Educação precisa de investimento, não de mitos

30/05/2019, às 10:20 (atualizado em 30/05/2019, às 16:37) | Tempo estimado de leitura: 8 min
Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc
Cortes ameaçam conquistas históricas do movimento social. Educação básica também é afetada, ao contrário do que diz o governo. Em artigo, assessora do Inesc desmistifica dados da educação.
Manifestação contra os cortes na educação em Brasília (DF). Foto: Webert da Cruz

Será que todas as pessoas entendem a diferença entre universidade, centro universitário e faculdade? As universidades, obrigatoriamente, precisam ter o tripé de ensino, pesquisa e extensão; os centros universitários podem ter, mas não obrigatoriamente; as faculdades também estão dispensadas do tripé e, em geral, não fazem pesquisa nem extensão. Outra particularidade das universidades é que elas devem ter programas de mestrado e doutorado, além de uma qualificação mais rigorosa de seu corpo docente, com maior número de mestras (es), doutoras (es) e pós-doutoras (es). Dos centros universitários também é exigido mais pós-graduadas (os). Já as faculdades podem ter mais especialistas na composição do quadro de docentes.

Só com essa explicação inicial, fica nítido que quem faz pesquisa são as universidades. E no Brasil, a maioria delas é pública. De acordo com o Censo Escolar produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 87,9% do total da rede de ensino superior é composta por instituições privadas. No entanto, 53% das universidades são públicas, onde se produz a maior parte das pesquisas e das atividades de extensão, que resultam, dentre outras coisas, em políticas públicas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid).

Pibid sem verbas

O Pibid é uma ação, dentro da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (MEC), que pretende (ou pretendia) oferecer aos discentes, na primeira metade do curso de licenciatura, uma aproximação prática com o cotidiano das escolas públicas de educação básica e com o contexto em que elas estão inseridas.

O programa concede (concedia) bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com as redes de ensino.

Os projetos devem (deveriam) promover a iniciação do licenciando no ambiente escolar ainda na primeira metade do curso, visando estimular, desde o início, a observação e a reflexão sobre a prática profissional no cotidiano das escolas públicas de educação básica. O que pode desenvolver uma outra forma de ver o cotidiano das escolas e formar profissionais mais maduras (os) e cientes dos desafios que enfrentarão. Os estudantes bolsistas precisam (precisavam) ser acompanhados por um professor da escola e por um docente de uma das instituições de educação superior participantes do programa.

Essa inciativa foi uma das melhores propostas para pesquisa e extensão voltadas para as licenciaturas, pois colocava as futuras (os) educadoras (es) dentro das escolas, com formação prática aliada à formação teórica, promovendo o desenvolvimento de laços acadêmicos e de afeto com as futuras profissões.

E o que aconteceu com este projeto? Veja na tabela abaixo, retirada do Siga Brasil, com dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019:

 

Ou seja, esse programa não existe mais, o que é bastante contraditório com o discurso do governo de valorização da educação básica. Sem licenciados e pedagogos bem preparados não existe educação básica fortalecida.

Cortes afetam também a educação básica

E quando dizem que o ensino superior está retirando dinheiro da educação básica, sugerindo uma falsa dicotomia entre as esferas da educação, deve-se dizer que o que retirou recursos de toda a educação, incluindo a básica, é a Emenda Constitucional 95 de 2016, que estabeleceu o teto dos gastos. De 2014 para 2018, e medida retirou 8%, em valores reais, da educação básica. Em valores absolutos, atualizados pelo IPCA, foi de R$ 84,1 bilhões, para R$ 76,7 bilhões. Isso considerando que a maior parte do recurso da educação básica é obrigatória e garantida pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Além disso, números da tabela abaixo, com dados da LOA de 2019, mostram algumas ações referentes à educação básica que estão com o total ou parte de seus recursos indisponíveis, afetadas que estão pelo corte de recursos que, repito, não é só no ensino superior.

Com apenas alguns exemplos de onde estão incidindo os cortes, a saber, no transporte escolar; na implantação de escolas de educação infantil, que o governo diz valorizar tanto e priorizar; no funcionamento de escolas de educação básica federais, etc, é possível verificar que o discurso do governo não se alinha a prática. Com especial atenção aos livros didáticos, onde houve um corte de mais de mais de 85%, o que inviabilizará a política de distribuição dos livros, afetando enormemente a população mais pobre.

Outro dado relevante é o corte de 60%, conforme tabela abaixo, de bolsas permanência, que seriam para as (os) estudantes mais pobres, além dos indígenas e quilombolas, para que consigam permanecer em seus cursos até o final. Então, é perceptível, olhando para os cortes, dizer que a opção desse governo é pelos ricos e privilegiados, diferente do discurso público.

A cultura e a memória também estão sem valor nas priorizações governamentais, pois já era pouco o que haviam reservado para restauração do Museu Nacional, e virou menos ainda, conforme se constata na tabela abaixo.

A educação resiste

A defesa da educação pública, gratuita e de qualidade sempre esteve no horizonte de lutas da população brasileira, e foram muitos os resultados. De acordo com dados do Inep, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos anos iniciais do ensino fundamental saiu de 3,8 em 2005 para 5,5 em 2015; e dos anos finais de 3,4 para 4,5. Desde a Conferência Nacional da Educação, em 2010, nos manifestamos pedindo 10% do PIB para a Educação. Com esta luta, o movimento social garantiu este índice no Plano Nacional de Educação (PNE), que agora está sendo rasgado junto com a Constituição.

Ainda precisamos avançar muito, mas, infelizmente, estamos primeiro lutando para manter o que já conquistamos e ainda remando contra a maré de desinformação e fake news sobre educação disseminada pelo próprio governo.

>>> Leia também: Em defesa da educação, contra o desperdício da experiência

Categoria: Artigo
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