O abismo de fim a meio: o discurso do Bolsonaro na ONU

Com um misto de vergonha e desejo de mostrar ao mundo o que se passa no Brasil esperávamos o discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia da ONU. A realidade superou as expectativas e, embora nada do que foi dito seja novidade, o discurso explicitou ao mundo o pensamento do governo brasileiro.

A Amazônia e os povos indígenas ocuparam 11 dos 31 minutos de um discurso que também foi marcado por sucessivas falas sobre como o país está “se reerguendo” e superando um sistema ideológico de pensamento que avançava nos terrenos da cultura, famílias, escolas, universidade e na alma das pessoas.

Por trás do discurso surreal, contudo, está um projeto para a região amazônica, uma “nova operação Amazônia”, que não pode existir sem penetrar nas Terras Indígenas. Nada mais explícito a respeito disto do que as duas principais menções registradas pelo discurso: Agricultura e mineração em Terras Indígenas. Isto, claro, além da afirmação de que não haverá novas demarcações.

Apesar de a introdução do tópico “Amazônia” ter sido ansiosamente esperada, o presidente reforçou apenas a narrativa que já vem sendo trabalhada à exaustão pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e outros agentes públicos, sem obter grandes resultados com os interlocutores internacionais, a saber:

  • A supremacia do discurso desenvolvimentista sobre a abordagem socioambiental como instrumento de combate à pobreza;
  • A necessidade de uma agenda de investimentos que combata o “vazio demográfico amazônico” e promova a proteção à soberania nacional;
  • A eliminação do que foi recentemente apelidado de “ecoideologia”, compreendida como cultura fiscalizadora e tuteladora dos povos e comunidades tradicionais; e
  • Crítica aos interesses econômicos e financeiros das organizações da sociedade civil com ligações internacionais.

Na visão do governo, tais medidas facilitarão uma melhor qualidade de vida nas áreas empobrecidas da Amazônia, estimulando o empreendedorismo indígena, a saúde e a educação. Por isso, o presidente clama por uma “nova política indigenista no Brasil”, que julga mais moderna, o que podemos interpretar, igualmente, como mais colonizadora. Um avanço que não respeita os direitos e os modos de vida dos povos e comunidades tradicionais em prol do crescimento.

Se é verdade, no entanto, que o discurso do presidente Bolsonaro põe diante de nós um abismo aparentemente inescapável, também é verdade que toda situação extrema aguça a imaginação e estimula a elaboração de saídas. Embora grave, queremos pensar o abismo não como um fim, mas como um meio que levanta os movimentos e a sociedade e impulsiona a defesa da Amazônia. Este é o primeiro movimento, e crucial, para enfrentar o horror que o presidente pôs diante de nós.

Leia também: Soluções para as queimadas na Amazônia já existem

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Credibilidade orçamentária no Brasil

Em 2018, o International Budget Partnership (IBP) promoveu estudo sobre credibilidade do orçamento, realizado em parceria com 24 organizações da sociedade civil em 23 países, entre outubro de 2018 e janeiro de 2019. Desafios de credibilidade orçamentária surgem em todo o mundo, em uma ampla gama de setores e programas, e impactam a transparência das contas públicas. Dado o grau em que as mudanças no orçamento podem afetar as principais prioridades sociais em saúde, educação e além, é essencial que os governos comuniquem à sociedade informações confiáveis.

Cada organização parceira identificou um desafio de credibilidade orçamentária em seu país e analisou um caso em que o governo não conseguiu garantir receitas que estavam previstas no início do ano fiscal, ou que as metas previstas nas políticas públicas não eram viáveis pelo que foi programado pelo governo, ou ainda, casos de baixa execução de orçamento garantido para o qual não havia explicação oficial do governo. Os parceiros procuraram explicações para as alterações no orçamento em documentos publicados e depois procuraram realizar entrevistas com funcionários públicos. Embora as descobertas do estudo mostrem que a maioria dos governos não publica explicações adequadas para mudanças orçamentárias, elas também sugerem que isso é possível e relativamente fácil.

Brasil:

O Inesc[i] participou do estudo com o tema do orçamento público para as mulheres no Brasil, considerando especificamente o programa Políticas para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento a Violência, no período de 2013 a 2017. Foram analisados os seguintes documentos oficiais:

  • Plano Pluri-Anual (PPA) 2016-2019
  • Lei Orçamentária Anual (LOA)
  • Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, elaborado pelo Tesouro Nacional
  • Relatório de Gestão da Secretaria de Políticas para as Mulheres
  • Relatório Anual de Prestação de Contas da Presidência da República, divulgado pela Controladoria Geral da União (CGU)

Onde estão as explicações para mudanças no orçamento?

Nenhum desses relatórios explicou por que esse programa específico teve baixa execução orçamentária ou as razões para o contingenciamento de recursos. No entanto, o Relatório Anual de Prestação de Contas da Presidência da República fornece algumas explicações gerais sobre por que as mudanças orçamentárias foram feitas. Por exemplo, em 2013 o referido relatório afirma que ajustes foram feitos com “o objetivo de evitar perdas para o desenvolvimento das ações prioritárias do governo, sem, no entanto, comprometer as metas fiscais”.

O governo concordou em ser entrevistado?

Parcialmente. Os pedidos de entrevista foram enviados ao Departamento de Políticas para as Mulheres e ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, mas eles não foram respondidos. Foram feitos pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo E-sic ao Ministério dos Direitos Humanos, que inclui o programa das mulheres, e o Ministério do Planejamento. O primeiro afirmou que os recursos foram cortados do programa porque o Departamento de Políticas para as Mulheres passou por reformulação interna, que impactou a gestão. O segundo reafirmou a autoridade legal do governo para modificar o orçamento, sem dar uma explicação do motivo pelo qual foram feitas alterações específicas.

As razões de mudanças no orçamento durante o ano fiscal, apresentadas pelo governo, são adequadas?

Os tipos de justificativas apresentados em documentos oficiais são gerais e não podem explicar mudanças no nível do programa. Por exemplo, as explicações oficiais enfatizam os ajustes no orçamento geral para atingir as metas fiscais sem comprometer as ações prioritárias, mas não explicam quaisquer compensações específicas feitas. Entrevistas com funcionários renderam apenas argumentos genéricos. Nem o Ministério do Planejamento nem o Departamento de Políticas para Mulheres assumiriam a responsabilidade pelos cortes em itens específicos dentro do orçamento da Secretaria. No entanto, a evidência mostra que escolhas estão sendo feitas: com efeito, nem todos os programas estão em declínio e alguns até estão melhorando sua execução ao longo do período. Em 2013, a Assistência às Mulheres em Situação de Violência executou 52,6% de sua alocação e, em 2017, apenas 26,4%, mas, no mesmo período, o Serviço de Atendimento à Mulher passou de um patamar de 52,6% de execução para 79,5%. Nenhum dos argumentos apresentados pode explicar esses padrões. Importante sinalizar que a legislação[1] que rege os decretos de programação não exige a apresentação de motivações no seu conteúdo.

Sobre o contingenciamento

Para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal[2], o orçamento sofre ajustes durante a execução orçamentária anual por meio dos Decretos de Programação Orçamentária, um instrumento pelo qual o Governo autoriza o desembolso mensal de despesas, com exceção dos gastos com Pessoal e Encargos Sociais, Juros e Encargos da Dívida Pública e Operações de Crédito, além de algumas outras despesas muito específicas e de diminuta dimensão (como gastos de recursos provenientes de convênios com instituições multilaterais). De acordo com a legislação orçamentária[3] essa programação de desembolso ajusta o ritmo de execuções financeiras ao fluxo de arrecadação durante o ano, sendo acompanhada de avaliação periódica da receita.

Durante os cinco anos analisados, esses decretos apresentam impactos bastante relevantes para os órgãos responsáveis pelas políticas voltadas para as mulheres. A Tabela 1 expõe como os decretos de programação orçamentária alteraram, por meio do Limite de Movimentação e Empenho dos órgãos[4], a autorização de despesas da dotação inicial, elaborada pelo próprio Governo. Nos três primeiros anos, os dados se referem à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de Ministério. Com a fusão de pastas, a SPM passou a integrar o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos em 2016, e em 2017 se tornou um setor dentro do Ministério da Justiça e Cidadania. Desse modo, se tornou inviável identificar o contingenciamento específico para a política de mulheres, uma vez que os decretos incidem somente sobre os montantes dos Ministérios: se os cortes fossem realizados por programa orçamentário, seria mais transparente inclusive em casos de mudança na estrutura da política pública. Também nesses dois últimos anos, os decretos não apresentaram a dotação inicial dos valores a que se referem discriminados entre despesas obrigatórias e discricionárias.

A relação entre o orçamento autorizado e a reprogramação orçamentária realizada por decreto em relação às metas físicas é muito frágil. Analisamos dois Relatórios de Avaliação do PPA para este estudo, aquele com ano base 2014[5], e aquele com ano base 2017[6]. No relatório ano base 2014, há uma descrição sobre as metas alcançadas naquele ano[7] como por exemplo entrega da primeira Casa da Mulher Brasileira[8] e de ampliação da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência[9], mas estas informações não são apresentadas com dados orçamentários de dotação autorizada ou reprogramação por decreto. Ou seja, o custo da política não está transparente em relação a suas metas físicas.

*Após o fim da pesquisa, o Inesc realizou incidência junto ao Portal Siga Brasil para que disponibilizasse os dados do contingenciamento por programa e ação. O Portal disponibilizou a informação entre os anos 2017 e 2019, o que impacta positivamente a credibilidade do orçamento

Restos a Pagar

Os restos a pagar representam parte importante da execução financeira em algumas áreas, como ocorre nas políticas para mulheres, bem como experimenta níveis baixos de execução em diversos anos – ainda que neste caso, seja uma execução em média maior em termos absolutos que a do recurso da LOA –, conforme apresenta a Tabela 2.

Para mais informações, acesse:

>>> O detalhamento da pesquisa 

>>> Informações por país

>>> Resumo Executivo Brasil

 

[1] Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964; Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967.

[2] Lei Complementar nº 101, de 2000.

[3] Decreto-Lei n. 200/1967; Lei n. 101/2000.

[4] De acordo com a legislação orçamentária (LCP 101/2000), os decretos de programação não incidem sobre despesas com pessoal e encargos sociais, despesas financeiras, e despesas de recursos provenientes de doações e convênios.

[5] http://www.planejamento.gov.br/assuntos/planeja/plano-plurianual/ppas-anteriores

[6] http://www.planejamento.gov.br/noticias/abertura-do-monitoramento-tematico-do-ppa-2017

[7] Sumário Executivo, página 61.

[8] Meta PPA 2012-2015: 25 casas construídas.

[9] O relatório fala em 497 delegacias especializadas, mas não existe meta numérica nem linha de base para esta ação no PPA 2012-2015, apenas meta de ampliação da rede.

[i] Pesquisadores responsáveis no Inesc: Nathalie Beghin (Coordenação), Carmela Zigoni e Matheus Magalhães.

Cuidar de quem cuida

No final do mês de agosto, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promoveu um dia de atividades com familiares de adolescentes que cumprem medida socioeducativa. O objetivo foi propiciar um ambiente de acolhimento para aquelas (es) que sempre cuidam, a maioria mães.

O encontro aconteceu no Espaço Cultural Palco, no Varjão (DF), e reuniu 25 pessoas. Foram ofertadas atividades com a abordagem da pedagogia Griô, terapias, massagens, beleza negra (com trançadeira), cirandas, brincadeiras e muita dança. Ao final, cada familiar pôde escrever cartas para seus filhos, sobrinhos e primos que ainda estão cumprindo a medida socioeducativa em meio fechado.

Além das atividades com as famílias, o encontro – realizado no âmbito do projeto Vozes da Cidadania, uma iniciativa do Inesc que promove atividades formativas nas Unidades de Internação – contou com a preciosa participação de jovens egressos e egressas.

Foto: Webert da Cruz

O cuidado, a escuta e o olhar para os familiares da socioeducação são importantes para romper com o ciclo de culpabilização de mão única, afirma Thaywane, psicóloga e educadora do projeto Vozes da Cidadania. “Por vezes, a família não é vista como aliada do processo socioeducativo. No fazer socioeducativo, a família é acionada meramente para compor avaliações ou trazer informações acerca do jovem em cumprimento de medida socioeducativa”, afirmou.

Thaywane conta que não é fácil ter um parente na restrição de liberdade. “O adolescente não está preso sozinho. A família também se encontra emaranhada nessa rede do encarceramento”, disse a educadora.

Privação em massa

A realidade de profundas desigualdades e uma organização social com base na exploração de corpos negros e periféricos amplia a incidência da violência na vida dessas famílias. Esse contexto, portanto, deve ser lido com mais profundidade, como uma questão de toda a sociedade e do Estado.

“Errou sim, mas vamos saber o porquê o adolescente errou? Vamos saber a trajetória da vida dele, por que aconteceu isso?” questionou a tia de um dos adolescentes do projeto. “Muitas vezes a família não tem apoio”, contou a familiar. Ela defende que as famílias também fazem parte desse processo de reeducação dos adolescentes.

É muito comum relatos de noites mal dormidas, nervosismo, angústia e medo durante o período de cumprimento da medida socioeducativa de internação pelos familiares. “Oportunizar e criar espaço de cuidado a essas pessoas é fortalecer a resistência desses corpos, é denunciar o descaso tão naturalizado para com esse grupo”, afirmou a educadora do Inesc Dyarley Viana, pedagoga que conduziu o encontro.

Dyarley conta que “esses familiares, em grande maioria, são mulheres negras. Para além da questão de gênero, esses familiares têm corpos periféricos”. Ela diz que reconectar, reconhecer e abrir espaço para a humanidade desse grupo é fundamental. “O cuidado nutrido nesses encontros chega nos adolescentes”, acredita.

“Amei estar aqui”, disse uma mãe. “Era o que eu precisava”, “vou começar a ver mais meu filho” disseram outras durante o encontro.

Foto: Webert da Cruz

Afeto diferencial

Márcia Acioli, assessora política do Inesc, acredita que o afeto é uma dimensão essencial nas relações sociais. “O cuidado como exercício coletivo proporciona o fortalecimento de redes e é essencial para mudanças culturais tão necessárias para uma sociedade mais justa”, diz a assessora.

O projeto Vozes da Cidadania é vinculado à iniciativa ONDA – Adolescentes em Movimento Pelos Direitos, do Inesc, e trabalha formação política e cidadã com os adolescentes da socioeducação. A proposta inclui as famílias por serem importantes referências para os/as adolescentes e que, uma vez fortalecidas, podem ajudar.

“O foco não se restringe ao mero cumprimento da medida, mas preocupa-se com o que vem depois. Cuidar dessas famílias é preparar o solo para que adolescentes tenham acolhida, possibilidade de ser e sonhar. Cuidar da família não é cuidar só de pessoas, é cuidar do mundo” acredita Thaywane.

“Fortalecer quem está ‘livre’ e tem em sua liberdade o exercício de construir horizontes de esperança com quem está preso é calçar pés desnudos de justiça social e acolher em cuidado seus rastros e passos pela liberdade dos seus”, explica Dyarley.

Diante de tanta beleza e potência, os passos coletivos fortaleceram não só as mães e familiares, mas a equipe inteira do projeto que também tece a rede que ampara e dá suporte à construção da tão ansiada justiça social.

Inesc lança campanha pela regulamentação do transporte como direito

Desde 2015, o transporte é um direito social garantido pela Constituição Federal. Esse direito, no entanto, nunca se concretizou. Para que a decisão passe a valer é preciso que o poder público diga como será implementada. É por isso que, por meio do projeto MobCidades, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lança nesta quarta-feira (18), a campanha “Próxima parada: embarque por direitos”, em parceria com a Rede Cidades por territórios justos, democráticos e sustentáveis.

A campanha visa chamar a atenção da sociedade e do Poder Legislativo para a importância da efetivação da medida. “O direito ao transporte diz respeito à forma como se acessa as cidades e seus equipamentos públicos, ou como se dá a convivência nos espaços compartilhados. É do direito à cidade e do combate às desigualdades que estamos falando”, explicou Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

Os direitos sociais são aqueles que garantem aos indivíduos o usufruto dos direitos fundamentais, para que tenham vida digna e gozem das políticas com igualdade de condições. Contudo, a população brasileira, principalmente a mais pobre, paga altas tarifas para conseguir acessar equipamentos públicos importantes, como hospitais e escolas. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma pessoa que ganha um salário mínimo por mês, chega a gastar cerca de R$110 só em transporte.

A aprovação da Emenda Constitucional 90/2015 foi fruto da mobilização e luta dos movimentos populares, desde os primeiros anos da década de 2000, com o surgimento do Movimento Passe Livre (MPL) em várias cidades brasileiras, devido à dificuldade da população arcar com as altas tarifas do transporte coletivo.

Tarifa zero

Um manifesto que pede transporte gratuito e de qualidade para todas (os) será entregue em audiência pública na Câmara dos Deputados, prevista para acontecer em outubro.

A proposta para que o transporte venha a ser um direito de fato chama-se Tarifa Zero e passa pela criação de um fundo de financiamento público. Por isso, além do manifesto, o Inesc vai apresentar ao Poder Legislativo um estudo, elaborado pelo pesquisador Carlos Henrique Carvalho, com uma proposta de custeio solidário entre os três entres da federação, que reduza progressivamente as tarifas do transporte público urbano.

Audiências públicas

Como parte da campanha, três audiências públicas na Câmara dos Deputados discutirão o transporte como direito da sociedade, em diferentes perspectivas:

Dia 16/10 – Gênero, raça, acessibilidade e mobilidade urbana
Dia 23/10 – Energia Limpa e Transporte Coletivo
Dia 30/10 – Financiamento do transporte público: alternativas à tarifa
Horário: sempre às 15h30
Local: Comissão de Legislação Participativa | Plenário 3 | Câmara dos Deputados – Anexo II, Brasília – DF
Informações: 3212-0200
>>>Confirme presença no evento

Orçamento para mobilidade

Ao longo da campanha, o Inesc vai apresentar ainda um diagnóstico da situação do orçamento público direcionado à mobilidade urbana em nível federal e municipal. Os orçamentos temáticos municipais são fruto das formações do projeto MobCidades – Mobilidade, Orçamento e Direitos, que reúne dez organizações da sociedade civil em diferentes cidades brasileiras. A iniciativa visa fortalecer e fomentar a participação popular na gestão da mobilidade urbana, com foco na garantia do direito à cidade e ao transporte.

“Na maioria das cidades o gasto maior é com transporte individual. Faltam investimentos em acessibilidade, iluminação de calçadas e ciclovias. Além disso, nem sempre um gasto com transporte coletivo é sinal de atendimento das demandas da população. Por isso, é tão importante a participação popular e o monitoramento da gestão do orçamento da mobilidade”, defendeu Cleo Manhas.

Para mais informações sobre a campanha, acesse: www.embarquepordireitos.org.br e acompanhe as redes sociais do Inesc e Mobcidades!

Projeto da Ferrogrão, alvo de disputa internacional, segue sem consulta prévia aos povos indígenas

Uma ferrovia de 933 km de extensão, do Mato Grosso ao Pará, para escoar grãos e outras mercadorias, com custo previsto de R$ 14 bilhões, uma concessão de 65 anos e que acumula violações socioambientais e jurídicas. A Ferrogrão consegue ser rejeitada tanto por povos indígenas quanto por caminhoneiros e é alvo de ações do Ministério Público.

Em audiências públicas esta semana em Itaituba e Novo Progresso, no Pará, uma nova rodada de debate colocou a ferrovia em xeque. Com a presença de aproximadamente 70 pessoas, representantes das comunidades de Trairão e Miritituba questionaram o próprio acesso e o formato da audiência, em local e horário impróprio para a participação dos trabalhadores. Com apenas 3 minutos para a fala de cada inscrito e um cronômetro intimidatório rodando no telão, prática que não é comum em audiências do tipo, pouco se avançou.

Na avaliação do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a ausência do governo do Pará mostra a fragilidade da audiência do ponto de vista legal, uma vez que o Ministério Público Federal mantém sua posição sobre as consultas prévias aos povos indígenas, como exige a Constituição.

Do outro lado da história está o governo federal e o lobby de grandes traders multinacionais como Cargill, Bunge, ADM, Louis Dreyfus e outras. No meio, o contexto de pressão crescente sobre o território amazônico via o aumento exponencial do desmatamento, as queimadas, a grilagem de terras e centenas de projetos de infraestrutura que o governo Bolsonaro quer retomar.

Em outubro de 2018 a concessão da Ferrogrão foi paralisada por insuficiência de estudos socioambientais. A Justiça Federal em Belém ordenou que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) interrompesse o processo por identificar falhas graves, como omissão das comunidades quilombolas afetadas; cópia de trechos de estudos feitos para as hidrelétricas da bacia do Tapajós; ausência de estudos técnicos prévios essenciais; falta de entrevistas com moradores afetados e ausência de levantamento dos vestígios culturais e arqueológicos no traçado da ferrovia.

Em fevereiro de 2019, o MPF reforçou a necessidade de consulta prévia aos povos indígenas impactados pelo traçado do projeto, exigência da Constituição Federal. Até o momento, o processo correu sem que as comunidades indígenas e tradicionais fossem ouvidas, uma clara violação. Além disso, pelo menos 48 áreas de proteção podem ser impactadas pela obra.

Alessandra Munduruku, liderança indígena do povo que sofre diretamente as consequências dos projetos na região do Tapajós, lembra que a Ferrogrão faz parte de um grande arco de obras com impactos sistêmicos que incluem hidrelétricas, portos, rodovias, mineração, desmatamento, invasões e grilagens de terra.

“A gente tem medo de andar na cidade, de ir sozinho, porque a ameaça está sendo muito grande. As pessoas que brigam pelos rios, pelos assentados, estão sendo ameaçadas de morte. A Ferrogrão vem para prejudicar ainda mais nosso território e a vida dos povos indígenas”, declara Alessandra.

Outro povo afetado são os Kayapós, que também se articulam para resistir ao projeto. No total, 19 etnias estão no arco de influência da obra. A Ferrogrão é considerada uma prioridade para o governo de Jair Bolsonaro (PSL). O ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, já afirmou que a licitação deverá sair entre 2019 e início de 2020, e que a ferrovia representaria uma “segunda revolução do agronegócio”.

Na avaliação de Felipe Palha, procurador do MPF em Belém, a consulta prévia deveria ser realizada antes mesmo do leilão ou da análise do edital pelo TCU. “A concessão da obra nesse momento, sem a participação dos povos afetados, seria um desastre social e ambiental. Pensamos que a consulta prévia deve ser anterior ao licenciamento ambiental, para que a população afetada possa influenciar inclusive na decisão de viabilidade ou inviabilidade do projeto”, afirma Palha, em entrevista.

Segundo o procurador, o governo federal firmou um compromisso de respeitar a consulta, o que está sendo descumprido integralmente.

Jogo de interesses internacional

Levantamentos setoriais indicam que a estimativa é de escoar até 20 milhões de toneladas de grãos do Mato Grosso pelos portos da Bacia Amazônica via Ferrogrão. Todo esse volume deixaria de circular pelas rodovias, como a BR 163, o que afeta diretamente os milhares de caminhoneiros que trabalham no trajeto.

O sindicato dos caminhoneiros entrou com ações civis que deram origem ao bloqueio inicial da concessão na justiça. Eles pedem a anulação do relatório da ANTT, mais audiências públicas e apresentam como alternativa a duplicação da BR 163 e a retomada do Projeto “BR 163 Sustentável”, lançado em 2006 e atualmente parado.

A área de influência da rodovia envolve 1,232 milhão de km2, que inclui 79 municípios dos Estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas. Teoricamente, o plano seria baseado na valorização da floresta em pé, em cadeias produtivas sustentáveis e na participação das comunidades locais.

O problema é que a BR-163 já é, sozinha, um grande vetor que impulsiona o desmatamento. A região dos kayapós, por exemplo, foi duramente afetada pela construção da rodovia 163. Desde 2000, o desmatamento no entorno das terras indígenas Baú e Menkragnoti saltou de 11,5 mil km² para 32,6 mil km², segundo dados do Instituto Kabu, organização formada por 12 aldeias de kayapós.

Nesse contexto, cresce a pressão dos interesses internacionais envolvidos na questão, das principais traders ao poder econômico chinês, totalmente disseminado na Amazônia.

A América Latina é fruto de disputa cada vez mais intensa entre os EUA e Pequim: dependência de exportação de commodities sem desenvolvimento e diversificação da agricultura e indústria locais, acirramento de conflitos sociais, ambientais e laborais, financeirização excessiva sem controles internos eficientes, pressões políticas, lobby e falta de transparência. A Amazônia ocupa espaço central nisso.

Nos últimos dez anos, US$ 71 bilhões foram gastos pelos chineses para garantir aquisições de empresas no continente e a China já compra mais de um quarto de toda a exportação de commodities da América Latina. O estoque atual de investimentos chineses na região é de US$ 207 bilhões, sobretudo em infraestrutura, energia, mineração, hidrocarbonetos, agronegócio e tecnologia.

As transações comerciais chinesas com a América Latina já superam US$ 200 bilhões. No âmbito financeiro, a China forneceu crédito de 141 bilhões de dólares na última década para os países da região, superando o fornecido por instituições como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial.

Entenda o Projeto de Lei Orçamentária Anual em 5 infográficos

O Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional, no dia 30 de agosto, o Projeto de Lei Orçamentária Anual 2020 (PLOA 2020). Nele estão contidos todos os gastos que o governo pretende realizar no próximo ano.

O PLOA é entregue junto com o Plano Plurianual (PPA) e ambos precisam de aprovação do Legislativo até 22 de dezembro.  Estes dois instrumentos do ciclo orçamentário estruturam as prioridades e gastos governamentais. O PPA, que foi analisado pelo Inesc, estabelece as diretrizes, metas e prioridades para os próximos quatro anos. Já o PLOA, possui um recorte anual e estima as receitas e despesas do governo.

Com um texto de mais de quatro mil páginas e de caráter muito técnico, o Projeto de Lei Orçamentária Anual é de difícil entendimento para a sociedade.  No entanto, isso não deve inibir o controle social, visto que todos os gastos governamentais devem estar na LOA. Por isso, separamos cinco infográficos que destacam pontos importantes do PLOA.

Teto dos Gastos: para onde foram os cortes?

Após entender o que é o PLOA, vamos às suas principais informações. O total de despesas estimado no PLOA 2020 é de R$ 1,47 trilhão, enquanto a receita líquida do governo é de 1,35 trilhão – o que significa que o governo está estimando um déficit primário de R$ 124 bilhões, menor do que este ano, que foi de R$139 bilhões.

Devido à Emenda Constitucional 95, também conhecida como Teto dos Gastos, o governo não pode aumentar, para além da inflação, a maioria de seus gastos. O Teto afeta principalmente as despesas discricionárias, isto é, aquelas que o governo não tem obrigação legal de investir (como gastos com incentivo à pesquisa, modernização de hospitais e construção de estradas). Do PLOA 2019 para 2020, essas despesas sofreram um corte de 13,15%, passando de R$ 102,7 para R$ 89,1 bilhões.

Enquanto afeta duramente despesas em áreas essenciais para a promoção dos direitos humanos, incluindo educação e saúde, que têm mínimos constitucionais garantidos, o Teto dos Gastos poupa o pagamento de juros da dívida pública.

Como veremos a seguir, apenas 8 das 31 áreas de gasto assinaladas tiveram seus orçamentos aumentados. Vejamos quais áreas foram afetadas e quais foram beneficiadas pelo PLOA:

 

Quem depende de crédito suplementar?

Para além do Teto de Gastos, os recursos orçamentários devem obedecer à Regra de Ouro, que proíbe o governo a se endividar para cobrir gastos correntes, como salários e o custeio da máquina pública. A solução do governo tem sido colocar uma parte do orçamento condicionada à liberação de créditos suplementares pela Câmara dos Deputados. O valor que será requisitado em 2020, de acordo com o PLOA, é de R$ 367 bilhões, R$ 119 bilhões a mais do que o requisitado pelo governo em 2019.

A escolha entre qual recurso já está garantido no PLOA e qual terá que passar pelo Congresso é uma decisão política, pois fragiliza a capacidade de gasto do governo, condicionando parte dela a negociação com o Legislativo. As prioridades, logo, estão nos recursos já garantidos.

Por exemplo, o Programa Bolsa Família tem R$ 9 bilhões dependendo de crédito suplementar. Mais grave é a situação da Previdência rural, que tem 98% dos recursos à espera de aprovação, ainda sem previsão de votação no Congresso. Este ano, os créditos suplementares só foram liberados em junho.

E as estatais?

Para além dos gastos por área, outro recorte possível é olhar para o orçamento de investimento, que demonstra quanto o governo está colocando nas empresas públicas ou que possui controle acionário. Algumas empresas tiveram grandes cortes, como vemos a seguir.

Os incentivos fiscais e seu tamanho no orçamento público

É fácil se perder nos números da PLOA, pois é difícil entender o que eles significam. Uma comparação entre um ano e outro pode ajudar, como o próximo gráfico demonstra. Além disso, ele aponta para uma questão importante no Brasil, a dos incentivos tributários.

Os incentivos fiscais no Brasil não são transparentes nem avaliados, isto é, não sabemos quem se beneficia, ou se promovem o desenvolvimento e crescimento econômico. O Inesc luta pelo fim do sigilo dos gastos tributários por meio da campanha #SóAcreditoVendo. Apesar de sua opacidade, os incentivos fiscais continuam crescendo e correspondem, em média, a 20% da arrecadação do governo, o que significa três vezes o orçamento do Ministério da Educação e cem vezes o do Meio Ambiente.

>>> Leia também: O PPA do governo Bolsonaro: 4 anos de miséria

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Soluções para as queimadas na Amazônia já existem

O mês de agosto de 2019 possivelmente ficará marcado pelas imagens da floresta amazônica ardendo em chamas. Aos dados que anunciavam o aumento das queimadas somaram-se um turbilhão de eventos críticos: a desqualificação do trabalho do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pelo governo; os efeitos colaterais da fumaça sentidos no centro nevrálgico do país; os insistentes, irresponsáveis e vexaminosos comentários do presidente; a comoção nas redes sociais; e a repercussão internacional, incluindo ameaça de boicote seguida de anúncios transfronteiriços de ajuda financeira e até de intervenção.

Diante desse quadro, não tem sido fácil ordenar o pensamento e a reflexão sobre como chegamos até aqui e como o país deveria enfrentar o problema das queimadas e do desmatamento na Amazônia brasileira. Esta breve reflexão busca ordenar alguns dos elementos que nos parecem centrais para reforçar (porque elas já estão, em grande parte, mapeadas) as medidas urgentes que deveriam ser tomadas para frear a intensificação do desmatamento e das queimadas na região.

É sabido que o problema tem recorrência sazonal, mas tem raízes estruturais que são mais objetivamente identificadas como “vetores do desmatamento”: atividades pecuárias, o avanço da produção do agronegócio, em especial da soja e milho, os investimentos em infraestrutura, a exploração madeireira, a grilagem de terras.

O problema do desmatamento

Este diagnóstico, que é oficial, não é recente. Ele tem sido construído por vários ministérios, com escuta a especialistas, desde 2003, quando em junho daquele ano o Inpe  divulgou dados relativos ao desmatamento na Amazônia Legal.  De acordo com o Instituto, no período de 31 de julho de 2001 a 1 de agosto de 2002, o desmatamento cresceu 40% em relação ao ano anterior.

Originou-se daí o “Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm)” que, com avanços e solavancos, vem sendo executado desde 2003, chegando em 2019 à beira da morte por inanição. Especialistas convergem na avaliação de que o Plano foi fundamental para a redução do desmatamento na Amazônia, principalmente por meio da expansão das áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) e da implementação do sistema de monitoramento por satélite (Sistema Deter), juntamente com ações de fiscalização, conhecidas como medidas de comando e controle[1].

Muita coisa deu errado para que, de novo, chegássemos a dados alarmantes que serviram para nos mostrar que a floresta ainda arde em chamas, e agora ainda mais, pois que elas são alimentadas pelo combustível da insanidade e do crime.

O que deu certo até agora

Mas a história recente também nos mostra o que deu certo e aponta questões que estão no cerne do problema das queimadas e que dependem do Estado brasileiro, de políticas públicas e de orçamento – sem prejuízo da ajuda financeira e do aprendizado gerado por décadas de ação em parceria com a cooperação internacional.

Os estudos e dados fartamente disponíveis também apontam que pode ser efetivo, em prol da melhor percepção das saídas, segmentar o problema do desmatamento e das queimadas por distintas formas de uso e ocupação do solo.

As áreas privadas são regidas pelo Código Florestal; as Terras Indígenas e Unidades de Conservação fazem parte das Áreas Protegidas e possuem marcos legais distintos; os assentamentos de várias modalidades, as terras quilombolas, e as comunidades ribeirinhas, por sua vez, também possuem outros marcos legais que lhes são próprios. Por fim, existem áreas que são de domínio público, mas que não foram destinadas, quer dizer, não são nem privadas nem de domínio coletivo. Todas estas distintas formas de titularidade, posse ou relação com a terra, ainda estão em permanente conflito, pois a situação fundiária na Amazônia segue sendo em grande medida não resolvida.

Sem a pretensão de explorar cada uma destas distintas formas de posse e uso, e sua complexa relação com o controle do desmatamento e das queimadas, apontamos aqui alguns elementos que podem contribuir com este debate.

  • Fiscalização e punição para aqueles que cometem o crime ambiental em áreas de domínio privado:

Uma forma efetiva de coibir o desmatamento e as queimadas em áreas de propriedade privada seria “aplicar multa como a de radar de trânsito a desmatadores”. Esta saída foi apresentada por Tasso Azevedo, idealizador do projeto MapBiomas, em entrevista à Folha de São Paulo. Vale aqui reforçar o ponto.

Trata-se de utilizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) [2], criado a partir de 2012 com a aprovação do Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012),  e cruzá-los com os dados de monitoramento da cobertura florestal gerados por satélites, que identificam alertas de desmate e focos de calor. Segundo Azevedo, o Brasil gerou no ano passado 150 mil alertas entre os três principais sistemas que operam: o Deter, do Inpe; o SAD, do Imazon, e o Glad, da Universidade de Maryland.

Se fosse utilizado o cruzamento informatizado, com os dados existentes, o governo conseguiria saber em qual propriedade aconteceu o desmatamento e o foco de queimada. Mais ainda, saberia se isto aconteceu em área de Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP) e, portanto, se configura ação ilegal, dado que estas áreas não podem ser desmatadas. No caso das queimadas, saberia se a ação foi legal ou não, já que em poucos casos a legislação permite o emprego do fogo com base na “queima controlada”.

Feito isto, segundo o pesquisador, o governo seria capaz de enviar uma multa para o proprietário da área, tão simples como hoje recebemos uma multa ao furar um sinal ou ultrapassar a velocidade em uma via monitorada por radar.

Mais ainda, se fosse tornado público o detentor do CAR, com nome e RG, coisa que hoje não é, qualquer interessado – e todos somos interessados, porque a floresta não deveria ser um bem privado – poderia saber quem são os responsáveis pelo crime ambiental, que também é um crime contra a humanidade.

Se a solução existe, por que não é utilizada?

O primeiro ponto a considerar é que o atual governo tem como uma das suas pautas acabar com o que chama de “indústria da multa”. Na prática, é o mesmo que dizer que ele próprio não cumprirá a lei que estabelece medidas de comando e controle para combater atos ilegais contra o meio ambiente.

Embora seu alvo predileto seja o Ibama, a birra contra instrumentos de controle vai além. Vale lembrar que Bolsonaro já suspendeu o uso de radares móveis em rodovias federais. Ou seja, a solução que legal e tecnologicamente poderia ser adotada hoje encontra resistência pessoal, talvez psicológica, no chefe de governo.

Mas a possibilidade de ser implementada tal solução esbarra, também, em forças econômicas e políticas nada desprezíveis.

O Novo Código Florestal de 2012, sob forte pressão e mobilização dos ruralistas, flexibilizou bastante a punição contra o desmatamento ilegal ocorrido no passado e reduziu as áreas de propriedade rurais que deveriam ser preservadas, ou seja, não desmatadas – as Reservas Legais (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP).

Apesar de tudo, o CAR foi um ganho considerável deste Novo Código Florestal que inovou e ampliou os instrumentos para que as áreas privadas pudessem ser controladas pelo Estado.

Faz parte do CAR a inclusão de coordenadas georreferenciadas, não só das bordas da propriedade, mas de toda a área e com identificação de áreas de RL e APPs, exatamente para que o Estado, por meio do Ibama, possa “monitorar a manutenção, a recomposição, a regeneração, a compensação e a supressão da vegetação nativa e da cobertura vegetal nas áreas de Preservação Permanente, de Uso Restrito, e de Reserva Legal, no interior dos imóveis rurais”[3].

A questão, em síntese, e mesmo que em prejuízo das nuances, é que segmentos dos proprietários rurais, em especial dos grandes proprietários que detêm poder no Congresso Nacional, resistem a este controle porque querem ser senhores soberanos de suas terras, muitas delas griladas. Não é por acaso que o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pela operacionalização do CAR, passou a ser controlado pelo Ministério da Agricultura.

E como o atual governo age para mostrar que os ruralistas mandam no Brasil, ele já editou uma Medida Provisória  MP 884 de 2019, que tramita em Comissão Especial, para acabar com o prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural.

Disso se deduz que não se aplicam as soluções disponíveis, como a sugerida pelo pesquisador, porque não existe vontade política, pelo contrário, a vontade política vocalizada pelo chefe de governo é a de que a “indústria da multa” pode ser contestada na prática e pelo fogo.

É nesse caldo perigoso, onde o Estado flerta com o crime organizado, que veio a público a notícia assustadora de que grupos se organizaram para ações de queimada coordenadas, chamada “Dia do Fogo”. A ação buscaria, segundo consta em matéria publicada em site jornalístico do município de Novo Progresso (PA) “mostrar para o Presidente que queremos trabalhar e único jeito é derrubando e para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”.

  • Reconhecimento do direito à terra e ao território, políticas públicas e orçamento para as ações de fiscalização e gestão das áreas não privadas.

Embora dados e tecnologias sejam fundamentais para identificar responsabilidades, não é possível controlar o desmatamento e as queimadas sem a fiscalização in loco, em especial nas extensas áreas de domínio não privado na Amazônia, incluindo aí as Áreas Protegidas (Unidades de Conservação e as Terras Indígenas), os Assentamentos de Reforma Agrária, em suas várias formas, os territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, as áreas não designadas ou não destinadas. Somente estas últimas somam 70 milhões de hectares na região.

E tão importante quanto a fiscalização, titulação e políticas públicas de gestão destas áreas são os caminhos insistentemente apontados como solução para o problema, mas que nunca foram efetivamente executados.

No caso das áreas protegidas é sabido que representaram a política mais efetiva de combate ao desmatamento e às queimadas desde 2004 e foram parte importante do sucesso do PPCDAM, pelo menos até 2010, quando se intensificaram as pressões sobre estas regiões, motivadas por distintos interesses.

O fato é que as Áreas Protegidas e outras áreas de ocupação não privadas para serem de fato protegidas precisariam:

1) no caso das UCs, da resolução do problema fundiário, por meio da desconstituição da propriedade privada ou posse dentro destas áreas, para que elas pudessem ser protegidas como áreas públicas;

2) no caso das Terras Indígenas, da desintrusão, que é a medida legal tomada para concretizar a posse efetiva da terra indígena a um povo;

3) de políticas públicas robustas para a fiscalização das Unidades de Conservação, das Terras Indígenas, dos territórios coletivos, das áreas não destinadas;

4) de políticas públicas de gestão ambiental, etnoambiental e de fortalecimento de iniciativas econômicas que respeitassem e valorizassem os modos de vida e a cultura das populações locais.

Em síntese, não se resolve o problema do desmatamento e das queimadas na Amazônia sem enfrentar o problema da fragilidade das políticas que garantiram o avanço das áreas protegidas e coletivas, e que são o caminho comprovado para a preservação da floresta.

Políticas públicas e orçamento: o que o PLOA 2020 anuncia?

A política ambiental brasileira, embora tenha sido fortalecida legalmente desde os anos 1980, sempre foi frágil do ponto de vista do seu lugar/poder dentro das estruturas do Estado e, logo, do orçamento público que é seu instrumento financeiro.

Exemplo disto é a situação orçamentária do ICMBio e da Funai, órgãos com mandato para implementar a proteção e gestão das áreas protegidas.  Sempre foi crítica, agora em 2019 é periclitante.

O governo encaminhou no dia 30 de agosto o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2020) ao Congresso Nacional, no turbilhão da crise das queimadas na Amazônia.

O que se pode perceber, a partir de uma análise inicial dos números, é que o orçamento para fiscalização de queimadas e desmatamento em Áreas Protegidas derreteu.

No caso do orçamento da Funai direcionado à “Fiscalização e Monitoramento Territorial das Terras Indígenas”, temos:

  • Em 2019, o valor autorizado é de R$ 12,38 milhões. Deste valor, foram contingenciados R$ 4,2 milhões e foram gastos somente R$ 1,38 milhões nos primeiros oito meses de 2019.
  • Em 2020, se mantido o PLOA 2020 como está, o valor para fiscalização será de apenas R$ 7,7 milhões. O restante do recurso previsto, R$ 4 bilhões, vai ficar dependendo da aprovação de crédito extraordinário.

No caso das Unidades de Conservação Federais, sob a responsabilidade do ICMBio, para a ação orçamentária especificamente destinada à “Fiscalização Ambiental e Prevenção e Combate a Incêndios Florestais” temos:

  • Em 2019, o valor autorizado desta ação é de R$ 28 milhões. Deste valor foram contingenciados R$ 5,48 milhões e foram gastos R$ 10,48 milhões nos primeiros oito meses de 2019.
  • Em 2020, se mantido o PLOA 2020 como está, o valor desta ação será de apenas R$ 13,56 milhões, ou seja, de início, um corte de 51% em relação ao valor autorizado para 2019.

No caso da ação “monitoramento da cobertura da terra e do risco de queimadas e incêndios florestais”, relacionada aos sistemas de satélite do Inpe, que monitora os incêndios na região amazônica e informam a localização dos focos de queimadas para as autoridades fiscalizadores, temos:

1) Nos sete primeiros meses de 2019, os gastos do governo com a ação de monitoramento da cobertura da terra e do risco de queimadas e incêndios florestais, realizada pelo Inpe, caíram 67% em relação ao mesmo período de 2018.

2) O planejamento orçamentário para a ação caiu 38,9% de acordo com a nova PLOA, passando de R$ 3,2 milhões para R$ 2 milhões.

 

Bolsonaro na contramão das soluções

A falta de poder e orçamento destes órgãos – aliada a interesses da bancada ruralista e sua representação dentro do governo por meio do Ministério da Agricultura – levou à fragilidade das ações de fiscalização e de gestão e, também, à não resolução da situação fundiária das áreas protegidas.

O resultado tem sido o aumento do desmatamento nestas áreas[4] e a pressão para ocupação econômica no seu interior, em especial com atividades de extração de madeira e garimpo[5].

Esse cenário torna-se ainda mais desafiador em um contexto de: i) profunda crise econômica e social que se desdobra em falta de perspectiva de ocupação de rendimento para parte importante da população brasileira, em especial em regiões mais pobres ii)  cortes brutais em políticas públicas sufocadas pelo congelamento dos gastos primários em função da Emenda Constitucional N° 95  iii)  e atuação cotidiana do atual governo no sentido de desmonte da Política Ambiental e de Áreas Protegidas, seguida de comentários que induzem ao crime ambiental.

O resultado, que não deveria surpreender, é a aceleração do desmatamento. Matéria divulgada em maio de 2019, assinalava que a cada hora, uma área verde do tamanho de 20 campos de futebol era destruída nas Unidades de Conservação federais e que nas duas primeiras semanas de maio, a área desmatada somava mais da metade de tudo que foi derrubado nos nove meses anteriores.

Em síntese, a solução é cumprir a lei e implementar as Políticas Públicas que já foram elaboradas e aí está o problema. O atual governo insiste, e não só por meio de bravatas, mas de ações concretas, em desmontar aquilo que já era executado com muitas fragilidades.

 

[1] Para uma avaliação do PPCDAM ver MELLO, Natália Girão Rodrigues de; ARTAXO, Paulo. Evolução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 66, p. 108-129, abr. 2017 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rieb/n66/2316-901X-rieb-66-00108.pdf

[2]  CAR é o registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

[3] – Para uma visão do que é o CAR e como ele funciona ver em: http://www.florestal.gov.br/o-que-e-o-car/61-car/167-perguntas-frequentes-car#car1

[4] De acordo com estudo do Imazon, as pressões sobre as UCs e TIs são enormes. São ao menos 10 milhões de hectares em UCs federais com posse privada no seu interior. No caso das TIs, a Fundação Nacional do Índio (Funai) não possui uma estimativa de quantos hectares estão ocupados por não índios, mas na Amazônia existem 53 TIs parcialmente ocupadas por essas populações. Soma-se a este quadro a abertura de estradas não oficiais, cortando as florestas em áreas protegidas e aprofundando o problema do desmatamento. Disponível em: https://imazon.org.br/publicacoes/desmatamento-em-areas-protegidas-reduzidas-na-amazonia-2/

[5] Outro estudo do Imazon nos mostra que até 2012, já haviam sido identificados quase 29,5 mil quilômetros de estradas não oficiais no entorno e quase 24,5 mil quilômetros dentro das áreas protegidas, os dados mais recentes apontam uma extensão bem menor de vias abertas. Em 2016, foram identificados 10,7 mil quilômetros de estradas não oficiais no entorno e 15 mil no interior de unidades de conservação e terras indígenas. Disponível em:  https://imazon.org.br/imprensa/as-fissuras-da-barreira-de-areas-protegidas/

 

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Ele só queria um chocolate

Saiu na rádio. Um adolescente de 17 anos foi amordaçado, torturado e chicoteado nu pela tentativa, TENTATIVA de roubar um chocolate no Supermercado Ricoy em São Paulo. Não precisou ser anunciado, o adolescente é negro, todos sabíamos.

As cenas vazaram pelas redes sociais e causaram consternação e revolta. Mais dor a todos os jovens que, como ele, sofrem diariamente na pele violências múltiplas e impensáveis para um mundo dito civilizado. A brutalidade nos evidenciou, mais uma vez, que nos porões das casas grandes ainda existem muitas senzalas e a crueldade está autorizada por uma cultura impregnada pelo racismo. O fato não é isolado e os perpetuadores da violência encontram, de alguma forma, ecos em outros casos. Nós ainda não esquecemos dos 80 tiros que mataram o músico no Rio de Janeiro e as inúmeras chacinas que exterminam jovens negros e negras todos os dias. Causa espanto os pronunciamentos que relativizam a violência. A desumanização no discurso oficial cultiva um campo propício para tais barbaridades.

Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas (arroba é uma medida usada para pesar gado; cada uma equivale a 15 kg). Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”

(Jair Bolsonaro, 2017)

Enquanto isso, as unidades de internação estão lotadas com meninos e meninas que “só queriam um chocolate”; viver a infância com as suas possibilidades: com doces, com brincadeiras, com afeto, convivência familiar e comunitária, educação de qualidade, cultura, saúde e segurança.

Segundo o Levantamento Anual do Sinase, publicado em 2018, referente ao ano de 2016, 50% dos atos infracionais cometidos por adolescentes em cumprimento de alguma medida são roubo (47%) e furto (3%) e o tráfico corresponde a 22%. A maioria dos atos infracionais (77%) está relacionada a estratégias de sobrevivência ou de busca por acesso a bens de consumo.

As populações moradoras de periferia sempre foram alvo do sistema que privilegia as elites brancas, que nunca aceitaram compartilhar a condição humana com pessoas negras. Populações indígenas, ciganas e negras padecem da negação de suas existências; ou mesmo, têm suas vidas usurpadas por exploradores insaciáveis. Tudo o que se refere às culturas afro-brasileiras é atacado ostensivamente, até mesmo em nome de um “deus branco”. No início de 2019 registrou-se um aumento em 47% de denúncias de racismo religioso no Brasil. De acordo com o levantamento realizado pelo Disque 100, canal do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foram feitas 213 notificações de intolerância religiosa a matrizes africanas, de janeiro a novembro de 2018.

Em tempos de recrudescimento da ação repressora, censura, liberação de armas, aumento de desemprego e corte de gastos na educação, não dá para esperar a redução da violência urbana, até porque o primeiro tiro foi dado por um Estado que despreza vidas. Tempos difíceis…

O Estado brasileiro sempre violou direitos e nunca pagou a conta por isso. A violência historicamente recai nas costas da juventude negra desde sempre.

Neste contexto, acredito que o governo deveria garantir boas condições e oportunidades em geral. Num Brasil que milhares de famílias ainda passam fome, as crianças são as que mais sofrem e, infelizmente, acumulam situações de trabalho infantil e até exploração sexual. Este mesmo Brasil que violenta a infância, discrimina pela raça, pelo sotaque ou orientação sexual, deveria também ser sentenciado como eu fui.”

 

(jovem do projeto Onda, promovido pelo Inesc, que cumpria a medida de internação em Brasília)

É preciso urgentemente pensar sobre quem é de fato violento, sobre as raízes da violência, sobre educação e novas possibilidades para recuperar um mínimo de civilidade no país tomado pelos horrores da desumanidade em grau máximo. A população das quebradas não se cala. A resistência se dá no campo político, nas ruas, mas também na cultura que celebra o encontro e exala a força coletiva, alegria e afeto. Cabe à educação não deixar fatos como esses serem banalizados, cultivar a indignação que permite a sobrevivência de uma ética tão ameaçada em tempos sombrios.

O PPA do governo Bolsonaro: 4 anos de miséria

O governo enviou sua proposta de Plano Plurianual (PPA) para o Congresso no dia 30 de agosto. O Plano, que é um preceito constitucional, representa a primeira etapa do ciclo orçamentário e prevê os programas e ações que o governo pretende desenvolver nos próximos quatro anos (2020 a 2023), definindo estratégias, diretrizes e metas.

Muito pode ser dito do PPA do governo Bolsonaro no que se refere ao cenário macroeconômico proposto, aos investimentos planejados, à (ausência) de uma análise da inserção do Brasil no cenário internacional ou, ainda, em relação à metodologia adotada, que além de demasiado simplificada, deixa muito a desejar em termos de concepção e de participação social, entre outras questões.

Contudo, para este exercício, propomos uma análise na perspectiva dos direitos humanos e do combate às desigualdades.

Com o título “Planejar, Priorizar, Alcançar”, o PPA do Bolsonaro contém 6 eixos, 13 diretrizes, 15 temas e 72 programas, sendo 66 finalísticos e 6 de gestão, conforme resumido no Quadro 1.

A prioridade é a área econômica

A alocação de recursos do PPA por eixo revela que a grande prioridade, de longe a principal, é a econômica: 66% dos cerca de R$ 7 trilhões alocados para o período de 2020 a 2023 se destinam ao eixo econômico (ver Tabela 1). Em um distante segundo lugar, encontra-se o eixo social com 26% do total de recursos previstos. A vertente econômica é tão forte que até a política externa é considerada como integrante dessa dimensão, limitando, pois, os objetivos do Estado brasileiro no âmbito internacional aos assuntos econômicos e comerciais.

*Ver a tabela anexa com detalhamento dos 66 programas finalísticos por eixo

Os principais beneficiários são os mais ricos

As mudanças estruturais previstas têm por objetivo facilitar a vida dos empresários. Assim, por exemplo, os propósitos da reforma tributária não são os de combater as desigualdades e de aumentar a cobertura dos programas sociais e ambientais de modo a promover a inclusão socioambiental, são única e exclusivamente os de simplificar os tributos para reduzir custos associados ao pagamento de impostos por parte do setor privado. Os objetivos das privatizações e da reforma administrativa do Estado são os de diminuir o papel do poder público para entregar novos mercados (energia, estradas, saúde, educação, entre outros) para o setor privado.

O esvaziamento dos direitos

A narrativa do Plano não se estrutura em torno dos direitos, base da nossa Constituição. Não há qualquer menção ao necessário fortalecimento da nossa democracia. A tônica é a da eficiência, da criação de um ambiente propício aos negócios, à concorrência e à inovação. Uma ode à “simplificação” e ao “realismo fiscal”, termos muito utilizados no documento, como condições para o crescimento. A previdência social, a moradia e o transporte público são percebidos como alavancadores da economia e não como direitos que o Estado deve assegurar. Por isso, os programas referentes a essas áreas estão inseridos no eixo econômico.

Os direitos associados ao trabalho, que correspondem à formalização dos empregos, não são considerados. Ao contrário, os programas propostos são de modernização trabalhista e empregabilidade, na linha da desregulação do mercado de trabalho que, mais uma vez, premia os mais ricos e penaliza os trabalhadores, cada vez mais desprotegidos.

A dimensão social, cujos valores alocados correspondem a menos de 40% daqueles destinados à dimensão econômica, engloba educação, saúde, assistência social, esporte e segurança alimentar e nutricional (ver Anexo 1). O PPA de Bolsonaro considera ainda a cultura apenas como um programa social, esvaziando-a completamente de seu papel central para a construção de uma sociedade democrática e inclusiva.

O foco é na família, percebida como agente econômico que consome, mas também que provê serviços cada vez menos ofertados pelo Estado, como os de cuidados das crianças, dos doentes e dos idosos. Tais ações deveriam ser providas pelas políticas públicas de educação infantil, saúde e assistência social, respectivamente.

A invisibilidade das mulheres, das pessoas negras e indígenas

Não há qualquer menção às desigualdades de gênero e de raça/etnia, que estão na base das nossas abissais desigualdades sociais. Palavras como discriminação, negros e negras, terra e território nem sequer constam da Mensagem Presidencial que acompanha o Plano. Povos e comunidades tradicionais aparecem apenas como beneficiários de políticas de educação básica.

O “foco na família”, associado à omissão do machismo e do sexismo, são reveladores do lugar que a mulher ocupa na visão de sociedade do governo Bolsonaro. Esse lugar é basicamente o lar, onde ela deve desempenhar o papel de esposa e mãe, a maternidade é um dever patriótico, atendendo e servindo a sua família assim como transmitindo valores da cultura. Para ela, a vida deveria se limitar à esfera privada, porque não tem talento para a vida pública. Tanto é assim que são muito poucas as mulheres que ocupam cargos de destaque no governo que tomou posse em janeiro de 2019.

O meio ambiente e o clima se resumem ao agronegócio

No eixo ambiental, 96% dos recursos vão para um único programa, que é o de Agropecuária Sustentável, do Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento (Mapa). As principais metas dos programas desse eixo são as de elevar o índice de Sustentabilidade da Agropecuária Brasileira e de aumentar o impacto econômico das soluções tecnológicas agropecuárias. Vê-se, pois, que questões como desmatamento, proteção dos biomas e dos povos das águas e das florestas, diminuição dos gases de efeito estufa passam ao largo das prioridades do governo Bolsonaro para os próximos quatro anos.

Em resumo, o PPA 2020-2023 é racista, sexista, promotor de desigualdades sociais e de aquecimento global. Seu título deveria ser Privatizar o Estado, Privilegiar os ricos e Acabar com a solidariedade, em âmbitos nacional e internacional.

 

 

 

Em comemoração aos 40 anos, Inesc realiza o Festival “Mais direitos, mais democracia”

No último dia 23, O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promoveu o festival “Mais direitos, mais democracia”. O evento fez parte das celebrações dos 40 anos do Inesc, com o objetivo de sensibilizar os participantes para a importância da garantia dos direitos humanos e da democracia no Brasil – bandeiras históricas que perpassam todo o trabalho da organização.

A Praça Central, no Setor Comercial Sul, ficou movimentada com muito forró, samba, rap, pop rock, entre outros ritmos. O Forró do B e a DJ Kashuu movimentaram o almoço dos transeuntes. Pela tarde, a animação ficou por conta dos DJs Bola e Eldy, do cantor Eliabe, da batalha de rimas, da oficina de charme com Pegada Black e das apresentações artísticas da companhia de teatro Bisquetes e do palhaço Rafael Trevo. No fim do dia, as Mulheres de Samba fizeram todo mundo dançar e o Distrito Drag, com as drag queens Dionísio, Cássia Labaxúria e Ruth Venceremos, emocionou a plateia. Outro ponto alto foi o lançamento da Cypher dos jovens do projeto “Fortalecendo o Corre”.

“Eu adorei o Festival. Esse tipo de evento, essa celebração toda em torno da democracia e dos direitos humanos, é muito importante nos tempos que vivemos. E a apresentação das drags me fez chorar de emoção!”, relata a geóloga de 26 anos, Larissa Valadão.

“Participar do Festival Mais Direitos, Mais Democracia me trouxe alegria e satisfação, pois em tempos tão difíceis que nosso povo atravessa, saber que existem eventos como esse é de extrema importância. Incentivando a diversidade cultural, unindo as variadas matizes sociais, acolhendo minorias, colocando em pauta assuntos que muitas vezes são deixados de lado e denunciando os ataques diários aos nossos direitos fundamentais. O encontro me deu esperança de um futuro melhor.”, emenda a estudante de direito Maria Heloísa Gonçalves, 22 anos.

Drag queens Dionísio, Cássia Labaxúria e Ruth Venceremos no Festival Mais Direitos, Mais Democracia. Foto: Webert da Cruz

A feira ficou movimentada durante toda a tarde. Participantes do “Fortalecendo o corre” – um projeto de inclusão econômica de jovens da periferia  – e outros parceiros do Inesc comercializaram produtos e serviços diversos como artesanatos, roupas, cosméticos, entre outros.

Santuário dos pajés e Arte Kamayurá, foram alguns dos expositores e expositoras na feira do festival Mais Direitos, Mais Democracia. Foto: Webert da Cruz

 

Banquinha dos Direitos Humanos

Funcionárias e funcionários do Inesc passaram o dia na Banquinha dos Direitos Humanos. Entre jogos, distribuição gratuita de publicações feitas pela instituição e outros brindes, o objetivo da banquinha era explicar de forma lúdica e simples os temas principais da instituição: direitos humanos, democracia e orçamento público. Durante todo o dia, o local permaneceu rodeado de pessoas, principalmente jovens que passavam pela praça. A estimativa dos organizadores é que, só pela banquinha, tenha passado cerca de 200 pessoas.

Jogos para explicar direitos humanos e orçamento público na Banquinha dos Direitos Humanos. Foto: Webert da Cruz

Ocupação do Setor Comercial Sul

O Inesc existe há 40 anos, sempre com sede em Brasília. Há uma década a sede está no Setor Comercial Sul, onde circulam, diariamente, cerca de 200 mil pessoas de diversas partes do Distrito Federal, por conta da proximidade com a rodoviária central e estação de metrô. Por isso, em parceria com o coletivo No Setor, a organização decidiu fazer uma comemoração gratuita, aberta e democrática, ocupando esse espaço por onde passa, todos os dias, uma diversidade de pessoas de todas as regiões da cidade.

“O Festival do Inesc, primeiro procurando ocupar o Setor Comercial Sul, local onde habitamos, foi uma iniciativa super interessante e desafiadora porque é como abrir as portas a todos e todas que queiram entender o que fazemos, e mais que isso, convidar as pessoas das ruas para estarem junto conosco nessa luta por mais democracia e mais direitos.”, afirma Iara Pietricovsky, do colegiado de Gestão do Inesc.

História do Inesc

Há 40 anos, o Inesc era fundado por Maria José Jaime, a Bizeh. Por conta da perseguição da ditadura, ela viveu clandestina e exilada por mais de seis anos, mas nunca perdeu a determinação de lutar por uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Por meio da atuação da Bizeh, o Inesc esteve diretamente imbricado na elaboração da Lei da Anistia estabelecida no mesmo ano em que o Instituto foi fundado, em 1979. “Estivemos presentes ativamente nos processos que resultaram na Constituição de 88, na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, no movimento pela moralização da política, entre outros momentos importantes. A história do Inesc se funde com a história da luta pelos direitos humanos e pela democracia, ainda tão atual no Brasil de hoje”, relembra José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto.

Veja o vídeo comemorativo de 40 anos:

Saiba mais sobre a história do Inesc na nossa linha do tempo.

Inesc hoje

Hoje o Inesc atua principalmente como facilitador, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparando jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos direitos fundamentais.

Produção de informação, análises e incidência política são outras frentes de atuação do Instituto. Atualmente, o trabalho do Inesc está organizado em sete eixos: Orçamento e direitos; Crianças, adolescentes e jovens; Direito à cidade; Raça, Gênero e Etnia; Reforma política e democracia; Socioambiental e Amazônia e Agenda internacional.

Confira mais fotos do Festival Mais Direitos, Mais Democracia

Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no mundo inteiro

Os focos de incêndio em todo Brasil aumentaram 82% desde o início deste ano, para um total de 71.497 registros feitos pelo INPE, dos quais 54% ocorreram na Amazônia. Diante da escandalosa situação, Bolsonaro disse que o seu “sentimento” é de que “ONGs estão por trás” do alastramento do fogo para “enviar mensagens ao exterior”.

O aumento das queimadas não é um fato isolado. No seu curto período de governo, também cresceram o desmatamento, a invasão de parques e terras indígenas, a exploração ilegal e predatória de recursos naturais e o assassinato de lideranças de comunidades tradicionais, indígenas e ambientalistas. Ao mesmo tempo, Bolsonaro desmontou e desmoralizou a fiscalização ambiental, deu inúmeras declarações de incentivo à ocupação predatória da Amazônia e de criminalização dos que defendem a sua conservação.

O aumento do desmatamento e das queimadas representa, também, o aumento das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, distanciando o país do cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris. Enquanto o governo justifica a flexibilização das políticas ambientais como necessárias para a melhoria da economia, a realidade é que enquanto as emissões explodem, o aumento do PIB se aproxima do zero.

O Presidente deve agir com responsabilidade e provar o que diz, ao invés de fazer ilações irresponsáveis e inconsequentes, repetindo a tentativa de criminalizar as organizações, manipulando a opinião pública contra o trabalho realizado pela sociedade civil.

Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no mundo inteiro.

Brasil, 21 de agosto de 2019

Publicado originalmente no site da Abong

Assinam:

Ação Educativa

Angá;

Articulação Antinuclear Brasileira;

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, APIB;

Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente, APEDEMA;

Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia, AGENDHA;

Associação Agroecológica Tijupá;

Associação Alternativa Terrazul;

Associação Ambientalista Copaíba;

Associação Ambientalista Floresta em Pé, AAFEP;

Associação Ambientalista Floresta em Pé, AAFEP;

Associação Amigos do Meio Ambiente, AMA;

Associação Arara do Igarapé Humaitá, AAIH;

Associação Brasileira de ONGs, ABONG;

Associação Civil Alternativa Terrazul;

Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos, AQUASIS;

Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí;

Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, APREMAVI;

Associação Defensores da Terra;

Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre, AMAAIAC;

Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar, APOENA;

Associação Flora Brasil;

Associação MarBrasil;

Associação Mico-Leão-Dourado;

Associação Mineira de Defesa do Ambiente, AMDA;

Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia, CAPA / FLD;

Centro de Assessoria Multiprofissional, CAMP;

Centro de Estudos Ambientais, CEA;

Centro de Trabalho Indigenista, CTI;

Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro;

Cidade Escola Aprendiz;

Coletivo BANQUETAÇO;

Coletivo Delibera Brasil;

Coletivo do Fórum Social das Resistências de Porto Alegre;

Coletivo Socioambiental de Marilia;

Comissão Pró-Índio do Acre, CPI-Acre;

Conselho de Missão entre Povos Indígenas, COMIN / FLD;

Conselho Indigenista Missionário, CIMI;

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, COIAB;

Coordenadoria Ecumênica de Serviço, CESE;

Ecossistemas Costeiros, APREC;

Elo Ligação e Organização;

Espaço de Formação, Assessoria e Documentação;

FADS – Frente Ampla Democrática Socioambiental;

FEACT Brasil (representando 23 organizações nacionais baseadas na fé);

Federação de Órgãos para Assistencial Social e Educacional, FASE;

Fórum Baiano de Economia Solidária;

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, FBOMS;

Fórum da Amazônia Oriental, FAOR;

Fórum de Direitos Humanos e da Terra;

Fórum de ONGs Ambientalistas do Distrito Federal;

Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo, FOAESP;

Fórum Ecumênico ACT Brasil;

Fórum Social da Panamazônia;

Fundação Avina;

Fundação Luterana de Diaconia, FLD;

Fundação Vitória Amazônica, FVA;

GEEP – Açungui;

Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero;

Grupo Ambientalista da Bahia, GAMBA;

Grupo Carta de Belém;

Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná;

Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030;

Grupo Ecológico Rio de Contas, GERC;

Habitat para humanidade Brasil;

Iniciativa Verde;

Instituto AUÁ;

Instituto Augusto Carneiro;

Instituto Bem Ambiental, IBAM;

Instituto Centro Vida, ICV;

Instituto de Estudos Ambientais – Mater Natura;

Instituto de Estudos Jurídicos de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, IDhES;

Instituto de Estudos Socioeconômicos, Inesc;

Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, Iepé;

Instituto de Pesquisas Ecológicas, IPÊ;

Instituto Ecoar;

Instituto EQUIT – Gênero, Economia e Cidadania Global;

Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental;

Instituto Internacional de Educação do Brasil, IEB;

Instituto MIRA-SERRA;

Instituto Socioambiental, ISA;

Instituto Universidade Popular, UNIPOP;

Iser Assessoria;

Movimento de Defesa de Porto Seguro, MDPS;

Movimento dos Trabalhadores/as Rurais sem Terra, MST;

Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas de São Paulo;

Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça e Cidadania;

Movimento Roessler;

Movimento SOS Natureza de Luiz Correia;

Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva, NEPAC UNICAMP;

Observatório do Clima;

OekoBr;

Operação Amazônia Nativa, OPAN;

Organização dos Professores Indígenas do Acre, OPIAC;

Pacto Organizações Regenerativas;

Plataforma DHESCA Brasil;

ProAnima – Associação Protetora dos Animais do Distrito Federal;

Processo de Articulação e Diálogo, PAD;

Projeto Saúde e Alegria;

Rede Brasileira De Justiça Ambiental;

Rede Conhecimento Social;

Rede de Cooperação Amazônia, RCA;

Rede de ONGs da Mata Atlântica, RMA;

Rede de ONGs da Mata Atlântica;

Rede Feminista de Juristas, deFEMde;

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, RNP+BRASIL;

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS do Estado de São Paulo, RNP+SP;

Sempreviva Organização Feminista, SOF;

SOS Mata Atlântica;

Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, SPVS;

Terra de Direitos;

TERRA VIVA – Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul da Bahia;

União Protetora do Ambiente Natural, UPAN;

Vida Brasil;

“Bicho enjaulado são eles, que estão presos no dinheiro!”

Desde o dia 9 de agosto, acontece em Brasília a I Marcha das Mulheres Indígenas, cujo lema, “Território: nosso corpo, nosso espírito”, sintetiza as principais bandeiras dos povos originários do país, a partir da perspectiva das mulheres. A marcha conta com a participação de cerca de 2 mil mulheres de todo Brasil, e é resultado de um longo processo de articulação e mobilização das indígenas dentro de suas comunidades e do movimento.

Se a luta pelo reconhecimento enfrenta desafios no âmbito das próprias organizações e comunidades, as mulheres que essa semana tomam Brasília têm também enfrentado os crescentes índices de violência infligidos às terras indígenas. Ataques às comunidades vem se multiplicado, guiados pela sanha de quem vê nos territórios não corpos e espíritos, mas mercadoria. O rastro de morte do capital se espalha com a anuência, estímulo e aprovação do governo brasileiro – que põe em dúvida assassinatos, desdenha pesquisas, incentiva a violação de direitos conquistados, e ofende a autonomia dos povos originários em nome de um projeto econômico desastroso não apenas para os indígenas, mas para todas nós e para o próprio planeta.

Da mesma forma, também as mulheres estão na mira do Brasil do bolsonarismo: a negação do debate de gênero é uma das plataformas políticas do governo, no mesmo país em que 67 % das agressões físicas acontecem contra mulheres.

Mais do que “cortinas de fumaça”, tais discursos estão bem casados com os desmontes das políticas públicas, em curso há alguns anos e agravado nos últimos oito meses. Como escrevemos em outro artigo, as políticas de garantia de direitos sofreram especialmente com os contingenciamentos do governo federal. Por exemplo, as políticas da área de “Direitos da Cidadania” tiveram 27% dos seus recursos contingenciados – área que abrange, entre outras, políticas relacionadas à garantia dos direitos das mulheres e dos povos indígenas.

Cortes na política indigenista

Se entendemos os cortes orçamentários dentro do contexto das políticas indigenistas, o quadro se torna ainda mais grave. Segundo o Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), há apenas um Plano Orçamentário (PO) que prioriza explicitamente a dimensão de gênero e da garantia dos direitos das mulheres indígenas dentro do Programa 2065 (Promoção e Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas). Isso demonstra a invisibilidade da pauta enfrentada há longa data nas próprias instâncias indigenistas.

Além disso, esse mesmo Programa vem sofrendo há anos com a falta de investimentos (gráfico a seguir): com as dotações iniciais e orçamentos autorizados já em queda desde 2014, a execução orçamentária permanece baixa desde então, oscilando entre os 5 e 6 milhões de reais, salvo pequena exceção em 2016.  Os cortes orçamentários atuais, assim, vêm para terminar de sufocar os parcos esforços de incluir a luta das mulheres indígenas nas políticas públicas federais.

Enquanto o Estado revela sua incapacidade de garantir direitos, a I Marcha das Mulheres Indígenas mostra sua urgência nas ruas de Brasília, desafiando ao mesmo tempo às instância de poder e ao próprio movimento indígena. Em evento histórico, explicita que não há contradição entre lutar pelos direitos específicos das mulheres e lutar pelos direitos dos povos indígenas. Desmonta a narrativa que trata os indígenas em seus territórios como animais enjaulados, explicitando a prisão que o capital nos impõe em um modelo perverso de destruição. Acende, por fim, as faíscas de esperança diante da necropolítica de nossos tempos, quando ecoam as vozes alertas na Esplanada: tem gente que chegou há pouco tempo e tem data marcada para sair. Os povos indígenas, esses estão aqui há muito mais de 500 anos.

Diálogo com o tsunami da educação: números nada animadores

O novo contingenciamento do orçamento federal afeta a educação frontalmente. Com a suspensão de R$ 348 milhões, novamente, os livros didáticos ficaram em último plano. Considera-se dentro desta ação, de acordo como o SIOP/Ministério da Educação, os seguintes insumos: obras didáticas e literárias, de uso individual ou coletivo, acervos para bibliotecas, obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros materiais de apoio à prática educativa, inclusive em formatos acessíveis.

Outra ação que sofreu contingenciamento grande foi a destinada a todos os processos de avaliação da aprendizagem, com corte de R$ 35 milhões este último mês. Aqui estão o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), o Encceja (Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos), necessário para a certificação de estudantes da Educação de Jovens e Adultos; a aplicação do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) para citar alguns.

Também estão contingenciados outros R$ 9,4 milhões da assistência ao estudante do ensino superior, que junto com a bolsa permanência, cujo orçamento está com mais de R$ 13 milhões bloqueados, tem como objetivo reduzir desigualdades, facilitando a permanência de estudantes de baixa renda ou oriundos da rede pública de educação básica, matriculados em cursos de graduação presencial ofertados por instituições federais e estaduais de ensino superior, inclusive estrangeiro.

Total bloqueado

Somando todos os decretos de contingenciamento, a educação já perdeu R$5,8 bilhões em 2019. Só a Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (CAPES) teve este ano 18,69% de seu orçamento autorizado contingenciado, de acordo com o SIGA Brasil/Senado Federal, ou R$ 4,1 bilhões. Já o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) para a ação de fomento à pesquisa voltada para a geração de conhecimento, novas tecnologias, produtos e processos inovadores teve contingenciado 60% dos R$ 127 milhões autorizados para o ano.

Já a ação de apoio a projetos e eventos de educação, divulgação e popularização da ciência, tecnologia e inovação, do mesmo órgão, para a qual foi destinado R$ 12 milhões, teve R$ 8,9 milhões bloqueados, ou seja, 70% do total.

Não é segredo para alguém que este governo não valoriza o conhecimento e a educação, contudo, quando traduzimos os números orçamentários isso fica bem nítido: não há recursos para insumos pedagógicos destinados à educação básica, não há recursos para auxílio a estudantes de baixa renda, e não há incentivo para a produção científica ou mesmo para sua popularização. Seguimos ladeira a baixo.

Leia também:

Contingenciamento: quais setores sofreram cortes de orçamento?

Entenda como funciona o financiamento da educação básica no Brasil

Educação precisa de investimento, não de mitos

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Festival “Mais direitos, mais democracia”

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promove, no próximo dia 23, o festival “Mais direitos, mais democracia”. Uma feira colaborativa, atrações musicais e peças de teatro de rua compõem a programação que vai agitar a Praça Central, no Setor Comercial Sul, local que abriga a sede do Instituto há mais de dez anos.

O evento faz parte das celebrações dos 40 anos do Inesc, uma organização não governamental, sem fins lucrativos e não partidária. Com a iniciativa, a ONG pretende sensibilizar os participantes para a importância da garantia dos direitos humanos e da democracia no Brasil – bandeiras históricas que perpassam todo o trabalho da organização.

Quem circular pelo local na hora do almoço poderá dançar ao som da banda Forró do B. Os que chegarem ao final da tarde serão recebidos por uma roda de samba só de mulheres, as Mulheres de Samba.  A programação completa do festival, que vai das 12h às 20h, conta ainda oficina de charme, batalha do conhecimento e outras atrações.

O evento é aberto, gratuito e com intérprete de libras.

Feira

Durante toda a tarde, participantes do “Fortalecendo o corre” – um projeto de inclusão econômica de jovens da periferia  realizado pelo Inesc e parceiros – terão a oportunidade de comercializar produtos e serviços que seguem princípios de economia solidária. Outros expositores convidados pelo Inesc também vão participar da feira, vendendo artesanatos, roupas, cosméticos, entre outros produtos.

História do Inesc

Há 40 anos, o Inesc era fundado por Maria José Jaime, a Bizeh. Por conta da perseguição da ditadura, ela viveu clandestina e exilada por mais de seis anos, mas nunca perdeu a determinação de lutar por uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Por meio da atuação da Bizeh, o Inesc esteve diretamente imbricado na elaboração da Lei da Anistia estabelecida no mesmo ano em que o Instituto foi fundado, em 1979. “Nós já nascemos com essa vocação democrática e igualitária, nos consolidando, no período de transição política, como importante mediador entre a sociedade civil organizada e os parlamentares”, relembra Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc.

“Estivemos presentes ativamente nos processos que resultaram na Constituição de 88, na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, no movimento pela moralização da política, entre outros momentos importantes. A história do Inesc se funde com a história da luta pelos direitos humanos e pela democracia, ainda tão atual no Brasil de hoje”, completou José Antônio Moroni, também do colegiado de gestão do Instituto.

Veja o manifesto dos 40 anos do Inesc

Saiba mais sobre a história do Inesc na nossa linha do tempo.

Inesc hoje

Hoje o Inesc atua principalmente como facilitador, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparando jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos direitos fundamentais.

Produção de informação, análises e incidência política são outras frentes de atuação do Instituto. Atualmente, o trabalho do Inesc está organizado em sete eixos: Orçamento e direitos; Crianças, adolescentes e jovens; Direito à cidade; Raça, Gênero e Etnia; Reforma política e democracia; Socioambiental e Amazônia e Agenda internacional.

Programação Festival “Mais direitos, mais democracia”

– 12h às 12h30 – Dj Kashuu

– 12h30 às 13h30 – Forró do B

– 13h30 às 14h –  Dj Bola

– 14h às 14h30 – Intervenção Cia Bisquetes

– 14h30 às 15h – Batalha de Rimas/ Tema: DH

– 15h às 15h30 – Trevo da Sorte – Intervenção Circense

– 15h30 às 16h – Dj Eldy

– 16h às 16h30 – Eliabe – MPB (voz e violão)

– 16h30 às 17h – Oficina de charme com Pegada Black

– 17h30 às 18h – Carlão Rocha – Pop Rock (voz e violao)

– 18h às 19h – Mulheres de Samba

– 19h às 19h20 – Distrito Drag

-19h20 às 19h30 – Lançamento da Cypher Juventudes nas Cidades

-19h30 às 20h – Markão Aborigine

+ Exposição de Grafitti – Telas / Poesia nas Quebradas

+ Feira

Expositores:

12h às 20h

– Contratak (Camisetas)
– Alt Let (Bazar)
– Tabaco das Mina (Tabaco orgânico)
– Gordinho sem Freio (Bombons caseiros)
– Doce Ateliê, por Bárbara Vasconcelos (Docinhos)
– Zav Brechó
– Banquinha dos Direitos Humanos (Inesc)
– Santuário dos paoés (artesanato indígena)
– Mulheres xinguanas (artesanato indígena)
– HL (Cachaças Artesanais)
– Conspiração Libertina (tatuagens temporárias e adesivos)
– Alecrin (Acessórios de prata)
– 764 da barragem pra cá e Poesia nas Quebradas (Livros)
– Produtos Quilombola
– Se toca, garota (Produtos de sexshop)
– Mãe Natureba (Artesanatos)
– Letícia Borges (sabonetes artesanais e absorvente de pano)

 

SERVIÇO

Festival Mais direitos, mais democracia!

Quando: 23 de agosto de 2019 (sexta-feira), das 12h às 20h.

Onde: Praça Central, SCS Q. 5 (próximo ao posto policial, BRB e restaurante Coisas da Terra)

Mais informações: comunicacao@inesc.org.br / (61) 3212-0204

 

Por que o licenciamento ambiental no Brasil é um campo de batalha?

Apesar do tema ser desconhecido para a maioria das pessoas, faz pelo menos quatro anos que a revisão do Licenciamento Ambiental no Brasil se impõe como um campo de batalha.

De um lado do campo, se aliam o setor do agronegócio, interessado em ocupar mais terras; as grandes mineradoras, interessadas em abrir novas minas; e investidores interessados em leilões de energia e infraestrutura, em especial portos, ferrovias e rodovias, cuja demanda potencial está fortemente associada a estes mesmos setores do agronegócio e mineração. Não por acaso, todos estes atores têm seus interesses especialmente posicionados na Amazônia, onde também contam com o apoio de grupos políticos locais e regionais. No plano federal, possuem notório poder de influência no Congresso Nacional e junto ao governo, onde não só contam com incondicional apoio e incentivo como, na prática, representam a cabeça pensante de um planejamento refém dos seus interesses.

Também não por acaso, as obras mais polêmicas no Brasil, que alimentaram o discurso do licenciamento como “entrave ao desenvolvimento”, foram as grandes hidrelétricas na região: Jirau, Santo Antônio, Belo Monte. Em tempos de crise econômica profunda e de crise fiscal generalizada, a flexibilização e simplificação do licenciamento ambiental adere bem ao discurso fácil de que este é um passo necessário para a retomada de investimentos no Brasil.

Do outro lado do campo, com argumentos sólidos, mas desvantagem no jogo de forças político, estão as organizações socioambientalistas[1], especialistas no tema[2] e muitos gestores públicos do Ibama e de outros órgãos como a Funai, a ICMBio, a Fundação Palmares, e o IPHAM[3]. Para este conjunto de atores, as Leis e normas administrativas que norteiam o procedimento de licenciamento ambiental têm funcionado como o principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Graças a ele, e apesar dos seus limites e fragilidades, o Estado brasileiro foi legal e institucionalmente munido de condições para que impactos fossem avaliados e para que medidas para evita-los, minimizá-los e compensá-los fossem tomadas pelo empreendedor. Em síntese, desta perspectiva, o licenciamento não é um entrave ao desenvolvimento. Ele é uma forma de garantir que o meio ambiente e as populações impactadas sejam considerados e que medidas sejam tomadas pelo empreendedor e também pelo Estado brasileiro[4].

Por isso, o debate sobre a necessidade de aperfeiçoar e até mesmo agilizar o licenciamento não deveria ser travado em campo de batalha, ao contrário, deveria ser encarado como um problema real que precisa ser reconhecido pela sociedade e enfrentado pelo governo e pelo empreendedor.

Mas ninguém quer pagar a conta

O setor privado alega que o licenciamento ambiental coloca no seu colo o papel que é do governo, de executar políticas públicas cujas demandas se acirram no contexto da implantação de grandes obras, que por sinal serão ainda mais dramáticos no atual quadro de crise econômica e social estrutural que estamos mergulhados. O governo, por sua vez, sem projeto e sob regime de servidão a um dos lados do campo, repete como um mantra que a solução é “menos Estado e mais investimento privado”.

É neste contexto que está prestes a ser votado no plenário da Câmara dos Deputados o relatório do Deputado Kim Kataguiri (DEM/SP), e MBL, criando uma Lei Geral do Licenciamento (Projeto de Lei N.º 3.729/2004).  A proposta, síntese das demandas do minero-agronegócio e sua infraestrutura associada, tenta desaparecer magicamente com o problema, por meio de dois artifícios combinados.

Um primeiro, endereçado ao empreendedor, que limita as condicionantes ambientais – que são as medidas, condições ou restrições sob responsabilidade do empreendedor – somente à área que sofre os impactos ambientais diretos da construção, instalação, ampliação e operação de atividade ou empreendimento[5]. Assim, muitos dos impactos indiretos que claramente serão atribuídos à obra estarão de fora das condicionantes e, logo, da conta do empreendedor. Para tentar garantir que esta fatura será mesmo reduzida, o relatório ainda constrói, como anexo, uma zona de delimitação que serve ao propósito de reduzir a contabilização dos impactos, mas que de fato, como já disseram especialistas no tema, não passa de uma “inserção ‘tosca’ de falsa objetividade, que na prática tem grande chance de desencadear judicialização, tendo em vista que os valores apresentados são absolutamente arbitrários e desprovidos de qualquer embasamento técnico” (Sánchez, L; Fonseca, A; Montaño, M. 2019).

Um segundo, endereçado ao governo, reduz a participação e estabelece prazos rígidos de manifestação por parte dos órgãos envolvidos que têm a atribuição de proteger os direitos dos povos indígenas (Funai), dos quilombolas (FCP), responsáveis pelas Unidades de Conservação (ICMBio) e pelo patrimônio histórico e cultural (IPHAM). O PL limita a manifestação destes órgãos: i) no caso de Terras Indígenas, somente àquelas com “portaria de declaração de limite publicada” e “portaria de interdição em razão da localização de índios isolados”; ii) no caso de terras quilombolas, somente quando estiverem tituladas; iii) no caso de Unidades de Conservação, somente àquelas de Proteção Integral.

Conforme levantamento do Instituto Socioambiental (ISA), a Funai deixaria de se manifestar sobre os impactos em 163 terras indígenas que se encontram hoje em processos de demarcação em fase de identificação. No caso dos territórios de remanescentes de quilombos, 87% em processo de reconhecimento, também seriam sumariamente desconsiderados. Além disto, os impactos em 523 Unidades de Conservação de Uso Sustentável também seriam desconsiderados, já que o PL somente considera a manifestação dos órgãos quando se trata de Unidades de Proteção Integral.

Ao corte sumário na competência dos órgãos envolvidos se adiciona a definição de prazos apertados para que se manifestem no processo de licenciamento, componente que adicionado à pressão política para celeridade dos processos, resultará em licenças por WO.

Rumos do desenvolvimento em disputa

Na visão oportunista, disfarçada de idílica, dos defensores da proposta, isso reduzirá o custo e o tempo de execução do projeto, atraindo novos investimentos. Mas na vida real a conta estará lá e a fatura será cobrada judicialmente, como hoje já ocorre e tende a se ampliar exponencialmente.

Em outras palavras, frente às jurisprudências consolidadas no Supremo Tribunal Federal e a Constituição Federal, os impactos ambientais continuarão a ser endereçados aos seus responsáveis, o que inevitavelmente se traduzirá em paralizações, atrasos e mais custos. Adicionalmente, as tensões e os conflitos provocados por obras com elevados impactos serão ainda mais amplificados em função da combinação destes mesmos dois artifícios – a limitação da área de impacto e a tentativa de expurgar territórios e grupos sociais do processo de licenciamento – amplificada por pressões sociais e por múltiplos impactos advindos do descontrole de processos migratórios, em face de uma população cada vez mais empobrecida e desesperada pela falta de alternativas econômicas.

Não existe caminho fácil para a desmobilização deste campo de batalha, pois ele é também uma síntese da disputa pelos rumos do desenvolvimento no país. Muitos dos potenciais investimentos que implicariam em significativos impactos ambientais, a exemplo da Ferrogrão, estão localizados em áreas e territórios frágeis ambiental e socialmente e, também, onde a presença do Estado já é reduzida e será cada vez mais pálida.

Colocar os diversos e elevados impactos de muitos destes investimentos na conta, de fato, pode significar um preço alto demais a ser pago. Não colocá-los tampouco fará com que eles desapareçam e não sejam cobrados.

[1] – Para uma visão aprofundada dos equívocos e riscos do atual relatório, apresentado pelo Deputado Kim Kataguiri, ver ISA. NOTA TÉCNICO-JURÍDICA: 3.ª VERSÃO DO TEXTO-BASE PROJETO DE LEI N.º 3.729/2004.

[2]  – Para um posicionamento de pesquisadores e cientistas sobre o tema ver Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental: análise crítica e propositiva da terceira versão do projeto de lei à luz das boas práticas internacionais e da literatura científica. Sánchez, L; Fonseca, A; Montaño, M. 2019

[3] – Para o posicionamento do IPHAM referente à proposta em tramitação de Lei Geral do Licenciamento ver NOTA TÉCNICA nº 3/2019/CNL/GAB PRESI.

[4] – Embora as medidas mitigadoras e de compensação no âmbito do Licenciamento sejam endereçadas ao empreendedor, é necessário considerar que a presença do Estado em áreas a serem impactadas deveria ser um desafio de planejamento do desenvolvimento regional e local, anterior à própria obra e ao longo do processo de licenciamento.

[5] – Um exemplo conhecido é o barramento de um rio para geração de energia hidrelétrica. Seus efeitos se espraiam para além da área de influência direta em função, entre outras coisas, da redução do fluxo de água, afetando comunidades que vivem da pesca ao longo deste rio.

 

Inesc: história em memórias (1979-2011)

O Inesc completou, em 2011, 32 anos de existência. Uma organização com o perfil político do Inesc que consegue “sobreviver” por tanto tempo significa que faz sentido a sua existência para a sociedade. Portanto olhar estes 32 anos é olhar na “linha do tempo histórico”: onde estava o Inesc nos momentos importantes da História Brasileira. Esta é a proposta deste livro. Mais do que comemorar os 32 anos de sua existência é avaliar onde o Inesc estava politicamente neste período.

Orçamento Temático de Medicamentos analisa 10 anos de recursos do Ministério da Saúde

Para avaliar em que medida o orçamento público realiza os direitos humanos, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) utiliza a ferramenta dos Orçamentos Temáticos. Um deles é o Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED), que tem como objetivo avaliar a alocação de recursos federais na promoção do acesso a medicamentos no Brasil e os impactos do comportamento financeiro para a garantia de parte fundamental do direito à saúde.

Em 2018, a série histórica da execução financeira do Ministério da Saúde analisada pelo Inesc completa dez anos. Esta análise foi publicada em dois estudos, um que abrange o período de 2008 a 2015,  e outro, lançado no início de 2018, que foca nos anos de 2016 e 2017.

Por ocasião da 16ª Conferência Nacional da Saúde (CNS), apresentamos o resumo dos principais dados do OTMED dos últimos dez anos. É importante notar que são considerados os valores Pagos e os Restos a Pagar Pagos extraídos do portal SIGA Brasil, do Senado Federal, em julho de 2019. Os valores estão deflacionados para preços médios de 2018 pelo IPCA. A cada ano, são selecionadas e incluídas as ações orçamentárias referentes à assistência farmacêutica, incluindo as destinadas à saúde indígena.

A execução financeira do Ministério da Saúde com medicamentos, após atingir um ápice em 2016, praticamente se manteve estável de 2017 para 2018. Nos últimos dez anos, o gasto com medicamentos dobrou (92%). No mesmo período, o orçamento do Ministério cresceu 41% em termos reais. Mas passou por uma tendência de queda entre 2015 e 2017, voltando a crescer em 2018.

No detalhamento por componente, o gasto com CESAF é o que teve maior crescimento no período, chegando 2,5 vezes maior em 2018. O CEAF cresceu 53%, enquanto o CBAF permaneceu praticamente constante, crescendo apenas 3%. Todavia, a categoria que mais cresceu no período foi o programa Farmácia Popular, cujo recurso triplicou.

O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas recebe por ano, em média, R$1,5 bilhão. Deste total, 1,4% é gasto com medicamentos. O valor investido na saúde indígena é insuficiente para atender de forma adequada os 24 Distritos de Saúde Indígena espalhados por todo o território nacional, considerando as características específicas destas populações e seu acesso.

Esta é apenas uma amostra dos principais dados. Todos os estudos contêm análises aprofundadas e outras informações mais detalhadas. O lançamento da edição atualizada com os dados de 2018, e que revisita toda a série histórica, está previsto para outubro e será disponibilizado no site do Inesc.

>>> Acesse os infográficos em versão factsheet

Metodologia Orçamento e Direitos

Desde os anos de 1990, o Inesc analisa o orçamento de políticas e serviços públicos com o prisma da realização dos direitos humanos. Para isto, desenvolveu a metodologia Orçamento & Direitos, que foi revisitada e atualizada no ano de 2017, processo que originou a publicação de sua nova edição, disponível aqui.

A metodologia prevê os Orçamentos Temáticos, construídos por meio de agrupamentos de despesas, utilizando-se plataformas de dados abertos oficiais e solicitações de informação, de forma a integrar as rubricas que destinam recursos à promoção do direito que se pretende pesquisar – o que nos permite monitorar séries históricas e acompanhar tendências dentro de um mesmo tema, sem que nos limitemos a uma política ou a um programa específicos.

Orçamento público e direitos quilombolas

Este ano, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), iniciou um processo de formação com lideranças jovens do Norte e Nordeste, iniciativa que pretende fomentar a atuação da juventude quilombola no monitoramento do orçamento público, visando à efetivação de programas sociais para suas comunidades.

A partir de 2003, políticas públicas passaram a ser desenhadas para garantir a titulação, a qualidade de vida e a sustentabilidade das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No entanto, desde que o governo de Michel Temer adotou uma política de austeridade fiscal, onde a garantia de direitos passou a ser ameaçada pela Emenda do Teto dos Gastos (EC 95), cortes orçamentários têm atingido todas as ações que chegam aos territórios, em áreas como saúde, educação, fomento à agricultura familiar, assistência técnica, entre outras.

Cortes no orçamento para população quilombola

Material produzido pelo Inesc para subsidiar as oficinas de formação em orçamento e direitos quilombolas mostra que, no atual governo, a situação tende a se agravar. Por exemplo, os recursos alocados no Programa Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial (2034) em 2019 foram quase 60% menores se comparados a 2016 (caiu de R$ 46 milhões para R$15 milhões). Este Programa abriga fomento a ações afirmativas, desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas, reconhecimento e indenização para regularização fundiária destes territórios e atendimento a pessoas vítimas de racismo.

Para a assistência técnica e extensão rural (ATER) destinada à agricultura familiar quilombola, entre 2016 e 2017 foram autorizados no total somente R$ 2 milhões: deste recurso, nada foi pago. No entanto, foram executados restos a pagar de anos anteriores cerca de R$ 4 milhões. Em 2018 e 2019, nenhum recurso novo foi autorizado para esta ação.

Além disso, como mostrou o levantamento do Inesc sobre o contingenciamento do governo Bolsonaro, a concessão de bolsa permanência nas universidades teve contingenciamento de 100% do autorizado em 2019. O governo já havia enviado orçamento zerado para esta ação, contudo, houve um esforço no Congresso de se fazer emenda do relator e de comissão para garantir a permanência de indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda nas universidades, que teve todo o recurso suspenso. Como este é um gasto necessário todos os meses, na prática, as bolsas não atenderão ao seu público.

“Os números mostram um desmonte dessas políticas públicas conquistadas por meio de muita luta dos quilombolas. Com o acúmulo do Inesc, pretendemos contribuir para uma incidência mais efetiva dos quilombolas no controle social do orçamento, pois a vida de toda a comunidade é afetada pela decisão dos governantes na hora de distribuir os recursos arrecadados pelo Estado”, afirmou Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

Givânia Maria da Silva, educadora quilombola e integrante da CONAQ, lembra que a parceria com o Inesc nasceu de uma necessidade do movimento aprofundar o tema do orçamento público. “A gente sabe da ausência de recursos, mas pouco sabemos sobre como o orçamento é constituído, como são definidas as prioridades e quais os efeitos dele nas políticas públicas – ou na ausência delas – nos quilombos”, afirmou. Além disso, ressaltou que investir na formação da juventude é outra demanda dos quilombolas: “é a possibilidade da gente fortalecer as nossas comunidades, o nosso movimento”.

Oficinas

Inesc e Conaq têm realizado processos de formação em orçamento público e direitos para lideranças do movimento social já há alguns anos: oficinas aconteceram em 2014 e 2018.

Oficina orçamento e direitos quilombolas em Belém. Foto: Sibely Nunes
Oficina orçamento e direitos quilombolas em Belém. Foto: Sibely Nunes

Este ano, foco das oficinas está nas lideranças jovens. Nos dias 14 e 15 de julho, 28 jovens quilombolas dos estados do Pará, Rondônia, Tocantins, Amapá e Amazonas estiveram reunidos em Belém. No encontro, o orçamento público de cada estado foi analisado pela lente dos direitos humanos. Utilizando a metodologia Orçamento & Direitos, baseada na educação popular, o Inesc atua para simplificar o entendimento das estruturas de arrecadação e aplicação dos recursos públicos, preparando as comunidades para, a partir daí, fiscalizar e incidir.

Também foram apresentados mecanismos de controle social do orçamento. Contudo, problemas na transparência dos portais dos estados da Região Norte foram identificados, como ausência do Plano Plurianual (PPA) no site ou diferença entre o que está no Plano e o que está na Lei Orçamentária Anual (LOA), detalhamento somente da função do orçamento, e não por programa, entre outras questões que descumprem a Lei de Acesso a Informação (LAI).

 

Apostila “Orçamento e direitos quilombolas”

Esta apostila é um material de apoio para a Metodologia Orçamento e Direitos, e visa subsidiar as oficinas de formação em Orçamento e Direitos de ativistas Quilombolas, com dados atualizados sobre os orçamentos públicos, nacional e estaduais, que financiam as políticas públicas voltadas para as comunidades quilombolas.

A quem interessa sabotar os laboratórios públicos

O ministério da Saúde (MS) suspendeu, nas últimas três semanas, contratos relativos a Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) para a produção de 19 medicamentos, muitos dos quais de alto custo, distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A notícia é preocupante, uma vez que coloca em risco o acesso gratuito e universal a esses medicamentos pela população.

Também é inquietante a possibilidade de desmonte de uma política pública que visa aumentar a capacidade produtiva e tecnológica dos laboratórios públicos brasileiros para atender demandas estratégicas do SUS. As PDPs representam potencial de grande economia e de independência com relação às flutuações do mercado farmacêutico e ao preço estabelecido pelas empresas privadas multinacionais.

O jornal O Estado de S.Paulo relata que o ministério da Saúde é categórico ao informar o encerramento das parcerias. A Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil (Alfob), que representa um dos protagonistas das PDPs ao lado do setor privado, assegura que a decisão ocorreu de modo unilateral e os laboratórios foram pegos de surpresa.

Remédio mais caro

Contudo, em sua “nota de esclarecimento”, o ministério da Saúde afirmou que, para garantir o abastecimento da rede, vem realizando compras de medicamentos por outros meios previstos na legislação. A medida, portanto, não afetaria o atendimento à população. Além disso, a maior parcela das PDPs suspensas não chegou à fase de fornecimento do produto.

A questão é que o impacto da suspensão dos contratos se dará, principalmente, no longo prazo. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) estimou, com dados obtidos via Lei de Acesso a Informação (LAI), o gasto do ministério em 2018 com alguns medicamentos objeto das PDPs suspensas, seja por compra centralizada ou judicialização. Somados, eles representam cerca de R$ 2,1 bilhões, como mostra a tabela a seguir:

Os dados mostram que estes medicamentos já são adquiridos pelo ministério da Saúde e disponibilizados pelo SUS, mas com um custo alto. Caso as PDPs envolvendo estes produtos sejam bem-sucedidas, é possível conter custos e diminuir a dependência de produtores estrangeiros. O mercado farmacêutico, especialmente para este tipo de produto, é dominado por grandes empresas multinacionais.

Nas palavras do próprio ministério da Saúde, a redução da vulnerabilidade do SUS e o cumprimento dos seus princípios exigem, necessariamente, o aproveitamento do potencial econômico e social do complexo econômico industrial da saúde. Isto se viabiliza, dentre outras estratégias, pela utilização do poder de compra do Estado na área. Sendo assim, é importante a manutenção e constante avaliação de um programa que garante esta política de forma prática, como é o caso das PDPs. Cabe notar que o Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde foi extinto na reformulação do MS realizada em 2019, mas suas atribuições continuam na Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE).

As PDPs têm uma finalidade louvável de atrelar a política de desenvolvimento industrial ao bem- estar social, ao usar o poder de compra do Estado para fomentar o desenvolvimento e a fabricação em território nacional de produtos estratégicos para o SUS, bem como a sua sustentabilidade tecnológica e econômica a curto, médio e longo prazos.

Como toda política pública, deve ser realizada de forma transparente e sob controle social, para que se verifique se esta finalidade está de fato sendo alcançada. O ministério pode e deve suspender contratos que não atendam aos objetivos e prazos firmados, seguindo as recomendações dos órgãos de controle público. No entanto, é importante que trabalhe de forma harmônica e transparente com os laboratórios públicos nacionais, que têm papel fundamental para garantir a independência produtiva e tecnológica do país.

Como funcionam as PDPs?

As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo visam a transferência de tecnologia de laboratórios privados para laboratórios públicos nacionais. Em troca, o ministério da Saúde oferece parcela (que pode chegar a até 100%) do mercado público de um medicamento específico, durante um período determinado. Este processo de transferência de tecnologia e produção nacional pode se estender por um prazo de 10 anos.

Após a submissão da proposta, a PDP passa por quatro fases. A fase I, de apresentação e análise da viabilidade da proposta e celebração do termo de compromisso entre o MS e a instituição pública, é chamada de “Proposta de projeto de PDP”. Na etapa seguinte, chamada de “Projeto de PDP”, ocorre a implementação, e nela ainda não há fornecimento direto do produto ao MS. Na fase III, chamada de “PDP”, ocorre a execução do desenvolvimento do produto, transferência e absorção de tecnologia de forma efetiva e celebração do contrato de aquisição do produto estratégico entre o MS e a instituição pública. E a fase IV, “Internalização de tecnologia”, é a de conclusão da transferência e absorção da tecnologia, quando há plenas condições para produzir o medicamento em laboratórios públicos.

De acordo com o ministério, existem 87 PDPs vigentes. Elas foram iniciadas em 2010, mas foi em 2014 que seu funcionamento foi consolidado com a Portaria/MS 2531/2014. Em 2017, a Portaria de Consolidação de 2017 amalgamou a legislação que rege as parcerias. Trata-se, portanto, de política recente e não há qualquer razão técnica de conhecimento público que justifique a sua abrupta interrupção. Fica a pergunta: a quem interessa o fim das PDPs?

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