Brasil: reforma tributária da renda avançada, mas pouco ousada

28/03/2025, às 13:57 (updated on 08/04/2025, às 14:10) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Nathalie Beghin*
A proposta de reforma tributária da renda contribui para a progressiva realização dos direitos humanos, mas não atende um princípio fundamental que é o de mobilização máxima de recursos disponíveis.
Mão segurando notas de real.
Artigo publicado originalmente pela Iniciativa Principios de Derechos Humanos en la Política Fiscal

Em março de 2025, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que visa, de um lado, diminuir a carga tributária das pessoas empobrecidas e, de outro, aumentar os impostos das pessoas com altas rendas de modo que o impacto fiscal gerado por uma medida seja coberto pela outra. A proposta é positiva, pois melhora um pouco a progressividade do nosso sistema tributário, mas ainda está muito aquém do necessário.

O PL isenta de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil por mês (pouco menos que U$ 900) e prevê um desconto no imposto de quem recebe entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Essa medida irá afetar diretamente cerca de 10 milhões de pessoas. Com isso, de acordo com o Ministério da Fazenda, 90% da população brasileiras que paga Imposto de Renda (mais de 90 milhões de pessoas) estarão na faixa da isenção total ou parcial, e 65% dos que declaram do Imposto de Renda de Pessoa Física (26 milhões de pessoas) serão totalmente isentos. O impacto fiscal dessa medida é da ordem de R$ 25,8 bilhões (cerca de U$ 4,5 bilhões), ainda segundo o Ministério da Fazenda.

Para financiar a isenção da base da pirâmide, o governo propõe a implementação de um imposto mínimo para as altas rendas, para aquelas pessoas que ganham mensalmente acima de R$ 50 mil (equivalente a U$ 8,8 mil). O imposto seria progressivo, começando com 1% até chegar à 10% para rendas mensais acima de R$ 100 mil. Para calcular o imposto soma-se toda a renda recebida no ano, incluindo salário, aluguéis, dividendos e outros rendimentos. Se essa soma for menor que R$ 600 mil, não há cobrança adicional. Se ultrapassar esse valor, aplica-se o imposto mínimo. Note-se que na hora de calcular o valor do imposto devido, alguns rendimentos são excluídos, como ganhos com poupança, títulos isentos, herança, aposentadoria e pensão de moléstia grave, venda de bens, outros rendimentos mobiliários isentos, além de indenizações.

Outra medida anunciada foi uma alíquota de 10% para remessas de dividendos ao exterior, mas apenas para pessoas domiciliadas fora do Brasil.

O lado positivo do projeto de lei é que diminui fortemente a carga tributária das pessoas empobrecidas, o que representa um alívio para essas pessoas que têm sua renda comprometida com bens e serviços básicos como alimentação, transporte, habitação, saúde, entre outros. Além disso, a medida, se aprovada pelo Congresso Nacional, irá resultar na injeção de vultosos recursos na economia brasileira por meio do aumento do consumo dessas pessoas, o que irá estimular a produção e o comércio que, por seu turno, irá requerer novos investimentos promovendo o crescimento econômico e incentivando, assim, a geração de emprego e renda. No final, um número maior de brasileiros e brasileiras será beneficiado indiretamente por essa medida.

Na outra ponta, pessoas muito ricas que não pagavam impostos ou pagavam muito pouco passarão a pagar, o que contribui para melhorar um pouco as desigualdades. Contudo, injustiças permanecem, pois os mais abastados continuam pagando proporcionalmente menos do que deveriam.

No Brasil, a concentração da renda tem aumentado, especialmente no topo. O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sergio Gobetti, mostra que os mais ricos ficam cada vez mais ricos e uma das razões disso é nosso sistema tributário extremamente generoso com eles: de acordo com Gobetti, em média, a renda da elite, ou seja, do 0,01%, cresceu em termos reais 31,4% entre 2017 e 2022, enquanto entre os mais pobres (e a classe média) foi de apenas 1,5% em média. Nota-se que não se trata de qualquer concentração da renda, mas de um aumento significativo, visto que a renda da base da pirâmide (95% na população adulta) permaneceu semiestagnada em termos reais, enquanto a dos mais ricos cresceu expressivamente.

Isso acontece em grande parte porque parte substantiva dos rendimentos dos muito ricos não são tributados. Portanto, urge uma tributação progressiva no topo da pirâmide que, em termos nominais, poderia chegar a 50% como acontece em países desenvolvidos – a média da OCDE é de 44,6%. Não deveria haver um imposto mínimo para as pessoas muito ricas. Elas deveriam pagar o imposto máximo.

A proposta de reforma tributária da renda do governo Lula contribui para a progressiva realização dos direitos humanos, na medida em que torna o sistema um pouco mais progressivo e isenta de tributos as pessoas que mais necessitam de renda para atender suas necessidades básicas. Contudo, não atende um princípio fundamental que é o de mobilização máxima de recursos disponíveis: era possível, e necessário, aumentar ainda mais a carga tributária do topo da pirâmide não somente para custear a isenção, mas, também, para mobilizar recursos orçamentários adicionais para financiar políticas públicas.

A proposta será apreciada por um Congresso conservador, majoritariamente integrado por homens brancos e ricos, porta vozes das elites, profundamente avesso a qualquer perda de privilégios. Caberá as organizações e movimentos sociais pressionar parlamentares evidenciando as profundas e perversas injustiças e distorções do nosso sistema tributário.

É uma luta desigual, difícil, mas necessária.

*Nathalie Beghin é do Colegiado de Gestão do Inesc e Integrante da Iniciativa Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal

Categoria: Artigo
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