabendo à iniciativa privada o papel de “salvadora da pátria”: Marina (Rede), Bolsonaro (PSL), Cabo Daciolo (Patriota), Alckimin (PSDB), Alvaro (PODE), Eymael (DC), Meirelles (MDB) e Amoedo (Novo).

Não por acaso esta divisão é a mesma em relação à Emenda Constitucional 95.

Da mesma forma, dois assuntos polêmicos e decisivos para o equacionamento da questão socioambiental  são infraestrutura econômica e energia. Sobre o último, embora sejam muitas as candidaturas que insinuam o compromisso de investir mais em energias renováveis, nenhuma delas se compromete a não investir em grandes hidrelétricas na Amazônia. Com o adendo de que no programa do candidato Boulos está registrado que “não entendemos serem necessárias construções de novas usinas neste momento”.

No tema da infraestrutura econômica, em especial na Amazônia onde ela serve a uma estratégia de escoamento da produção de commodities com impactos cumulativos severos, as propostas também são vagas, a exemplo do programa de Haddad onde afirma-se que “para o Brasil crescer e se desenvolver, é preciso priorizar os investimentos em infraestrutura – que geram empregos e dinamizam a economia – orientados pela busca da sustentabilidade”.

Subsídios bilionários que matam: como o lobby do agronegócio dobra o governo

Por Maurício Angelo

Se alimentar de maneira saudável no Brasil se tornou um grande desafio. O país oferece subsídios superiores a R$ 7 bilhões de reais para a compra de agrotóxicos, em uma estimativa modesta da Receita Federal, favorecendo a produção de commodities em larga escala, o lucro do agronegócio e também a indústria de alimentos ultraprocessados, em detrimento dos produtos in natura e produzidos pela agricultura familiar.  Como consequência, milhares de pessoas adoecem todos os anos e não encontram assistência adequada no SUS subfinanciado e nos planos de saúde cada vez mais inacessíveis.

Este ciclo perverso é sustentado e protegido pela Frente Parlamentar da Agropecuária, um conjunto de políticos que formam até 40% da bancada na Câmara e que atua para aprofundar esse modelo de produção de alimentos que enriquece alguns, ao mesmo tempo em que envenena a população. É também por causa dessa Frente que o Brasil ainda permite, por exemplo, o uso de nada menos que 22 substâncias proibidas na União Europeia.

Aos fatos: somente entre 2011 e 2016 o Brasil deixou de arrecadar R$ 6,85 bilhões com a isenção fiscal da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do PIS/Pasep para o setor de agrotóxicos. Esses tributos são fundamentais para financiar a seguridade social, que inclui as áreas de saúde e assistência social. Os dados da Receita Federal, citados em auditoria do TCU, ainda são subestimados, pois não contemplam, por exemplo, o Imposto de Importação (II) e nem o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), já que as desonerações desses produtos não configuram gasto tributário. E o cálculo não abrange a redução na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por ser um tributo estadual.

O cenário total, que inclui todo o conjunto de gastos tributários do governo federal em 2017 avaliado pelo TCU, impressiona: foram R$ 354,7 bilhões em renúncias fiscais somente no ano passado, cerca de 30% da receita líquida do governo. E boa parte disso sob sigilo. Não se sabe, com detalhes, quem recebeu o quê. É com esse sigilo que a campanha recém-lançada pelo Inesc, intitulada #SóAcreditoVendo, quer acabar.

“Não é possível aceitar os gastos tributários sem transparência, sem ver se de fato trazem benefícios socioeconômicos”, explicou Grazielle David, assessora política do Inesc. “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem ou não. Além disso, pré-requisitos importantes para a concessão dos gastos tributários também precisam ser observados e transparentes, como prazo de vigência e um programa de monitoramento e avaliação.” detalhou.

O PL 188/2014, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), segue nesse caminho e autoriza a Receita Federal a tornar públicos os nomes de pessoas e empresas beneficiadas por renúncia fiscal. Já o texto da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), relatora do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), propõe a divulgação apenas dos nomes de pessoas jurídicas e agrupados por setor. Para a senadora, a divulgação seria destinada a determinados setores produtivos, que poderiam distorcer indevidamente o princípio da isonomia.

Para Randolfe Rodrigues, esta seria “a mais importante regra de transparência dos últimos anos”. “Está mais do que provado que um dos maiores atos indiretos de corrupção por parte do poder público é conceder isenções fiscais sem a divulgação daquele que foi beneficiado. Este é um princípio elementar de transparência: conhecer quem recebe favores fiscais do Estado brasileiro possibilitará saber como funciona a estrutura tributária e a concentração de renda no Brasil. Hoje é impossível fazer um levantamento sobre quem são os mais ricos, porque não é possível ter conhecimento desses dados”, argumenta Rodrigues.

A divulgação dos beneficiários valeria tanto para as pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas. Isso significa que microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, sociedades limitadas, sociedades anônimas, empresas individuais de responsabilidade limitada e quaisquer cidadãos poderiam ter as informações reveladas.

De acordo com a Agência Senado, como se trata de um projeto de lei complementar, o destaque com o voto da senadora Lúcia Vânia precisa de 41 votos para ser aprovado. Se o quórum não for alcançado, a redação original do projeto de Randolfe, já aprovado pelo Plenário, segue para a Câmara dos Deputados. Também há a possibilidade de que o texto base de Randolfe e o destaque de Lúcia Vânia sejam votados em separado.

Contraofensiva do TCU

De acordo com o TCU, o governo brasileiro deveria conceder menos incentivos para determinados setores da economia. O órgão constatou que 44% dos incentivos fiscais não são fiscalizados, o que gerou a recomendação de que os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil montem um grupo de trabalho para verificar a eficácia das renúncias fiscais.

Para os auditores do TCU, as desonerações não são acompanhadas nem avaliadas pelo governo federal “devido às falhas de governança” e são concedidas “independentemente de seu nível de toxicidade à saúde e de periculosidade ambiental”.

“O que levantamos é só a ponta do iceberg. Os agrotóxicos são considerados insumos agrícolas e, nessa condição, a despesa é abatida integralmente na declaração de rendimentos do imposto de renda pessoa física (IRPF) e pessoa jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”, disse o defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André, no ABC paulista. “Importante lembrar que além da carga de tributos federais baixíssima, é enorme a desoneração de ICMS. Uma perda tributária absurda em razão da integral dedutibilidade nos impostos sobre a renda. Uma desoneração sem nenhuma seletividade. Produtos mais perigosos à saúde têm tratamento tributário idêntico ao menos agressivo”, criticou Novaes.

Outro fator importante que pesa contra as renúncias fiscais: 84% delas têm prazo indeterminado, o que faz a perda de arrecadação ser incorporada às contas do governo, já bastante comprometidas com a Emenda Constitucional Nº 95, do “Teto de Gastos”.

Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que cada renúncia fiscal seja custeada com alguma receita, seja com o aumento de outros tributos ou com a alta da arrecadação gerada pelo desenvolvimento da economia – o que não vem ocorrendo.

No fim do ano passado, o relator da ação proposta pelo PSOL contra as isenções fiscais no comércio e na produção de agrotóxicos, ministro Edson Fachin, solicitou esclarecimentos de 25 órgãos oficiais e da sociedade civil sobre a conveniência da política de incentivos. A maioria ainda não respondeu. No entanto, os que já fizeram isso expuseram uma divisão dentro do governo. O Ibama, por exemplo, é contra o modelo atual de desoneração. Concordam com o órgão, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Já a Advocacia-Geral da União (AGU) discorda: segundo eles, elevar impostos de pesticidas poderia aumenta o custo dos alimentos.

Lobby e favorecimentos: agrotóxicos revelam o Brasil da bancada ruralista

No fim de junho, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) a favor da aprovação do “PL do Veneno” (PL 6299/2002), que afrouxa as normas que regulam a utilização de produtos agrotóxicos no Brasil, um país já bem mais permissivo que a média mundial. A lei atual já libera o uso de pesticidas no cultivo com limites de 200 a 400 vezes maiores do que o permitido na Europa, segundo estudo “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. Cada brasileiro consome incríveis 7 litros de agrotóxicos por ano, tudo com a chancela oficial do Legislativo.

Caso aprovado definitivamente – a expectativa, na avaliação de movimentos sociais, é que isso ocorra somente após as eleições, porque os parlamentares sabem que essa é uma lei antipopular – o PL do Veneno colocará exclusivamente sob responsabilidade do Ministério da Agricultura (hoje sob o comando de Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do mundo, campeão de desmatamento e ex-senador que, à época, foi o mentor do PL) a aprovação ou não sobre o uso de substâncias tóxicas no campo. Hoje, essa tarefa passa também pelo Ministério da Saúde e do Meio Ambiente. Licenças para o uso de novos venenos poderão ser aprovadas sem passar pelos testes que analisam o impacto no meio ambiente e na saúde da população caso ultrapassem o prazo de 24 meses e a substância já tenha sido usada em outros países.

Além de Maggi, não espanta que o atual relator do PL, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), que fez carreira como produtor de soja antes de entrar na política, esteja por trás de duas empresas que vendem venenos agrícolas. Quando quem legisla é também quem será beneficiado financeiramente por sua atuação parlamentar fica mais fácil entender por que as assinaturas de 1,5 milhão de pessoas que já se manifestaram contra o PL do Veneno e a favor do Projeto de Lei 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) são ignoradas. Somente em 2014, de acordo com a Associação Nacional de Defesa Vegetal, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil foi de 12 bilhões de dólares, quase 40 bilhões de reais na cotação atual. Todo este mercado é concentrado em apenas seis grandes empresas transnacionais: Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), Bayer (Alemanha), Dupont (EUA), DowAgrosciens (EUA) e Basf (Alemanha). Três fusões em andamento devem concentrar ainda mais o mercado: Dupont e Dow, ChemChina e Syngenta e Monsanto e Bayer.

Segundo dados do Ibama, o Brasil comercializou 477 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos em 2012, último ano para o qual há dados comparáveis com outros países (em 2016 foram 551 mil toneladas). Número bem maior que o da União Europeia, que registrou 396 mil toneladas usadas em seus 28 países naquele ano.

Em uma carta enviada ao chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, relatores das Nações Unidas alertam que as mudanças, caso sejam aprovadas, podem violar direitos humanos de trabalhadores rurais, comunidades locais e consumidores de alimentos produzidos com ajuda de agrotóxicos. “As mudanças podem enfraquecer significativamente os critérios para aprovação do uso experimental e comercial de pesticidas, representando uma ameaça a uma série de direitos humanos”, disseram os especialistas. As advertências da ONU se somam às da Anvisa, Ibama e Fiocruz, adversários do PL, assim como ONGs, o Instituto Nacional do Câncer e outras 280 entidades, além do Ministério Público Federal.

Saúde pública, agrotóxicos, subsídios e taxação: conexões fatais

Para a agrônoma Carla Bueno, da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a questão da tributação é central, especialmente em um momento de crise econômica, com o governo federal, estados e municípios sofrendo para fechar as contas. Os incentivos fiscais para agrotóxicos são especialmente perversos, lembra. “Não ter contribuição para seguridade social nós achamos um absurdo porque os agrotóxicos geram um problema agudo de saúde pública, tanto no que tange às contaminações diretas, quanto as crônicas”.

De fato, enquanto na maioria dos países desenvolvidos o uso total de pesticidas se mantém constante nas últimas décadas, no Brasil ele explodiu: foram impressionantes 606% de aumento entre 1990 e 2012, contra 135% na China, 151% no Canadá, 166% na Colômbia e 105% na Austrália, dados da FAO. O uso de pesticidas por hectare no Brasil também é dos maiores do mundo: 7 kg de ingrediente ativo/ha em 2012 (segundo o IBGE, calculado com base nos dados do Ibama), duas vezes maior que o dos EUA (2,6 kg/ha) e maior que o de todos os países europeus exceto Chipre e Malta (cerca de 9 kg/ha cada um).

Segundo a Abrasco, entre 2007 e 2014 foram notificados 34.147 casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. Isso representa somente o impacto direto na saúde. Estimativas também mostram que para cada US$ 1 gasto com agrotóxicos, são dispendidos US$ 1,28 com tratamento médico com intoxicações. O dossiê da Abrasco está repleto de casos detalhados e muito bem documentados sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e ambiental. Matéria da Agência Pública também mostra que agrotóxicos são amplamente usados em suicídios.

No mundo, segundo um relatório das Nações Unidas publicado em 2017, os pesticidas causam 200 mil mortes por ano por intoxicação aguda, quase todas nos países em desenvolvimento. Ainda segundo a ONU, a exposição a pesticidas vem sendo ligada por vários estudos a doenças crônicas, como os males de Parkinson e Alzheimer, vários tipos de câncer, malformações fetais, desregulação do sistema hormonal, perda de memória e de visão e problemas no desenvolvimento cognitivo. No entanto, os agrotóxicos representam um desafio à epidemiologia, já que várias doenças são multifatoriais, que os problemas de saúde decorrentes de pesticidas podem se desenvolver muitos anos após a exposição e que as pessoas são expostas a vários produtos químicos e outros fatores de risco ambiental em suas vidas.

No Brasil, com a explosão do uso no campo e do consumo indireto de agrotóxicos na alimentação, a bomba tem explodido na saúde. E o vasto subsídio que o governo oferece neste setor é parte dessa lógica perversa de atendimento. Segundo estudo do IPEA, somente entre 2003 e 2015, a renúncia de arrecadação fiscal correspondeu à aproximadamente 1/3 das despesas com Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) do Ministério da Saúde (MS), que se manteve praticamente estável entre 2003 e 2015, variando entre 31,8% e 32,3% no período. Tendo em vista as necessidades de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), em treze anos, a preços médios de 2015, o governo deixou de arrecadar R$ 331,5 bilhões.

Para Carlos Ocké-Reis, doutor em saúde coletiva, pesquisador do IPEA e autor do estudo, “é um completo absurdo ter um subsídio desse tamanho. Esse dinheiro podia ser revertido para as UBS, UPA’s, para ampliar o Mais Médicos, enfim, para aumentar a oferta e melhorar a qualidade do sistema”.

Na avaliação de Ocké, não é surpresa que quanto mais se privatize o sistema de saúde, esses subsídios aumentem, não só em relação ao PIB, como no conjunto do gasto tributário total, porque as desonerações subiram muito. A política econômica tem caminhado nesse sentido, sobretudo em relação ao gasto direto. E em qualquer movimento de privatização você tem aumento do gasto tributário. Mas o problema, do ponto de vista da política regulatória, é que esses subsídios não servem como instrumento para reduzir o teto de reajuste dos planos individuais e muito menos dos coletivos, uma vez que nem regulados são. “Os subsídios não são utilizados como instrumento de barganha do estado para reduzir o teto do reajuste, independente do índice de preços e evolução do custo do mercado”, reforça Ocké.

O pesquisador do IPEA salienta que, no caso da saúde, a Receita Federal tem empreendido esforços para tornar transparente os gastos tributários, tanto o gasto efetivo quanto o projetado. O mesmo, porém, não pode ser dito sobre o Ministério da Saúde. E os gargalos são muitos. “Com certeza falta avaliação do ponto de vista do Ministério. Ou, se preferir, falta de integração. No caso australiano, por exemplo, o gasto tributário aparece nos dados oficiais do Ministério da Saúde, percebe a diferença? Isso não tá na Receita Federal ou é algo que você precise pinçar na LDO e em outros locais. Todo o processo orçamentário financeiro observado no MS não incorpora de maneira sistemática os gastos tributários. Portanto é preciso avançar não só na transparência, mas na avaliação”, cobra Ocké.

A distorção impacta também, por exemplo, no fato de que em um país tão desigual como o Brasil, entre os piores do mundo, os extratos superiores de renda estão recebendo mais em termos per capita. “Olhando para as operadoras líderes, em um momento de crise econômica e sabendo que esse subsídio atende a parte da classe média e sobretudo os ricos, é de se pensar qual é a prioridade”, finaliza.

PNaRA: uma alternativa possível

Frente ao PL do Veneno, foi proposto o Projeto de Lei 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que também avança em paralelo na Câmara. O PL propõe a redução progressiva do uso de agrotóxicos na agricultura, pecuária e nas práticas de manejo dos recursos naturais. Além disso, quer ampliar a oferta de insumos de origens biológicas e naturais, contribuindo para a promoção da saúde e sustentabilidade ambiental, com a produção de alimentos saudáveis. Propõe ainda ações integradas para a fiscalização da importação, da produção, da comercialização e do uso dos agrotóxicos

Para Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a PNaRA vem mais do que propor uma política em si. “O que estamos fazendo é construir um processo de debate com a sociedade, dentro e fora do Congresso. Os estados estão caminhando nesse processo e o tema da tributação é um dos eixos mais importantes do que foi e do que é hoje”, afirma.

Essa é também a visão de Acácio Leite, engenheiro florestal e professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, mesmo com o Congresso tomado pela “bancada BBB” (boi, bala e bíblia), é fundamental não só esse diálogo com a sociedade como a presença concreta ali dentro debatendo esses temas, em que pese o ambiente conservador.

“Por outro lado, tem um setor minoritário no agronegócio que consegue ter um compromisso maior com a sociedade como um todo, consegue ter uma preocupação da função social da produção agrícola, não é um setor tão homogêneo assim. Setores que, até por uma questão de lucro, conseguem entrar nesse debate da produção mais limpa, e isso nos anima a tentar abrir o debate com a sociedade de uma maneira mais intensa. Essa questão não é nenhuma jabuticaba jurídica, temos os exemplos de vários países no mundo”, acredita Leite.

Apesar de campanhas massivas na televisão afirmando sua suposta eficiência, o agronegócio tem muitíssimo a evoluir em termos de gestão, eficiência, inovação e respeito ao meio ambiente e às pessoas. “É um setor que dá pouco retorno para a sociedade, concentra renda, gera violência, e se a gente começa a dar visibilidade, temos condições concretas de ter denúncia com maior capacidade de agitação”, diz o professor da UnB.

Subsídio para produção orgânica

O argumento de que “não existe ciência suficiente” para a substituição dos agrotóxicos é uma falácia. Na avaliação de Bueno, nunca haverá “ciência suficiente” se não tiver incentivo fiscal e subsídio para pesquisa e produção orgânica, questões que a PNaRA coloca e propõe via Legislativo.

A avaliação do TCU confirma a fala de Bueno. Para o Tribunal “a baixa execução do crédito para a produção agroecológica e orgânica é um exemplo de ineficiência devida ao desalinhamento de ações empreendidas por políticas distintas. Por meio do Pronaf, foram disponibilizados R$ 2,5 bilhões para custeio e investimento na produção agroecológica e orgânica e, por meio do Programa ABC, foram disponibilizados R$ 4,5 bilhões. Entretanto, conforme o Relatório de Balanço do Planapo 2013-2015, os recursos efetivamente aplicados via Pronaf somaram R$ 63,1 milhões, o que representa 2,5% dos recursos disponibilizados inicialmente. Já no âmbito do Programa ABC, os recursos efetivamente executados foram R$ 9,2 milhões, correspondendo a 0,2% do total disponibilizado. A baixa execução do crédito para a produção agroecológica e orgânica é um exemplo de ineficiência devida ao desalinhamento de ações empreendidas por políticas distintas”.

Neste cenário, a experiência do Movimento Sem Terra (MST) é um exemplo concreto de que uma outra alternativa é possível. Maior produtor de arroz orgânico da América Latina, com colheita de 27 mil toneladas na safra 2016-2017, produzida em 22 assentamentos diferentes, a produção, a industrialização e a comercialização do arroz são planejadas e executadas pelos próprios camponeses. O arroz chega às feiras e ao mercado por meio da marca ‘Terra Livre’. A maior parte é comercializada via iniciativas institucionais, como o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), mas cerca de 30% da produção é exportada para países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, Chile e México.

Mas o MST vai muito além do arroz. A III Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada em maio em São Paulo, reuniu mais de 260 mil pessoas que puderam comprar, consumir e conhecer mais de 1530 tipos de produtos produzidos, que representaram cerca de 420 toneladas de alimentos de 1215 feirantes de todo o Brasil.

Na avaliação de Carla Bueno, números tão expressivos representam uma vitória enorme de um modelo de produção que vai contra tudo o que o estado brasileiro tem praticado, sobretaxando produtos naturais, dificultando o acesso ao crédito, sendo parceiro do lobby dos agrotóxicos e favorecendo o grande produtor de commodities em detrimento do agricultor familiar. “O MST é quase um milagre pelo que tem capacidade de fazer, o que é hoje, a força que tem na produção de alimentos em relação ao que teve de subsídios e a falta de estímulo que a política de reforma agrária no Brasil teve nas últimas décadas”, enumera.

A Segurança Alimentar e Nutricional nas Eleições de 2018

Por Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc.

O Brasil é uma referência internacional em relação à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Isto porque – graças a uma abordagem intersetorial, a alocação expressiva de recursos e a participação social – conseguiu alcançar excelentes resultados, como a diminuição da fome e da desnutrição, comprovados pela saída do país do Mapa da Fome das Nações Unidas em 2014.

A Segurança Alimentar e Nutricional tem por objetivo assegurar o direito constitucional à alimentação adequada. Consiste na realização do direito de todas e todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

A implementação da Segurança Alimentar e Nutricional ocorre por meio do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que envolve os três níveis de governo. O Sistema é operacionalizado por uma institucionalidade intersetorial e participativa, isto é, as câmaras, os conselhos e as conferências. Em âmbito federal, está atualmente em andamento o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PlanSAN) 2016 2019, que diz respeito a 38 objetivos, 144 metas e recursos anuais da ordem de R$ 80 bilhões[1]. O Plano foi construído em parceria com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a partir das diretrizes da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e é executado por cerca de 20 ministérios e secretarias em articulação com estados e municípios.

Essa engenhosa e inovadora arquitetura institucional, que se iniciou no começo dos 1990 com o presidente Itamar Franco e que foi aprofundada a partir de 2003, tem sido capaz de melhorar as condições de alimentação e nutrição de milhões de brasileiras e brasileiros. Tais conquistas devem-se à compreensão de que uma alimentação adequada e saudável requer o fortalecimento das conexões entre o campo e a cidade; requer articular constantemente as dimensões da produção, da distribuição e do consumo de alimentos, respeitando as diferentes culturas existentes em nosso país.

É evidente que ainda temos muitos desafios. A fome permanece presente, de forma inaceitável, entre povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, bem como vem crescendo entre os imigrantes. Se, de uma maneira geral, conseguimos resolver a questão da desnutrição, por outro lado, estamos nos deparando com a epidemia da obesidade, que atinge parcela considerável da população brasileira. Mais da metade da população está com sobrepeso e a obesidade já atinge 20% das pessoas adultas.

Diante desse quadro, de uma política pública comprovadamente bem-sucedida e da permanência de aspectos da insegurança alimentar e nutricional na sociedade brasileira, nada mais óbvio do que imaginar que as diferentes candidaturas à Presidência da República apresentariam propostas concretas nesse âmbito. Mas, infelizmente, não é bem assim. O único programa de governo que arrola sugestões a respeito é o do Lula/Haddad (PT): “O Presidente Lula retomará e ampliará a política nacional de segurança alimentar e nutricional, combatendo a desnutrição infantil e promovendo a Soberania Alimentar” (p. 31).

Mas, infelizmente, a SAN está incluída no capítulo de Superação da Pobreza e Assistência Social, reduzindo o papel central da segurança alimentar e nutricional no desenvolvimento nacional. As pessoas responsáveis pela elaboração do plano do PT não só não avaliaram a atuação do governo liderado pelo Partido desde 2003, como deixaram de consultar ou escutar os especialistas da área ligados ao partido, que não são poucos.

A candidatura do Boulos (Psol) menciona umas poucas vezes a (in)segurança alimentar e nutricional, mas como consequência de algum processo. Por exemplo, é dito que se faz necessário “mudar o modelo energético, produtivo e agrário” para, entre outros aspectos, assegurar a “segurança alimentar do povo brasileiro” (p. 137). Curiosamente, Bolsonaro (PSL), faz referência à SAN quando registra no capítulo sobre Agricultura que “A nova estrutura federal agropecuária teria as seguintes atribuições:….. Defesa agropecuária e segurança alimentar” (p. 69). Nas demais 10 candidaturas não há qualquer menção à ideia ou ao conceito de segurança alimentar e nutricional.

Existem propostas para as áreas de agricultura, saúde, alimentação, cultura, meio ambiente e desenvolvimento agrário, entre outras, mas não articuladas no marco da SAN, que é o que faz a força e a efetividade dessa política. Outra curiosidade é o programa da Marina (Rede) que cunha novo conceito, o de “alimentação saudável e pacífica”, que busca incluir a alimentação vegetariana. Essa invenção desconhece os acúmulos internacionais, bem como os do movimento da segurança alimentar e nutricional, evidenciando o distanciamento com o que vem sendo debatido nos últimos 30 anos.

Esse interesse restrito das propostas dos presidenciáveis em relação à SAN impressiona, não somente devido à experiência nacional, mencionada anteriormente, mas também porque é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais especificamente o ODS 2, “Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. Esse Objetivo tem uma centralidade porque a SAN, resultante de uma alimentação adequada e saudável, pode contribuir direta ou indireta com praticamente todos os demais objetivos. Por exemplo, alimentos produzidos de forma sustentável reduzem os efeitos das mudanças climáticas e aumentam a disponibilidade da água; pessoas saudáveis vivem melhor e participam das diferentes dinâmicas nacionais; crianças que se alimentam adequadamente melhoram seu rendimento escolar; as consequências da fome e de dietas pobres contribuem para aumentar a morbidade e a mortalidade do país, resultando no aumento dos gastos com saúde.

Em resumo, nossos candidatos e nossas candidatas parecem desconhecer nossa história bem como os compromissos assumidos internacionalmente. Ainda é tempo de mudar, pressionando-os(as) para que incluam a segurança alimentar e nutricional como eixo estratégico de suas propostas.


[1] Para mais informações, ver: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/seguranca_alimentar/caisan/plansan_2016_19.pdf

PLOA 2019: próximo governo precisará de aprovação do Congresso para garantir recursos da Previdência e Bolsa Família

Por Matheus Magalhães, Grazielle David e Alessandra Cardoso*

Se o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2019 for aprovado da maneira como foi enviado ao Congresso na última sexta-feira (31/8), a próxima gestão do Executivo vai começar o mandato em uma situação de extrema instabilidade financeira. Isso porque, para não descumprir a “regra de ouro” da Constituição, o atual governo está propondo condicionar R$ 234,2 bilhões de despesas obrigatórias – entre elas, 41,4% dos recursos da Previdência – à aprovação do Legislativo por maioria absoluta no ano que vem.

O Projeto, que define a autorização de despesas para 2019, deve ser discutido e aprovado pelo Legislativo, podendo sofrer alterações até o fim do ano. Contudo, as diretrizes que nortearam sua elaboração dificilmente serão modificadas, pois o orçamento é planejado e executado obedecendo às metas definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), já aprovada pelo Congresso. E como havíamos alertado em análise anterior, a LDO 2019 é composta por uma grave contradição entre o Teto de Gastos, instituído pela Emenda Constitucional 95, e a “regra de ouro” das finanças públicas, prevista no artigo 167, inciso III da Constituição.

A “regra de ouro” proíbe a emissão de dívida para pagamento de despesas correntes, ou seja, para custeio de serviços públicos. Dessa forma, só é passível de endividamento a realização de investimentos. Já o Teto de Gastos limita as despesas primárias, tanto os investimentos quanto o custeio dos serviços públicos. Como boa parte das despesas de custeio são obrigatórias, ao contrário dos investimentos, o governo acaba diminuindo este último. Porém, ao reduzir investimentos, se limita na possibilidade de emissão de novos títulos da dívida, medida necessária frente ao déficit fiscal e a falta de receita para cobrir as despesas previstas. Essa é a contradição entre as duas regras fiscais: uma inviabiliza o cumprimento da outra, fazendo com que o governo tenha que escolher qual irá obedecer ou cancelar.

E é justamente neste ponto que o PLOA 2019, seguindo o que ocorreu com a LDO 2019, torna-se inconstitucional. Porque está sendo elaborado com um desiquilíbrio orçamentário, sem ter receita certa para cobrir os gastos previstos. Apesar da “regra de ouro” permitir a abertura de crédito adicional durante o ano que vem para despesas que estejam com falta de recursos financeiros, ela não permite que as leis orçamentárias sejam elaboradas sem o equilíbrio entre receitas e despesas.

Ignorando esse fato, o governo de Temer entregou ao Legislativo uma proposta de orçamento que atrela R$ 258,2 bilhões em despesas à autorização de créditos suplementares pelo Congresso Nacional. Uma burla explícita à “regra de ouro”.

Agravando o cenário, desse montante, R$ 234,2 bilhões são despesas obrigatórias, onde se incluem 41,4% das aposentadorias e pensões urbanas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e metade do pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), como se pode verificar no quadro a seguir. A estratégia utilizada para separar essas despesas “condicionadas” foi a criação de um novo órgão orçamentário: 93000 “Programas condicionados à aprovação legislativa prevista no inciso III do Art. 167 da Constituição (regra de ouro)”.

Quadro: Programas com o orçamento condicionado à aprovação de créditos suplementares pelo Congresso.

Outros programas de grande importância para a população, como o Bolsa Família, e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – responsável por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país – também se encontram com metade do custeio comprometido.

Esse projeto impõe uma enorme instabilidade financeira para o país no próximo ano, já que condiciona um grande volume de despesas obrigatórias a receitas incertas, empurrando para o governo seguinte um orçamento praticamente sem possibilidade de gestão, em um contexto político e econômico tão adverso como o atual. E mais: o maior volume de despesa com receita condicionada refere-se a um direito individual, que é o previdenciário. A intenção por trás dessa escolha pode ser a de ‘amarrar’ o Legislativo: ou aprovam os projetos de lei de abertura de crédito adicional ou terão que aprovar uma proposta de reforma da previdência. Além de inconstitucional, o atual texto do PLOA 2019 tenta dar um ‘xeque-mate’ no Legislativo e no direito previdenciário de milhares de brasileiros.

É ainda importante destacar que esse ajuste fiscal é seletivo, uma vez que o Teto de Gastos se mantém como regime fiscal que dita todas as possibilidades de atuação do poder público, enquanto as despesas financeiras continuam intocáveis, e praticamente inquestionáveis no cenário do debate das finanças públicas.

O próprio PLOA 2019, que tenciona as despesas primárias, planejando diminuir investimentos e custeio das políticas públicas, não justifica ou discute as despesas da esfera financeira. Se por um lado há a previsão de redução de 13,4% nas despesas do Poder Executivo em relação a 2018 (R$ 1.099,9 bilhões), as despesas com juros da dívida pública estão planejadas em R$ 378,9 bilhões, 19,8% a mais do que no ano anterior – despesas essas que não são limitadas pelo Teto de Gastos.

Considerando o período eleitoral, a distribuição de recursos entre ministérios e programas de governo provavelmente será alterada após o resultado das eleições, quando a candidatura eleita deve negociar adequações orçamentárias com os parlamentares para implementação de seu plano de governo.

A expectativa é que essas alterações venham a corrigir, por exemplo, as previsões de retração de 10,9% para ciência e tecnologia, 26,5% para o fortalecimento da agricultura familiar, 30,1% nas políticas para as mulheres, além dos desmontes de 37,1% para o saneamento básico, 41,7% para mobilidade urbana, e 58,9% para promoção da igualdade racial.

Em mais uma oportunidade, o planejamento orçamentário se depara com a inviabilidade que o Teto de Gastos trouxe às finanças nacionais, de forma absolutamente excepcional em todo o mundo. Não somente a gestão mesma dos recursos públicos e do Estado brasileiro, mas a efetivação dos direitos mais fundamentais estão, cada vez mais, condicionados à revogação da EC 95.

*Assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Qual o papel das Instituições Financeiras Internacionais com participação do Brasil?

As instituições financeiras internacionais (IFI), como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, desempenham papel central no desenvolvimento dos países, para o bem ou para o mal, a depender da estratégia que adotam.

Com o objetivo de entender melhor quais são essas instituições e como atuam, especialmente aquelas que contam com a participação do Brasil, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) convidou três pesquisadores para fazer um levantamento sobre o tema e sugerir pistas para atuação das organizações e movimentos sociais que incidem sobre esta agenda.

O resultado foi o texto “As instituições financeiras internacionais com participação do Brasil: seu papel atual”, de autoria de Adhemar Mineiro, Fátima Mello e Kjeld Jakobsen. Curto e didático, reúne as principais informações referentes às organizações financeiras internacionais das quais o Brasil participa, como o Banco Mundial, FMI e Novo Banco de Desenvolvimento, entre outros.

Para Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, o estudo reforça percepções preocupantes em relação à atuação dessas instituições. “Ao invés de implementar salvaguardas sociais e ambientais que assegurem a promoção e a realização dos direitos humanos, as IFI´s estão baixando seus padrões para dar cada vez mais livre vazão aos investimentos privados, pouco afeitos à agenda de direitos”, explicou.

>>> Acesse a íntegra do estudo e saiba mais

 

As Instituições Financeiras Internacionais com participação do Brasil: seu papel atual

Genocídio da juventude negra: como pensam os candidatos e candidatas à Presidência

Por Carmela Zigoni, assessora política do Inesc

O genocídio da juventude negra é um grave problema em nossa sociedade. Estima-se que anualmente são assassinados cerca de 28 mil jovens no país. Destes, 77% são negros (em torno de 20 mil/ano)[1]. A violência contra esta população não regrediu no período de crescimento econômico e pleno emprego experimentado poucos anos atrás, quando políticas de distribuição de renda, segurança alimentar e inserção nas universidades foram implementadas no Brasil, melhorando a vida das camadas mais pobres da sociedade.

Os movimentos sociais negros, antirracistas, de mulheres e de mães têm reivindicado o fim deste massacre, mas o Estado não tem dado conta de responder de forma efetiva. Longe de ser um problema pontual, o genocídio dos jovens negros é reflexo do racismo estrutural e institucional, coloca em xeque ideais de solidariedade e igualdade, e impacta o tipo de sociedade que estamos construindo para as próximas gerações. Como bem questionou Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, executada em março deste ano por defender os direitos humanos de jovens de favelas e policiais no Rio de Janeiro, “Quantos mais terão que morrer para que essa guerra acabe? ”.

Buscamos, assim, avaliar como as propostas das 13 candidaturas à Presidência da República abordam o tema do genocídio da juventude negra (ou extermínio, ou violência letal contra jovens negros), considerando principalmente a política de segurança pública, mas também políticas sociais que impactam as comunidades mais pobres. A análise também abordou a política de austeridade fiscal que resultou em uma mudança constitucional (EC95/Teto de Gastos) e impedirá o financiamento de muitas promessas de campanha, impactando os direitos da juventude negra.

Juventude, violência e racismo

Para começar, os planos de governo dos candidatos e candidatas à Presidência da República neste tema podem ser divididos em dois blocos: aqueles que reconhecem a existência do racismo no Brasil e aqueles que invisibilizam parcial ou completamente esta agenda. Os candidatos que nem mesmo mencionam que o racismo existe no Brasil são: Álvaro Dias (PODEMOS), Cabo Daciolo (PATRIOTA), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoedo (NOVO) e José Maria Eymael (PSDC) – os mesmos que também não falam em mulheres, quilombolas e indígenas (o plano de Bolsonaro menciona as mulheres uma única vez em um gráfico sobre índice de estupros no Brasil).

Os que reconhecem que os jovens negros são as maiores vítimas da violência no Brasil são: Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB), João Goulart Filho (PPL), Lula/Haddad (PT), Marina Silva (REDE) e Vera Lucia (PSTU); Geraldo Alckmin (PSDB) menciona a “violência racial” como algo a ser superado, mas não a relaciona com a juventude ou com segurança pública. Os únicos candidatos que utilizam o conceito ‘genocídio da juventude negra’ (ou “extermínio da juventude negra”), dialogando, portanto, com as pautas dos movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos humanos são Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia.

Segurança Pública

No que se refere à política de segurança pública, podemos observar planos que consideram a prevenção, repressão e punição; e aqueles que focam somente na repressão e punição. A integração das forças de segurança parece ser o único consenso entre os candidatos. Muitos deles assimilaram a necessidade de maior participação do Governo Federal nesta política, ainda que a responsabilidade seja dos Estados, na medida em que o problema é complexo e urgente, exigindo um esforço coletivo para soluções. O que difere é que alguns candidatos pensam em fazer reformas apenas em nível de forças policiais (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Jair Bolsonaro, João Amoedo e José Maria Eymael); outros acreditam que é preciso envolver a sociedade, ou seja, as organizações e movimentos sociais, as universidades e, principalmente, os moradores de comunidades pobres, grupo mais afetado pela violência (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, João Goulart Filho, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia).

Todas as propostas abordam a vigilância das fronteiras como parte da repressão ao tráfico de drogas: o Brasil é o principal país de passagem para drogas que são enviadas à Europa e África. Todos falam em combater as facções criminosas que comandam presídios, e alguns candidatos destacam a necessidade de monitorar as transações financeiras para identificar fluxos ilícios como forma de combate ao crime organizado: o tráfico de drogas é um mercado internacional que movimenta cerca de 320 bilhões de dólares ao ano. A maioria das propostas cita o investimento em inteligência, no entanto, diferem bastante na forma como usar as informações, se para criminalização de pobres e de movimentos sociais, ou para aperfeiçoar as investigações e reduzir a violência no sistema como um todo.

Os candidatos que defendem a superação do modelo de encarceramento de massa são: Guilherme Boulos, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia. João Goulart Filho propõe investir na ressocialização do apenado. Ciro Gomes e Cabo Daciolo denunciam a superlotação de unidades carcerárias de delegacias, e defendem a redistribuição de presos no sistema penitenciário. Henrique Meirelles propõe construir mais penitenciárias. João Amoedo sugere a celebração de parcerias público-privadas para gestão de presídios e retirada de direitos dos apenados, como indultos e saídas temporárias. Jair Bolsonaro promete “prender e deixar na cadeia”, assim como o fim da progressão de penas e saídas temporárias.

É importante registrar que muitas das propostas de reformas ou melhorias já estão previstas na Lei Nº 13.675 de 2018 que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), por meio do Plano Nacional de Segurança Pública, com participação da sociedade civil, por meio de conselhos, e implantação de um sistema de dados para monitoramento e incremento da inteligência. Marina Silva, por exemplo, propõe a criação de diversas medidas que já existem, além das anteriores, a Política Nacional de Alternativas Penais e um Programa de Apoio aos Egressos do Sistema Prisional – resta saber como serão realidade no contexto de corte de gastos sociais impostos pela EC95, medida que a candidata não se propõe a discutir.

Mudanças na legislação

O candidato que propõe a revisão do Estatuto do Desarmamento é Jair Bolsonaro, e os que se declaram totalmente contra a ampliação do porte de armas por civis são Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.  Marina Silva menciona o controle de armas, mas não se posiciona em relação à flexibilização. Jair Bolsonaro também é o único a defender a redução da maioridade penal para 16 anos. Os candidatos que declaram apoio ao fim dos Autos de Resistencia são Guilherme Boulos e Lula/Haddad. Sobre a descriminalização das drogas como forma de regulamentar o comércio e reduzir a violência e a corrupção decorrentes do tráfico, Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia se posicionam a favor de realizar este debate.

Prevenção à violência e promoção dos direitos da juventude negra

Com relação ao financiamento das políticas sociais como prevenção à violência, podemos dividir os planos entre aqueles que deixam claro que sem financiamento é impossível garantir políticas públicas (saúde, educação, assistência social, direitos de mulheres, etc.), sendo necessário trabalhar pela revogação da EC95/Teto de Gastos (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, João Goulart Filho, Lula/Haddad e Vera Lucia); e aqueles que prometem políticas sociais sem dizer de onde vão sair os recursos, propondo a redução de impostos e/ou privatização de serviços e empresas públicos (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoedo e Marina Silva).

As candidaturas que propõem ações de prevenção a partir do fortalecimento das expressões culturais da juventude negra e da cultura periférica, como slams, saraus, Hip Hop, etc., são as de Ciro Gomes e Guilherme Boulos; Lula/Haddad se referem ao “fortalecimento da cultura popular”; Marina Silva menciona “investimento em atividades culturais”; João Goulart Filho ressalta o fortalecimento de “produções culturais locais” e de “artistas independentes”. Os demais não veem a cultura como forma de prevenção da violência, combate ao racismo e promoção dos direitos da juventude negra.

Direitos humanos de policiais

Sabemos que os policiais que recebem menos e atuam na linha de frente também morrem, ainda que os números sejam muito menores do que as mortes de jovens. De acordo com o Observatório da Intervenção, as mortes de policiais aumentaram após a intervenção federal no Rio de Janeiro – assim como os registros de crimes como roubos de cargas –, demonstrando que aumento do efetivo e ostensividade não contribuem, necessariamente, com a diminuição da violência e o combate ao crime. As propostas que mencionam a valorização da profissão e melhoria nas condições de trabalho são as de Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.

Guilherme Boulos e Lula/Haddad são os únicos a propor a desmilitarização das polícias. Geraldo Alckimin, na direção oposta, sugere a criação de uma Guarda Nacional militar, uma espécie de PM Federal. Em 2014, uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública demonstrou que 77% dos policiais são a favor da desmilitarização.



[1] Fonte: https://anistia.org.br/imprensa/na-midia/exterminio-da-juventude-negra/

Análise das propostas de educação das candidaturas à Presidência da República

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc

As soluções encontradas pelos governos para enfrentar a crise econômica que aflige o país desde 2015 foram baseadas em medidas de austeridade que afetaram diversos serviços públicos essenciais.  Com a educação não foi diferente: este setor teve cortes de recursos severos, especialmente para o ensino superior e a pesquisa.

A situação de crise foi aprofundada com a aprovação da Emenda Constitucional Nº95, conhecida como “teto dos gastos”.  O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, por exemplo, está no quarto ano de vigência e sob sério risco de não ser cumprido. Apesar de prever a destinação de 10% do PIB para a educação até 2024, com a EC 95 andamos a passos de caranguejo, pois a previsão é de apenas 5,5% do PIB em dez anos.

O teto dos gastos inviabiliza ainda o atendimento ao Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais (PIDESC), do qual o Brasil é signatário desde 1992, que em seu artigo 2º diz que é necessário o máximo de recursos disponíveis para assegurar progressivamente os direitos reconhecidos no Pacto – o que não tem condições de acontecer sem orçamento para investimento social.

Com relação ao ensino superior, a situação é ainda mais grave. O orçamento das universidades caiu de R$ 13 bilhões em 2015 para R$ 5,9 bilhões em 2018. Os institutos federais, que em 2015 receberam recursos de R$7,9 bilhões, devem receber apenas 2,8 bilhões este ano. Visando a privatização, a grande mídia insiste em classificar como má gestão, o que na verdade é falta de recursos.

Diante desse cenário, esse texto pretende analisar os programas dos candidatos à Presidência pela lente dos direitos humanos, observando se as propostas apontam ou não para a garantia da qualidade do ensino, do acesso à educação infantil, do crescimento da oferta de vagas no ensino superior, do financiamento da pesquisa e extensão, da revisão das Bases Nacionais Comuns Curriculares e da Reforma do ensino médio.

O programa do candidato Lula

Diz que a educação terá prioridade estratégica e aponta como ações principais a formação de educadores, a reformulação do ensino médio e a expansão da educação em tempo integral. Promete, ainda, concretizar as metas do PNE, até mesmo criando o Sistema Nacional de Educação com negociação interfederativa, o que hoje é uma grande questão, visto que os municípios ficam com uma sobrecarga de atribuições diante de uma carga menor de arrecadação.

Financiamento

O plano diz que o governo vai ampliar o financiamento com vistas a cumprir os 10% do PIB previstos no PNE até 2024, além de implantar o CAQi (custo aluno qualidade inicial), que está inserido no PNE graças à mobilização do movimento social.  Além disso, indica institucionalizar o novo Fundeb, tornando-o permanente. Propõe, ainda, retomar os royalties do petróleo e Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

Outra importante medida proposta é repactuar a distribuição dos recursos arrecadados pela União, das folhas de pagamento, destinados ao sistema S. O retorno para a sociedade é ínfimo e com dificuldades de serem mensurados pela falta de transparência. Vejam o que está proposto:

O ensino técnico e profissionalizante será articulado com o ensino propedêutico, assegurando a possibilidade de acesso à educação universitária para todos os jovens que desejarem. O objetivo é destinar 70% dos recursos destinados à gratuidade, oriundos das Contribuições Sociais arrecadadas pela União para manutenção do SESI, SENAI, SESC, SENAC e SENAR, sejam direcionados à ampliação da oferta de ensino médio de qualidade. Além disso, haverá uma forte participação da União na oferta do Ensino Médio”.

Ademais, no âmbito do Ensino Médio Federal, propõe criar um programa de permanência para os jovens em situação de pobreza para combater a evasão e melhorar o rendimento escolar.

Pontos críticos

Toca em todos os pontos críticos, como contraposição ao avanço da escola sem-partido, por exemplo, registra que: “As ações de educação para as relações étnico-raciais e as políticas afirmativas e de valorização da diversidade serão fortalecidas; serão massificadas políticas de educação e cultura em Direitos Humanos, a partir de uma perspectiva não-sexista, não-racista e não-LGBTIfóbica.” No entanto, é importante pontuar que durante os governos petistas houve retrocesso em relação a iniciativas semelhantes, por aceitarem a pressão da bancada da bíblia, em nome da “governabilidade”. Cita as cotas e diz que irá reforça-las para a democratização do ensino superior.

Outros pontos relevantes, que diz respeito aos principais gargalos da educação: 1) Revisão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com participação social. Houve recente alteração na BNCC, mas com vários problemas e sem participação. 2) Valorização dos professores e professoras alfabetizadoras e fortalecimento do PIBID (programa de bolsa de iniciação científica voltado ao fortalecimento das licenciaturas e que está praticamente esquecido no atual governo). 3) Garantia do Piso Salarial Nacional para professoras, o que também não foi feito durante as últimas gestões. 4) fortalecer e ampliar as universidades e os institutos federais; revogar a reforma do ensino médio; e compartilhar as responsabilidades por esta etapa do ensino com os estados – medida esta que se for concretizada poderá mudar a realidade de abandono em que se encontra, há tempos, esta importante fase transitória entre a educação básica e o ensino superior.

O programa do candidato Ciro Gomes

Fala que investir em melhoria da qualidade da educação pública será uma das principais prioridades, dando como exemplo as escolas do Ceará, que estão entre as melhores, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Também propõe ampliar o número de anos de escolaridade, com a expansão do ensino em tempo integral a partir da segunda etapa do fundamental até o médio. Promete fazer da escola um ambiente criativo para combater a evasão escolar.

Diz ainda que “A política educacional vai reconhecer e valorizar o professor e os gestores escolares. As universidades públicas deverão, além de ampliar a oferta de vagas e prosseguir com as políticas de cotas, estreitar seus laços com as políticas e ações no campo da educação básica e ciência, tecnologia e inovação. Como objetivo geral, vamos caminhar na direção do alcance das metas de desenvolvimento sustentável da ONU no tocante à Educação e persistir na aplicação das metas estabelecidas no Plano Nacional da Educação (PNE).

Financiamento

Promete “eliminar o subfinanciamento das despesas com educação causado pela Emenda do Teto de Gastos”, mas não se compromete textualmente com a ampliação do financiamento da educação. Fala de reposição, mas não de ampliação dos recursos até 10% estipulados no PNE. Também não se refere ao Custo Aluno Qualidade.

Com relação ao Fundeb, o candidato fala de enviar ao Legislativo, até 2019, a sua reformulação com participação da sociedade, sem explicar se será uma proposta definitiva. Uma questão importante é que, de acordo com o plano, a União repassará 10% discricionários aos estados e municípios que aderirem às diretrizes propostas pelo MEC.

Uma maior parcela de financiamento por parte da União é muito bem-vinda, porém, o problema da proposta do candidato é centrar em “premiar estados e municípios” que seguirem as diretrizes, além de focalizar em resultados. É evidente a importância de um bom planejamento para alcançar resultados, contudo, a realidade da maior parte dos nossos municípios é de total falta de estrutura, pessoal e capacidade de gestão, que devem vir antes dos resultados traduzidos em notas.

Pontos críticos

Apesar de se comprometer em dar continuidade à política de cotas, não faz referência ao combate às discriminações de gênero, raça/etnia, LGBT nas escolas.

A revisão com participação social da BNCC também está proposta, além da preocupação com a formação de formadores, deixando registrado que criará um programa de formação docente com estágio, residência e mentoria. Propõe a continuidade de programas tais como Prouni, Fies, Enem, salientando que com aperfeiçoamentos. Também promete dar continuidade a todas as provas de avaliação nacionais, sem fazer críticas ao modelo vigente, que desconsidera as diferentes realidades brasileiras, especialmente no norte e nordeste.

O programa do candidato Geraldo Alckmim

É bem enxuto e carece de detalhes. Dá destaque para a primeira infância (creches e pré-escola), sem delinear as ações que pretende fazer.  O texto destinado ao tema da educação no programa se resume a:

Vamos dar prioridade à primeira infância. Promoveremos a integração de programas sociais, de saúde e educação, do período pré-natal até os seis anos de idade, para que nossas crianças possam ter, de fato, igualdade de oportunidades. Investiremos na educação básica de qualidade e teremos como meta crescer 50 pontos em 8 anos no PISA – o mais importante exame internacional de avaliação do ensino médio.  A revolução na educação básica requer um sério investimento na formação e qualificação dos professores. Vamos transformar a carreira do professor numa das mais prestigiadas e desejadas pelos nossos jovens. ”

Não cita em sua curta proposta o ensino superior, o que nos faz crer que não terá centralidade em seu governo, bem como EJA, alfabetização, etc. Deixa brechas até mesmo para inferirmos que só investirá em educação básica, apostando na privatização do ensino superior.

Financiamento e pontos críticos

Não faz menção a como pretende resolver o problema do subfinanciamento da educação, nem toca em pontos polêmicos, como  política de cotas, discussão de gênero nas escolas e combate às discriminações.

O programa da candidata Marina Silva

Diz que o primeiro compromisso é com o Plano Nacional de Educação (PNE) e com a implantação do Sistema Nacional de Educação em diálogo com estados e municípios. Fala na valorização dos professores e do respeito à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sem falar da necessidade de rever o processo de elaboração da atual versão, que não contou com participação. Com relação à reforma do ensino médio, diz rapidamente que é preciso “avaliá-lo criticamente”, pois muitas questões ali propostas não estão de acordo com a realidade de vários estados e municípios. No entanto, não fala em revogá-lo, mas sim em dar assistência para que não haja prejuízo aos estudantes.

Financiamento e pontos críticos

Com relação ao ensino superior, diz que continuará com a política de cotas, ampliação do acesso e aproximação com ciência e tecnologia, e diz que combaterá as desigualdades em todos os níveis da educação.

Não cita nada acerca de financiamento, ampliação do investimento ou mesmo revogação da EC 95, apesar de ter criticado a medida publicamente, citando como principais prejudicadas a saúde e educação. Suas propostas, assim como as do candidato Alckmim, são bastante genéricas.

O programa do candidato Jair Bolsonaro

Não apresenta nenhuma proposta de política pública concreta e resume a “solução” para o problema da educação em “mais matemática, português, ciências e menos doutrinação”.

Financiamento e pontos críticos

Não menciona o Plano Nacional de Educação e diz que é possível fazer muito mais com os atuais recursos. Fala em melhorar a alfabetização, atualizando métodos e “expurgando Paulo Freire”. Registra, ainda, que ensino à distância precisa ser considerado, especialmente nas áreas rurais de difícil acesso, sem mencionar que essas localidades carecem de equipamentos e internet com boa conexão para essa modalidade de ensino.

O candidato ainda sugere que o Brasil deve copiar as inovações de países como Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão, Taiwan.

O programa do candidato Cabo Daciolo

Inicia sua proposta dizendo que investirá 10% do PIB na educação e ressalta a evasão no ensino médio como um dos grandes problemas a ser enfrentado. Propõe ampliar o repasse de recursos para estados e municípios e tornar as escolas mais acessíveis.

Financiamento e pontos críticos

Com relação ao ensino superior, diz que ampliará o financiamento, que vem sendo reduzido, e ampliará a oferta de vagas. Diz que ampliará também o valor do piso do magistério para além do proposto atualmente.

O candidato não cita BNCC, PNE reforma do ensino médio ou mesmo a revogação da EC 95.

O programa do candidato João Amoedo

Apresenta suas propostas em forma de itens, sem detalhes, e prioriza educação básica para alocação de recursos. Propõe expansão de creches e pré-escolas; programa de bolsas em escolas particulares para alunos da educação pública; premiação de municípios na distribuição dos recursos do Fundeb; ampliação do ensino profissionalizante e busca de “recursos não estatais” para o ensino superior.

Financiamento e pontos críticos

O candidato baseia-se em princípios meritocráticos em todas as suas propostas, além de apostar na privatização do ensino, não apenas superior, mas também quando oferece sistema de bolsas em escolas particulares, em vez de investir nas escolas públicas. Não fala nada sobre PNE e BNCC ou mesmo financiamento público da educação. Além de atentar contra a gestão democrática quando anuncia gestão profissional nas escolas do país.

O programa do candidato Guilherme Boulos

Inicia sua proposta dizendo que revogará todas as medidas antidemocráticas do governo Temer, como a do teto dos gastos, BNCC, reforma do ensino médio e retomada do Fórum Nacional de Educação. Propõe a reedição da Conferência Nacional de Educação e constituição democratizada do Conselho de Educação.

Propõe também a revisão do regime de colaboração, onde municípios pequenos precisam arcar com muito; a criação do Sistema Nacional de Educação e a implantação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi); Fundeb permanente, tendo o CAQi como referência para o custo-aluno.

Vale destacar o trecho que fala sobre as bases curriculares: “Somos contra a padronização curricular, modelo que se presta aos interesses dos mercados editoriais, consolida e legitima as grandes avaliações e pouco considera as necessidades e diferenças da educação brasileira. Defendemos diretrizes curriculares nacionais que possam assegurar a toda a população brasileira o acesso ao conhecimento científico, tecnológico, artístico e cultural em perspectiva histórico-crítica, valorizando a pertinência das escolas e universidades com os seus contextos sócio históricos e com as condições de vida de seus estudantes”.

Financiamento e pontos críticos
Defende atender às metas do PNE, mas com verbas públicas para educação pública. Para isso, propõe uma transição para programas como FIES e PROUNI, com o objetivo de que os seus beneficiários migrem para a educação pública, sem desrespeitar os contratos que estiverem vigentes no momento. Além disso, defende a valorização do profissional de educação com base no tripé “salário, carreira, formação”. E utiliza o lema “educação não é mercadoria” para reforçar que a educação pública regulará a oferta de educação privada.

Defende todas as ações afirmativas, as quais salienta ser fruto de muita luta social, com garantia de dotação orçamentária para que se realizem. Promete “Aplicação e ampliação das políticas de cotas raciais e políticas de permanência nas universidades e nos concursos públicos. As cotas raciais são uma importante política de reparação em um país que conta, em sua história, com mais de 300 anos de escravidão e 130 anos de trabalho livre”.


Conclusão

Com base no que identificamos inicialmente como os principais gargalos da Educação, podemos dizer que as propostas dos candidatos Lula e Boulos são as mais eficientes, por se preocuparem com a redistribuição de recursos e competências entre os entes federados, reconhecerem a necessidade de maior financiamento, ampliação de vagas, democratização do acesso e condições de permanência.

Estes candidatos defenderam a manutenção das cotas e manifestaram preocupação com a discriminação e com propostas como a “escola sem partido”. Guilherme Boulos é mais radical ao defender recursos exclusivamente para educação pública, mas não diz como fará uma transição, migrando todo o público do FIES e PROUNI para a universidade pública em pouco tempo.

Ciro Gomes também detalha bem o seu programa, fala de ampliação do financiamento e respeito ao PNE, mas centra-se muito em ações meritocráticas, usando como exemplo as escolas de Sobral. Mesmo que o exemplo seja bom, estamos tratando com um território muito diverso. Marina não detalha propostas, faz apenas um texto com possíveis caminhos, ainda que mencione o Sistema Nacional de Educação e o respeito ao PNE. Cabo Daciolo também fala de respeitar a educação pública, mas não desenvolve propostas concretas.

Já os demais candidatos são excessivamente neoliberais ou até “delirantes”, como Bolsonaro. Não se comprometem com a educação pública, querem privatizar o ensino superior, além de estabelecerem critérios excessivamente meritocráticos.

E aí, para qual proposta daremos nosso voto?

Campanha #SóAcreditoVendo pede fim do sigilo fiscal dos gastos tributários

Todo ano, o Brasil perde cerca de R$ 250 bilhões* com gastos tributários que o governo federal concede para empresas, instituições ou pessoas físicas. Mas quem, exatamente, recebe esses incentivos? Eles são de fato benéficos para o conjunto da sociedade? Buscando respostas para essas questões, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou nesta sexta-feira (24) a campanha #SóAcreditoVendo, que pede transparência no processo de concessão de incentivos fiscais.

De acordo com o manifesto da campanha, a falta de transparência e monitoramento dos gastos tributários acaba “gerando alterações de mercado e criando privilégios que aumentam a injustiça do sistema tributário brasileiro”. Da maneira como está organizado hoje, nosso sistema está concentrado em tributos regressivos e indiretos, justamente os que oneram mais os trabalhadores e os pobres.

>>> Assine aqui o manifesto que será entregue ao STF e ao Senado Federal <<<

O argumento do governo é de que esses incentivos e benefícios – que equivalem a 4% do PIB – podem aumentar a oferta de emprego e o crescimento econômico do país. Mas o Inesc defende que a população precisa ‘ver para crer’: “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem”, explica Grazielle David, assessora política do Inesc.

Apoiam a campanha organizações como a Fian Brasil, o Ibase, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, a Internacional de Serviços Públicos (ISP) e a ACT – Promoção da Saúde.

O que diz a lei?

O nosso Código Tributário Nacional diz que o Estado não pode divulgar informações sobre a situação econômica e financeira dos contribuintes. O próprio Código prevê algumas exceções, porém os gastos tributários não estão entre elas.

A campanha #SóAcreditoVendo defende que os incentivos fiscais devem ser considerados como gasto público indireto e, como tal, enquadrados dentro das exceções do Código e também dentro dos princípios de publicidade do orçamento público.

Já existem precedentes: em 2015, o Superior Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor do acesso público a esses dados. O STF entende que o sigilo pode ser relativizado quando existir o interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. Também existem projetos de Lei em tramitação no legislativo que pedem o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários.

*Dados oficiais da Receita Federal. A estimativa do TCU, que trabalha com um conceito ampliado de gastos tributários, é de R$354,7 bilhões.

Conheça a campanha e assine o manifesto: www.soacreditovendo.org.br


Eleições 2018: novas candidaturas, velhos desafios

Por Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O perfil das candidatas e candidatos às Eleições 2018 apresenta alguma mudança em relação ao último pleito em 2014, mas os desafios às candidaturas de mulheres, negros, negras e indígenas continuam.

As mulheres ainda são minoria nas Eleições

Do total de 27.835 candidaturas para todos os cargos, 69% são de homens e apenas 31% de mulheres. Os partidos com maior quantidade de mulheres são o PMB (39,42%) e o PSTU (38,39%), e os que contam com menor número de mulheres são o PSL (28,29%), PPL (28,31%) e o DEM (28,38%).

No segmento juventude, a proporção de mulheres é maior: elas são 51% na faixa de 20 a 24 anos (242 candidatas) e 44% na faixa de 25 a 29 anos (435 candidatas). Os homens são maioria nas faixas de 65 a 69 anos, com 74% (913 candidatos) e 72% na faixa de 60 a 64 anos (1.671 candidatos).

Se considerarmos os candidatos entre 30 e 59 anos (21964 candidaturas), a média é a estipulada pelas cotas previstas na Lei 9.504/97: proporção de 70% homens para 30% mulheres, lembrando que a faixa de 40 a 54 anos concentra o maior número de candidaturas (13.021).

Com relação à proporção de mulheres por cargo concorrido, observa-se sua baixa presença, muito menos do que o mínimo de 30%, em cargos como governador (14,57%), presidente (15,38%) e senador (17,24%). Já para o Legislativo, a média se mantém nos 30% definidos pela Lei.

Mulheres negras e indígenas

Em relação aos números de 2014, cresceu em 70% o número de candidatas que se autodeclaram pretas: de 679 para 1.153. O aumento de candidatas pardas foi um pouco menor (23%): de 2.328 para 2.862, acompanhando o crescimento geral das candidaturas. Porém, ao olharmos para o universo das candidaturas, que também cresceu, em 22% (de 22.907 em 2014 para 27.835 em 2018), a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável: de 13% em 2014 para 14% em 2018. Considerando que as mulheres negras (pretas + pardas) representam 25% da população brasileira, o número de candidatas continua aquém da representatividade.

Das 13 candidaturas para a presidência da república, apenas duas candidatas registradas se declaram negras: Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, e Vera Lucia, do PSTU; além da candidatura indígena de Sonia Guajajara à vice-presidência pelo PSOL.

Considerando a autodeclaração a partir das categorias do IBGE quanto à raça/cor, do total de candidatas, 16% são brancas (4.417candidatas), 4% pretas (1.153), 10% pardas (2.862) e somente 0,24% amarelas (66) e 0,17% indígenas (47). Verificou-se leve aumento nas candidaturas de mulheres brancas, de 14% para 15% (em 2014 foram 3.512 candidatas). Houve pequena queda nas candidaturas de homens brancos, de 40% em 2014 para 37% em 2018.

Presença de negros e indígenas no pleito

Os candidatos autodeclarados indígenas aumentaram em 59% em relação ao pleito anterior, passando de 81 para 129 candidatos.

Se considerarmos negros a somatória de pretos e pardos, o total de candidaturas é de 46% – 14% de mulheres negras e 32% homens negros (destes, 7% se declararam pretos e 25% pardos) – um discreto crescimento em relação a 2014, quando as pessoas negras representaram 44% do total.

 

Os negros (pretos + pardos) representam mais de 51% das candidaturas nos partidos PATRI (51,72%), PCdoB (55,74%), PHS (53,12%), PMB (54,12%), PMN (51,67%), PRP (52,89%), PPL (53,18%), PSC (54,33%), PSOL (54,29%), PSTU (53,55%), PTC (54,79%), SOLIDARIEDADE (51,37%) e REDE (54,26%). O partido com menos representantes negros é o NOVO (14,49%). O MDB conta com 36,32%, de pretos e pardos, o PSDB 32,72% e o PT 49,32%.

No que se refere aos cargos, candidatos pretos, pardos e indígenas estão mais concentrados nas candidaturas para deputado estadual e federal, e os brancos são maioria para o Senado, governos e Presidência.

Com relação aos estados, somente Goiás não tem candidatos que se autodeclaram indígenas. O maior número de candidaturas neste grupo se encontra em Roraima (20), Amazonas (17) e Ceará (10). Os que se autodeclaram pretos estão mais presentes no Rio de Janeiro (558), São Paulo (400), Minas Gerais (258) e Bahia (251). Considerando pretos e pardos, os estados com maior número de candidaturas de negros e negras é o Rio de Janeiro, com 1.685 candidaturas, seguido de São Paulo, com 1.008.

Diversidade nas candidaturas

Além do aumento em números absolutos de mulheres negras e indígenas no pleito, outra mudança positiva foi o reconhecimento, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do nome social de pessoas trans. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), são 43 candidaturas de pessoas trans para os cargos de deputado estadual e federal, em 18 estados do Brasil.

Com relação às candidaturas quilombolas, ainda que as categorias do IBGE não contemplem este grupo populacional, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) informou que serão 6 candidaturas quilombolas, sendo 5 de mulheres: Piauí, Goiás e Sergipe (deputado estadual); Maranhão e Rio de Janeiro (para deputado federal), pelos partidos PT (2), PSOL (2) e PSB (1).

A necessária reforma do sistema político

Assim, ainda que possamos identificar candidaturas mais plurais do ponto de vista da diversidade étnico-racial e de gênero, novos(as) candidatos(as) enfrentarão um sistema eleitoral que continua jogando contra a democratização dos espaços de poder. Em 2014, por exemplo, das 30% candidatas mulheres, somente 10% foram eleitas para o Parlamento. Destas, menos de 4% eram negras (pretas e pardas). Elas enfrentam o machismo e o racismo nas campanhas, e também são as candidatas com menos recursos para divulgar suas propostas aos eleitores.

Em relação ao recorte de raça/cor, embora o balanço racial das candidaturas se aproxime um pouco mais do perfil da população brasileira, no voto a situação muda, pois o racismo e o machismo operam também na hora da escolha pelos eleitores e se concretiza em espaços de poder ocupados majoritariamente por brancos.

Como vimos, nem todos os partidos cumpriram a cota de 30% de mulheres no pleito. As candidatas são, em geral, mais jovens e disputam os cargos de deputada estadual e federal, havendo muito menos mulheres candidatas para ocupar o Senado, os governos estaduais e a Presidência. O mesmo ocorre ao considerarmos o perfil étnico-racial. Uma estratégia adotada pelos partidos para dialogar com as eleitoras parece ter sido garantir mulheres no lugar de vice ou suplente.

Vitória dos movimentos sociais, o fim do financiamento empresarial de campanhas é uma realidade, mas não veio acompanhada de mecanismos de financiamento público que equilibrem o jogo: candidatos com patrimônio e renda altos acabarão se beneficiando do novo modelo. Isso porque o fundo público criado usa os mesmos critérios de partilha que o fundo partidário e tempo de TV, favorecendo os grandes partidos. Outro desafio para a maioria das candidaturas, especialmente as novas, é dialogar com o eleitor que não vota em ninguém: a soma de abstenções, brancos e nulos representou cerca de 29% do eleitorado em 2014 e 32,5% em 2016. Iniciativas inovadoras têm surgido para enfrentar este cenário, como a plataforma Mulheres Negras Decidem e as candidaturas coletivas.

Em 2014, demonstramos como o Congresso Nacional eleito se assemelhava em muito às casas grandes do período colonial brasileiro: branco, masculino, proprietário; além de machista e comprometido com bancadas econômicas e religiosas. Assistimos à forma como, desde então, estes parlamentares têm atuado, compactuando com a violação de direitos de mulheres, juventude negra, LGBTI, indígenas e quilombolas, e também contra os trabalhadores e grupos mais pobres da sociedade. Neste sentido, podemos afirmar que sem uma reforma ampla e participativa do sistema político, pouco ou nada avançaremos em termos de representatividade, diversidade e superação das desigualdades no processo eleitoral brasileiro.

 

*Tratamento da base de dados realizado por: Nailah Veleci, Consultoria em Estatística.

Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias

Nos dias 14 e 15 de agosto, nossa assessora política, Cleo Manhas, participou do XII Seminário Prazer em Ler: Bibliotecas Comunitárias na Promoção do Direito Humano à Leitura, em São Paulo.

Inspirada pelos debates e trocas de experiências vivenciados nesses dias, ela escreveu um texto sobre o universo das bibliotecas comunitárias, as quais descreve como mosaicos: nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, mas que ao se juntarem, formam algo iluminador, com potencial transformador. Confira:

Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias

Por Cleo Manhas. assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Mosaico: a figura que vem à mente é uma peça de mosaico colorido, criado para reciclar o que aparentemente não teria outro destino a não ser o descarte e se transforma em obra de arte. O poder de criar vidas das cinzas. É desta forma que percebo as bibliotecas comunitárias. Pequenos núcleos incrustados em lugares onde um senhor chamado Estado não quer entrar, pois não quer combater uma injustiça conhecida por desigualdade.

Desde jovens desejamos salvar o mundo das intempéries criadas pela própria humanidade, com pensamentos grandiosos, projetos volumosos e poderosos. Com o passar do tempo e com mais experiência, vamos percebendo os mosaicos, nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, fagulhas, enfim, que ao se juntarem formam algo iluminador, com potencial transformador. Assim são os inúmeros projetos espalhados pelos cantos das cidades e dos campos. Levando uma vida nova às pessoas, uma vida ampla, com a qual não ousavam sonhar e agora encontram nas páginas mágicas dos livros. E também nas vozes de mediadores e mediadoras de leitura, que conseguem traduzir letras em histórias, lapidando palavras para ampliar o mundo e transportar para além dos muros das aldeias.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, nos apresentou em seu livro acerca da “democratização da democracia”, ou “contra o desperdício da experiência”, que há em vários cantos revoluções silenciosas, que mudam o destino das pessoas, que fortalecem grupos e permitem que juntos sejam mais poderosos e anseiem por justiça. E essas experiências precisam ser sistematizadas, reaplicadas e perpetuadas. Precisam entrar para a história, aquela não contada nos livros tradicionais, ocupados com as nobrezas, os eternos mandatários, os patrimonialistas, os patriarcas – ontem de botas e guaiacas, hoje de terno e gravata.

Esses pequenos pontos de luz vão escrevendo e publicando as “outras” histórias, de resistência, luta e sobrevivência, na arte dos encontros periféricos, nos saraus que as fazem mais fortes porque juntas. Nos chamados Slams de poesia em diferentes periferias ou juntando todas elas para trocar energias para os novos rounds de uma luta cotidiana contra o racismo, o machismo, as desigualdades que marcam os corpos.

Onde meninos negros como Bruninho crescem e percebem que podem sonhar para além de serem atendentes das lojas dos shoppings centers, recebendo os “pleibas” do andar de cima, que os subjugam todos os dias. Que percebem que não precisam alisar os cabelos para ficar com franjas “de emo”, pois os seus cabelos crespos constituem, também, suas identidades e os fortalecem para a batalha diária de se manterem vivos, pois o capitalismo mata um menino negro a cada 6 minutos.

Onde meninas tomam microfones em suas mãos, a princípio com nervosismo – afinal foram criadas ouvindo e sentindo que não são do espaço público – e relatam vivências, desenvolvem sororidade com as “manas”, transformam-se em seres do espaço público para lutar contra o patriarcado. Revolução cotidiana que acontece todos os dias em vários cantos, com ou sem mediação, mas sempre com pessoas autônomas, soberanas, que sabem que precisam fortalecer suas identidades periféricas para tomar as cidades, para mostrarem as caras e lutar por direitos, cada vez mais raros. Pessoas raras! Luz Ribeiro diz em sua poesia, “Não me vista de culpa, já sei me cobrir de alegria”. Ou Mel Duarte, que mostra a cara dizendo “(…) sou filha da luta, da puta, a mesma que aduba esse solo fértil, a mesma que te pariu!

Experiência que tem urgência de escrita para multiplicação, espaços poderosos de soberania sem senhores, ao contrário, facilitam a autonomia, mudam vidas, multiplicam ativistas. Aprendi só agora que biblioteca não é espaço intocável, de silêncio e solidão, mas de encontros, trocas, festas, teatros, músicas, leituras coletivas de construção de mosaicos. Vida longa às bibliotecas comunitárias, contra o desperdício da experiência, pelo compartilhamento desse saber coletivo.

>>> Leia também “Orçamento público para promover o direito humano à leitura”

>>> Saiba mais sobre o universo das bibliotecas comunitárias

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Especialista da ONU: “Economia e direitos humanos não podem estar separados”

O especialista independente da ONU sobre dívida externa, finanças públicas e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, foi o palestrante principal, no último dia 9, em São Paulo, do seminário “Impactos de medidas de austeridade em direitos humanos”.

Promovido pelo Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, contou com a participação de movimentos sociais, conselhos nacionais de políticas e organizações da sociedade civil, entre elas o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O encontro aconteceu em um contexto de corte de gastos, por parte do governo, em áreas fundamentais para a sociedade, como saúde e educação. Para o especialista, “economia e direitos humanos não podem estar separados”.  Ele elencou algumas consequências das crises econômicas, agravadas pelas políticas de austeridade adotadas recentemente em países como o Brasil: “aumento dos suicídios em alguns países, exclusão de pessoas da saúde pública, e erosão dos sistemas de saúde pública”.

Assista ao vídeo com a íntegra do seminário:

Em maio deste ano, Bohoslavsky fez parte do grupo de sete especialistas que enviou um comunicado interno ao governo federal recomendando que o Brasil reconsidere seu programa de austeridade econômica e coloque os direitos humanos da população no centro de suas políticas econômicas. O documento utilizou como uma das fontes, o Informe “Direitos humanos em tempos de austeridade”, produzido pelo Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR, na sigla em inglês), sobre os efeitos negativos do “teto dos gastos” no Brasil.

Versão ampliada

Uma versão ampliada desse estudo foi lançada nesta semana, com um aprofundamento da avaliação dos impactos da austeridade sob a lente dos princípios internacionais de direitos humanos.

>>> Baixe aqui o estudo Monitoramento dos Direitos Humanos em tempos de austeridade no Brasil

“Neste estudo, analisamos, por meio dos cinco pilares da Metodologia Orçamento & Direitos do Inesc e da Metodologia OPERA do CESR, como os cortes orçamentários nas políticas para as mulheres, no programa de aquisição de alimentos – PAA e no Programa Farmácia Popular afetaram os direitos das mulheres, de alimentação saudável e de acesso a medicamentos” explicou Grazielle David, assessora política do Inesc.

De acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em momentos de adoção de medidas de consolidação fiscal existem princípios de direitos humanos que devem ser observados. Segundo esses princípios, as medidas devem ser: temporais, necessárias e proporcionais, não discriminatórias e garantidoras do conteúdo mínimo dos direitos.

“Ao final do documento, consideramos essencial revogar a EC-95 do ‘Teto dos Gastos’, uma vez que ela não atende a nenhum desses critérios, o que já coloca o Brasil numa situação de descumprimento de relatórios da ONU e de tratados dos quais é signatário” conclui Grazielle.

Orçamento público para promover o direito humano à leitura

Representantes dos coletivos que integram a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) estiveram reunidos, entre os dias 6 e 8 de agosto, em encontro promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em Brasília.

A reunião encerrou um ciclo de formações locais sobre orçamento público e direitos humanos e Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Mrosc) que ocorreu entre 2017 e início de 2018. Neste período, a equipe do Inesc percorreu oito cidades realizando as oficinas junto às redes locais: Rio de Janeiro, Fortaleza, Nova Iguaçu, São Paulo, Olinda, São Luís, Belo Horizonte e Salvador.

Posteriormente, foi realizado um processo de tutoria à distância, que auxiliou no aprofundamento de conteúdos e acompanhamento da incidência política das redes de bibliotecas comunitárias nos Planos Plurianuais locais e nos projetos de Leis Orçamentárias.

De acordo com as educadoras e educadores do Inesc, todo o processo formativo evidenciou a necessidade de uma construção participativa e efetiva de Planos Municipais e Estaduais de Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB) e a sua inclusão nas leis e projetos que determinam o orçamento público de cada cidade.

Para Cristine Lima, da Rede LiteraSampa,  as formações do Inesc  ajudaram a construção da incidência política nos municípios. “Nos deu e tem dado ferramentas para entender o ciclo orçamentário e conseguir incidir nele pela perspectiva dos direitos humanos, entendendo que a sociedade civil pode e deve participar dessa disputa do orçamento na garantia de direitos, no nossa caso, o direito humanos à literatura”. Assista ao depoimento da Cristiane:

Celina Santos, da Baixada Literária (RJ) conta como a formação em orçamento e Mrosc tem ajudado a Rede a lutar para que o Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura seja efetivado como uma política pública que possa ajudar o município a crescer. Confira:

Já Ladailza Teles, da Rede de Bibliotecas Comunitárias de Salvador, contou que a Rede tem buscado discutir com o poder público a importância de garantir recursos para livros, leitura e bibliotecas. “Temos tentando envolver outros atores sociais, porque é uma política pública importante para toda a cidade”, afirmou.

Metodologia Orçamento & Direitos

As formações utilizaram a metodologia Orçamento & Direitos, desenvolvida pelo Inesc, que analisa o orçamento público, tanto as receitas como as despesas, pela lente dos direitos humanos. Durante o encontro, os participantes receberam a cartilha com a sistematização da desta metodologia, traduzida em uma linguagem de educação popular, voltada a educandos/as e multiplicadores/as.  Stephano Santana, da Rede Releitura (PE), explica como o material elaborado pelo Inesc pode ajudar ainda mais nos processos formativos e de incidência:

>>> Baixe aqui a metodologia Orçamento & Direitos

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Ações do documento

Cartilha para Multiplicadores e Multiplicadoras (2018)

Livro Metodologia Orçamento & Direitos (2018)

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