Silvia Alvarez, Autor em INESC - Página 19 de 22

A infância não pode esperar: criança não trabalha!

É provável que no dia 12 de junho, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, uma criança lhe ofereça flores ou chocolates no bar, e que um adolescente vigie seu carro enquanto você sai para celebrar o também dia dos namorados. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), de 2016, o Brasil tem cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes (5 a 17 anos) em situação de trabalho infantil – o que mostra que nós estamos em descumprimento da lei e naturalizando um problema que deveria ser prioridade absoluta de luta.

A Constituição Federal de 1988 afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227).

Assim, somos todos responsáveis por garantir que a infância e adolescência sejam resguardadas, assegurando proteção e espaços favoráveis ao seu pleno desenvolvimento. O não enfrentamento e a não erradicação do trabalho infantil são crimes. Compreende-se por trabalho infantil toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo de 14 anos.  Dos 14 aos 16, é permitido trabalhar apenas na condição de aprendiz.

Perfil socioeconômico do trabalho infantil

Historicamente, o Brasil tem um legado de violências à infância. Desde os tempos de colônia, um recorte social foi feito, tolerando que crianças indígenas e negras fossem levadas ao trabalho, escancarando uma estrutura classista vergonhosa. O trabalho infantil constitui-se como mecanismo de sobrevivência às desigualdades sociais, ora como alternativa para garantir a renda familiar, ora para alcançar condições de consumo de itens que se estabelecem como elementos de inclusão social em determinados grupos, como roupas de marca, celulares e outros.

Essa realidade, em si, é um indicador latente de que o país falhou em políticas de inclusão socioeconômicas, pois as crianças e adolescentes hoje em situação de trabalho infantil são filhos de pais que estiveram na mesma condição, uma herança de violação à infância e exclusão de direitos.

De acordo com o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e proteção ao Adolescente trabalhador, o perfil socioeconômico das famílias das crianças e adolescentes, entre 5 a 17 anos, em situação de trabalho infantil, revela que 49,83% têm rendimento mensal per capita menor que 1/2 salário mínimo e 27,80% inferior a 1 salário mínimo, o que prova que o trabalho infantil tem relação direta com a pobreza. Portanto, a partir desses dados, é possível concluir que 77,63% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil são de famílias vulneráveis, com renda per capita inferior a 1 salário mínimo.

E se a pobreza no Brasil tem cor, o trabalho infantil também. Segundo dados da PNAD/IBGE Contínua 2016, entre as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 64,1% são negras.  Isso é uma das comprovações da formação sócio histórica estruturada nas relações de poder racista, classista que seleciona os corpos, as cores que terão oportunidade de vivenciar a infância.

“Vai trabalhar, vagabundo!”

Uma narrativa assimilada pela cultura do país é que: “é melhor estar trabalhando do que vagabundando na rua”, o que se apresenta como elemento para justificar o trabalho infantil. Pois bem, a questão é que essa narrativa se aplica apenas aos menos favorecidos economicamente, em sua maioria crianças e adolescentes negras. Tal conduta ignora de forma violenta a condição do corpo infantil e adolescente, compromete seu pleno desenvolvimento, cria e estabelece mecanismos contínuos de uma vida de exclusão.

Se o trabalho enobrece e “dignifica o homem”, no que se refere às crianças, ele mortifica suas possibilidades de uma vida digna, visto que essa situação limita, restringe ou até impede o acesso a direitos como saúde, educação, profissionalização, convivência familiar e comunitária. Ademais, o corpo infantil e adolescente, se estiver trabalhando, não desfruta de espaço e tempo oportuno para se desenvolver em suas dimensões “físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (art. 3 ECA).

Crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil pagam um alto preço, tanto com seus corpos, quanto com suas mentes. Suas capacidades de criar, imaginar, experienciar e ter perspectivas ficam prejudicadas, rompendo com possibilidades de construções cognitivas e psicopedagógicas. Essa ruptura impactará esses sujeitos durante a vida adulta.

Romper o ciclo das desigualdades para erradicar o trabalho infantil

O Brasil assumiu o compromisso de erradicar o trabalho infantil até 2025. No que se refere a nossa legislação, temos leis que colocam a infância e adolescência na centralidade das políticas públicas e sociais e favorece o respeito às diversas infâncias e adolescências. No entanto, os retrocessos que estamos testemunhando ao longo do ano de 2019 impactam essas políticas.

Cortes nos recursos destinados à educação, assistência social e à fiscalização do trabalho escravo, são ações que contribuem para a invisibilização das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, violando direitos fundamentais.

Por que trabalha uma criança? Se a conclusão é que seja para garantir sua sobrevivência, tem-se aqui a ausência da responsabilidade como sociedade. Há, portanto, urgência em cumprir a legislação e exigir que a infância seja prioridade na execução e planejamento do orçamento público. Um esforço sério ao enfrentamento do trabalho infantil exige uma dinâmica de políticas integradas, com enfoque na redução das desigualdades sociais e combate à pobreza, visto que o trabalho infantil segue como uma herança na família de baixa renda. Segue também lado a lado com a baixa escolaridade.

Cada criança e adolescente em situação de trabalho infantil é um indicador vivo que falhamos em assegurar direitos, comprova que o Estado não conseguiu romper com o ciclo de desigualdades, tão pouco garantiu condições de inclusão desses sujeitos.

A infância não pode esperar, ela tem urgência em viver, ocupar cidades, campos, aldeias, e quilombos, tecer, descobrir e experienciar sua identidade real, que são o riso, o brincar, o aprender e ensinar, com as cores, o afeto, a convivência familiar. Ela está em todo lugar nos provocando e nos inspirando a tecer dias melhores. O futuro da infância não é a vida adulta, o futuro da infância é o presente, é presença.  A nós, cabe a responsabilidade de garantir a presença de seus direitos de forma a respeitar seu tempo, seu desenvolvimento. Criança não trabalha!

De igual modo, cabe atenção e reflexão sobre como nosso país tem concordado com a criminalização da adolescência, sem, contudo, observar o grupo alvo desse discurso, pois mesmo o termo adolescente é negado aos adolescentes periféricos, eles seguem nas narrativas como “de menor”. Adolescência não é crime, adolescência pede proteção, estímulos, incentivos, educação, cultura, arte, direito à saúde, à cidade, à sua identidade sociocultural e profissionalização.

Aos adultos desse país está dada a responsabilidade em monitorar e cobrar pela efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, que não podem esperar. A eles e elas nenhum direito a menos, proteção integral.

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Educação pública numa democracia moribunda

O Estatuto é um só, as infâncias são muitas

Vaga para assessor (a) na área socioambiental

Está aberto processo seletivo para contratação de assessor (a) na área de Políticas e Direitos Socioambientais com ênfase na Amazônia. O (a) profissional atuará na análise e ações de incidência em políticas, medidas e processos relacionados à temática dos direitos socioambientais e sua relação com investimentos na Amazônia.

A contratação é em regime CLT, com duração de um ano. O prazo para envio das candidaturas é até o dia 19/07/2019.

Acesse o edital e saiba como participar do processo seletivo:

Entenda como funciona o financiamento da educação básica no Brasil

Com sinal vermelho ligado no que diz respeito ao financiamento da Educação, é importante entender de onde vêm os recursos que mantém a política de ensino no país. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por exemplo, é um dos mais importantes instrumentos de sustentação da educação básica. Aprovado em 2006, fruto da luta do movimento social, a validade do Fundeb é somente até dezembro de 2020, o que precisa ser revisto com urgência.

Neste momento, há propostas em tramitação no Congresso Nacional com a intenção de perenizar o Fundeb. São elas, a PEC 24/2017, PEC 65/2019 e PEC 15/2015, esta última já está sendo analisada pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados, as duas primeiras estão no Senado Federal. Caso não se aprove a sua ampliação ou perenização, a educação básica estará em sérios riscos, pois estados e municípios não têm autonomia financeira para arcar com os custos. Se a União não aportar o principal, a educação pública será uma mera lembrança, antes mesmo que consigamos a tão sonhada qualidade.

O que diz a Constituição

O financiamento da Educação, a partir da Constituição Federal (CF) de 1988, passou a sofrer menos intempéries, visto que o legislador garantiu o mínimo necessário, ou seja, 18% para a União e 25% para Estados e Municípios.

Além disso, no artigo 211, parágrafo primeiro, está dito que “ A União organizará o sistema federal de ensino e financiará as instituições de ensino públicas, federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.”

O que significa isso de fato?  18% e 25% sobre o que?

A CF estabelece em seus artigos de 157 a 162, que o sistema tributário deve ser partilhado pelas esferas de governo, visto que no Brasil é o governo federal quem mais arrecada. Desta forma, parte da arrecadação da União é transferida para Estados e Municípios e parte da arrecadação dos Estados é transferida aos Municípios. Esses repasses são feitos para diminuir o impacto das grandes diferenças de arrecadação e para aumentar o poder de investimento de Estados e Municípios, levando em consideração que a União arrecada aproximadamente 70% dos tributos, os Estados perto de 25% e os Municípios em torno de 5%.

Sistema tributário e Educação

No Brasil há três categorias de tributos: impostos, taxas e contribuições. Os impostos são muito importantes, pois, por meio deles, o governo obtém recursos que custeiam quase todas as políticas públicas.  As taxas são tarifas públicas cobradas para fornecimento de algum serviço, tal como documento, ou segunda via de certidões e passaportes, por exemplo. As contribuições de melhoria são cobradas do contribuinte que teve, por exemplo,  seu imóvel valorizado por alguma benfeitoria. E as contribuições sociais e econômicas, de competência da União. As sociais são para cobrir gastos da Seguridade Social e as econômicas para fomentos de certas atividades econômicas.

Para o cálculo dos 18% garantido para a União custear a educação, são computados apenas os impostos, conforme estabelecido pelo parágrafo 212 da CF, que diz que a União aplicará nunca menos de 18% e os Estados e Distrito Federal e os Municípios, nunca menos  que 25% da receita resultante dos impostos e transferências constitucionais. E, ainda neste mesmo artigo, está dito que o ensino fundamental terá o acréscimo da contribuição social do salário-educação, recolhidos pelas empresas (a emenda 53 de 2006 modificou isso, acrescentando as outras etapas de ensino).

A fórmula de cálculo é a seguinte: só após os repasses obrigatórios para os fundos de participação de Estados e Municípios (FPE e FPM), e depois, dos Estados para os Municípios, é que as porcentagens são retiradas do bolo restante. Isso ocorre para não haver dupla contabilização.

Os recursos transferidos são destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), conforme o disposto no artigo 212 da CF, regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). As atividades suplementares, tais como merenda, uniformes, dinheiro direto na escola são financiados com outros recursos administrados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com recursos provenientes, dentre outras fontes, do salário-educação, recolhido pela União, que repassa uma parte para Estados e Municípios.

O que significa a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)? O que está dentro disso?

Apesar de vaga, a expressão MDE diz respeito a ações específicas, que focam diretamente o ensino. Ações estas especificadas pela LDB, artigo 70. São elas:

  • Remunerar e aperfeiçoar os profissionais da educação;
  • Adquirir, manter, construir e conservar instalações e equipamentos necessários ao ensino (construção de escolas, por exemplo);
  • Usar e manter serviços relacionados ao ensino tais como aluguéis, luz, água, limpeza etc.
  • Realizar estudos e pesquisas visando o aprimoramento da qualidade e expansão do ensino, planos e projetos educacionais.
  • Realizar atividades meio necessárias ao funcionamento do ensino como vigilância, aquisição de materiais…
  • Conceder bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas.
  • Adquirir material didático escolar.
  • Manter programas de transporte escolar.

Outras fontes de financiamento

Além dessas receitas, há outras fontes, tais como o salário-educação, que é recolhido das empresas, sobre o cálculo de suas folhas de pagamento. Essa receita é dividida entre União, Estados e Municípios. Quem arrecada a contribuição é o INSS, que fica com 1% a título de administração e repassa o restante para o FNDE, que desconta 10% e divide os 90% da seguinte forma:

A União fica com um terço dos recursos mais os 10% do FNDE. Os outros dois terços dos 90% ficam com Estados e Municípios, em razão direta ao número de matrículas de cada ente federado, de acordo com o censo escolar do ano anterior.

Além do salário-educação, o FNDE possui verbas oriundas de outras contribuições sociais. O Fundo desenvolve alguns projetos importantes, por exemplo: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Brasil Alfabetizado, Apoio ao Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (Fazendo escola/PEJA) e Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate).

Fundeb em risco

Os fundos – o Fundef, criado em 1996 para manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, e o Fundeb, substituindo o anterior a partir de 2007 e visando à educação básica como um todo – representam uma tentativa de racionalização do gasto educação. Podemos dizer que além da vinculação de recursos, conforme explicado acima, há a subvinculação.

A transição do Fundef para o Fundeb significou o aumento da complementação da União aos fundos estaduais, de R$ 492 milhões, em 2006, para cerca de R$ 14 bilhões, em 2019. Neste ano, estima-se um aporte total para o fundo de aproximadamente R$ 150 bilhões, sendo a principal fonte de recursos para a educação básica no Brasil.

Como sempre houve um subfinanciamento da educação, ao Fundeb foram acrescidos novos recursos, como os oriundos do IPVA, por exemplo, que ampliou o financiamento, mas ampliou também o número de alunos atendidos, não equacionando, ainda, a questão do sub-financiamento.

O cálculo do Fundeb também é feito de acordo com o número de matrícula na educação básica pública de acordo com os dados do último censo escolar, feito anualmente. Dividi-se o montante pelo número de matriculados para se obter o valor aluno e em seguida repassar aos Estados e municípios a parte que cabe a cada um. Aqueles que não atingirem o valor mínimo por aluno deverão ter complementação da União. Já se verificou que a União, em muitos momentos, subdimensiona  o custo por aluno para não ter de efetuar a complementação para os diversos estados que não conseguiriam atingir o piso.

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Em defesa da educação, contra o desperdício da experiência

 

 

Produção nacional de insumos é chave para acesso a medicamentos

No último dia 23, foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados (CSSF) o Projeto de Lei 10096/18, que altera a Lei nº 8.080/9, para dispor sobre a produção nacional de insumos farmacêuticos ativos estratégicos para o tratamento de doenças negligenciadas.

De acordo com o texto do PL e o parecer da CSSF, um dos principais motivadores para sua elaboração foi a recente escassez de penicilina no mercado brasileiro frente ao aumento do número dos casos de sífilis. Foi necessária a adoção de medidas para evitar a falta do medicamento, como por exemplo, a autorização do Ministério da Saúde para aumentar o preço e estimular o mercado. Outros países também enfrentaram problemas com o desabastecimento de penicilina.

Isso porque a penicilina tem baixo valor comercial, por ser um princípio ativo antigo, de amplo uso e barato. Com isso, as empresas farmacêuticas não têm interesse em fabricá-lo, já que seu retorno financeiro é baixo. A orientação pelo lucro é ponto central do problema das doenças negligenciadas (como dengue, Chagas, tuberculose, hanseníase, malária entre outras).

O parecer da Comissão sintetiza o quadro: “o problema (das doenças negligenciadas) é particularmente grave em relação à disponibilidade de medicamentos, já que as atividades de pesquisa e desenvolvimento das indústrias farmacêuticas são principalmente orientadas pelo lucro, e o retorno financeiro exigido dificilmente seria alcançado no caso de doenças que atingem populações marginalizadas, de baixa renda e pouca influência política, localizadas, majoritariamente, nos países em desenvolvimento, como o Brasil ”.

O estudo do Inesc  sobre os recursos federais destinados à assistência farmacêutica (2013-2017) mostra que apesar do lucro das empresas farmacêuticas atingir cerca de cem bilhões de reais, e do setor receber subsídios fiscais de quase 10 bilhões de reais, isso não se traduz em redução do preço do medicamento para o consumidor final. A indústria farmacêutica não sentiu os efeitos da crise no Brasil, que levou a diversos cortes e contingenciamentos, inclusive na área da saúde. Mesmo assim, recursos públicos não deixaram de ser canalizados para esse setor em volumes vultosos e crescentes.

Considerações sobre o  PL

O PL estabelece, então, que os laboratórios farmacêuticos públicos deverão produzir os insumos ativos destinados a estas doenças. Quando a produção pública dos insumos não for possível, será autorizada a celebração de parcerias ou convênios com o mesmo objetivo.

Produzir princípios ativos nacionalmente é importante para evitar riscos de desabastecimento e diminuir a vulnerabilidade ao mercado e ao cenário internacional. Um diferencial brasileiro positivo é a existência de laboratórios farmacêuticos públicos que podem realizar esta atividade. Um bom exemplo da importância destes laboratórios e da produção pública local foi a política de combate a AIDS, na qual só foi possível oferecer tratamento – e não apenas a prevenção – de forma ampla, pois o país detinha a competência para produzir localmente.

O Brasil pôde, nesse sentido, usar esta competência para usufruir das flexibilidades estabelecidas no acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (mais conhecido por sua sigla em inglês, TRIPS). Uma delas é a licença compulsória, que permite a produção ou a importação de um medicamento genérico, forçando a concorrência e a queda dos preços. Essa medida foi utilizada apenas como uma ameaça no Brasil na década de 1990 e no início da década seguinte, o que levou a consideráveis reduções de preços dos medicamentos diante da possibilidade concreta de produção do genérico por laboratórios públicos nacionais, caso a licença fosse concedida[1].

Todavia, é necessária a atenção a dois pontos que não são detalhados no PL: a definição de doenças negligenciadas e as possíveis parcerias. Doenças negligenciadas é um termo amplo, que pode incluir diversos tipos de enfermidades e com diferentes prioridades. Como o PL tem o objetivo especifico de evitar o desabastecimento de insumos de baixo interesse comercial, é necessário que o texto da lei estabeleça isso de forma explícita.

Parceria deve ser para a independência

Sobre as parcerias, o texto aponta que caso os laboratórios públicos não tenham condições de fabricação destes insumos, eles podem procurar parceiros “para a adaptação de sua linha produtiva e aquisição de tecnologias e processos” e que o “Poder Público fica autorizado a financiar, estimular, promover e buscar parcerias nacionais e internacionais”.

O objetivo principal dessas parcerias deve ser de capacitar o laboratório público oficial a realizar de forma independente a produção dos insumos. Assim, deve-se priorizar aquelas que visam a plena transferência da tecnologia para as instituições públicas e não apenas a aquisição pontual de insumos ou processos de empresas privadas. Visa-se assim a autonomia de fato em relação a produtores internacionais e à volatilidade do mercado, além de estimular a concorrência. Este ponto também deve ser registrado de forma explícita no texto.

A proposta será analisada ainda, em caráter conclusivo, pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara federal.

Alinhamento internacional

No último dia 24, em Genebra, na Assembleia Geral da Saúde, seis agências internacionais assinaram a “Declaração interinstitucional sobre a produção local de medicamentos e outras tecnologias relacionadas com a saúde”. Elas se comprometeram a trabalhar “de forma colaborativa, estratégica e holística em parceria com governos e outras partes relevantes para fortalecer a produção local”, com base nos respectivos conhecimentos e mandatos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Fundo Global reiteraram com a declaração que a produção local e a transferência de tecnologias são elementos cruciais para promover a inovação, capacitação e melhorar o acesso das populações à medicamentos e tecnologias em saúde. Além disto, enfatizaram a sua importância no contexto de desabastecimento global.

[1] ABIA, 2016. Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV e AIDS em 2016. Disponível em http://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2016/07/Mito-vs-Realidade_HIV-e-AIDS_BRASIL2016.pdf

Educação precisa de investimento, não de mitos

Será que todas as pessoas entendem a diferença entre universidade, centro universitário e faculdade? As universidades, obrigatoriamente, precisam ter o tripé de ensino, pesquisa e extensão; os centros universitários podem ter, mas não obrigatoriamente; as faculdades também estão dispensadas do tripé e, em geral, não fazem pesquisa nem extensão. Outra particularidade das universidades é que elas devem ter programas de mestrado e doutorado, além de uma qualificação mais rigorosa de seu corpo docente, com maior número de mestras (es), doutoras (es) e pós-doutoras (es). Dos centros universitários também é exigido mais pós-graduadas (os). Já as faculdades podem ter mais especialistas na composição do quadro de docentes.

Só com essa explicação inicial, fica nítido que quem faz pesquisa são as universidades. E no Brasil, a maioria delas é pública. De acordo com o Censo Escolar produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 87,9% do total da rede de ensino superior é composta por instituições privadas. No entanto, 53% das universidades são públicas, onde se produz a maior parte das pesquisas e das atividades de extensão, que resultam, dentre outras coisas, em políticas públicas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid).

Pibid sem verbas

O Pibid é uma ação, dentro da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (MEC), que pretende (ou pretendia) oferecer aos discentes, na primeira metade do curso de licenciatura, uma aproximação prática com o cotidiano das escolas públicas de educação básica e com o contexto em que elas estão inseridas.

O programa concede (concedia) bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com as redes de ensino.

Os projetos devem (deveriam) promover a iniciação do licenciando no ambiente escolar ainda na primeira metade do curso, visando estimular, desde o início, a observação e a reflexão sobre a prática profissional no cotidiano das escolas públicas de educação básica. O que pode desenvolver uma outra forma de ver o cotidiano das escolas e formar profissionais mais maduras (os) e cientes dos desafios que enfrentarão. Os estudantes bolsistas precisam (precisavam) ser acompanhados por um professor da escola e por um docente de uma das instituições de educação superior participantes do programa.

Essa inciativa foi uma das melhores propostas para pesquisa e extensão voltadas para as licenciaturas, pois colocava as futuras (os) educadoras (es) dentro das escolas, com formação prática aliada à formação teórica, promovendo o desenvolvimento de laços acadêmicos e de afeto com as futuras profissões.

E o que aconteceu com este projeto? Veja na tabela abaixo, retirada do Siga Brasil, com dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019:

 

Ou seja, esse programa não existe mais, o que é bastante contraditório com o discurso do governo de valorização da educação básica. Sem licenciados e pedagogos bem preparados não existe educação básica fortalecida.

Cortes afetam também a educação básica

E quando dizem que o ensino superior está retirando dinheiro da educação básica, sugerindo uma falsa dicotomia entre as esferas da educação, deve-se dizer que o que retirou recursos de toda a educação, incluindo a básica, é a Emenda Constitucional 95 de 2016, que estabeleceu o teto dos gastos. De 2014 para 2018, e medida retirou 8%, em valores reais, da educação básica. Em valores absolutos, atualizados pelo IPCA, foi de R$ 84,1 bilhões, para R$ 76,7 bilhões. Isso considerando que a maior parte do recurso da educação básica é obrigatória e garantida pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Além disso, números da tabela abaixo, com dados da LOA de 2019, mostram algumas ações referentes à educação básica que estão com o total ou parte de seus recursos indisponíveis, afetadas que estão pelo corte de recursos que, repito, não é só no ensino superior.

Com apenas alguns exemplos de onde estão incidindo os cortes, a saber, no transporte escolar; na implantação de escolas de educação infantil, que o governo diz valorizar tanto e priorizar; no funcionamento de escolas de educação básica federais, etc, é possível verificar que o discurso do governo não se alinha a prática. Com especial atenção aos livros didáticos, onde houve um corte de mais de mais de 85%, o que inviabilizará a política de distribuição dos livros, afetando enormemente a população mais pobre.

Outro dado relevante é o corte de 60%, conforme tabela abaixo, de bolsas permanência, que seriam para as (os) estudantes mais pobres, além dos indígenas e quilombolas, para que consigam permanecer em seus cursos até o final. Então, é perceptível, olhando para os cortes, dizer que a opção desse governo é pelos ricos e privilegiados, diferente do discurso público.

A cultura e a memória também estão sem valor nas priorizações governamentais, pois já era pouco o que haviam reservado para restauração do Museu Nacional, e virou menos ainda, conforme se constata na tabela abaixo.

A educação resiste

A defesa da educação pública, gratuita e de qualidade sempre esteve no horizonte de lutas da população brasileira, e foram muitos os resultados. De acordo com dados do Inep, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos anos iniciais do ensino fundamental saiu de 3,8 em 2005 para 5,5 em 2015; e dos anos finais de 3,4 para 4,5. Desde a Conferência Nacional da Educação, em 2010, nos manifestamos pedindo 10% do PIB para a Educação. Com esta luta, o movimento social garantiu este índice no Plano Nacional de Educação (PNE), que agora está sendo rasgado junto com a Constituição.

Ainda precisamos avançar muito, mas, infelizmente, estamos primeiro lutando para manter o que já conquistamos e ainda remando contra a maré de desinformação e fake news sobre educação disseminada pelo próprio governo.

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Projeto Onda promove debates e oficinas sobre a temática racial em escola do Itapoã

Na manhã do dia 16/05, a campanha “Por Que Não Amar?”, iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), parou a rotina escolar do Centro Educacional (CED) 01 do Itapoã (DF)  para discutir racismo no Brasil. Com a voz retumbante da cantora Nãnan Matos; a arte colorida do grafiteiro Odrus, além de oficinas e rodas de conversa, os alunos promoveram um evento que celebra a cultura e resistência negras.

Além da divulgação dos produtos da campanha, as (os) adolescentes organizaram oficinas sobre a temática racial e rodas de debates, como a sobre o genocídio da população negra, mediada por Rachel Quintiliano, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). A ação foi apoiada pelo corpo docente da escola que também realizou durante o mês atividades pedagógicas sobre o tema com os alunos e alunas.

Emily Alaz, jornalista e cineasta (diretora do documentário “Kurialuka”) que ministrou uma oficina sobre mídia e racismo defendeu que o debate sobre as questões raciais deve ser tratado como prioridade nas escolas: “Considero importante construir ações focadas no território para se pensar o futuro, principalmente em conjunto com a juventude. Os últimos tempos nos têm feito pensar sobre a solidez das coisas. Campanhas como a Por Que Não Amar precisam ser contínuas em todos os espaços, porque são sementes que abrem caminhos”, disse.

A estudante do CED 01, Ana Flavya Gonçalves Pereira, participou da oficina sobre estética, chamada “Retrato Negro”, com os fotógrafos Danilo do Vale (Kadan) e Jadson Silva e explicou que aprendeu questões sobre a aceitação da beleza natural: “uma coisa que eu não percebia é como a sociedade prega a cultura do embranquecimento. Ações como essa ensinam as pessoas a praticarem o amor e o respeito às diferenças”, relatou a estudante.

Apresentações culturais

O evento CED 01 do Itapoã Contra o Racismo contou também com as apresentações culturais dos cantores Mc Banzo, Victor Machado e Nãnan Matos, além de uma batalha de rima, produto da oficina de rap da cantora Mc Debrete.

“Muitos alunos negros não encontram na escola um local de pertencimento, muitas vidas negras estão paralisadas, estagnadas, por causa do racismo que enfrentamos na rua e na escola. Essa campanha é muito forte, é emocionante. As pessoas precisam entender os motivos que nos une, estamos aqui para mostrar o quão bonito e positivo é ser negro (a)”, declarou a cantora e percussionista Nãnan Matos.

O Projeto Onda pela Paz, impulsionador desse processo, foi agraciado no último ano com o primeiro lugar do Prêmio Itaú-Unicef na categoria “Parceria em Ação”. A campanha “Por Que Não Amar?” se soma à educação em direitos humanos e formação cidadã promovidas pelo projeto, especialmente voltado para o público adolescente do Distrito Federal.

Victória Dias é uma das autoras da ação e agradece a todos que fizeram parte do processo pedagógico e impulsionador da campanha “Por Que Não Amar?”, em especial aos educomunicadores Diego Gonçalves e Luana Pereira, e à assessora política do Inesc Márcia Acioli: “é incrível ser protagonista de um projeto no qual eu me identifico muito. Foi a experiência em que eu mais pude ensinar e aprender ao mesmo tempo. Produzir diversos materiais e me reconhecer em todos é algo maravilhoso. Essa campanha não para por aqui, onde formos teremos a memória de algo bom que aprendemos com essa jornada”.

Fotos: Felipe Mesquita e José Paulo de Oliveira.

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Por decreto, Bolsonaro força a municipalização da saúde indígena

O governo Bolsonaro tem se mostrado um inimigo permanente da saúde dos povos indígenas. Mesmo após enfrentar manifestações em todo o país e do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, garantir que a municipalização estava descartada, o ataque continua.

O Decreto 9.795, publicado na semana passada, apesar de manter a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), como prometido, altera pontos fundamentais para o funcionamento do órgão. Bolsonaro extinguiu o Departamento de Gestão da Sesai e retirou, no texto e na prática, o caráter democrático e participativo da administração da saúde indígena.

Além disso, a nova configuração da Sesai fala repetidamente em “integração com o SUS” na região e nos municípios onde estão inseridos cada DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena). Mais que uma mera mudança textual, vários pontos da competência da Secretaria passam a sofrer a influência direta da rede pública local.

Com isso, o respeito às práticas tradicionais e à independência de gestão dos povos indígenas está ameaçada. As mudanças, polêmicas, ainda estão em debate pelo movimento, por especialistas e mesmo por funcionários da Secretaria. A própria alteração imposta por decreto demonstra a pouca afeição democrática do atual governo. Com os ataques constantes que a saúde indígena tem sofrido desde que Mandetta assumiu o cargo, em abril, as desconfianças são muitas.

Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as mudanças do decreto são uma clara tentativa de forçar a municipalização que já havia sido descartada pelo governo em reunião com as lideranças em março e abril. Na avaliação de Issô Truká, da Apib e do Fórum de Presidentes dos Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena), as alterações são inconstitucionais e o caminho será entrar com uma Ação Civil Pública contra o Ministério da Saúde. A articulação será feita entre a Apib e a 6ª Câmara do MPF.

“Eles tentaram de forma direta a municipalização e não conseguiram. Pelo decreto, impõe essa integração da Sesai com os municípios para já preparar o terreno para uma mudança definitiva. A essência da Sesai sempre foi trazer o SUS para dentro da saúde indígena e não o contrário. Agora a Sesai passa a ser mera fiscalizadora das ações dos municípios”, avalia Truká.

Na visão do porta-voz da Apib, esta é uma forma de manter o poder decisório da Sesai no gabinete do ministro, com tudo tendo que ser revisto e aprovado por ele. Retirar a participação social, que o texto do novo decreto reforça e que Bolsonaro já tinha feito ao extinguir o Conselho Nacional de Política Indigenista e outros, é ir contra o que a Constituição prevê.

“Essa é mais uma tentativa de matar a Sesai por inanição para justificar a municipalização. O que ele quer é ter o orçamento anual da secretaria para fazer o que bem entender”, entende Truká, que não descarta a possibilidade de novas manifestações de povos indígenas em várias regiões do Brasil, como já ocorreu esse ano.

Reforçando as mobilizações contra a municipalização da saúde indígena, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Apib, lançou a cartilha “Orçamento e direito à saúde indígena”. Pautado na educação popular, o material retoma a história de luta que resultou na política nacional de atenção atual e aposta no fortalecimento do controle social para o aprimoramento da política. Exatamente o oposto do que tenta impor o governo Bolsonaro.

Na Sesai, sentimento é de caça às bruxas

Na avaliação de funcionários da Sesai ouvidos pela reportagem que preferiram não se identificar, as mudanças promovem uma verdadeira “caça às bruxas” na Secretaria. Com a extinção do Departamento de Gestão, presente desde a fundação em 2010, dezenas de cargos foram cortados, inclusive de direção. Os postos devem ser repostos somente em parte e sobretudo por militares, especialmente em cargos estratégicos.

Silvia Waiãpi, tenente do Exército empossada como secretária da instituição por Mandetta há 1 mês, estaria perseguindo muitos funcionários que eram da confiança do ex-secretário Marco Antonio Toccolini, que permaneceu no cargo por dois anos.

O expurgo seria uma tentativa de Mandetta em justificar o discurso de que haveria corrupção na saúde indígena, no entanto sem nunca ter provado nada. Desde que assumiu o ministro tem se manifestado publicamente diversas vezes sobre o tema. Toccolini teria resistido às mudanças propostas pelo ministro que, depois, foi obrigado a recuar.

As mudanças bruscas comprometem o funcionamento da Sesai. Sobre o decreto impor a municipalização à força, não há consenso entre os funcionários, com avaliações distintas sobre as consequências. Teoricamente, o decreto não deve impactar de imediato na forma como o atendimento é feito, já que a média e alta complexidade já ficam sob atribuição das redes locais do SUS.

Mais que a disposição ou não em municipalizar, o perfil militar de Waiâpi tem causado desconforto tanto na secretaria quanto nos DSEIS. Muitos deles receberam visitas surpresa da secretária recentemente. Nas visitas, Waiãpi tende a agir com autoritarismo, o que tem desagradado a muitas pessoas. Com orçamento aproximado de R$ 1,4 bilhão por ano, são muitos os interesses que rondam a Sesai e acomodar todos eles seria um dos objetivos do decreto.

O que Bolsonaro alterou na Sesai:

  • Extinção do Departamento de Gestão da Saúde Indígena e de dezenas de cargos, sobretudo no gabinete da Sesai e nos DSEIS.
  • Atribuições do antigo departamento ficam sob a responsabilidade do Departamento de Atenção à Saúde Indígena.
  • Departamento de Saneamento e Edificações de Saúde Indígena foi reestruturado e virou Departamento de Determinantes Ambientais da Saúde Indígena, mas basicamente com as mesmas atribuições.
  • Gestão democrática e participativa foi eliminada formalmente das competências da Sesai.
  • Decreto reforça em diversos momentos a “a integração com as instâncias assistenciais do SUS na região e nos Municípios que compõem cada Distrito Sanitário Especial Indígena”. Medida é vista como forma de forçar a municipalização.

764 da barragem pra cá

Lançado como parte do projeto Mapa das Desigualdades, este livro traz contos, poemas, e relatos autobiográficos de autoras e autores negros do Paranoá, Itapoã e Paranoá Park: Raquel Prosa, Lucas Daniel, Kadan Lopes, Jad William, Ruana Carla, Camila S. M., Victória, Hugo Queiroz, Capitú.

 

 

Vitória! Senado aprova PL que divulga empresas beneficiadas por renúncia fiscal

Nesta terça-feira (21), o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 188/2014 – Complementar, que obriga a Receita Federal a divulgar quais as empresas beneficiadas por isenções de impostos e contribuições. O projeto, de iniciativa do senador Randolfe Rodrigues (Rede), segue agora para a Câmara dos Deputados.

Se aprovado também na Câmara, será possível conhecer quais são as empresas que recebem benefícios tributários e verificar se o valor que elas deixam de pagar realmente é revertido em ganhos para a sociedade. Foi isso que pediu a campanha digital #SóAcreditoVendo, promovida pelo Instituto de Estudos Econômicos (Inesc) desde o segundo semestre de 2018.

A iniciativa coletou mais de 700 assinaturas para o manifesto entregue no gabinete do senador Randolfe Rodrigues em fevereiro.  O texto pedia transparência para os gastos tributários – que atualmente estão estimados pelo governo em R$ 326,16 bilhões, representando perda de arrecadação equivalente a 4,14% do PIB.

Segundo Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, a Instituição vai continuar monitorando e pressionando para que o PL seja aprovado na Câmara. “Foi uma vitória importante rumo à transparência dos recursos públicos e à diminuição da desigualdade no sistema tributário brasileiro”, comemorou. “O Inesc vai continuar com ações de incidência no Congresso para alcançarmos o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários”, afirmou.

>>> Assine o manifesto e conheça a campanha #SóAcreditoVendo: www.soacreditovendo.org.br

Contra a cultura da violência, empatia e políticas públicas

Quando um presidente da república afirma que “quem quiser vir fazer sexo com mulher, fique à vontade” e ainda diz que o país não é um paraíso gay, legitima com palavras proferidas e outras não ditas que mulheres estão à disposição das vontades alheias. Simultaneamente, deixa evidente o quanto teme que o Brasil seja referência para a homossexualidade, como se fosse um demérito.

Ao tratar de violência sexual, que afeta crianças e adolescentes, não podemos nos deter somente ao ato da conjunção carnal e considerar que a violência teve origem no momento da agressão. A violência é uma construção processual fundamentada por uma cultura que permite que ela aconteça. O ato do agressor não é solitário, por trás de seu gesto há terreno propício respaldado no comportamento de muita gente. A trama é tão bem tecida que, para muitos, a violência não é percebida como tal.

Assim, embora extremamente brutais, os estupros coletivos, para homens e meninos que a praticam, não passam de uma diversão. A violência pressupõe a ausência de empatia. A fala que disponibiliza sexo com mulheres (leia-se também meninas) legitima o desprezo por suas vidas, desejos, vontades e dignidades. Em uma sociedade centrada no adulto, e que é racista, machista e homofóbica, a cultura que impera exclui a percepção de inúmeras pessoas da categoria humana.

Crianças e adolescentes são as principais vítimas

O Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que do total de 22.918 casos de estupro registrados pelo sistema de saúde em 2016, 50,9% foram cometidos contra crianças de até 13 anos. As adolescentes de 14 a 17 são 17% das vítimas e 32,1% eram adultas. As pessoas com algum tipo de deficiência também representam 12,2% do total de casos de estupros coletivos.

Observa-se que todos os dados relativos à violência sexual são subestimados. Ainda segundo a pesquisa, “os estudos mais conservadores estimam que o número de registros equivale a, no máximo, 10% da quantidade real de estupros de cada ano, ou seja, esse número é muito pior”. Atribui-se às campanhas feministas o aumento de denúncias, possibilitando conhecer o problema em uma dimensão um pouco mais realista, o que é essencial para a elaboração de políticas públicas que produzam efeitos na redução na violência sexual.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz em seu artigo 5º que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Portanto, é papel de todas as políticas públicas desvendar as raízes da violência sexual e atuar para proteger crianças e adolescentes, para responsabilizar os agressores, mas sobretudo prevenir, criar um mundo seguro para a vida transcorrer em patamares dignos e felizes. A tarefa é hercúlea no momento de desmonte do Estado e com os cortes e censura na educação.

Educar para construir novas sensibilidades

Na revista Descolad@s nº 6, produzida por adolescentes do projeto Onda do Inesc, a matéria intitulada “Educação de Gênero: construção de novas sensibilidades”, de Maria Castanho, 17 anos, dá dicas do que fazer. Para ela, a educação de gênero tem o objetivo de estimular o desenvolvimento da percepção sensível sobre todos os gêneros; motivar a convivência e o respeito entre os diferentes gêneros; desnaturalizar os papéis de gênero; fortalecer a ideia de que o corpo é nosso e de que a nossa sexualidade é determinada pelos nossos desejos; combater a educação sexista, que atribui a meninos mais oportunidades e controle sobre suas vidas e para as meninas, a noção do corpo como objeto sexual e do qual elas não têm controle nem poder de decisão; enfrentar a violência contra mulheres combatendo as raízes do feminicídio; enfrentar relacionamentos abusivos; e por fim, superar a cultura do estupro.

Em tempos em que a voz da autoridade máxima celebra mais as armas do que educação, que a educação sexista é defendida com radicalidade e, ainda, que o debate de gênero é censurado nas escolas, as perspectivas não são boas. Ainda assim, é hora de confiar nas vozes das ruas e acreditar que crianças e adolescentes podem inaugurar uma nova ordem social em que prevaleça a ética e o respeito em suas relações.

Entidades questionam na Justiça decreto que extingue conselhos

Organizações da sociedade civil brasileiras ajuizaram, no último dia 15 de maio,  uma Ação Civil Pública (ACP) junto à Vara Federal do Tribunal Federal da 3ª Região para sustar os efeitos do Decreto 9.759/2019, publicado em abril deste ano, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta e indireta.

Na ação, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) pedem a suspensão do plano de trabalho do governo federal relativo ao decreto até que os ministérios e outros órgãos da administração pública federal indiquem a relação de colegiados dos quais participem, além de sua relevância e da justificativa para sua extinção ou continuidade.

As entidades autoras, que têm participação em conselhos relacionados com a administração pública federal, afirmam na ACP que o prazo relativo ao procedimento para adequação ou extinção dos colegiados é extremamente exíguo (de dois meses e meio), o que dificultaria a definição de possíveis órgãos afetados, bem como dos critérios a orientar as justificativas que garantiriam a continuidade das atividades desenvolvidas pelos colegiados.

As organizações apontam, ainda, que a norma apresenta “diretrizes pouco racionais” ao estabelecer requisitos genéricos quanto aos colegiados a serem atingidos, principalmente levando-se em consideração a perspectiva de extinção de um número elevado de colegiados – aproximadamente 700.

O fato de os ministérios que integram a estrutura da administração pública federal não terem sido previamente consultados sobre o Decreto, o que dificultaria um levantamento seguro sobre quais dos colegiados existentes seriam afetados e seus impactos, também é elencado como elemento de preocupação por parte das organizações autoras da Ação. “Há atividades desenvolvidas por muitos desses colegiados que são fundamentais para a administração pública como se pode concluir pelas notícias veiculadas a respeito, por exemplo, dos impactos para a Anatel e Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações”, acrescentam.

O juiz que analisa o caso determinou  que o governo Bolsonaro se pronuncie sobre o pedido em 72 horas a contar de quando receber a intimação.

Acesse a íntegra da Ação Civil Pública

>>>Leia Também: Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

CFEM: o que é, de onde veio, para onde vai?

Esta publicação visa facilitar a compreensão acerca da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM): conceitos, regulação, distribuição e sua importância no orçamento do município de Canaã dos Carajás (PA).

O documento foi produzido originalmente como material de apoio para oficina de mesmo nome realizada pelo Inesc em dezembro de 2018, em Canaã dos Carajás. O município recebe a CFEM desde 2004, com o início da exploração comercial da mina de cobre do Sossego, de propriedade da Vale S.A.

Poesia nas Quebradas + Feira do Corre

O projeto Poesia nas Quebradas promove neste sábado (18), em Planaltina (DF), evento de projeção e fortalecimento do Hip Hop e da literatura periférica. A atividade é uma parceria com o projeto Juventudes nas Cidades (Fortalecendo o Corre), que visa à inclusão econômica de jovens empreendedores do Distrito federal e entorno.

O Poesia nas Quebradas tem como foco a literatura periférica, por meio de um importante movimento de valorização dos elementos da linguagem cultural das periferias que permeiam o Hip Hop, como MC, Danças urbanas, Grafitti, DJ e o conhecimento. Neste ano, o projeto passou por 11 escolas públicas de Planaltina DF, incluindo a Unidade de Internação de Planaltina (UIP) e a Faculdade UnB de Planaltina (FUP).

Eduardo Taddeo, ex-integrante do grupo Facção Central

O Juventudes nas Cidades, ou Fortalecendo o Corre,  tem o objetivo de reunir coletivos de jovens para enfrentar as desigualdades nas grandes cidades brasileiras de Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. No DF, o projeto é executado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e reúne mais de 30 coletivos de jovens. No sábado, eles terão a oportunidade de comercializar produtos e serviços que seguem princípios de economia solidária, e apresentar trabalhos artísticos em música, performance e arte.

Para celebrar as ações dos projetos, será lançado livro com 58 poesias selecionadas, dentre elas, poesias construídas durante as oficinas nas escolas. A atividade contará com palestra do rapper Eduardo Taddeo, ex-integrante do lendário grupo Facção Central.

O evento é realizado pelo projeto Poesia nas Quebradas e pelo Fundo de Apoio a Cultura (FAC), com apoio da Oxfam Brasil, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Juventudes nas Cidades, Fortalecendo o Corre, Trupe S.A, Nação Hip-Hop e Cyphers Clan.

 

Programação:

Cyphers Clan (breaking)
Trupe S.A (graffiti)

*Djs

Dj Eldy
Dj Kashuu
Dj Sapo
Dj Kliff

Batalha de Conhecimento – Guerra do Flow

*Show’s

África Tática
Aborígine
Donas da Rimas

NDL Rapper
Mury
Vera Veronika

 

*Feira do Corre – Juventudes nas Cidades

 

Alimentação: Gordin sem Freio

Artesanato: Ecoloja, Moudrak, Coroa Abayomi.

Camisetas: RootsDelic, Família Hip-Hop, Contratak Periférico

Brechó: Altlet, Menino Elefante

Cuidar-se: Ser Sagrado, Curandeira e Gratidão

*Roda de Conversa

Eduardo Taddeo – ex integrante do grupo Facção Integral.

*Lançamento do livro Poesia nas Quebradas

 

Local: Complexo Cultural de Planaltina ao lado da Rodoviária

Informações: (61) 9262-1758 // (61) 9602-6711

Classificação: Livre

Apoio: Oxfam Brasil, Inesc, Juventude nas Cidades, Fortalcendo o Corre, Trupe S.A, Nação Hip-Hop e Cyphers Clan.

 

 

Estudantes do Itapoã promovem evento contra o racismo na escola

Nomeada “Por Que Não Amar?”, campanha de enfrentamento ao racismo será lançada na manhã desta quinta-feira (16), no CED 01 do Itapoã (DF). Além da divulgação dos produtos da campanha, as (os) adolescentes promoverão 20 rodas de debates e oficinas sobre a temática racial. A ação, que deve parar toda a escola, foi apoiada pelo corpo docente, que realizou atividades pedagógicas sobre o tema durante todo o último mês.

A atividade acontece em meio ao contexto de congelamento de recursos pelo atual ministro da Educação, Abraham Weintraub – que bloqueou ao menos R$ 2,4 bilhões de reais que estavam previstos para investimentos em programas da educação infantil ao ensino médio – e expõe a importância da escola como um ambiente de formação cidadã.

“Até pouco tempo o Brasil não tinha política para corrigir a imensa desigualdade entre negros e brancos no que se refere ao acesso à educação superior. Avançamos um pouco com a abertura de mais universidades e a política de cotas para negras (os). Os cortes na pasta da educação afetarão especialmente jovens periféricos que encontram no direito à educação a expectativa pela realização pessoal e profissional que contribui para a sociedade inteira. Universidades e escolas em condições precárias, o fim das bolsas de estudos e interrupção de pesquisas sinalizam um retrocesso inaceitável”, declarou Márcia Acioli, assessora política do Inesc.

Visando sensibilizar a comunidade escolar para a valorização da juventude negra, os estudantes, muitos deles do CED 01 do Itapuã, optaram por uma abordagem positiva que celebra suas vidas e aspectos da cultura afro-brasileira. Para tanto, produziram um calendário com fotos e frases relacionadas à questão racial, um vídeo de celebração da cultura negra e periférica, cartazes temáticos para serem espalhados nas escolas e equipamentos públicos da região, assim como cadernos, broches e adesivos, produtos que serão entregues no evento de lançamento.

Entre as atividades inseridas na programação, estão roda de conversa sobre genocídio da população negra, mídia e racismo, estética negra; oficinas de graffiti, fotografia, autocuidado etc. Além de um sarau que contará com apresentações dos e das artistas Nanãn Matos, Mc Banzo e Victor Machado.

O projeto Onda pela Paz, impulsionador deste processo, foi agraciado no último ano com o primeiro lugar do Prêmio Itaú-Unicef na categoria “Parceria em Ação”. A campanha “Por Que Não Amar?” se soma à educação em direitos humanos e formação cidadã promovidas pelo projeto, especialmente voltado para o público adolescente do Distrito Federal.

Para mais informações acesse: www.inesc.org.br

Assessoria de Comunicação da Campanha

Luana Pereira -(61) 9 9966-3360

Em defesa da educação, contra o desperdício da experiência

*Título parafraseando Boaventura de Sousa Santos.

Há um mantra que diz ser a educação o caminho para a transformação das sociedades, com a redução de desigualdades e a possibilidade de se ter mobilidade social. Apesar de acreditar que este não é o único fator atuante, é certo que sem ela não há solução viável. No entanto, o governo atual está demonizando o avanço educacional.

O discurso oficial é o de que não há pesquisa nas universidades públicas, apenas nas privadas. Afirmação sem dados da realidade, que indicam o contrário: são as universidades públicas que produzem ciência no país. De acordo como relatório intitulado Research in Brazil (2011-2016), encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), alcançamos a 13° posição do ranking de países que mais produzem artigos científicos. O relatório aponta ainda que, devido ao aumento do investimento em pesquisa a partir da década de 1990, o Brasil passou a ser mais citado em estudos de outros países, e a tendência até 2016 era de crescimento.

O  portal do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) explica o impacto da colaboração internacional na pesquisa, revelado pelo relatório:

Globalmente, a ciência torna-se cada vez mais colaborativa, cada país colaborando com cerca de 200 outros países. O impacto da citação parece correlacionar-se fortemente com as taxas de colaboração internacional. Portanto, os 80.291 documentos produzidos por autores brasileiros em co-autoria internacional alcançaram o impacto médio mundial de 1,31 pontos, ultrapassando o índice nacional de 0,86 (2016), e representam em torno de 32,03% do total de publicações científicas produzidas pelo Brasil no período. De acordo com o Relatório, é encorajador ver que, ao comparar os países que compõem o BRICS, o Brasil teve aumentos anuais no número de documentos produzidos em colaboração internacional, com impacto médio maior.

Outra informação importante que consta no relatório é a de que 95% da produção científica e publicações de artigos acadêmicos vêm das universidades públicas, desmentindo cientificamente a fala do presidente de que são as universidades privadas que mais produzem.

Teto de gastos na educação

Uma das razões que elevaram o status brasileiro nos meios acadêmicos e de pesquisa mundiais foi a ampliação do investimento estatal, especialmente a partir dos anos 1990 e incrementados significativamente na primeira década do século XXI. Cenário este que está mudando drasticamente desde 2015. Para verificar, basta comparar o que foi autorizado para o orçamento do ensino superior de 2015 para cá. Com números corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Portal Siga Brasil mostra que, entre 2015 e 2018, houve redução do orçamento autorizado, que passou de R$ 43,1 bilhões para R$ 36,4 bilhões, representando uma queda de 18%. Com relação ao pago, no mesmo intervalo, a diferença se confirmou, ou seja, a política de austeridade cortou 18% do valor real aplicado na educação superior em três anos.

E em 2019, o valor autorizado é ainda menor, de R$ 35,7 bilhões, fora os cortes prometidos, o que aponta para um cenário ainda mais austero, até porque, conforme verificado, o que é autorizado não é executado na íntegra, tendendo à redução. O que o Ministério da Educação está prometendo, então, é um corte de 30% em cima de um orçamento que vem caindo ano a ano por conta da Emenda do Teto dos gastos (EC95).

Como o Inesc mostrou em recente levantamento, a política de austeridade só atinge as políticas sociais voltadas para a população, mantendo os privilégios daqueles que são donos do capital. A Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020, enviada pelo governo ao Congresso Nacional, prevê as isenções tributárias que beneficiam os de sempre e significam um rombo no orçamento maior que o propalado déficit da Previdência, de R$ 326, 16 bilhões.

UnB > Google > Pesquisar

Uma das universidades citadas como realizadora de “balbúrdia!” – portanto, merecedora do corte, segundo a justificativa do governo – é a Universidade de Brasília (UnB).  Em 2014, a instituição teve um orçamento executado de apenas R$ 2,2 bilhões e o autorizado para 2019, cinco anos depois, é de R$ 1,8 bilhão, sem contar os prometidos cortes orçamentários e de bolsas de pesquisa. Pergunta-se, como a UnB dará conta dos seus custos?

A despeito do baixo orçamento, a UnB é a 8° melhor universidade do país, de acordo com o ranking Times Higher Education, consultoria britânica responsável por avaliações em todo o mundo. E alguns de seus cursos estão entre os melhores, segundo outra pesquisa realizada pelo jornal Folha de São Paulo. O Ranking Universitário Folha (RUF) coloca 27 cursos da UnB ocupando as dez primeiras posições: Relações Internacionais (2°), Serviço Social (4°), Arquitetura e Urbanismo (5º), Fisioterapia (5º), Matemática (5º), Nutrição (5º), Biologia (6º), Ciências Contábeis (6º), Propaganda e Marketing (6º), Psicologia (6º), Engenharia Civil (7º), Farmácia (7º), Geografia (7º), História (7º), Odontologia (7º), Design e Artes Visuais (8º), Direito (8º), Letras (8º), Turismo (8º), Administração (9º), Economia (9º), Educação Física (9º), Medicina (9º), Pedagogia (9º), Computação (10º), Enfermagem (10º) e Engenharia Elétrica (10º).

Então, presidente e ministro da educação, antes de anunciar cortes e dizer que as universidades públicas não produzem pesquisa, que são locais de balbúrdia, façam uma busca simples no Google e vejam que senso comum não é ciência. Para planejar políticas públicas, além de ouvir os seus prováveis usuários (as), é importante verificar números, dados anteriores e séries históricas para não ficar vomitando tanta bobagem – que pode ser derrubada por uma simples pesquisa rápida na internet.

Incentivos fiscais e gastos tributários: perspectivas para o novo governo

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2020, entregue ao Congresso Nacional em 15 de abril, reflete as escolhas da política econômica do atual governo por austeridade fiscal e corte de gastos sociais. Por exemplo, o salário mínimo não terá aumento real pela primeira vez desde 2006, somente sendo corrigido pela inflação.

Quando avaliamos a Renúncia de Receita Administrada pela RFB e Previdência para 2020 observamos, porém, que os gastos tributários ficaram imunes à austeridade. Os R$ 326,16 bilhões em gastos projetados pelo governo federal representam um rombo no orçamento equivalente a 21,16% do total de arrecadação e 4,14% do PIB. A título de comparação, a estimativa do Tesouro Nacional para o déficit da Previdência em 2019 é de R$ 309 bilhões.

Apesar do governo Bolsonaro defender, desde a campanha eleitoral, a diminuição das isenções e benefícios fiscais, 2019 iniciou com aumento desses gastos, por meio da sanção da Lei 13.799/2019 e da decisão do STF do dia 25/4, ambas medidas referentes ao aumento dos incentivos fiscais para as regiões norte e nordeste do país.

Ainda que uma das propostas de reforma tributária que está na mesa hoje aponte para a diminuição dos incentivos fiscais, discussões acerca do impacto desses gastos para o orçamento e para a sociedade de maneira geral, até agora, estão longe de ocorrer.

O que são gastos tributários

Os gastos tributários, como o nome já diz, funcionam praticamente como um gasto público, embora teoricamente sejam uma renúncia de receita. Em tese, são criados com algum objetivo específico, que pode ser, por exemplo, equalização de renda entre regiões, incentivo a setores econômicos ou mesmo uma vantagem tributária que vise atacar questões distributivas. Eles fazem parte do bolo de desonerações fiscais do governo e podem ser isenções, deduções ou outros benefícios de natureza tributária que reduzem a arrecadação potencial. Isenções ou benefícios fiscais podem, ou não, ser classificados pela Receita Federal como gastos tributários a partir de mecanismos legais, o que significa que esses são apenas uma parte do total de incentivos fiscais governamentais.

 O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), por meio da campanha #SóAcreditoVendo, questiona os gastos tributários, especialmente aqueles concedidos a pessoas jurídicas. Isto porque não há transparência a respeito de quem são os beneficiários e quanto eles estão recebendo, o que impede análises acerca de qual o propósito de cada gasto. Além disso, os gastos tributários não são avaliados enquanto políticas públicas, ou seja, não se sabe se a promessa de resultados socioeconômicos advindos dessas renúncias fiscais é cumprida.

Impacto na Previdência

Os gastos tributários atingem as receitas que alimentam a Previdência. Quatro tributos que financiam a seguridade social – constituída por Previdência, Assistência Social e Saúde – são o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CLSS) e a Contribuição para a Previdência Social. Somados, eles representam 51,6% do total de gastos tributários projetados para 2020 – com o último sozinho representando 21,03%. Cria-se, assim, parte do déficit que hoje em dia é utilizado como justificativa para o fim da previdência enquanto política social redistributiva.

O primeiro passo de 2019: prolongamento dos subsídios para Sudene e Sudam

Durante a campanha eleitoral, Guedes prometeu cortar de 10% a 20% dos benefícios fiscais e, com isso, recuperar de R$ 30 a R$ 60 bilhões para os cofres federais. Todavia, no terceiro dia do novo governo, Bolsonaro sancionou a Lei nº 13.799/2019, que mantém até 2023 a redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) de empresas operando nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Dos 25% restantes, as empresas ainda podem pleitear, até 50% para aquisição de máquinas e equipamento novos, o que significa até 82,5% de isenção do Imposto de Renda. Pela estimativa de gastos tributários da Receita Federal para 2020, a Sudam e a Sudene representam 2,41% do total de gastos tributários.

Em matéria que analisou esse projeto de lei, o Inesc questionou a ausência de transparência acerca dos beneficiários dessas isenções, além da falta de avaliação de resultados de uma política que ocorre há mais de 50 anos. Somente na Sudam, os valores agregados dos incentivos entre 2007 e 2015 alcançaram R$ 16,5 bilhões.

Estudos do Inesc apontam também que parte dos gastos tributários é aplicada em empresas transnacionais de energia, agronegócio e mineração, que, além de não precisarem de incentivos fiscais, trazem impactos socioambientais negativos para a região. A Vale S/A, responsável pelas tragédias de Mariana e de Brumadinho, é uma dessas empresas.

Vale ressaltar que o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou relatório no qual exige que o governo apure o impacto fiscal decorrente da prorrogação dos benefícios fiscais, além de apontar qual será a compensação, isto é, como irá impedir que tal isenção leve à queda na arrecadação. Essas exigências estão de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga a compensação por meio da criação de uma fonte de custeio permanente, além da realização de avaliações periódicas dos incentivos concedidos.

Primeiramente, Bolsonaro anunciou que a compensação aconteceria por intermédio do aumento no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas acabou sendo desmentido pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que postergou decisões acerca da compensação. O TCU ressaltou que, apesar de mais de 50 anos de incentivos, a região norte ainda está abaixo da média nacional nos indicadores econômicos.

Promessas da reforma tributária

Os primeiros movimentos do governo em relação à reforma tributária estão conturbados, com diferentes propostas sendo discutidas concomitantemente. Na formulação liderada pelo Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, consta a eliminação dos impostos previdenciários que incidem sobre os salários e, para os substituir, a criação de um imposto sobre transações financeiras, chamado de Contribuição Previdenciária (CP). A CP afetaria todas as transações financeiras da economia, sejam elas realizadas virtualmente ou em espécie, resultando inclusive na tributação da economia informal. A proposta virou polêmica, pois também significaria o recolhimento de tributos das igrejas – o que levou Bolsonaro a se manifestar contrário à criação de novos impostos e Silas Malafaia a pedir a demissão do secretário.

Apesar do seu futuro incerto, vale ressaltar que, segundo entrevistas concedidas pelo secretário, a proposta também ataca os gastos tributários. Cintra declara à Folha de São Paulo que “Precisamos acabar com os gastos tributários, que já bateram em R$ 400 bilhões por ano. Oferecemos um terço de nossa arrecadação”. Quando perguntado pelo Estadão sobre as desonerações advindas da reforma, ele enfatiza que o PIS e o COFINS possuem centenas de casos especiais que acabam criando privilégios tributários.

Contudo, ainda se sabe muito pouco sobre os impactos dos gastos tributários na sociedade. Quem de fato se beneficia com essas isenções e com que valores são perguntas que permanecem sem respostas.

O aumento de subsídios para a Zona Franca de Manaus pelo STF

Outra notícia relacionada a benefícios fiscais foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 25 de abril. A corte entendeu que há direito de creditamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a empresas que comprarem insumos e matérias primas da Zona Franca de Manaus. Normalmente, o processo de creditamento é um desconto que empresas têm direito a receber para evitar a dupla taxação. Nesse caso, porém, não houve um imposto anterior cobrado, devido à Zona Franca ser livre de impostos. Dessa forma, criou-se uma exceção, que pode representar, segundo estimativas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, R$ 16 bilhões por ano de incentivo fiscal.

A tese final do STF arrola que há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus, sob o regime da isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante na Constituição. Paulo Guedes manifestou-se contra a decisão do STF e a Procuradoria-Geral da República pediu acesso aos processos judiciais relacionados à decisão para análise, o que demonstra que pode no futuro pressionar por uma revisão do julgamento.

De acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2020, os gastos tributários com a Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio são estimados em R$ 28,6 bilhões, ou 8,81% do total da estimativa de gastos para 2020. Por um lado, iniciativas para o desenvolvimento da Zona Franca de Manaus podem representar  um estímulo a regiões brasileiras com indicadores socioeconômicos piores. Tanto o aumento dos incentivos fiscais relacionados à Zona Franca de Manaus quanto os referentes à Sudam e à Sudene estão alinhados aos Princípios Fundamentais da Constituição Federal – que, no Artigo 3º, enfatiza a importância da redução das desigualdades sociais e regionais. Por outro lado, o fomento à compra de insumos e matérias primas pode favorecer a reprimarização da região e a exploração de recursos naturais.

 Como não existem estudos aprofundados sobre os efeitos das concessões fiscais oferecidas pelo governo, a sociedade brasileira continua sem saber se elas são efetivas ou se reforçam as desigualdades, beneficiando os mais ricos em detrimento das pessoas menos favorecidas. Urge, pois, aprovar medidas que tornem esses gastos transparentes, assim como empreender avaliações que evidenciem seus efeitos, diretos e indiretos.

Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

Conselhos, comitês, fóruns e conferências têm prestado, principalmente ao longo das três últimas décadas, um papel fundamental na esfera pública. Contudo, decreto de Bolsonaro determina fim de colegiados ligados à administração federal. Artigo de José Antônio Moroni, publicado hoje (3/5) na Folha de S.Paulo, mostra que sem esses espaços de participação, resta o “balcão de negócios”, que reforça o poder das velhas e novas oligarquias.

José Antônio Moroni é integrante do colegiado de gestão do Inesc e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

Decreto de Bolsonaro determina fim de colegiados ligados à administração federal

Os desejos de participar da esfera pública, assim como os de liberdade e igualdade, sempre estiveram presentes nas lutas sociais nos diferentes períodos da história e de diversas formas.

Participar significa incidir nas questões que dizem respeito à vida concreta das pessoas, mas também nos processos de tomada de decisão do Estado e dos governos. Fruto desse processo é que hoje culturas e países diversos reconhecem a participação como um direito humano fundamental.

Para dar concretude a esse direito, reconstruíram a sua institucionalidade, incorporando os espaços institucionais de participação no arcabouço das instituições democráticas. É um novo desenho democrático, que reconhece outras formas legítimas de participação na esfera pública que não apenas a via da representação eleitoral.

Vivemos numa sociedade diversa, plural e complexa, onde o exercício do poder (tomar decisões) deve refletir essa diversidade e, para isso, é necessário ampliar o que se entende por instituições democráticas.

A democracia não pode ser reduzida apenas aos procedimentos eleitorais, que, na maioria das vezes, reproduzem as relações de poder estabelecidas na sociedade.

Precisamos construir instituições democráticas e, ao mesmo tempo, essas instituições precisam ser plurais para incorporar as diferentes demandas, sujeitos e vozes de uma sociedade complexa.

Somente esse mosaico democrático é capaz de processar as transformações que tanto queremos. Em outras palavras, superar essa crise de perspectiva que a humanidade vive somente com a “democratização da democracia”.

A concepção minimalista de democracia onde a participação não tem lugar, aliada a uma igualdade estabelecida apenas do ponto de vista formal, gera uma sociedade baseada no privilégio (que é para poucos) e não no direito (que é para todos).

A base política desta concepção é um Estado autoritário, opaco, patrimonialista e fomentador da desigualdade. Um Estado a serviço da manutenção deste “status quo”.

>>> Leia a íntegra do artigo.

Educação pública numa democracia moribunda

O afeto não pode ser arrogante, o diálogo é uma das dimensões mais fundamentais do processo educativo.

Paulo Freire

Em uma sociedade democrática é de se esperar que a política de educação reflita seus princípios e que as escolas dialoguem com os anseios da população a quem elas se destinam. É o que vemos acontecer hoje?

Para Paulo Freire, a educação é um exercício constante de reciprocidade. Aprender e ensinar são atitudes inseparáveis que devem focar na superação das opressões e na realização plena da nossa humanidade. O caráter libertador, segundo Freire, se conquista a partir da leitura do mundo e de uma interpretação crítica e sensível permanente da vida, construção que se dá na interação entre os sujeitos e suas realidades. Ele ainda mostra que a cultura e a ética são centrais no processo dinâmico que é a educação.

Em consonância com essa linha de pensamento, o educador e filósofo Anísio Teixeira, trouxe uma importante contribuição para a educação brasileira, defendendo ‘ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade’. Ele apostou na educação pública, universal e de qualidade como lugar para o exercício do pensamento crítico e da solidariedade e, para isso, a liberdade e a expressividade são condições essenciais.

Ambos evidenciam que a escolha de uma diretriz pedagógica é uma escolha política e que a educação desemboca na ação transformadora. A educação humanista exige que se pense na sociedade em busca de se contribuir para um mundo melhor, justo e solidário. Paulo Freire e Anísio Teixeira acreditavam que o elo entre o sujeito e a sua realidade é a essência da educação.

Escola: espaço de cidadania

Sendo a nossa democracia imperfeita e cada vez mais ameaçada e fragilizada, as escolas públicas brasileiras também vivem sérias contradições. Ainda estão mais ancoradas em estruturas conservadoras, com brechas maiores ou menores para experiências diferenciadas. Muitas estão mergulhadas em si, dialogando pouco com as respectivas comunidades. Ainda assim, a escola é o mais precioso espaço de cidadania que agrega a diversidade humana movimentando conhecimentos, histórias e afetividades. Trabalho digno e participação democrática são conquistas que se dão a partir de construções processuais iniciadas na escola.

Não é de hoje que se criou uma expectativa, propagada principalmente por instituições privadas, sobre a educação como a possibilidade de ‘escalada para o sucesso’, resultando em um campo de disputas mais do que uma construção coletiva de um projeto comum. Nesse caso, o que interessa é o desenvolvimento de habilidades e competências, como se pudessem ser isoladas da complexa existência em sociedade. A educação elitista, em última instância, forma para competir, para promover melhores performances em concursos e vestibulares ou para uma colocação no mercado de trabalho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) defende uma concepção mais ampla do direito à educação, que vai além da formação técnica.  No seu Art. 53 diz que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis; V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

 Do mesmo modo, o Art. 58 conclui que “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura”.

tirinha Armandinho
Tirinha do Armandinho cedida por Alexandre Beck para publicação no site do Inesc

Em resumo, o direito proclamado na Constituição brasileira, assim como no ECA e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é o direito à educação de qualidade, calcada no respeito às culturas locais e à participação da comunidade na construção da escola pública.

Os riscos da educação domiciliar

A defesa injustificável pela educação domiciliar, proposta do atual governo, restringe a experiência das crianças e priva-as do convívio com outras. É na interação com as pessoas que se aprende a escutar, a associar ideias, a criticar, a apreciar, a fazer escolhas, a discernir o ético do não ético e, com isso, construir um pensamento autônomo. O mais importante é conhecer pessoas e crescer com o exercício da empatia. O risco de se criar sujeitos autocentrados e insensíveis ao outro é grande.

A escola militarizada é outro problema, pois traz na prática uma educação autoritária, arbitrária que, com normas e ritos rígidos, contraria o direito à livre expressão e à participação asseguradas nas leis brasileiras. A censura às universidades públicas e os cortes de verbas, com destaque para a pesquisa, ameaçam o desenvolvimento da ciência e da criação de soluções para problemas importantes do país em todas as áreas como saúde, tecnologia, meio ambiente, questões sociais.

A Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, que congela por vinte anos os investimentos nas áreas sociais, aponta para um péssimo cenário de precarização do que já não estava perfeito. Além disso, o decreto 9.741, publicado em março deste ano em edição extra do Diário Oficial da União, contingencia R$ 29,582 bilhões do orçamento federal de 2019. A Educação perdeu R$ 5,839 bilhões, cerca de 25% do previsto.

Considerando o princípio da universalização do direito, é inconcebível haver um ‘bom’ direito para poucos e um ‘precário’ para muitos. Com estes cenários, escolas privadas destinadas a seletas famílias terão acesso a boas estruturas com laboratórios, espaços para teatro, esportes, boas metodologias e práticas pedagógicas inovadoras, professores qualificados. Já as escolas públicas terão que sobreviver à custa do sangue e suor dos trabalhadores e trabalhadoras da educação com salários baixos e péssimas condições para o exercício da profissão. Sem fôlego e sem recursos, a tendência óbvia é a educação pública definhar.

>>> Leia também o primeiro texto da parceria com as tirinhas do Armandinho

Inesc em números: balanço de 2018

Se você conhece o Inesc, já sabe que trabalhamos há 40 anos para melhorar processos democráticos, fortalecer cidadãos e movimentos populares e combater todas as formas de opressão, desigualdade e preconceito. Mas você sabe o que fazemos na prática e quantas pessoas alcançamos?

Separamos alguns números que mostram o que fizemos no ano de 2018 e revelam o impacto das nossas atividades nesse período. Confira:

Formação em orçamento e direitos

Nós do Inesc atuamos como facilitadores, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparamos jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos seus direitos fundamentais.

A Metodologia Orçamento & Direitos, desenvolvida pelo Inesc, é o principal instrumento utilizado em nossos processos de formação, que são referenciados em educação popular.

 

Dos mais de 3,5 mil inscritos nas duas categorias do Prêmio Itaú-Unicef, que identifica projetos que trabalham pela garantia de direitos de crianças, adolescentes e jovens em todo o país, o Onda conseguiu a primeira colocação na categoria “Parceria em Ação”, em que são reconhecidas parcerias entre organizações da sociedade civil (OSCs) e escolas públicas.

 

 

Essa experiência do Inesc nas formações com lideranças indígenas – somada aos conhecimentos,  mobilização e à resistência que os povos indígenas travam de forma permanente em nossa história – deu fruto à cartilha “Orçamento e direito à saúde indígena”, lançada em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em 2019 . Pautado na educação popular, o material retoma a história de luta que conquistou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI)  e aposta no fortalecimento do controle social para o aprimoramento da política.

 

Só o projeto MobCidades levou atividades de formação para 10 cidades: Brasília, Belo Horizonte, Ilhabela, Ilhéus, João Pessoa, Recife, São Luís, São Paulo, Rio de Janeiro e Piracicaba. A iniciativa visa fortalecer e fomentar a participação popular na gestão da mobilidade urbana, com foco na garantia do direito à cidade e ao transporte como direito social. Em 2018, o encontro nacional do projeto reuniu 50 organizações em Brasília.

Incidência política

Atuamos junto aos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para defender posições políticas de defesa da democracia e dos direitos humanos e, assim, ajudar a impulsionar mudanças na sociedade que impactem ainda mais pessoas.

 

Quer ver um exemplo? A partir dos conhecimentos absorvidos nas formações do MobCidades, o Instituto Nossa Ilhéus incidiu junto aos órgãos competentes para que a cidade tenha a primeira rota de cicloturismo do Nordeste e um Projeto de Lei para regulamentação dos mototáxis, em tramitação na câmara de vereadores do município. Saiba mais na “história de vida” do Instituto.

 

O Forus é uma rede global inovadora que capacita a sociedade civil para uma mudança social efetiva. É uma organização que reúne 69 Plataformas de ONGs Nacionais (PON) e 7 Coalizões Regionais (CR) da África, América, Ásia, Europa e Pacifico, juntas representando mais de 22.000 organizações. Saiba mais sobre o papel do Forus e os desafios para o próximo período pelas palavras da presidente Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc.

Debate público

Também produzimos e divulgamos informações e análises para enriquecer o debate público, promovendo campanhas de sensibilização e engajamento, como a campanha Só Acredito Vendo. Você pode acessar todo o material produzido pelo Inesc na seção “informe-se” do nosso site!

Doe!

A sua colaboração é muito importante para que o Inesc continue formando e sensibilizando organizações, coletivos, crianças, adolescentes, indígenas, agricultores familiares, comunidades tradicionais, jovens negros e negras.

Faça uma doação mensal ou única e junte-se a nós!

 

“O Instituto Nossa Ilhéus começa com o meu despertar para a cidadania”

O Instituto Nossa Ilhéus (INI) é uma iniciativa da sociedade civil organizada que nasce com a missão de fortalecer a cidadania, a democracia participativa e o empreendedorismo, tendo por base a sustentabilidade e o monitoramento social. Quem nos conta a história dessa organização é Maria do Socorro Mendonça, diretora do Instituto. Com muito bom humor, ela mostrou como a organização nasceu a partir do seu próprio acordar para uma consciência mais cidadã, inclusiva e participativa. E qual foi a importância do MobCidades, iniciativa promovida pelo Inesc em parceria com  dez organizações em diferentes cidades integrantes da Rede Cidades, para o Instituto Nossa Ilhéus.

O despertar cidadão

“O INI nasceu a partir de mim”, diz Sol, como é conhecida, às gargalhadas. Ela conta que trabalhou 23 anos em uma empresa estatal de telefonia na área de venda, onde foi Gerente de Grande Contas e da área Comercial. Quando estava perto de se aposentar, ainda jovem, aos 45 anos, começou a se interessar pelos problemas da cidade onde mora, Ilhéus. “O Instituto começa com o meu despertar para a cidadania”.

Esse despertar começou mais precisamente em 2007, quando acontecia no município um movimento para a cassação do então prefeito Valderico Reis. O grupo Teatro Popular de Ilhéus criou uma peça chamada “Teodorico Majestade, as últimas horas de um prefeito”, onde a população se revoltava contra um prefeito corrupto que entregou a cidade fictícia ao caos. O espetáculo era encenado na rua, na frente da prefeitura de Ilhéus e teve um importante papel na cassação do ex-prefeito Valderico Reis. “Naquela época eu era ignorante sobre como a sociedade civil podia atuar politicamente, achava que era só votar e tava bom. Aquilo mexeu muito comigo, eu queria seguir o grupo de teatro por todo canto para ser figurante na peça e comecei a me interessar pelo que acontecia em Ilhéus”, conta Socorro.

Ação Ilhéus

No final do ano seguinte após a cassação do prefeito, ela ficou sabendo sobre a construção de um porto para exportação de minério de ferro em seu município. A obra seria feita um uma área cercada por unidades de conservação, entre elas o Parque Estadual da Serra do Conduru, o Parque Municipal da Boa Esperança em Ilhéus (maior parque urbano de mata primária do país) e dentro da APA Lagoa Encantada e Rio Almada. “Na época eu não estava movida pelo conhecimento relacionado às questões ambientais, mas por identidade mesmo, por gostar do que eu vivia e como eu vivi desde a minha infância, cercada pelo mar, pela natureza”, lembra. Socorro se perguntava por que fazer uma construção que só iria agravar os problemas sociais que já existiam. Foi aí que, imbuída do seu espírito de liderança, ela, outros moradores da Praia do Norte (Ilhéus) e interessados no assunto criaram uma associação chamada Ação Ilhéus, a qual foi escolhida para dirigir.

Entre as pessoas que participavam das reuniões da associação, estava Rui Rocha, presidente do Instituto Floresta Viva e empreendedor social Ashoka. “Ele me entregou um folder e disse: leia”. No impresso, Socorro ficou sabendo sobre o programa Cidades Sustentáveis da Rede Nossa São Paulo e entendeu que havia outras pessoas pensando um país diferente. Ela logo entrou em contato com a instituição paulista. “Com isso, eu ampliei meu conhecimento sobre sustentabilidade e passei a entender a importância de estar nos espaços de governança. A partir daí eu comecei a ocupar esses espaços. Quando percebia que algo poderia pôr em risco a cidade de Ilhéus, eu me fazia presente para combater e falar da importância do respeito à transparência, para que as pessoas não fossem enganadas”.

O nascimento do INI

“Percebi que, assim como eu, que não sabia o que de fato era exercer a cidadania até os 45 anos de idade, as pessoas estavam movidas pelo que há de mais democrático no nosso país: a ignorância cidadã”. Socorro passou a ter um sonho: contribuir para que a população tivesse mais compreensão sobre as suas escolhas. E isso só viria com o conhecimento.

Assim surgiu o Instituto Nossa Ilhéus, cujas linhas de atuação são a educação para cidadania, por meio de oficinas e palestras que visam a formação cidadã pensando na importância do exercício da cidadania como forma de melhorar a qualidade de vida da coletividade; o monitoramento social,  fomentando o envolvimento da sociedade na reflexão e exercício da cidadania, por meio da discussão para a politização dos problemas que afetam à coletividade; e o impacto em políticas públicas, com a formação de Grupos de Trabalho para elaboração e implementação de políticas públicas no município, de forma a garantir e fomentar que a gestão do executivo seja participativa. “Nosso diferencial é tentar fazer a ponte entre instituições ou grupos não inclusivos, com outros bastante inclusivos, para que um aprenda com o outro”.

INI no MobCidades

Equipe do Instituto Nossa Ilhéus

“Eu descobri o MobCidades através da Rede Cidades. Não sabia nada de mobilidade, mas queria aprender, entender, para replicar aqui em Ilhéus”. Segundo Socorro, mal se falava em mobilidade urbana até então no seu município. “Ilhéus não tinha nem um metro de ciclofaixa, agora tem. Vamos ter a primeira rota de cicloturismo do Nordeste. Fizemos também formação cidadã que culminou no Projeto de Lei para regulamentação dos mototáxis, em tramitação na câmara de vereadores do município. Tudo isso a partir dos conhecimentos absorvidos no MobCidades”.

A iniciativa também ajudou o INI a ter mais visibilidade em Ilhéus, principalmente na semana de mobilidade de 2018: ajudaram na construção do “Mapa da Imobilidade”, feito pela professora Paula Peolla Stein e alunos da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); realizaram um concurso de ideias entre alunos de Arquitetura e Urbanismo da mesma universidade para uma intervenção de acessibilidade em volta do Mercado Municipal de Ilhéus; entre outras ações. “Acabamos nos tornando referência no assunto aqui no município. Estamos sempre em contato com organizações de ciclistas, por exemplo, além de outras instituições que discutem o assunto de mobilidade por aqui”, diz Socorro.

“Nossa expectativa é que a iniciativa continue, pois colhemos muitos frutos dessa parceria. O Instituto Nossa Ilhéus está sempre à disposição para contribuir com uma melhoria”, completa a diretora.

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