Projeto Onda é reconhecido pelo CNJ com Prêmio Prioridade Absoluta

O Projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos, uma iniciativa do Inesc com atuação no Distrito Federal (DF), recebeu mais um prêmio no último dia 31 de agosto por meio da ação Vozes da Cidadania que atua por meio de formação e reflexão com adolescentes em privação de liberdade. O reconhecimento dessa vez veio pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir da 22ª edição do Prêmio Prioridade Absoluta.

Vencedor na categoria Empresas e Sociedade Civil Organizada, o Vozes da Cidadania é um espaço de formação em Direitos Humanos, Cidadania e Orçamento Público a jovens em Unidades de Internação, ao mesmo tempo que eles refletem sobre suas rotinas e o sistema socioeducativo ao qual estão submetidos. Pessoas impactadas pelo projeto, como os jovens D.M e MC Favelinha, fizeram um resumo de suas vidas que podem ser lidas nesse site.

 

Confira abaixo como foi a premiação:

 

“O Prêmio representa a possibilidade de compartilhar uma experiência que, em certa medida, é inovadora e tenta romper com a cultura prisional, além de construir com os adolescentes novas consciências, atitudes, e uma relação mais crítica e sensível com a sociedade”, comentou Márcia Acioli, assessora política do Inesc e coordenadora do Projeto Onda.

O Projeto Onda também já foi reconhecido em outras ocasiões, a exemplo da 13ª edição Prêmio Itaú-Unicef na categoria Parceria em Ação e o terceiro lugar no Concurso da 9º Bienal Internacional do Rádio, que aconteceu no México.

Carta Compromisso pela Educação de qualidade recebe 130 assinaturas em todo o Brasil

Pelo menos 130 candidatas e candidatos a cargos majoritários e proporcionais nas Eleições 2022 se comprometeram a lutar por uma Educação de qualidade no Brasil. Eles assinaram a Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições de 2022 (ouça a Carta) que, até o dia 02 de outubro, está passando de mãos em mãos para mobilizar o maior número de postulantes antes dos brasileiros irem às urnas. A Carta reúne 40 estratégias diferentes, para garantir um financiamento adequado à educação pública e fortalecer os sistemas educacionais.

Entre as estratégias estão a educação de qualidade com financiamento adequado, a revogação do teto de gastos (Emenda Constitucional 95/2016), promoção de uma educação antirracista e antissexista, e melhoria nas ofertas de educação profissional técnica de nível médio. A chamada é realizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por meio do seu Comitê Diretivo, e em parceria com a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil. O Inesc participa das atividades de ambas as organizações.

Se a/o sua/seu candidata/o defende a educação pública, marque ela/ele nas redes sociais e peça pela assinatura da nossa Carta Compromisso! Candidatas e candidatos podem tirar uma foto do ato de assinatura do documento e enviar para mobilizacao@campanhaeducacao.org.br.

 

 

Meninas decidem

A Carta Compromisso compartilha dos mesmos valores e princípios do Manifesto Meninas Decidem. Iniciativa foi fruto do encontro de 21 garotas que, a partir de formação em Direitos Humanos e Orçamento promovido pelo Inesc junto com a Rede Malala, também criaram um documento para indicar as prioridades na melhoraria o sistema público de educação no país.

Ao todo, 21 mulheres de diversas partes do Brasil participaram da elaboração do documento, entre negras, quilombolas, indígenas, trans, travestis e com deficiência. O manifesto foi apresentado ao público geral no último dia 16, durante lançamento que ocorreu no auditório da Defensoria Pública da União (DPU), no Recife (PE).

Orçamento para o Ensino Médio despenca em 4 anos

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulga esta semana uma Nota Técnica sobre o orçamento destinado ao Ensino Médio entre 2019 e 2022. O que mais chamou atenção nos dados analisados foi o desfinanciamento gradual dessa fase do ensino nos últimos 4 anos, em todos os Estados da federação.

>>> Acesse a íntegra da Nota Técnica

No âmbito das ações orçamentárias federais, o programa voltado à Infraestrutura para Educação Básica, essencial para o retorno às aulas, também perdeu recursos. “Seriam necessárias novas salas e reformas na volta às aulas presenciais em 2021, devido ao fato de a vacinação para crianças e adolescentes ainda não ter atingido todo o ensino público, mas não foi isso que aconteceu”, explica a assessora política o Inesc, Cleo Manhas.

Lei de acesso à informação não é respeitada

Outro ponto preocupante está na falha dos dispositivos da Lei de Acesso à Informação (LAI), que não vêm sendo respeitados, visto que vários portais não possuem dados completos. “Na maioria das vezes, nem sequer recebemos respostas das administrações públicas, ou, se elas chegam, são muitas vezes contraditórias, como os casos de Rondônia, Amapá e Mato Grosso, que enviaram números completamente discrepantes daqueles que estavam disponibilizados no Portal”, afirma o relatório do Inesc.

No primeiro trimestre, uma pesquisa Inesc/Vox Populi, mostrou o quão grave foi o impacto da pandemia para a rede pública do ensino médio em todo país. Cerca de 50% dos estudantes do sistema público só tiveram celular para acessar as aulas remotas, aproximadamente 25% tinham um pacote de dados restritos, que não duravam o mês inteiro, além de menos horas de aula por dia do que os alunos da rede privada. As meninas negras foram as mais afetadas com o estudo remoto, tendo mais atividades domésticas, menos tempo de estudo e condições precárias.

Para o ano de 2023, o cenário de descaso do governo federal com a Educação permanece. Está previsto um corte de R$ 1,096 bilhão no programa “Educação básica de qualidade”, se comparado o valor com o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2022 – de R$ 10,849 bilhões para R$ 9,753 bilhões – segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), do Ministério da Economia.

Em relação ao Produto Interno Bruto, o gasto com a Função Educação que, em 2016, equivalia a 1,7% do PIB, em 2021, caiu para 1,2%.

Análise por região

Norte

A queda no investimento é grande. No Amazonas, em 2019, foram pagos R$ 495 milhões de reais para o ensino médio, já em 2020, primeiro ano da pandemia, o valor cai para R$ 15 milhões.

A diferença entre o recurso autorizado e o valor utilizado demonstra uma execução sempre menor ano a ano. No Acre, por exemplo, o recurso autorizado é um pouco maior a cada ano, mas a execução é decrescente (veja no gráfico).

No Amapá, não foi possível realizar o comparativo, por falta de informações no portal da transparência, que só apresenta o orçamento autorizado, faltando informar o que foi executado.

Nordeste

O aporte de recursos também está em queda de um ano para outro. Na Paraíba, de 2021 para 2022, a redução no orçamento autorizado foi de 300 milhões de reais.

No Ceará, o primeiro ano de pandemia foi o que apresentou maior diferença entre o valor autorizado e o executado, aproximadamente R$ 300 milhões deixaram de ser utilizados.

Centro-Oeste

Divergências nas informações chamam a atenção nesta região. No Mato Grosso, em um dos anos da pesquisa, o orçamento autorizado informado no portal da transparência foi de R$ 3 bilhões, já em resposta à consulta por meio da Lei de Acesso à Informação, o estado informa orçamento de R$ 30 bilhões.

No Distrito Federal, também houve queda no valor autorizado ano após ano. Em 2022, o orçamento autorizado ficou meio bilhão abaixo do orçamento executado no ano de 2021.

Sudeste

A queda de recursos autorizados ocorre em todos os estados com exceção do Espírito Santo. Em Minas Gerais, no primeiro ano de pandemia, a queda no orçamento foi de meio bilhão. A diferença entre orçamento autorizado e executado também é significativa, ficou cerca de R$ 4 bilhões abaixo do valor destinado (veja o gráfico).

No Rio de Janeiro, o valor executado também é sempre menor que o valor autorizado. A diferença maior no orçamento ocorre no primeiro ano da pandemia. De mais de 8 bilhões de reais de recursos autorizados, o estado executou cerca de 6 bilhões.

Sul

A queda no investimento à educação é maior na pandemia. No Paraná, o valor caiu de 5 milhões em 2019 para 154 mil em 2020. Já no Rio Grande do Sul, o que chama a atenção é a grande diferença entre o recurso autorizado e o executado. Em 2019, o valor executado ficou 1 bilhão abaixo do autorizado.

Fatores agravantes

Durante a pandemia, os estados foram afetados por uma forte crise na arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal imposto que alimenta o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), cada vez mais dependente de complemento do Governo Federal, que não tem praticado ajuste do investimento de acordo com a inflação.

Outro fator que influencia a queda de orçamento foi a aprovação da emenda constitucional de abril deste ano, anistiando estados e municípios que não aplicaram o orçamento mínimo para a educação.

Análise do orçamento estadual para o Ensino Médio 2019-2022

Nota Técnica do Inesc sobre o orçamento destinado ao Ensino Médio entre 2019 e 2022. O que mais chama atenção nos dados analisados é o desfinanciamento gradual dessa fase do ensino nos últimos 4 anos, em todos os estados da federação.

 

PLOA 2023: continuidade do desmonte das políticas sociais

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023 encaminhado pelo Executivo ao Legislativo na última quarta-feira (31/08), apresenta, mais uma vez, expressivos cortes nas políticas sociais em detrimento da garantia de direitos e dos investimentos necessários para nos tirar da atual crise econômica e social. O Projeto de Lei também evidencia o pacto do governo de Jair Bolsonaro com o “centrão”, já que não faltam recursos para as emendas do orçamento secreto.

Algumas questões preocupantes que destacamos deste PLOA são: a redução das despesas discricionárias; o aumento dos recursos para emendas parlamentares, em especial as emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”; o incremento das desonerações tributárias; a frustração da promessa de um Auxílio Brasil mais robusto; e os cortes em políticas garantidoras de direitos.

O desmonte generalizado das políticas sociais constatado em nosso  Balanço Geral do Orçamento da União (2019-2021) continuará em 2023, caso o PLOA seja aprovado como está pelo Congresso Nacional. O próximo governo terá um enorme desafio para conseguir combater as desigualdades sociais que se aprofundaram nos últimos anos e garantir os direitos humanos. Veja, a seguir, a análise do PLOA 2023 por área:

PANORAMA GERAL E ECONÔMICO

Parte expressiva dos recursos destinados às políticas sociais e ambientais é discricionária, isto é, aquelas que não são obrigatórias e estão sujeitas aos cortes. O Teto de Gastos segue sendo a maior ferramenta para a redução de despesas do governo federal, afetando, principalmente, as discricionárias. Elas representarão apenas 6,3% das despesas primárias, ante 8,4% em 2022. Em termos absolutos, isso significa somente R$ 98,98 bilhões de um total de R$ 2,3 trilhões de despesas primárias.

Os investimentos públicos também são financiados com recursos discricionários e, novamente, receberão menos verba. A proposta orçamentária de 2023 do governo de Jair Bolsonaro reduz em 50,4% os investimentos em relação à 2022, chegando a apenas R$ 22,48 bilhões.

O Teto de Gastos é anualmente corrigido pela inflação, contudo, antes da PEC dos Precatórios, transformada em Emenda Constitucional 113/2021, o Teto era calculado levando em conta a inflação de junho a junho.  A PEC alterou a base de cálculo para janeiro a dezembro do ano de elaboração da lei orçamentária. Se o cálculo anterior à PEC resultaria em um aumento de 11,89% (IPCA de 12 meses a contar de junho de 2022), o reajuste do Teto este ano é de apenas 7,2%. Em termos absolutos, a alteração da metodologia de cálculo do Teto significou uma redução de R$ 80,6 bilhões das despesas dentro do Teto de Gastos para 2023.

Em outras palavras, a correção dos gastos para 2023 resulta em menor disponibilidade de recursos dentro do Teto para o pagamento de despesas discricionárias.  A “folga” do Teto será utilizada, principalmente, para o pagamento de despesas obrigatórias, e inclui reajuste de R$ 14,4 bilhões para servidores públicos.

O prometido Auxílio Brasil a R$ 600 ficou de fora do orçamento, mantendo-se o valor de R$ 405. A mensagem presidencial apenas promete dialogar com o Congresso Nacional para alcançar em 2023 o valor mensal de  R$ 600. Se esse aumento for aprovado pelos parlamentares, o custo adicional seria de R$ 53,14 bilhões.

Orçamento Secreto Institucionalizado

Se as despesas discricionárias já estão espremidas pelo Teto de Gastos, a chegada do orçamento secreto foi o golpe final ao planejamento adequado desses parcos recursos. Dos R$ 98,98 bilhões previstos para despesas não-obrigatórias, R$ 19,4 bilhões destinam-se às emendas do relator-geral (RP-9), e valor equivalente às emendas individuais e de bancada.  Isso significa que 39,2% das despesas discricionárias, ou R$ 38,8 bilhões, estarão comprometidas com emendas parlamentares para 2023, valor bem mais alto do que os 19,2% autorizados em 2022. Em suma, o Congresso Nacional caminha a passos largos para o controle do orçamento público.

As emendas parlamentares são recursos decididos pelos parlamentares para seus redutos eleitorais, sem maiores relações com o planejamento das políticas públicas setoriais. As emendas de relator, por sua vez, são muito mais problemáticas, pois elas são uma manobra orçamentária que permite a barganha entre o Planalto e setores do Congresso Nacional às custas do dinheiro público, conforme analisado em estudo do Inesc. Devido à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente, elas tem como teto a soma das emendas individuais e de bancada, ou seja, o total dos valores distribuídos a 513 deputados federais e 81 senadores. A falta de critérios de distribuição significa valores bilionários distribuídos para as bases do governo e para o centrão.

A grande novidade do orçamento secreto no PLOA 2023 é que ele não seria mais secreto, pois estão sendo adotadas medidas de transparência. Entretanto, uma análise simples das informações disponibilizadas demonstra como estamos longe de saber quem está recebendo esses recursos. Na Lista dos endereços dos sítios eletrônicos dos Ministérios que contêm as solicitações que justificaram as emendas do relator-geral do PLOA  não existe um mecanismo que aglutine e organize os dados.  Enquanto a lista do Ministério da Economia se resume a um link sem destino, na Educação, trata-se de uma planilha vazia, e nos ministérios da Infraestrutura e da Cidadania foi publicada uma lista de ofícios. Apesar da pressão do STF em 2021 pela transparência das RP-9, o que temos atualmente  é um orçamento secreto institucionalizado, bagunçado e bilionário, ou seja, uma via aberta para a corrupção. Denúncias como as das fraudes no SUS revelam apenas a ponta do iceberg.

Não há Teto quando o assunto é desoneração tributária

Enquanto os gastos orçamentários diretos sofrem com a austeridade fiscal, as desonerações tributárias, que também penalizam as metas fiscais, seguem sua trajetória histórica de aumentos consecutivos e sem freios: são mais de R$ 300 bilhões anuais. O PLOA 2023 prevê um incremento de R$ 80,2 bilhões neste valor, divididos em R$ 52,9 bilhões para mitigar os efeitos do choque de preços dos combustíveis e R$ 27,2 bilhões para outras desonerações de “ganhos de eficiência econômica”, que incluem a extinção do Condecine e a redução da alíquota do PIS/COFINS sobre a receita financeira.

Mesmo que a redução do preço dos combustíveis tenha efeito positivo na inflação, não deixa de ser uma medida regressiva, pois atende especialmente a classe média e aos ricos, que transitam mais pelas cidades com automóveis individuais motorizados. A queda não incidiu da mesma forma sobre o diesel, combustível responsável pelo transporte de cargas e transporte público.

Além disso, é importante sinalizar outros efeitos dessa medida e entender que a estratégia de desoneração não era a única que poderia ter sido utilizada. Primeiro, as desonerações afetarão principalmente o PIS/COFINS, tributos que financiam a Previdência Social, sempre dita como muito cara e deficitária. Segundo, a estratégia de aumentos dos incentivos fiscais sem medidas de compensação vai contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e aumenta o déficit fiscal, o que implica mais cortes em despesas no futuro. Além disso, os incentivos fiscais não possuem o mesmo monitoramento dos gastos diretos, pois a maioria das desonerações que temos hoje possuem prazos indeterminados e nenhum processo de revisão, enquanto os gastos orçamentários são revisados anualmente na LOA.

Por fim, é importante ressaltar que o setor de combustíveis fósseis já é altamente subsidiado no Brasil e outras políticas de controle de preços são possíveis. Além disso, o valor dos recursos desonerados para aliviar o choque de combustíveis é praticamente igual aos recursos necessários para os 600 reais do Auxílio Brasil (R$ 52,9 bi contra R$ 53,14 bi). Como toda escolha no orçamento público, trata-se de uma opção política: privilegiou-se os dividendos das empresas petrolíferas, os caminhoneiros, e os usuários de transportes individuais à população mais vulnerabilizada pelos últimos anos de crise econômica.

SAÚDE

O PLOA 2023 reserva R$ 132 bilhões para a função saúde. Este valor significa uma perda de R$ 21 bilhões em relação à dotação orçamentária atual de 2022. Para além de um desfinanciamento crônico, nos últimos anos, a saúde vem sofrendo com um mau planejamento, o que prejudica a organização dos serviços do SUS e deixa os recursos da saúde à mercê de acordos no Legislativo. Por exemplo, R$ 10,4 bilhões estão reservados para emendas de relator, o que equivale a 8% do orçamento do Ministério da Saúde, sem considerar os outros tipos de emendas, como individuais e de bancada. Como já alertamos no Balanço do Orçamento Geral de 2022, as emendas atendem mais a interesses políticos do que às reais necessidades do SUS, além de não ter transparência na sua alocação.

EDUCAÇÃO

Com relação à educação, o ciclo de desmonte do governo Bolsonaro continua, com queda nos recursos para todos os níveis, em especial o ensino superior, de responsabilidade da União, deixando as universidades na penúria.

O recurso para a subfunção Ensino Superior para 2023, que em governos anteriores já foi da ordem de R$ 40 bilhões, é de R$ 34,3 bilhões, o mesmo valor nominal de 2022. Se este orçamento fosse atualizado pela inflação de junho de 2021 até junho de 2022 (índice de 11,89%), o recurso deveria ser de R$ 38,8 bilhões, ou R$ 4,4 bilhões a mais do que foi proposto. No entanto, com a mudança da regra de cálculo estabelecida na PEC dos precatórios, o índice inflacionário ficou subestimado em 7,2%.

Para a educação básica, o único aporte a mais foi a complementação do Fundeb, que é obrigatório por lei. De acordo com o novo Fundeb, a complementação da União deverá ir de 10% do valor do Fundo para 23% até 2026. Para 2023, terá de ser da ordem de 19%, portanto, 4% a mais que em 2022. As demais ações, em geral, se mantiveram ou caíram. E mesmo as que se mantiveram também estão em queda, se considerarmos a inflação.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo, veio com o mesmo recurso do ano anterior, de R$ 3,9 bilhões, não foi sequer considerada a nova regra de cálculo da inflação do período, que ficaria em 7,2% e,  neste caso, o valor do PNAE teria de ser de R$ 4,2 bilhões.

Ainda sobre o  PNAE, mesmo que estejamos vivenciando uma situação de insegurança alimentar, com 33 milhões de pessoas passando fome, sabendo que a alimentação escolar para muitas crianças e adolescentes é a única refeição do dia, não há aportes novos, ao contrário, o governo federal vetou aumento previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, (LDO).

A ação para infraestrutura das escolas segue em queda. E como já reforçamos em relatórios anteriores, é muito preocupante, visto que a pandemia exigiu que as escolas fossem ampliadas, para se ter menos estudantes por sala, que deveriam ser arejadas. No entanto, o recurso foi de R$ 500 milhões em 2019, para a previsão de apenas R$ 3 milhões em 2023, ou nada, frente ao enorme desafio de reestruturar escolas, especialmente rurais e periféricas.

Com a falta de recursos federais para infraestrutura, às escolas ficou a responsabilidade de se resolverem com os recursos do Programa Dinheiro Direto nas Escolas, PDDE. Porém, esses recursos também minguaram, em 2023 foram previstos no PLOA exatamente o mesmo valor proposto em 2022, ou R$ 2 bilhões, sem considerar a inflação do período.

A ação Bolsa Permanência, que atende estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, indígenas, quilombolas e estudantes do campo, também segue com poucos recursos e em queda. Em 2022 foram previstos R$ 179,4 milhões e, para 2023, R$ 163,6. Além de não considerarem a inflação, houve corte de recursos. Não basta criar políticas para acesso, como as cotas, e não se ter políticas de permanência, aumentando a evasão no ensino superior.

DIREITO À CIDADE

As ações voltadas para políticas públicas ligadas às cidades sofreram quedas bruscas. Praticamente não se tem recursos para algumas ações importantes para a concretização do direito à cidade- o que parece não preocupar o atual governo.

Destacaremos algumas ações que compõem a Função Urbanismo. A saber, apoio a transporte não motorizado, a planos de mobilidade urbana, à urbanização de assentamentos precários e ao transporte público coletivo urbano. Todas já contavam com baixo investimento, mas para 2023 o cenário é de total descaso. Vejamos a tabela 1.

 

Tabela 1- Comparação entre 2022 e 2023 para algumas ações da função Urbanismo

AçãoSubfunçãoProjeto de Lei-2022Projeto de Lei-2023
00SZ – Apoio ao Transporte Não Motorizado451 – Infraestrutura UrbanaR$ 282.327,00R$ 10.000,00
00T0 – Apoio a Planos de Mobilidade Urbana Locais451 – Infraestrutura UrbanaR$ 282.327,00R$ 10.000,00
00T2 – Apoio à Urbanização de Assentamentos Precários451 – Infraestrutura UrbanaR$ 90.000.000,00R$ 3.500.000,00
00T3 – Apoio a Sistemas de Transporte Público Coletivo Urbano453 – Transportes Coletivos UrbanosR$ 100.109.138,00R$ 3.450.000,00

Fonte: SIOP
Elaboração: Inesc

Comparando apenas os anos de 2022 e 2023, percebemos que as quatro ações em destaque estão praticamente inviabilizadas, pois os recursos são tão baixos, especialmente transporte não motorizado e apoio a planos de mobilidade, que certamente não enfrentará os sérios problemas de mobilidade urbana que temos.

Habitação

Tabela 2- Comparação entre 2022 e 2023 para ações da Função Habitação

AçãoSubfunçãoProjeto de lei 2022Projeto de lei 2023
00TH – Apoio à Urbanização de Assentamentos Precários por meio do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social451 – Infra-Estrutura UrbanaR$ 5.400.000R$ 250.000
00TI – Apoio à Produção Habitacional de Interesse Social482 – Habitação UrbanaR$ 100.000R$ 15.000
00TJ – Apoio à Melhoria Habitacional482 – Habitação UrbanaR$ 100.000R$ 5.000
8873 – Apoio ao Fortalecimento Institucional dos Agentes Integrantes do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS482 – Habitação UrbanaR$ 2.500.000R$ 632.975

Fonte: SIOP
Elaboração: Inesc

A tabela 2 traz as ações da função Habitação, que são praticamente desconsideradas pelo orçamento público com tão poucos recursos. É um escárnio o que vem acontecendo com as políticas urbanas e com a habitação em particular. Especialmente as ações para urbanização de assentamentos precários e habitação de interesse social.

MEIO AMBIENTE

A previsão de recursos para o meio ambiente em 2023 foi apresentada pelo governo (no PLOA 2023) um dia antes do anúncio de novos recordes de queimadas na Amazônia. Nenhum dos anúncios surpreende, infelizmente.

O descontrole das queimadas e do desmatamento é expressão do desmonte da política de fiscalização ambiental do atual governo, sendo o desmonte do orçamento uma peça importante, mas não única.

A redução do orçamento para o Meio Ambiente expressa a absoluta falta de prioridade dada a essa política. Se comparado ao PLOA 2022, o meio ambiente perde R$ 164 milhões no PLOA 2023. No total estão previstos R$ 2,96 bilhões para todas as Unidades Orçamentárias que compõem a pasta Meio Ambiente (MMA/Administração Direta, Ibama, ICMBio, Instituto Jardim Botânico, Fundo Nacional de Meio Ambiente e Fundo Clima). É o pior orçamento em dez anos.

Comparados os PLOAs 2022 e 2023, o prejuízo é muito maior:

  • no Ibama foram retirados R$ 12 milhões da ação de “Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias”;
  • o Icmbio perde R$ 27 milhões, dos quais R$ 10 milhões foram retirados da ação de “Fiscalização Ambiental e Prevenção e Combate a Incêndios Florestais”.

O quadro é ainda mais grave quando se olha o “sacrifício fiscal” atribuído ao meio ambiente. A reserva de contingência prevista é de R$ 366 milhões, distribuídos entre Ibama, Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) e Administração direta.

Reserva de Contingência é a parcela do orçamento em cada órgão que não pode ser gasta e que se destina ao cumprimento do Teto dos Gastos. Essa Reserva tem consumido silenciosamente o orçamento para o meio ambiente e para todas as despesas discricionárias em todos os órgãos.

O mecanismo que passa muitas vezes despercebido no debate público é responsável, por exemplo, pela morte do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), que tem, hoje, quase todo  recurso destinado ao sacrifício fiscal, ao passo em que os problemas associados à destruição ambiental só crescem no Brasil. O FNMA tem previsto no PLOA 2023 apenas R$ 36 milhões dos quais R$ 33 milhões, ou seja, 90% estão aprisionados na Reserva de Contingência.

Vale lembrar que esse Fundo foi criado em 1989 com a missão de contribuir com o financiamento da implementação da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA (Lei Nº 6.938/81). O FNMA é destinado para todos os biomas brasileiros e para o fortalecimento da política ambiental de estados e municípios. A escala nacional e flexibilidade para apoiar diferentes agendas o tornam  potencialmente relevante como instrumento de financiamento da Política Nacional de Meio Ambiente.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Na rubrica orçamentária intitulada Assistência à Criança e ao Adolescente (subfunção) permaneceu apenas a ação 217M Desenvolvimento Integral na Primeira Infância – Criança Feliz). Apesar dos questionamentos que fazemos à forma de funcionamento do programa – executado nos últimos anos pela área de assistência -, é o único com recursos específicos para esse grupo. Apesar disso, o Projeto de Lei reduziu em 50% a previsão de recursos para a ação, tanto em comparação com o PLOA 2022 quanto com o autorizado para 2022.

Ainda na assistência, foram previstos R$ 450 mil para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social. No entanto, se avaliarmos a execução deste ano, de R$ 9 milhões autorizados, nenhum centavo foi executado até o momento.

Para apoio e manutenção da educação infantil, recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), estão previstos míseros R$ 5 milhões, 96% a menos que o previsto e executado até setembro de 2022. O menor aporte de recursos em mais de dez anos. Para o sistema socioeducativo, há previsão de R$ 1,5 milhão, 25% a menos que o previsto em 2022.

Para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA), foram previstos R$ 15,7 milhões, recursos que hoje são geridos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Contudo, esse aporte não significa avanço, uma vez que para 2022, dos R$ 10,4 milhões previstos, até agora, não houve nenhuma execução orçamentária.

Vale destacar ainda o alerta de que as peças orçamentárias não discriminam com maior detalhamento para que tipo de gastos esses valores estão previstos. Estão dentro de uma ação mais ampla, a 21AR – Promoção e Defesa de Direitos para Todos.

MULHERES

No âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos nenhum recurso foi destinado à Ação 218B – Políticas de Igualdade e Enfrentamento a Violência contra as Mulheres. Para a Casa da Mulher Brasileira (CMB), estão previstos R$ 13 milhões (Ação 00SN). Isso significa que só saberemos se algum recurso será alocado para o tema, além da CMB, quando iniciar a gestão de 2023, pois é possível, por meio de Planos Orçamentários (instrumento de gestão/classificação orçamentária não previsto na LOA), alocar recursos em ações orçamentárias genéricas, como 21AR – Promoção e Defesa de Direitos Humanos para todos (que tem previsão de R$ 37,9 milhões) e 21AS – Fortalecimento da Família ( com previsão de R$ 4,7 milhões).

Também não é possível identificar os recursos que serão destinados ao Ligue 180, pois este deixou de ser uma ação orçamentária, mesmo tendo, em 2022, os recursos alocados no  Plano Orçamentário da Ação 21AU – Operacionalização e Aperfeiçoamento do Sistema Integrado Nacional de Direitos Humanos. ( com previsão de 33 milhões).

IGUALDADE RACIAL

Não foi alocado nenhum recurso para promoção da igualdade racial, política pública de responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

QUILOMBOLAS

Também não foi alocado nenhum recurso para quilombolas no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, principal órgão responsável pelas políticas destinadas a este público. Contudo, fora do Ministério, foi previsto o valor ínfimo de R$ 405 mil  para a Ação 210Z – Reconhecimento e Indenização de Territórios Quilombolas, a ser executado pelo Incra. Para a Ação 21C9 – Implantação, Ampliação ou Melhoria de Ações e Serviços Sustentáveis de Saneamento Básico em Pequenas Comunidades Rurais (Localidades de Pequeno Porte) foram previstos R$ 82,4 milhões, a serem executados pela Funasa.

A Ação 2792 – Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos e a Famílias em Situação de Insegurança Alimentar e Nutricional Temporária, com previsão de R$ 18,3 milhões, também poderá contemplar quilombolas. Essa é a ação que realiza a compra de cestas básicas para povos e comunidades tradicionais em situação de insegurança alimentar.

INDÍGENAS

No que tange às políticas públicas voltadas para os povos originários, o PLOA 2023 aprofunda a diretriz anti-indígena adotada ao longo da gestão Bolsonaro e analisada em nosso dossiê “Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o Governo Bolsonaro”. O orçamento proposto para 2023 é R$34 milhões mais baixo do que o proposto no PLOA 2022.

Ainda que a queda possa ser considerada pequena em relação ao ano em curso, é preciso levar em conta o aprofundado estrangulamento orçamentário vivenciado pelo órgão, que impacta tanto no quadro de funcionários como na própria efetivação das políticas sob sua responsabilidade. Destaca-se que, como constatado no dossiê, em 2022 havia mais cargos vagos do que ocupados na Funai e o PLOA 2023 não indica qualquer melhora nesta situação. Ao contrário, se o PLOA 2022 previa gastos de R$4120 milhões para custeio de pessoal e encargos sociais, o PLOA 2023 prevê uma redução de R$16 milhões neste grupo de despesa, deixando ainda mais incerta a capacidade executiva da autarquia.

No que se trata do programa finalístico, ou seja, aqueles que chegam mais diretamente nas comunidades indígenas, também há cortes. O PLOA 2023 prevê gastos de até R$80,6 milhões para a execução do programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”. No PLOA anterior, estavam previstos gastos de até R$94,5 milhões, o que significa uma queda de 14% nos valores propostos.

Chama especial atenção a queda de R$7 milhões na ação destinada a regularizar, demarcar e fiscalizar as terras indígenas, além de proteger povos indígenas isolados e de recente contato (ação orçamentária 20UF). Este caso torna-se temerário não apenas pela violência e invasões crescentes às TIs, estimuladas pela atual gestão e constatada em relatórios como o elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário, mas também por conta da paralisia adotada pelo órgão nos processos de demarcação de terras. Como apontamos anteriormente, além de retroceder processos já avançados de regularização de TIs,  ao longo da gestão atual do órgão, apenas Grupos Técnicos determinados judicialmente foram instituídos, sendo esta a primeira etapa do processo demarcatório. Assim, pode-se supor que o orçamento previsto para 2023 não dê conta sequer de atender a atual diretriz do órgão, qual seja, prosseguir com as demarcações apenas com determinação da justiça.

Assim, caso o PLOA 2023 seja aprovada como está, a retomada da política indigenista enfrentará sérios desafios, independente de quem seja o mandatário do país no próximo período. A necessária reestruturação e redirecionamento do órgão esbarrará no quadro de servidores desfalcado, sem plano de carreiras e proteção adequados para executar sua missão, além de um orçamento exíguo e ainda mais apertado do que o deste ano.

Candidaturas indígenas: uma oportunidade para diversificar o sistema político no Brasil?

Pesquisa do Inesc realizada em parceria com a Common Data traz um panorama das candidaturas autodeclaradas indígenas para as Eleições de 2022 com base nos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo estudo, o número de candidaturas autodeclaradas indígenas neste ano aumentou 32%  em relação ao pleito de 2018. Enquanto naquele ano 130 candidatos dessa população se dispuseram a disputar as eleições para os cargos do legislativo estadual e federal, o número de candidaturas indígenas em 2022 chegou a 172 nomes.

Resta saber agora se a representatividade dos indígenas nas candidaturas vai se repetir na eleição desses povos na política.

Partidos de direita tem baixa diversidade racial e de gênero

A segunda pesquisa da série “Perfil do poder nas eleições de 2022”, elaborada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) em parceria com o coletivo Common Data, revela o perfil das candidaturas às eleições nacionais, estaduais e distritais deste ano, a partir do cruzamento de dados sobre gênero, raça/cor, patrimônio e posição ideológica, neste caso, usando a classificação de direita, esquerda e centro para os partidos.

Sob esse aspecto, o estudo revela que os partidos da direita são os que têm a maior parte de candidatos brancos (50,4%) e a menor concentração de negros, com 48% na soma de pardos e pretos, ao contrário da esquerda, cujos percentuais são, respectivamente, 44,1% e 54%.

>>> Acesse o estudo Perfil socioeconômico das candidaturas – Eleições 2022

Na questão de gênero, novamente, a direita é quem traz o pior índice de representatividade, com 20% de candidatas ao Senado. Na disputa ao cargo do governo do Estado, a direita tem apenas 5 mulheres, contra 83 homens pleiteando o cargo. Na esquerda, das 107 candidaturas, 28 são mulheres e 79 são homens.

As informações foram levantadas em 15/08, com base na extração dos dados do repositório do Tribunal Superior Eleitoral [1], e a classificação do espectro ideológico utilizada neste estudo é a do Congresso em Foco (2019).

“Apesar de ser a eleição com o maior número de candidaturas de mulheres e de negros, esse dado ainda está distante dos níveis de diversidade que o nosso Brasil precisa”, afirma Carmela Zigoni, responsável pelo estudo e assessora política do Inesc. “No que se refere ao recorte por partidos, em todos eles há desafios para o alcance da diversidade, mas fica claro que as candidaturas progressistas estão mais avançadas na tentativa de melhorar a representatividade racial e de gênero na política”, acrescenta.

Das 27.957 candidaturas aptas, neste ano disputam 13.681 brancos (48,9%) e 13.837 (50%) negros (soma de pardos e pretos), além de 171 indígenas (0,61%) e 112 amarelos (0,40%). Não divulgaram sua raça 149 pessoas (0,53%). Em síntese, em 2018, eram 8,479 mulheres concorrendo (31%); em 2022, são 9.301 mulheres (33,2%), um crescimento de 2,6%. Em relação à raça, em 2018, eram 12.740 negros, em 2022 são 13.837 negros (49,49%). As candidaturas brancas reduziram 3,9% e as de negros aumentaram 3,5%.

O partido com a maior proporção de pessoas brancas é o NOVO: quase 80% de brancos, 19,3% de negros, 0% de indígenas e 0,84% de amarelos. A equidade racial parece não ser uma preocupação desta legenda, já que eles têm a menor proporção de pretos e pardos entre todos os partidos brasileiros e não têm nenhuma candidatura indígena. Em 2018, o NOVO também foi o partido com menos candidaturas de pessoas negras, com 14,49%.

Três partidos se destacam pela grande proporção de negros: o PSOL, com 61% (36,54% de pretos e 24,47% de pardos); o Unidade Popular (UP), com 60% (38,33% de pretos e 21,67% de pardos); e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), com 54,7% de negros (38,36% de pretos e 16,35% de pardos).

O partido com a maior porcentagem de candidaturas indígenas é a REDE, com 3,88% de indígenas, além de 41,16% de brancos, 54,4% de negros e 0,43% de amarelos. Quanto às candidaturas amarelas, o mais representativo é o PCO: 1,29% de amarelos, 53,55% de brancos, 44,52% de negros e 0% de indígenas. Além disso, são três os partidos que não apresentam nenhuma candidatura amarela: AVANTE, PV e UP.

Já nos partidos postulantes a uma cadeira no Senado e ao governo do Estado, a diferença na representatividade entre a esquerda e a direita é a mais acentuada nessas eleições. No caso dos senadores, as legendas do centro são predominantemente de brancos e homens (78%). Os pardos são 18% e não há nenhum preto nem amarelo nem indígena disputando a vaga de senador na direita. A direita tem 68% de candidaturas brancas, enquanto a esquerda tem 58% brancos e 36% negros (21% pardos e 15% pretos).

Para o cargo de governador, a direita e o centro, mais uma vez, pecam pela falta de diversidade, com 67% e 66%, respectivamente, de candidaturas de brancos. Já a esquerda traz 51,4% postulantes brancos, 46% de negros. Em 8 estados, apenas candidatos homens disputam o cargo de governador: Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Rondônia e Santa Catarina.

Gênero

De todas as 26.822 candidaturas para deputados federais, estaduais e distritais e vereadores, 17.832 (66,50%) são de homens, enquanto 8.990 (33,50%) são de mulheres.

O partido que possui proporcionalmente, no geral, mais candidaturas femininas é o Unidade Popular (UP), composto 75% de candidatas e 25% de candidatos. Já o partido com o menor percentual de mulheres é o AGIR, que apresentou 877 candidaturas, das quais apenas 31,10% são de mulheres e 68,90% de homens.

Há pelo menos 37 pessoas transexuais concorrendo ao pleito – número refere-se à quantidade de candidatos que responderam ao nome social. Vale ressaltar que não é obrigatório informar este dado. Destas, 14 se autodeclararam pardas e 9 pretas.

O estudo também observou os bens declarados dos candidatos. Quanto maior os cargos majoritários, maior o patrimônio. Os presidentes possuem o maior valor de bens declarados, já os deputados distritais são os que declararam menos. A média de valor dos bens declarados de todos os candidatos é de R$ 830 mil, conforme tabela abaixo.

Os três cargos para o legislativo regional, deputado distrital, com 564 candidaturas; deputado estadual, com 16.085 candidaturas; e deputado federal, com 10.156 candidaturas, possuem média de valor dos bens declarados abaixo dessa média, respectivamente, R$ 432 mil, R$ 535 mil e R$ 748 mil.

>> Leia Também:

Candidaturas indígenas: uma oportunidade para diversificar o sistema político no Brasil?

Renovação na política: o que diz a distribuição dos recursos?

Maioria entre candidatos com nomes de cargos militares e religiosos na urna é homem e de direita

Perfil socioeconômico das candidaturas aos cargos eletivos de 2022

No segundo texto da série “Perfil do poder nas eleições de 2022”, elaborada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) em parceria com o coletivo Common Data, apresentamos uma análise sobre o perfil das candidaturas às eleições nacionais, estaduais e distritais de 2022, a partir do cruzamento de dados sobre gênero, raça/cor, patrimônio, posição no espectro ideológico, entre outros aspectos. Em 2022, pela primeira vez, registrou-se um recorde na inscrição de candidaturas de mulheres e negros. As informações foram levantadas com base na extração dos dados do repositório do Tribunal Superior Eleitoral.

Candidaturas indígenas em 2022 aumentam 32% em relação ao pleito de 2018

Uma pesquisa do Inesc, realizada em parceria com o coletivo de análises estatísticas Common Data, revelou que o número de candidaturas autodeclaradas indígenas neste ano aumentou 32%  em relação ao pleito de 2018. Enquanto naquele ano 130 candidatos dessa população se dispuseram a disputar as eleições para os cargos do legislativo estadual e federal, o número de candidaturas indígenas em 2022 chegou a 172 nomes.

Proporcionalmente, os indígenas saíram de 0,47% para 0,62% no universo geral das candidaturas nos últimos 4 anos. Apesar de ser um percentual mínimo, vale ressaltar que, segundo o Censo habitacional do IBGE 2010, os indígenas representam meio por cento da população brasileira o que indica que esses povos estão representados nas candidaturas.

 

Leia mais sobre na Nota técnica Candidaturas indígenas: uma oportunidade para diversificar o sistema político no Brasil?

 

A maior parte dos indígenas candidatos é de professores (12% do total), habitantes da região Norte do país (40%) e pretendem disputar vagas de deputado estadual (quase 60%). Das 172 candidaturas de pessoas indígenas 98 estão concentradas em partidos de esquerda com destaque para o PSOL (24) e para o PT (22).

 

Gênero dentro da etnia

Chamou atenção também o fato de maior equidade de gênero nas candidaturas indígenas, já que 48% são mulheres e 52%, homens. Neste universo merece destaque duas candidatas indígenas ao congresso nacional que utilizaram o seu nome social: Ten Silvia Waiapi (AP), pelo PL, e Indinarae Siqueira (RJ), pelo PT.

A análise foi feita no universo das 27.951 candidaturas registradas aptas a concorrer em todas as unidades federativas, incluindo o Distrito Federal.

 

Representatividade

Para a assessora política do Inesc Carmela Zigoni, a maior presença de indígenas nas candidaturas reflete o posicionamento defendido no evento que ficou conhecido como Acampamento Terra Livre, realizado em abril, cuja agenda tratou da necessidade de aldear a política e constituir bancadas do cocar. Tudo isso com o objetivo de evitar a barbárie nos seus territórios, operada pela mineração ilegal,  além dos assassinatos de lideranças indígenas e de indigenistas como os ocorridos recentemente.

“A representatividade importa, mas também é preciso reconhecer que apesar de haver 117 candidaturas de centro e esquerda, com pautas progressistas também há indígenas de partidos de direita o que significa a existência de propostas neoliberais e conservadoras na corrida eleitoral”, lembra Carmela.

Resta saber agora se a representatividade dos indígenas nas candidaturas vai se repetir na eleição desses povos na política. “Os indígenas precisam estar mais representados nos espaços de poder para preservar e incentivar novas políticas públicas voltadas à proteção dos direitos de seus povos”, conclui.

Casa da Mulher Brasileira não recebe verba em 2022

Um levantamento inédito do Inesc para o canal de notícias Globonews confirma a tendência para os investimentos sociais dos últimos anos no Brasil, identificado no estudo “Conta do Desmonte: Balanço do Orçamento Geral da União de 2021”:  mesmo com um orçamento autorizado de R$ 7,7 milhões para o ano de 2022, as unidades da Casa da Mulher Brasileira e Centros de Atendimento às Mulheres ainda não receberam recurso neste ano do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Os dados foram extraídos do Portal Siga Brasil, que reúne as informações orçamentárias do governo, no dia 26 de julho.

Esses centros de atendimento à mulher concentram diversos serviços primordiais no enfrentamento à violência contra a mulher para que as vítimas evitem deslocamentos excessivos e não revivam o ciclo de violência. “É um serviço muito importante na medida em que, em muitos casos, essa mulher precisa ser afastada do seu agressor, até mesmo para que não ocorra o feminicídio. É um equipamento fundamental no funcionamento de enfrentamento à mulher e que não tem tido recursos. E, quando tem, não é executado”, diz Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. Ao menos 30 casas da Mulher Brasileira estão em implementação, sendo nove já em fase de construção e sete em funcionamento.

Não basta só ouvir a denúncia

Em 2022, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos reduziu o orçamento na área de enfrentamento à violência contra a mulher para o pior patamar dos últimos quatro anos e ainda concentra a maioria dos recursos na Central de Atendimento de Direitos Humanos e à Mulher (Ligue 180). Dos quase R$ 31,1 milhões autorizados para ser pagos no serviço de telefonia que registra e encaminha denúncias de violência aos órgãos competentes, mais de R$ 12,2 milhões já foram executados em 2022.  Enquanto isso, no mesmo período, o Ministério executou apenas R$ 3,1 milhões para o atendimento às mulheres em situação de violência.

Zigoni comentou à matéria da Globonews que essa distribuição de recurso pode refletir no risco elevado às mulheres vítimas de violência, principalmente diante do aumento no número de casos. “É um problema estruturante, é um problema de base, devido ao machismo, e para tal é preciso ter investimentos em políticas públicas para combater o problema e tentar superá-lo um dia. (…) É uma política que tem que evoluir e ter mais investimento para que de fato retroceda a violência. Se você investe num ano, e no ano seguinte você corta recursos do serviço, você está retrocedendo na promoção de direitos dessas mulheres, você está colocando mulheres em risco”, afirmou.

Confira abaixo os dados relativos ao Orçamento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para a proteção de mulheres contra a violência.

Programas de proteção à mulher (Orçamento Total)

  • valor autorizado: R$ 44,6 milhões
  • valor pago até jul.: R$ 18 milhões

Casa da Mulher Brasileira

  • valor autorizado: R$ 7,7 milhões
  • valor pago até jul.: R$ 0

Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher

  • valor autorizado: R$ 31,1 milhões
  • valor pago até jul.: R$ 12,2 milhões
  • Fonte: Inesc

Guia ensina cidadão comum a opinar sobre política monetária

O que é Política Monetária e o que ela tem a ver com os direitos humanos? Qual é o papel do Banco Central nas nossas vidas? Será que não existem soluções melhores para o controle da inflação do que o aumento de juros?

As respostas para essas e outras questões, sobre o impacto das medidas econômicas na vida dos brasileiros, estão nas páginas do “Guia Ilustrado de Inflação, Política Monetária e Direitos Humanos” – publicação lançada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) nesta semana.

>>> Acesse a publicação

Trata-se de uma cartilha didática, voltada para o público leigo, escrita pela assessora política do órgão Livi Gerbase e pelo economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON). As ilustrações são do coletivo A Gazetinha.

O Guia foi apresentado nesta quarta-feira, dia 29/06, durante uma “LIVE” no Instagram, na qual os escritores e ilustradores do material debateram as principais variáveis da política monetária no Brasil e as soluções para o controle da inflação.   Se você perdeu, pode conferir a gravação no perfil do Inesc.

“Esse guia não traz apenas conceitos sobre inflação e política monetária, de forma didática e acessível. A publicação vai além: queremos mostrar a relação desses temas com os direitos humanos”, afirma a porta-voz do Inesc. Para Livi Gerbase, é necessário estimular o interesse por um debate que hoje é dominado por especialistas.

“A política monetária é um assunto frequentemente blindado por um grupo técnico e suas decisões, definidas nas salas de um Banco Central autônomo e que pouco interage com a sociedade”, acrescenta ela.

O Guia está dividido em 3 partes. No capítulo 1, o texto apresenta os conceitos fundamentais de política monetária, inflação e crédito, sempre os conectando aos direitos humanos. O capítulo 2 descreve o que é e como opera a política monetária, assim como os canais pelos quais os direitos humanos são afetados. O capítulo 3 trata do Banco Central e da importância de uma política monetária transparente e democrática.

Na conclusão, são mostrados alguns caminhos para uma política monetária diferente, orientada por direitos humanos que, na visão do economista Pedro Rossi, deve obedecer à quatro diretrizes gerais. “É preciso evitar ajustes monetários recessivos e aumentos excessivos de juros; promover um sistema de crédito mais justo com acesso igualitário; utilizar múltiplos instrumentos para combater uma inflação de múltiplas causas, coordenar a política monetária com outras políticas e mirar principalmente na proteção dos preços que mais impactam os mais vulneráveis e as políticas públicas de garantia de direitos; e promover uma política monetária mais transparente e democrática”, resume.

Guia Ilustrado de Inflação, Política Monetária e Direitos Humanos

O que é Política Monetária e o que ela tem a ver com os direitos humanos? Qual é o papel do Banco Central nas nossas vidas? Será que não existem soluções melhores para o controle da inflação do que o aumento de juros? As respostas para essas e outras questões, sobre o impacto das medidas econômicas na vida dos brasileiros, estão nas páginas do “Guia Ilustrado de Inflação, Política Monetária e Direitos Humanos”.

Trata-se de uma cartilha didática, voltada para o público leigo, escrita pela assessora política do Inesc Livi Gerbase e pelo economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON). O material também contou com ilustrações do coletivo A Gazetinha.

Nota de pesar e indignação – Justiça por Bruno e Dom!

Com consternação e tristeza, o Inesc se junta à outras tantas vozes que lamentam o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. Devemos, em primeiro lugar, nossos sentimentos aos familiares de Bruno e Dom, pela angústia sofrida desde o desaparecimento, pelo descaso das autoridades, pelas informações desencontradas e por fim, pelo trágico desfecho. Há perdas que não somos capazes de mensurar.

Da mesma forma, manifestamos nossos sentimentos aos também familiares de Bruno: as comunidades indígenas do Vale do Javari, em nome da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Heróis que, além de enfrentarem cotidianamente as violências que vitimaram Bruno e Dom, foram os grandes responsáveis por suas buscas.  Fizeram, por fim, o papel que o Estado brasileiro pareceu recusar-se a fazer.

O trágico desfecho da história de Dom e Bruno não é inédito no Brasil. Ao contrário, é constituinte de um país marcado pelo racismo, pela predominância de interesses econômicos espúrios e pelo assassinato e ameaça daqueles que se opõem a esse projeto. Foram incontáveis as lideranças indígenas e demais povos tradicionais que tombaram nessa batalha. “Quantos mais terão que morrer?”, nos somamos à voz de Marielle Franco, outra vítima desse mesmo projeto?

Como denunciamos no dossiê “Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro”, elaborado junto à Indigenistas Associados (INA), este projeto tem tomado outras proporções nos últimos três anos. O esgarçamento de direitos constitucionalmente garantidos, assim como o estímulo declarado ao desrespeito a estes direitos, que virou a tônica da atual gestão, nos leva a outro patamar. Enquanto o país estiver sob a gestão anti-indígena em que se encontra, povos indígenas e indigenistas, e outros defensores dos direitos socioambientais, estarão correndo o mesmo risco que fez tombar Bruno e Dom.  A luta das comunidades do Vale do Javari junto a Bruno e Dom é, portanto, a luta de todos/as nós, da democracia, da vida.

Há ainda muito a se investigar. As motivações e organizações criminosas por trás dos assassinatos, os interesses e a rede criminosa envolvidos em suas mortes. O fato de a Fundação Nacional do Índio ter se transformado em Fundação Anti-indígena, expurgando funcionários como Bruno Pereira de seu quadro. É urgente, ainda, garantir a segurança e proteção dos povos indígenas e comunidades que seguirão enfrentando a mesma violência que resultou nessas mortes.

Bruno Pereira, presente!

Dom Phillips, presente!

“Funai se transformou em Fundação Anti-indígena”, alerta dossiê sobre a atuação do órgão no governo Bolsonaro

Sob o governo Bolsonaro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem implementado uma política anti-indigenista, marcada pela não demarcação de territórios indígenas, perseguição aos funcionários concursados e lideranças indígenas, somada a uma militarização sem precedentes do órgão. Atualmente, apenas 2 das 39 Coordenações Regionais da Funai são chefiadas por servidores públicos. Nas demais chefias, a situação é: 19 delas coordenadas por oficiais das Forças Armadas; 3 por policiais militares; 2 por policiais federais; e o restante, na condição de servidores substitutos ou sem vínculo com a administração pública. No alto escalão, a diretoria é formada por 2 policiais e 1 militar, além do presidente, Marcelo Xavier, que também é policial.

>>> Acesse o dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro

De 2019 para cá, a Funai aumentou vertiginosamente o número de processos administrativos disciplinares (PAD), refletindo uma deliberada política institucional para disseminar medo e intimidar funcionários no ambiente de trabalho, com o agravante de que o uso constante deste instrumento implica a diminuição do tempo disponível para as tarefas finalísticas dos indigenistas que são convocados a dedicar-se a duas ou mesmo três comissões simultâneas de PAD.

Soma-se isso ao fato de pouquíssimos recursos chegarem às ações finalísticas da Funai (aquelas destinadas às ações nos territórios indígenas, com equipes de servidores especializados). No último relatório do órgão, em 2020, mostra que havia mais cargos vagos na autarquia (2.300 vagas) do que profissionais em atuação (2.071 profissionais, sendo 1.717 funcionários efetivos) – um esvaziamento inversamente proporcional ao crescimento da população indígena do País na mesma época.

Com o objetivo de mostrar os retrocessos causados por essa gestão, a INA (Indigenistas Associados – Associação de Servidores da Funai) e o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) vêm produzindo um dossiê que resulta de três anos de monitoramento conjunto. A análise detalhada de documentos oficiais, colhidos desde o início de 2019, é reforçada por depoimentos de servidores, materiais de imprensa e publicações de organizações da sociedade civil. O documento é divulgado em meio à indignação das organizações a respeito do desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian.

“Com o dossiê, queremos registrar a magnitude do estrago que vem sendo operado nas entranhas da Funai”, explica Fernando Vianna, presidente da INA. “Em vez de proteger e promover os direitos indígenas, a atual gestão da Fundação decidiu priorizar e defender interesses não indígenas, como ficou claro no julgamento do marco temporal, que seria retomado agora em junho”, acrescenta, referindo-se ao processo no STF (Supremo Tribunal Federal) que analisa a tese de os indígenas só teriam direito à terra se estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ignorando as históricas violações que esses povos sofreram ao longo dos anos.

Ironicamente, foi a Funai que, em anos anteriores, entrou com o recurso que originou o julgamento do marco. Mas, no atual governo, o órgão deu um giro de 180 graus, e agora se alinhou aos sindicatos e associações de proprietários e produtores rurais, defendendo teses jurídicas totalmente contrárias aos direitos conquistados pelos povos indígenas.

“Vou dar uma foiçada na Funai”

O ponto de partida do dossiê é o discurso adotado pelo presidente da República, que declarou ainda no período pré-eleitoral: “Se eu for eleito, vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho”. De fato, o ataque de Bolsonaro à jugular da Funai começou nos primeiros meses do mandato, com a tentativa de submissão do órgão ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que só não ocorreu após intervenção do STF derrubando a Medida Provisória criada para essa mudança.

Não conformado com a derrota, o governo entregou o órgão nas mãos do delegado Marcelo Xavier, homem de confiança de Nabhan Garcia, atual Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Mapa, fazendeiro, liderança ruralista e notório antagonista dos direitos indígenas.

Ao longo destes quatro anos, a expressão “demarcação de territórios indígenas” simplesmente sumiu do planejamento do governo. Nem um programa orçamentário específico direcionado aos povos indígenas apareceu no Plano Plurianual (2020-2023) ou na Lei Orçamentária (2020) redigida pelo governo federal.

Para a porta-voz do Inesc, assessora política Leila Saraiva, “a atual Funai se revela um caso gritante de erosão de direitos, não somente na política indigenista, mas em ações correlatas, como a ambiental, a cultural, a de relações raciais, que também se deterioram Brasil afora”.

Na sua avaliação, o governo Bolsonaro adotou um modus operandi que se apodera das estruturas do Estado para desconstruir garantias conquistadas. Algumas análises a respeito do atual governo descrevem essa prática como infralegalismo autoritário ou assédio institucional.[1] “Após mergulharmos nos materiais para a criação deste dossiê, constatamos que essas expressões se aplicam com exatidão à Funai”, conclui Leila.

Um dos exemplos citados no dossiê é o caso do servidor que, atendendo a solicitação da procuradoria da Funai (PFE), analisou certa ação judicial de anulação da identificação e delimitação de um território indígena (TI).       Por meio de uma Informação Técnica, o servidor defendeu que a Funai pedisse a anulação da sentença anulatória, mostrando à justiça os fundamentos do trabalho técnico realizado com vistas à demarcação da TI. No entanto, Marcelo Xavier não apenas discordou da proposta de contestar a sentença – aceitou, portanto, a anulação judicial da identificação da TI –, como também determinou que a conduta do servidor fosse denunciada à Corregedoria e à Polícia Federal.

O desmonte da Funai em 10 atos

  1. A agenda ruralista no comando

Assim que tomou posse, em 2019, Bolsonaro tentou tirar da Funai, por meio de Medida Provisória, a função de demarcar terras indígenas, assim como a de se manifestar em processos de licenciamento ambiental com impacto sobre elas. Por duas vezes, a MP 870 foi editada para que essas atribuições ficassem com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mais especificamente, sob o comando de Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista, recém-nomeado à Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do MAPA. Após o STF barrar essa estratégia de incidir sobre a Funai via MP, o plano passou a ser controlar o órgão a partir da nomeação do delegado Marcelo Xavier à presidência e outros diretores e coordenadores totalmente alinhados a Garcia e à bancada de parlamentares ruralistas.

  1. Saem os indigenistas, entram os militares e policiais

Sem conseguir deixar a Funai aos cuidados de Nabhan Garcia, Bolsonaro nomeou o então delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier à presidência do órgão. É ele quem aparece nesse vídeo, durante audiência com produtores rurais do Mato Grosso do Sul, dizendo: “Eu estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora, justamente para atender aos senhores” (8/11/2010). Xavier, que chegou a ser indicado para ser o assessor do ruralista Nabhan no MAPA, adotou um critério peculiar ao escolher sua equipe. Um dos coordenadores regionais chamado para atuar no Vale do Javari (AM) já foi gravado falando em meter fogo” em índios isolados. Um segundo, flagrado por câmeras de segurança agredindo um indígena na sede da unidade Xavante (MT) que chefia. No Araguaia (TO), um terceiro apoiou ação policial de busca e apreensão em aldeia que resultou na morte do indígena fatalmente baleado, na presença de crianças e outros membros da comunidade. E há ainda um coordenador de Ribeirão Cascalheira (MT) que chegou a ser preso, por envolvimento com arrendamento de um território indígena.

  1. Perseguição aos servidores concursados

No comando da Funai, a dupla Xavier e Nabhan inaugurou uma política de perseguição e constrangimento aos servidores concursados, por meio de obstáculos ao exercício de suas funções com a abertura de inúmeros processos administrativos disciplinares e inquéritos criminais. Muitos perderam competências e acesso a processos em que trabalhavam, foram ameaçados ou até deslocados de funções à revelia.

  1. Burocracia para idas a territórios indígenas

A autorização de viagens de servidores a territórios indígenas antes só dependia da assinatura do presidente da Funai em casos extraordinários. Hoje, porém, o pedido precisa ser feito com mais de quinze dias de antecedência, além da necessidade de uma autorização da diretoria da instituição, além de um parecer técnico das Coordenações Gerais em Brasília, confirmando a pertinência da ação. Soma-se à morosidade proposital, que inviabiliza ações emergenciais nas comunidades, o fato de o órgão não estar pagando as diárias de viagens a trabalho, levando servidores a desistir de atender ou arcar com os custos do próprio bolso.

  1. Nem um centímetro a mais de terra indígena

Em 2019, nenhuma terra indígena foi delimitada (primeira etapa da criação de uma reserva), e não há meta para isso no planejamento estratégico para 2020-2023, à exceção dos casos quando houve pressão do Ministério Público Federal. Ainda assim, na montagem dos Grupos de Trabalho para atender à Justiça, a Funai atrasa o processo, propondo ações de recomposição dos grupos, remanejando servidores que já vinham acompanhando determinada situação, de forma arbitrária.

  1. Uso de antropólogos “de confiança”

Para encabeçar os grupos técnicos, a Funai criou a figura do antropólogo de confiança, que – segundo a própria Associação Brasileira de Antropologia – são “pessoas sem a mínima qualificação e legitimidade, inclusive sem amparo legal para coordenar e realizar estudos de identificação e delimitação de Terras Indígenas”. O próprio chefe de gabinete do presidente Marcelo Xavier chega a escrever, em despacho, que os coordenadores nomeados para o GT responsável pelo processo de demarcação foram escolhidos “observando critérios de oportunidade e conveniência”.

  1. Terras tiradas do mapa

Pela Constituição, se um imóvel privado se sobrepõe a uma terra indígena, predominam os direitos indígenas. Mas, com a criação da Instrução Normativa nº 9, em 2020, a Funai limitou esse direito apenas às terras já homologadas, fragilizando a proteção dada àquela área durante o processo demarcatório. Atualmente, o que se vê é a Funai dizendo aos interessados não indígenas: “Entre e use à vontade, pois o território ainda não está homologado. Na prática, o ato de não preservar uma área enquanto ocorre sua homologação equivale excluir terras indígenas do mapa oficial.

  1. Critérios para classificar o “indígena de verdade”

Criada em janeiro de 2021, a Resolução nº 4 tentou definir critérios para indicar quem é ou não indígena, a fim de regular o acesso a determinadas políticas públicas – resgatando a agenda ruralista dos “falsos indígenas”, em claro choque ao princípio da autoidentificação indígena previsto na Convenção 169 da OIT. Com a repulsa de organizações indígenas e especialistas, a resolução foi suspensa judicialmente.

  1. Boas-vindas a garimpeiros

Na atual gestão, segundo o Instituto Socioambiental, o desmatamento em terras indígenas cresceu 138%. Garimpeiros invasores viajando a Brasília em avião oficial expõem a conivência a toda forma de ilegalidade nas terras indígenas. Medidas infralegais criam novos arranjos sui genesis de organizações entre indígenas e não indígenas para exploração econômica das terras (inclusive com transgênicos) e, no horizonte, já temos a mineração e a exploração de madeira.

  1. Omissões na esfera judicial

Como era de se esperar, a Funai tem manifestado desistência formal de demandas judiciais envolvendo direitos coletivos de povos indígenas, sendo omissa em inúmeros casos de violência, invasões, massacres e corrupção. Na antítese de sua razão de existir, o órgão virou laboratório de políticas anti-indígenas sem bases legais definidas, fragilizando territórios e etnias.

[1] Bolsonaro adota ‘infralegalismo autoritário’ contra democracia, apontam pesquisadores – 11/01/2022 – Poder – Folha; Afipea lança livro sobre assédio institucional no Brasil.

Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro

Este documento, produzido pelo Inesc e pela associação que representa servidores e indigenistas da Funai (INA), sistematiza os retrocessos e ilegalidades da Funai sob a gestão de Bolsonaro e Marcelo Xavier, que tem implementado uma política anti-indigenista, marcada pela não demarcação de territórios indígenas, perseguição aos funcionários concursados e lideranças indígenas, somada a uma militarização sem precedentes do órgão.

O dossiê foi elaborado após três anos de monitoramento conjunto e conta com análise detalhada de documentos oficiais, colhidos desde o início de 2019, depoimentos de servidores, materiais de imprensa e publicações de organizações da sociedade civil.

Trabalho infantil e orçamento público: investimento na manutenção das desigualdades

 

E duas crianças se encontraram
Uma dentro, outra fora do carro importado
Que estava ali sorridente
Havia passeado num natal abençoado com pai, mãe, parentes
No banco traseiro, vários presentes, diversas cores, fitas reluzentes
No encosto do banco tem até um vídeo game
Hipnotizada não desviava o olhar a frente
Mal notou a outra criança
Parada na janela, que ao ver a cena ficou alerta
Nunca tinha visto uma tela
Tão pequena, suspirou um encanto de uma forma tão serena
E duas crianças se encontraram, uma dentro e outra fora de um carro importado
O local? Precisamente um semáforo. Tão vermelho como o rosto do João queimado
João olhava no carro como se fosse um espelho
Equilibrava balinhas, chicletes e um pouco de dinheiro
Nos poucos segundos da cena João sonhou com o vídeo game que nunca jogou
Se perguntou: se eu fosse ele e se ele fosse eu?
E o mesmo respondeu: Seria tão bom experimentar o Danone
Sem o gosto azedo do aterro desde ontem
Fome? Eu acho que ele não tem, problemas? Eu acho que ele não tem
Um pai? Com certeza ele tem, mas ‘peraí’ pensando bem
Tanto eletrônico pra esse menino brincar, ninguém olha pra ele, ambos no celular
Ele me viu, chamou o pai tocando no ombro
O pai respondeu gritando, quase tive um assombro
O pai dele parece irmão com o meu que nessa manhã mesmo me bateu
Pois acordei tarde pra trabalhar, queria um pai que brigasse comigo pra eu estudar
E duas crianças se encontraram, uma dentro e outra fora de um carro importado
E mesmo com o fumê se enxergaram, por alguns segundos se olharam (…)
O que ele faz com doce, balinha? Abordando os carros num calor de meio dia?
Não está com uniforme de escolinha
Qual será a melhor vida a dele ou a minha?
São apenas crianças, são apenas crianças
Querem pais de verdade, mães de verdade, família de verdade. Querem infância!
E duas crianças se encontraram, uma dentro e outra fora de um carro
Por alguns segundos se olharam e um pequeno sorriso trocaram
Até o sinal abrir, uma seguir, outra ficar
Uma para possivelmente se “divertir” e a outra pra trabalhar, pra trabalhar (…)

Música Duas Crianças, de Markão Aborígine

 

 

A música e a arte são poderosos instrumentos de denúncia das violências que acometem nossa sociedade. O rapper e compositor Markão Aborígine em sua música ‘Duas Crianças’ revela de forma sensível e inteligível as desigualdades existentes que impactam diretamente as infâncias no nosso país. O trabalho infantil é um dos termômetros mais infalíveis para medir o nível de desenvolvimento social, político, cultural e econômico de uma nação. Quanto maior a desigualdade ou o empobrecimento do país, maior a taxa de trabalho infantil, que pode ser determinada também por uma incapacidade institucional de promoção de políticas de proteção social ou mesmo por uma escolha política de geração de riqueza concentrada num grupo pequeno da população, como tem acontecido no Brasil.

O aumento de crianças e adolescentes vendendo balinhas no semáforo, como ilustrado na música, não se deu somente pela catástrofe que foi e está sendo a pandemia da Covid-19 no mundo, mas sim pela gestão do país que decidiu por não investir em políticas sociais antes e no período desta crise mundial. O que reverberou no agravamento da pobreza e da fome, em fragilidades educacionais pela necessidade do isolamento social, na elevação do desemprego e de informalidade e, consequentemente, no aumento do trabalho infantil. Mesmo sem termos pesquisas recentes, é possível perceber no nosso dia-a-dia o número crescente de meninos e meninas nas mais diversas situações de trabalho, muitas delas de alta periculosidade.

O trabalho infantil no Brasil acontece desde os anos 1500, como menciona Elisiane Santos: “A história da infância pobre é uma história de trabalho. O Brasil, desde a colonização, utilizou a mão de obra infantil”[1]. E isso caracteriza o perfil das crianças e adolescentes nesse contexto hoje, onde 66,1% são negras, de acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). O ciclo de empobrecimento e entrada no mundo de trabalho precarizado e de forma precoce é engendrado pelo racismo estrutural do Brasil, país marcado pela escravização e pela falta de políticas públicas de emprego, renda, acesso à terra e educação de qualidade após a dita abolição da escravidão.

Alguns anos antes da Lei Aurea, foi sancionada a Lei do Ventre Livre, que dava “liberdade” às crianças nascidas a partir daquela data. Contudo, quando completados os 8 anos, elas deveriam prestar serviços aos senhores de suas mães até os 21 anos, caso contrário ficariam a cargo do Estado e este pagaria uma indenização ao senhor de engenho. Essas indenizações estão vigentes até hoje, mas em outra roupagem. Quando o Estado abre mão de proteger suas crianças do trabalho infantil, ele está dando permissão à exploração dessa população, em que 337 mil estão na faixa etária de cinco a 13 anos. Isso beneficia e gera riqueza para grupos específicos. E as consequências para quem o vivencia é a manutenção do ciclo de pobreza, de pouca ou nenhuma escolarização, de acesso precário ao emprego e não ascensão social que se perpetua entre as gerações de diversas famílias brasileiras.

Explorar o trabalho infantil é um projeto de governo

A análise do orçamento público voltado para o enfrentamento do trabalho infantil mostra o quão importante é a atuação do Estado nesta área. Entre os anos de 2016 e 2019, quando o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ainda recebia recursos federais mais volumosos, foi possível diminuir em 0,6 pontos percentuais a quantidade de meninas e meninos na situação de trabalho. O que significa uma diferença de 335 mil crianças e adolescentes. Ainda assim, não foi um número significativo considerando o tamanho do problema: 1,8 milhão de crianças e adolescentes em trabalho infantil em 2019. Portanto, ainda há grande necessidade de atuação do Estado e da sociedade para eliminar a sistemática violação desse direito.

No entanto, o descaso no governo federal é generalizado. Se o Brasil não agir com celeridade e efetividade nas políticas de proteção social para crianças, adolescentes e suas famílias, a meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: “acabar com todas as formas de trabalho infantil até 2025” não será alcançada. Como pode ser observado na Tabela 1, os recursos para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), de responsabilidade do Ministério da Cidadania, foram zerados no governo Bolsonaro.

Tabela 1[2]

Os recursos federais disponíveis para o programa, que até 2020 estavam dispostos numa rubrica intitulada Ações Estratégicas para Enfrentamento ao Trabalho Infantil, e em 2021 e 2022, como Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, diminuíram 94,4% (em termos reais) em 2019 na comparação com 2015, início da gestão anterior. E no que tange à execução financeira, a diferença nesse mesmo período foi de 84,1%, o que significa uma perda de R$ 27,8 milhões. Mas se compararmos com 2016, início da vigência do Plano Plurianual (PPA) do período, essa diferença sobe para 94,7%, uma perda de R$ 108 milhões.

A situação nos anos seguintes é ainda mais catastrófica. Recursos autorizados em 2021 em míseros valores não foram executados, e em 2022, apesar do valor disponível de R$ 9,4 milhões, até maio não havia um centavo gasto, nem ao menos empenhado. Esse contexto se relaciona com a extinção da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti) em 2019. Apesar de ter sido reinstituída em 2020, enfrenta sérias limitações de participação de organizações historicamente comprometidas com a erradicação do trabalho infantil no Brasil, como é o caso do FNPETI, Conanda e Ministério Público do Trabalho. Sem participação social e sem recursos, a consequência é a não realização das ações e metas do III Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil que finaliza em 2022.

O PETI não deixou de existir e integra a política de assistência social, que também vem sendo desmontada pelos últimos governos, principalmente a partir da aprovação da Emenda Constitucional 95 que impõe um teto de gastos para as despesas com políticas públicas. Os munícipios não têm condições de financiar a política de assistência sozinhos, portanto, os repasses do governo federal são essenciais para o fortalecimento do atendimento às comunidades. A capital do Brasil, por exemplo, tem demonstrado, vergonhosamente, o que significa esse sucateamento da assistência, com pessoas dormindo em filas em frente aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) para conseguir uma vaga de atendimento com o objetivo de atualização de seus dados no Cadastro Único para recebimento de benefícios.

Ainda sobre o orçamento do governo federal é importante mencionar que entre 2013 e 2017 havia uma rubrica intitulada Fiscalização para Erradicação do Trabalho Infantil com recursos da ordem de R$ 4 a R$ 6 milhões de responsabilidade do Ministério do Trabalho. Tal rubrica deixou de existir em 2018. E no âmbito do judiciário, há um programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem criado em 2013, porém configurado com esse nome a partir de 2016 a cargo do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Tem como meta principal a sensibilização e mobilização da sociedade, dos profissionais que atuam com crianças e adolescentes e das mídias para a importância da prevenção e do enfrentamento do trabalho infantil por meio de campanhas, pesquisas, seminários e processos formativos no tema.

Tabela 2

Os recursos deste programa são distribuídos entre os tribunais regionais do trabalho mediante apresentação de planos de ação. A Tabela 2 mostra uma queda nos valores disponíveis para 2020, mas retomando em 2021 o patamar de 2019 em termos de recursos autorizados. No entanto, a execução financeira em 2021 foi muito baixa: apenas 24% do valor autorizado.

 

A “vontade” política precisa ser pautada pela promoção e proteção dos direitos

“Meu sonho é poder trabalhar, trabalhar para comprar comida, comer bem” (Menina, 11 anos, Itapoã-DF, maio de 2022)[3]

A crueldade de um país que violenta crianças e adolescentes por meio da fome, da pobreza e das desigualdades (porque todas essas condições são construídas) é retirar deles e delas a possibilidade de sonhar. As necessidades básicas não devem ser sonhos, porque são direitos e por isso devem ser cumpridos pelos responsáveis por sua efetivação.

O enfrentamento do trabalho infantil ancora-se no entendimento de que 1) o trabalho na infância é degradante e prejudica o desenvolvimento integral; 2) toda criança e adolescente, independentemente de classe, raça, cor, etnia ou território, é sujeito de direitos e deve acessá-los de modo a poder ampliar sua capacidade de sonhar. E para isso, os governos precisam investir, urgentemente, em políticas de proteção social e de educação de qualidade. O país convive atualmente com 33,1 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional grave por conta de decisão política. É preciso que nos mobilizemos nesse momento e que votemos nas próximas eleições em candidaturas que proponham mudar essa realidade e que tenham como prioridade os direitos das crianças e dos adolescentes em sua agenda.

Recomendações

– Revogação da Emenda Constitucional 95;

– Maior orçamento e execução do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil com transferência de renda para famílias com crianças e adolescentes e avaliações periódicas do programa;

– Ampliação do número de beneficiários e dos valores do programa de transferência de renda do governo federal (Auxílio Brasil ou Bolsa Família);

– Ampliação da Aprendizagem Profissional aumentando o piso para cotas de contratação de aprendizes;

– Cumprimento da meta 20 do Plano Nacional de Educação: atingir até 2024 10% do PIB em investimento em educação;

– Rever a composição da Conaeti por meio da alteração do decreto 10.574/2020;

– Maior aporte de recursos e execução para a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial;

– Proteger a lei atual que define a idade mínima para o trabalho no Brasil.

“Los ingresos fiscales que genera deben invertirse en programas y servicios que marquen la diferencia para los niños, sobre todo en materia de educación y protección social.” (OIT; UNICEF, 2021, p. 52)[4]

[1] Santos, Elisiane dos. Trabalho infantil nas ruas, pobreza e discriminação: crianças invisíveis nos faróis da cidade de São Paulo. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/31/31131/tde-01032018-123114/publico/Corrigida_ElisianeSantos.pdf>

[2] Aqui considera-se a linha histórica de 2014 a 2022, pois o Plano Orçamentário intitulado: Ações Estratégicas de Enfrentamento ao Trabalho Infantil só aparece no Siga Brasil (portal utilizado para análise dos dados orçamentários) a partir desse ano.

[3] Criança participante do Projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos do Inesc.

[4] OIT – Oficina Internacional del Trabajo y UNICEF – Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia, Trabajo infantil: Estimaciones mundiales 2020, tendencias y el camino a seguir, OIT y UNICEF, Geneva and Nueva York, 2021.

Um salve de mudança – a caminhada do Inesc no sistema socioeducativo do DF

O livro Um salve de mudança – a caminhada do Inesc no sistema socioeducativo do Distrito Federal resume 10 anos de experiência com reflexões, relatos, oficinas que trazem a importância da dimensão educativa na socioeducação. Escrita a muitas mãos (educadores e jovens), a publicação reúne poéticas, produções de comunicação, arte, cinema, dança, reflexões e práticas, ao mesmo tempo em que nos provoca a pensar sobre o papel do poder público em toda a trajetória de vida de meninos e meninas das periferias brasileiras.

“Balanço do Orçamento 2019-2021 revela desmonte generalizado de políticas sociais”, diz Inesc

O ano de 2021 consolidou o processo de desfinanciamento de políticas públicas que, interrompidas ou prejudicadas pela escassez de recursos, fizeram o Brasil retroceder no combate às desigualdades e na preservação dos direitos humanos. Essa é a conclusão do estudo “A Conta do DesmonteBalanço Geral do Orçamento da União”, produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que analisou os gastos do governo federal nos três anos da gestão Bolsonaro, com o intuito de abastecer o debate sobre justiça econômica, social e ambiental.

Em 2021, o pior ano da pandemia, os recursos para enfrentar a Covid-19 caíram 79% em relação a 2020. A saúde perdeu R$ 10 bilhões em termos reais entre 2019 e 2021 quando subtraídas as verbas destinadas ao Sars-CoV-2; a habitação de interesse social não gastou qualquer recurso entre 2020 e 2021; a área de assistência para crianças e adolescentes perdeu R$ 149 milhões entre 2019 e 2021, esse valor equivale a 39% do que foi gasto em 2021; a educação infantil viu seu orçamento diminuir mais de quatro vezes em apenas três anos.

A execução financeira da promoção da igualdade racial, medida alocada no ministério da Damares, diminuiu mais de 8 vezes entre 2019 e 2021; os recursos gastos com ações voltadas para as mulheres, também no ministério da Damares, caíram 46% de 2021 para 2020; e, a execução das verbas destinadas ao sistema socioeducativo, que não eram muitas, encolheram 70% entre 2019 e 2021.

No caso dos povos indígenas, o dinheiro executado pela Funai, que deveria garantir a proteção territorial e fazer avançar a demarcação de terras, foram utilizados para beneficiar os invasores dessas terras.

As políticas ambientais também tiveram dificuldades para executar o orçamento disponível nestes últimos três anos como resultado da falta de pessoal, da nomeação para cargos de confiança de pessoas sem experiência e capacidade para conduzir a política de fiscalização territorial.

Na educação, os ministros desta pasta não só comprometeram o Enem, como lançaram uma reforma do ensino médio amplamente criticada.

“O Brasil andou para trás em 2021”, sentencia Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc. “Ao alimentar uma falsa dicotomia entre vida e economia, mas sem ‘salvar’ nenhuma delas, o mandato de Jair Bolsonaro: deixou mais de 660 mil pessoas morrerem de Covid-19 – boa parte dessas mortes evitáveis; jogou milhares na extrema pobreza e no desemprego, e baixou consideravelmente o poder de compra das(os) trabalhadoras(es) ao deixar a inflação descontrolada”, diz.

Para Livi Gerbase, assessora política do Instituto, os prejuízos desta gestão no cenário econômico foram gritantes, a ponto de configurar uma nova década perdida, tão nefasta como o que aconteceu nos anos 80. “Cortar o orçamento para os empobrecidos, apenas para validar uma política fiscal austera, é desresponsabilizar o Estado de sua obrigação de promover e garantir direitos e uma vida digna para a população que mais precisa”, conclui.

A íntegra do documento está disponível no link: www.inesc.org.br/acontadodesmonte

A seguir, os destaques do estudo:

SAÚDE

Do total da execução financeira com a função saúde em 2021, sem considerar os gastos para a Covid-19, essa área também registrou cortes e já acumula uma perda de R$ 10,7 bilhões desde 2019 ou -7% em dois anos. Para 2022, foi aprovada uma dotação inicial da saúde de R$ 149,4 bilhões, valor que é 18% menor que a execução financeira de 2021 (redução equivalente a R$ 32,8 bilhões). Deste modo, o orçamento federal ignora a situação de desfinanciamento enfrentada pelo SUS, antes da pandemia, fato que tende a piorar por conta da demanda reprimida de pacientes que voltarão a procurar o sistema neste ano, porque tiveram suas cirurgias eletivas e exames de maior complexidade adiados, bem como a interrupção dos seus tratamentos de doenças crônicas.

COVID -19

Nesta edição do estudo, um capítulo à parte foi dedicado às políticas para o enfrentamento da Covid-19 e suas consequências, cujos recursos caíram 78,8% em 2021, se comparado a 2020.  Além disso, apenas 82% dos recursos autorizados foram executados em 2021, sobrando R$ 27,3 bilhões que poderiam ter salvado mais vidas. Tudo porque o governo acreditava que a pandemia acabaria em 2020.

Vale lembrar que o ano passado foi o período mais letal da crise sanitária no País, com 396 mil óbitos de janeiro a dezembro, e mais da metade da população brasileira (49%) sendo vítima de algum grau de insegurança alimentar e nutricional (quando não se sabe se vai conseguir a próxima refeição). Em 2021, 0 Auxílio Emergencial só saiu em abril, mas, ainda assim, teve seus recursos cortados em quase 50%.

Para 2022, o orçamento autorizado para o combate à pandemia, incluindo créditos extraordinários, é de apenas R$ 11,8 bilhões – menos de 10% do que foi gasto em 2021, sendo a maior parte desse montante (R$ 8,4 bilhões) voltada à aquisição de vacinas.

Deste modo, o governo mais uma vez ignora os efeitos desta crise, a despeito de uma inflação projetada de 10,6%, da taxa de desemprego de 11,2%, da taxa de juros Selic em 11,75%, só para citar alguns desafios para a rotina da população de baixa renda neste ano.

EDUCAÇÃO

Em 2021, o Inesc, em parceria com o Vox Populi, fez uma pesquisa com adolescentes de todo o Brasil, estudantes do ensino médio, nas redes privada e pública. Os alunos da rede pública tiveram 1h a menos de aulas por dia, comparados com o ensino particular. Além disso, 60% deles contavam apenas com o celular para acompanhar as aulas, sendo que 16% deles não tinham um pacote de dados de internet que durasse o mês inteiro. Mais da metade das estudantes desempenharam outras obrigações além dos estudos, uma desigualdade vista em proporções maiores entre meninas pretas e pardas e na região Norte do país, que foi a mais afetada pelos efeitos da pandemia na educação.

Mesmo diante desse cenário, não houve esforço orçamentário para atuar na redução do prejuízo escolar para os estudantes da rede pública. Desde o primeiro Balanço Geral do Orçamento da União, o Inesc vem denunciando o desfinanciamento da educação, e em 2021 não foi diferente. A execução financeira da função educação, entre 2019 e 2021, caiu R$ 8 bilhões em termos reais. O valor autorizado para 2021 foi cerca de R$ 3 bilhões a mais que em 2020, no entanto, a execução financeira foi menor. Destaca-se que 2021 foi um ano de muitos desafios, com o aumento das contaminações e mortes por Covid-19 no primeiro semestre.

 

Considerando a execução financeira do Ministério da Educação com um todo, nos primeiros três anos do governo Bolsonaro, os recursos voltados para pasta seguem em declínio.

Com relação ao ensino médio, as metas também não foram cumpridas, no entanto, ainda este ano as escolas serão obrigadas a incorporar uma reforma[1] da qual não participaram, mesmo sem recursos adicionais. Isso associado às defasagens do ensino remoto, as quais carecem de plano de ação do MEC, para fortalecimento das escolas, o que nunca aconteceu nesse governo, que parece estar mais interessado em impor políticas fundamentalistas. A análise nos detalhes demonstra o descaso desse governo com a educação pública.

No caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por políticas fundamentais como a aquisição de livros didáticos, transporte escolar, alimentação escolar, entre outros, como se pode observar no gráfico 9, mesmo que os valores autorizados sejam mais altos, ao longo dos três anos, a execução ficou sempre inferior. No caso de 2021, foram gastos cerca de R$ 6,4 bilhões a menos do que o recurso disponível.

[1] A reforma do ensino médio é fruto da Medida Provisória (MP) 746/2016, que foi convertida em lei (13.415/2017) em menos de seis meses, sem diálogo algum com a sociedade.  A lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96) e estabeleceu uma mudança na estrutura do ensino médio. O Ministério da Educação anunciou que a reforma será implementada nas escolas públicas e privadas do país a partir de 2022, com cronograma divulgado pela pasta. A nova modalidade será realizada de forma progressiva com as 1ª séries do Ensino Médio no próximo ano. Em 2023, com as 1ª e 2ª séries e completando o ciclo de implementação nas três séries do ensino médio em 2024. Tal reforma agravará as desigualdades existentes entre redes pública e privada.

Infraestrutura das escolas  A ação que prevê a melhoria da infraestrutura das escolas, tão necessária nesse momento de pandemia tem tido uma execução irrisória e, desde 2020, o autorizado vem caindo, até mesmo para 2022, quando acontece o retorno às aulas.

Já o ensino superior tem sido atacado sistematicamente ao longo dos anos de governo Bolsonaro, seja com ameaças à pesquisa e à ciência, seja com cortes de recursos. Há um projeto político para enfraquecimento dessas instituições, conforme o gráfico a seguir:

Percebe-se que entre 2019 e 2021, a execução financeira do recurso para o ensino superior caiu cerca de R$ 6 bilhões. E a queda é uma constante ao longo dos quatro anos, como se observa no gráfico 12, com valores autorizados nos quatro anos de governo, onde se nota que entre 2019 e 2022 a queda foi de R$ 7 bilhões.

DIREITO À CIDADE

Com um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias, o governo federal não alocou nenhum centavo para a habitação de interesse social em 2021. Em 2020, tampouco. Em 2019, foram gastos cerca de R$ 18 milhões, mas foram pagamentos de despesas contratadas em anos anteriores.

MEIO AMBIENTE 

O orçamento executado para o meio ambiente em 2021 foi o menor dos últimos três anos: foram gastos apenas R$ 2,49 bilhões, comparado a R$ 3 a 4 bilhões gastos em anos anteriores, para todos os órgãos ambientais (Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Jardim Botânico), incluindo também o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC).

Já no Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), os recursos até registraram um aumento expressivo no curto intervalo de um mês – de R$ 82 milhões propostos inicialmente no Projeto de Lei Orçamentária, em junho, para R$ 236 milhões por meio de crédito extraordinário, em julho de 2021 –, fruto da pressão internacional e nacional após  divulgação de um crescimento acelerado das taxas de desmatamento pelo INPE.

Contudo, menos da metade do recurso (apenas R$ 95,2 milhões) foi efetivamente gasto, pelos seguintes fatores: aprovação tardia das verbas adicionais, falta de pessoal no quadro do Ibama e baixa capacidade técnica dos profissionais nomeados para cargos de confiança.

Para 2022, houve a manutenção de valores mais elevados para as ações de fiscalização e prevenção de incêndios florestais, embora o INPE já ter anunciado o crescimento da taxa de desmatamento neste ano de uma área 419,3% maior em relação a janeiro de 2021.

A Funai, dirigida pelo policial Marcelo Xavier, manteve seu orçamento relativamente estável em termos reais entre 2019 e 2021, passando de R$ 708,1 milhões para R$ 667,6 milhões, respectivamente. Mas, essa estabilidade ofusca a insuficiência de recursos para dar conta de 7.103 localidades indígenas em todo o país.

Nos últimos 3 anos, 45% dos recursos gastos na ação orçamentária destinada a proteger e demarcar os territórios indígenas foram destinados à indenizações e aquisições de imóvel – outra medida que beneficia ocupantes não indígenas. Pior: em 2022, o orçamento autorizado para a Funai com os demais anos da gestão Bolsonaro, surge com R$ 100 milhões a menos disponíveis para o órgão.

CRIANÇA E ADOLESCENTE 

A execução financeira da subfunção de Assistência à Criança e ao Adolescente caiu 28% em termos reais, passando de R$ 531 milhões para R$ 382 milhões entre 2019 e 2021. Essa área chegou a ter 30 ações em 2012, mas em 2021 só havia recursos para três: Criança Feliz – que absorveu 95% dos recursos; Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Socioeducativo, e Promoção e Defesa de Direitos para Todos (esta não teve recurso executado).

A educação infantil viu seu orçamento encolher 77%: eram R$ 446 milhões em 2019 que viraram R$ 100 milhões em 2021. E os recursos destinados para combater o trabalho infantil caíram 20 vezes: foram executados R$ 6,7 milhões em 2019 e somente R$ 332 mil em 2021. Considerando que existem cerca de 1,8 milhão de crianças nessa situação, isso equivale a 19 centavos por criança para o ano.

A área da socioeducação perdeu 70% dos gastos quando se compara 2019 com 2021, pois a execução financeira foi de R$ 6,2 milhões e R$ 1,9 milhão, respectivamente. Tem-se a hipótese de que é uma estratégia deliberada de modo a evidenciar a falência do sistema e, assim, defender a redução da idade penal.

Os recursos despendidos em 2021 para a Atenção Integral à Saúde da Criança praticamente dobraram em relação à 2019 – R$ 6,7 milhões e R$ 3,4 milhões, respectivamente. Isso pode ter ocorrido por uma pressão de demanda para a atenção básica nesse período, devido ao aumento da fome, das condições precárias de saneamento básico, de crianças com sintomas da Covid-19, as quais muitas chegaram ao óbito, entre outras violências potencializadas pela péssima gestão da pandemia.

Para 2022, há incrementos orçamentários em algumas ações, como enfrentamento ao trabalho infantil e o sistema socioeducativo. Além disso, estão disponíveis R$ 137,5 milhões para o Auxílio Criança Cidadã, quase todo o valor disponível para educação infantil dos recursos do FNDE: R$ 151 milhões. Como é um auxílio novo, é preciso monitorar sua execução e observar se está realmente cumprindo com o objetivo de ampliar a oferta de vagas em creches e pré-escolas.

RACISMO INSTITUCIONAL

Em 2021, o Ministério de Damares Alves gastou cerca de oito vezes menos recursos para a promoção da igualdade racial do que em 2019. A execução financeira passou de R$ 17,6 milhões em 2019 – gasto que, na realidade, obedeceu ao planejamento orçamentário da gestão anterior – para apenas R$ 2 milhões (de R$ 3,3 milhões disponíveis) em 2021. Esses recursos destinam-se a apoiar estados e municípios para o enfrentamento ao racismo e para o funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR). Os gastos são tão irrisórios que confirmam o desprezo que o governo tem em relação à temática racial.

QUILOMBOLAS 

Urge implementar ações de demarcação de territórios, já que, em 2021, foram gastos apenas R$ 164 mil em atividades de Reconhecimento e Indenização de propriedades Quilombolas, além de R$ 792,4 mil de compromissos assumidos em anos anteriores. Para 2022, segue ínfima a alocação de recursos para demarcação (R$ 505 mil), e mesmo quando há recursos – como é o caso dos R$ 200 milhões advindos de créditos extraordinários para a Ação 2792, de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Específicos – pouquíssimo dinheiro (R$ 18,8 milhões) foi, de fato, autorizado para políticas públicas com essa finalidade.

RECOMENDAÇÕES

As recomendações do Inesc para reverter a deterioração da economia são:

  • Eliminar o Teto de Gastos e revisar as regras fiscais.
  • Expandir políticas de geração de emprego e renda.
  • Eliminar o Orçamento Secreto e limitar as emendas de relator assegurando transparência.
  • Controlar o choque de juros visando uma contração monetária menos recessiva.

INFORMAÇÕES PARA A IMPRENSA: ADRIANA SILVA – (11) 98264-2364

A conta do desmonte – Balanço do Orçamento Geral da União 2021

O ano de 2021 consolidou o processo de desfinanciamento de políticas públicas que, interrompidas ou prejudicadas pela escassez de recursos, fizeram o Brasil retroceder no combate às desigualdades e na preservação dos direitos humanos. Essa é a conclusão do estudo “A Conta do DesmonteBalanço Geral do Orçamento da União”. Trata-se de um relatório anual publicado pelo Inesc desde 2020, em que analisamos os gastos orçamentários da União do ano anterior e comentamos as previsões para o ano em curso. Nesta terceira edição, fazemos também um balanço dos três anos do governo Bolsonaro, de 2019 a 2021.

Alguns dados contidos no estudo: em 2021, o pior ano da pandemia, os recursos para enfrentar a Covid-19 caíram 79% em relação a 2020. A saúde perdeu R$ 10 bilhões em termos reais entre 2019 e 2021 quando subtraídas as verbas destinadas ao Sars-CoV-2; a habitação de interesse social não gastou qualquer recurso entre 2020 e 2021; a área de assistência para crianças e adolescentes perdeu R$ 149 milhões entre 2019 e 2021, esse valor equivale a 39% do que foi gasto em 2021; a educação infantil viu seu orçamento diminuir mais de quatro vezes em apenas três anos.

Em nota, organizações denunciam Congresso Nacional “secreto”

A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e Direitos Humanos com Participação Social  lançou, nesta quarta-feira (7/4), uma nota denunciando a falta de transparência do Congresso Nacional gerada pelo sistema híbrido de votações, restrição ao acesso na Câmara e no Senado, e mudanças no regimento interno sem amplo debate. A Frente é composta por 25 parlamentares e 25 organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc.

A nota defende o fim do sistema híbrido de votações adotado pela Câmara e pelo Senado, que esvazia o Congresso Nacional, dificulta a participação popular e a incidência pelas organizações da sociedade civil. Na prática, projetos de lei impopulares têm sido votados por meio de um aplicativo (Infoleg), permitindo que os parlamentares votem sem se expor ao desgaste político junto à sociedade, e sem dar chance para que organizações de defesa de direitos possam participar dos processos.

Além disso, as organizações pressionam para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dê transparência ao processo de mudanças no regimento interno. Segundo a nota, ao lado das modificações regimentais atribuíveis à pandemia, a Mesa da Câmara aproveitou as peculiaridades do período para revisar o Regimento Interno (Resolução 21/2021) para, praticamente, extinguir o chamado “kit obstrução”, ferramenta legítima utilizada pelos partidos de oposição para fazer resistência a projetos polêmicos e prejudiciais ao país.

Leia a íntegra da nota:

Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e Direitos Humanos com Participação Social

Mudanças Regimentais e a Participação Social no Parlamento

Congresso Secreto?

A pandemia da Covid-19 exigiu que muitos arranjos fossem feitos no Parlamento brasileiro, de forma a garantir seu funcionamento. Assim, surgem os Sistemas de Deliberação Remoto (SDR) da Câmara e do Senado. A utilização do sistema remoto gerou uma série de consequências indesejadas, como:

  • Aceleração dos procedimentos de apreciação das matérias, assim como redução da natureza democrática do rito de aprovação dos projetos de lei, ao dificultar a atuação da oposição ao governo;
  • Os recursos regimentais, tais como os requerimentos procedimentais, que eram usados para impedir ou retardar uma votação para garantir mais tempo de debate, tiveram seu alcance diminuído, e as discussões reduzidas aos poucos parlamentares presentes em Plenário, cujo tempo de fala também foi limitado.
  • O novo regramento criado e suas posteriores modificações impactaram significativamente a participação da sociedade civil no processo legislativo.

Ao lado das modificações regimentais atribuíveis à pandemia, a Mesa da Câmara aproveitou as peculiaridades do período para revisar o Regimento Interno (Resolução 21/2021) para, praticamente, extinguir o chamado “kit obstrução”, ferramenta legítima utilizada pelos partidos de oposição para fazer resistência a projetos polêmicos e prejudiciais ao país. A justificativa dada pelo Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à época, era a de que “a oposição estaria abusando do seu direito de obstruir”, o que atrasa demasiadamente o processo legislativo. Ocorre que o maior volume de proposições legislativas aprovadas não significa, necessariamente, melhores leis.

O uso indiscriminado do regime de urgência na tramitação de projetos de lei possibilitou o encurtamento dos prazos para a apreciação das matérias, cujos relatórios são publicados sem antecipação alguma no sistema de informação da Câmara. As sessões daquela Casa, antes com prazo limitado de duração, agora se estendem por horas a fio, a fim de que os projetos sejam logo votados.

Além disso, as Comissões Mistas, destinadas a apreciar as Medidas Provisórias, que o Executivo envia ao Legislativo, deixaram de funcionar, apesar de as comissões temáticas terem trabalhado, mesmo que remotamente, no ano passado. Compostas por deputados e senadores, elas consistiam em espaços de discussão, realização de audiências públicas e apresentação de propostas de modificação dos textos das Medidas Provisórias. Outra questão foi a redução dos prazos para apresentação de emendas, que tornou praticamente inviável a reflexão sobre o texto apresentado e a construção qualificada de propostas a ele.

Todas essas regras reduzem os espaços de participação e controle social, comprometendo a transparência do processo legislativo. O exemplo mais notório disso é a utilização recorrente dos chamados grupos de trabalho (GTs) pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Se antes as discussões das matérias eram abertas ao público que acudia às comissões e às galerias do Plenário, hoje, os GTs confinam as decisões sobre as proposições a espaços desconhecidos do público, cujas regras de funcionamento não encontram amparo do Regimento Interno da Câmara (RICD). Com isso, ficam em suspenso, ou dependentes de acordos momentâneos, os prazos para apresentação dos relatórios, a possibilidade de envio de contribuições da sociedade civil, a realização de audiências públicas e, não menos importante, coloca-se em xeque a determinação constitucional (art.58,§1°), segundo a qual a composição das mesas e de cada comissão devem obedecer a regra da representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam de ambas as casas legislativas.

Como este cenário impacta a população e seus direitos?

Recentemente, os grupos de trabalho trataram de temas bastante sensíveis e com grande impacto na vida das pessoas e do meio ambiente, como foram os casos do projeto que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no país e do que revogou a Lei de Segurança Nacional. O Presidente Lira também recorreu à constituição de um GT para oferecer uma solução para os impasses e conflitos em torno ao PL 191/20 que permite o garimpo e a realização de grandes empreendimentos em terras indígenas, sem a devida consulta aos povos originários.

No caso do Senado, muito embora os grupos de trabalho funcionem de forma distinta, sendo compostos por juristas e especialistas, também não há em seu Regimento Interno o estabelecimento de regras que organizem e garantam a transparência em seu funcionamento. Atualmente, no Senado, há três comissões de juristas em funcionamento: para a revisão do processo administrativo e tributário; para a revisão da Lei do Impeachment; e para elaboração de substitutivo que instruirá três projetos de lei sobre inteligência artificial no Brasil.

Congresso Secreto?

Outro ponto fundamental é o fechamento do Congresso Nacional à participação social, tanto pelas grandes restrições criadas para a obtenção de crachás na Câmara e a necessidade de autorização de gabinete no Senado, como também o impedimento, pela Polícia Legislativa, de acompanhamento das comissões. Assim, as restrições à entrada e atuação das organizações é mais um indício de que estamos diante de um Congresso secreto. Destaca-se que é preciso um QR Code fornecido por um gabinete parlamentar para entrar, o que limita o acesso a pessoas com acesso à internet, excluindo-se aí muitos ativistas de base, e também gera favorecimento a pessoas que têm mais proximidade com determinados mandatos.

O que propomos?

  • Fim do sistema híbrido de votações adotado pela Câmara e pelo Senado. Se, nas duas Casas, nem mais é necessário o uso de máscaras, não faz sentido a manutenção do sistema híbrido, que esvazia o Congresso Nacional, dificulta a participação popular e a incidência pelas organizações da sociedade civil, dificulta o aprofundamento dos debates legislativos bem como a fiscalização deles pela sociedade.
  • Procedimentos transparentes e democráticos para acesso da sociedade civil às dependências do Congresso Nacional;
  • Em relação aos GTs, que as propostas elaboradas dentro dos grupos tramitem normalmente pelas comissões, evitando o envio direto ao Plenário;
  • Sobre as emendas às MPs, garantir o prazo anterior de cinco sessões, e não duas como foi definido no período de calamidade pública;
  • Amplo debate sobre alterações no Regimento Interno.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular vem, portanto, por meio desta nota, informar a sociedade sobre o Congresso Nacional estar atuando sem razão justificável de forma predominantemente remota, realizando mudanças regimentais sem amplo debate, impedindo a transparência e o controle social da atuação dos parlamentares.

 

Brasília, 07 de abril de 2022.

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!