Trabalhadoras Domésticas de segunda para a primeira categoria

20 de junho

Por Eliana Magalhães Graça

No dia 16 de junho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou a Convenção sobre Direitos dos Trabalhadores Domésticos. No Brasil isso significa tirar as trabalhadoras domésticas da situação de trabalhadoras de segunda categoria para elevá-las a primeira, ou seja, com os mesmos direitos dos demais trabalhadores. A Constituição de 1988 faz uma discriminação clara em seu artigo 7º em termos dos direitos que valem para elas, que são bastante reduzidos. Com isso, para se aplicar essa Convenção no caso brasileiro há que promover mudanças na Constituição.

O governo brasileiro garante que será o primeiro país a ratificá-la, mas para isso, a Convenção terá que passar pelo Parlamento brasileiro e depois adequar essas novas normas a nossa Carta Magna e legislação. Não menos importante será vencer o preconceito e a discriminação que tomam conta da nossa sociedade e até mesmo da mídia. Foi espantoso perceber como os telejornais ressaltaram o fato de que essa nova Convenção poderá levar ao aumento do desemprego e da informalidade na categoria. A conquista de novos direitos sempre atiça essa retórica conservadora. Quando se instituiu o seguro desemprego (facultativo) foi a mesma conversa e, no entanto, o emprego na categoria teve um aumento de 600 mil de 2008 para cá.

No país o trabalho doméstico absorve 20% da população economicamente ativa feminina. Desse porcentual mais de 60% são mulheres negras. Em termos absolutos a categoria hoje congrega mais de 7,5 milhões de pessoas. Somente 10% desse total possuem carteira assinada, ou seja, a grande maioria está na informalidade, o que resulta em um salário médio inferior ao salário mínimo. Como se vê, é uma discriminação cruzada de gênero e raça que relembra os tempos da senzala.

As estudiosas feministas apontam para a importância desse trabalho doméstico remunerado para liberar as mulheres que podem pagá-lo, para enfrentar o mercado de trabalho, deixando suas casas e filhos aos cuidados dessas valorosas profissionais, tão desvalorizadas. Isto porque o Estado não cumpre seu papel de oferecer equipamentos sociais para apoiar as tarefas do cuidado e da reprodução.

Não resta a menor dúvida da conquista histórica que representa essa nova Convenção da OIT. Há que se superar várias barreiras para que se efetivem todos os direitos previstos nela. Inclusive a questão da fiscalização que no Brasil encontra na inviolabilidade dos lares a maior dificuldade. Com isso a discriminação e o preconceito nas relações de trabalho dentro das casas são crescentes, chegam até a registrar casos de abusos sexuais. A essa dificuldade de fiscalização se deve também a falta de controle sobre o trabalho doméstico infantil de meninas, que existe na sua pior forma principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Adquire uma característica de super exploração de trabalho infantil, cujo controle e erradicação são enfaticamente defendidos na Convenção.

Ratificar a Convenção é urgente e vencer os desafios que se colocam em conseqüência é uma luta que as trabalhadoras domésticas organizadas saberão enfrentar. Essa será mais uma batalha para libertá-las da senzala em que muitas ainda se encontram.

Direitos interdependentes e políticas públicas articuladas

13 de junho de 2011

A criança aprende e interage com o seu meio sem reparar que cada fração de segundo qualifica o seu estar e o seu vir a ser. Tudo compõe sua existência e escreve a sua história. Por isso brincar é tão importante e é um dos direitos que mais deveria ser levado a sério pelos “não-criança”. Criança feliz se relaciona com outras crianças, imagina, canta, corre, conta histórias, tenta desvendar os mistérios do mundo…

No seu artigo 4º o Estatuto da Criança e do Adolescente diz “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Este talvez seja o texto que resume paradigma da ‘Proteção Integral’, a ideia central da lei, que recupera a perspectiva de vida plena e indivisível. A proteção integral é “como proteção todo tempo, em todo lugar, por todo mundo”, como definiu Adriana, uma adolescente que faz parte do projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos do Inesc.

O artigo 4º também evidencia a interdependência dos direitos, ou seja, a ideia de que direito leva a outro e depende de um outro. A interdependência e a indivisibilidade desenham uma complexa rede. Não há como se ter saúde se não há alimentação adequada, assim como sem saúde o rendimento na escola fica comprometido… E que, nesta ciranda, não é admissível um ficar de fora. Ou seja, todos os direitos valem para todas as pessoas. Esta é a dimensão da universalidade dos direitos humanos.

Assim como os direitos são interdependentes e a realização de um implica na realização de outros, a falta de um direito também tem como consequência uma série de outras violações. Quando a criança é obrigada a trabalhar para ajudar no sustento da família, imediatamente ela fica menos disponível para brincar, estudar, fazer esporte ou mesmo, para imaginar… Além de muitas vezes ser lesada fisicamente, ela perde um tempo que não volta e a infância escoa ralo abaixo.

Todos os direitos são igualmente importantes, embora haja os que pensam que somente saúde e educação resolva tudo. Olhando assim, e compreendendo a necessária interação entre os direitos para se promover uma vida protegida, a articulação das políticas públicas é condição necessária para o planejamento e a execução de ações que não permitam lacunas entre um direito e outro. A concretização dos direitos depende de um modo de governar que não permite brechas entre uma política e outra. Quando uma política não é universalizada ou quando as políticas públicas são fragmentadas os direitos pingam como num conta-gotas e não se efetiva a proteção integral.

Algumas políticas públicas tem sido concebidas à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas ainda tateiam uma possibilidade de articulação. A educação e a saúde têm dialogado bem, mas estamos ainda engatinhando no processo. Portanto, para analisar a situação da infância que trabalha é preciso observar quais foram todos os direitos que não se realizaram a tempo para garantir um desenvolvimento pleno, saudável e feliz de cada criança que precisa buscar a própria sobrevivência e a de sua família. Esta articulação deve ser dinâmica, em movimento permanente, observando os papéis de cada ponto da rede.

Os conselhos de direitos e de políticas públicas em diálogo com as Conferências Nacionais de Direitos e de Políticas Públicas têm elementos suficientes para subsidiar a superação da cultura que se contenta com os limites de cada pasta. As resoluções e recomendações das conferências podem contribuir para a construção de uma verdadeira intersetorialidade. Neste sentido, há que se perceber e levar em consideração que a criança não é um ser autônomo, flutuante no espaço. Ela existe em uma comunidade e em uma família. Portanto para que ela viva o seu direito é preciso que todo o contexto se transforme.

Como todos sabem, não basta desenhar uma política em rede sem que haja uma real priorização expressa no orçamento público. Além da previsão de recursos é necessária a aplicação exemplar nas ações previstas nesta articulação; ou seja, que o dinheiro planejado para cada ação deve ser de fato liquidado a tempo. Parece óbvio, mas não é o que acontece. No primeiro ano de mandato da presidenta Dilma, por exemplo, foram contingenciados recursos da área social, colocando em risco milhares de ações garantidoras de direitos.

Portanto, dois importantes desafios para se acabar com o trabalho infantil no Brasil são: garantir que crianças e adolescentes sejam de fato prioridades absolutas e que as políticas voltadas para a realização de seus direitos tenham mesmo uma destinação privilegiada de recursos, como preconiza o ECA.

Os programas de governo que enfrentam a pobreza e a miséria, especialmente os de transferência de renda mudaram já bastante o panorama nacional, mas não foram suficientes para eliminar o trabalho infantil. São muitos os desafios a serem superados. O mais importante é que o esforço coletivo seja no sentido de compreender as múltiplas causas do trabalho infantil e de apresentar respostas articuladas para que todas as crianças cumpram sua tarefa mais importante: a de ser feliz, e sendo feliz, mude a sua realidade e a do país

 

Clique para ler matéria do Inesc sobre o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil

Escolas Públicas em diferentes planetas do Distrito Federal

Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc

A Secretaria de Educação do Distrito Federal é capaz de oferecer educação de qualidade, com bons critérios, cuidados pedagógicos, prédios decentes, Centros Integrados de Língua e Escolas Parques… Paralelo a este quadro, muitas escolas estão sucateadas, no corpo e na alma. Parecem escolas em diferentes planetas. Escolas depredadas e alquebradas convivem com escolas de qualidade reconhecidas pela comunidade e pelas avaliações do Ministério da Educação. O grande problema é que a qualidade não está, nem de longe, universalizada.

Geralmente as escolas alquebradas são para as crianças e adolescentes pobres de periferias, filhos e filhas de famílias com baixíssima escolaridade; filhos e filhas de pais que têm trabalho precário e pouca disponibilidade para participar dos espaços de socialização de seus filhos. As escolas que oferecem educação de qualidade são mais democráticas e atendem a uma diversidade maior.

Quanto mais escolarizada a família, mais exigente se torna e cobra mais respostas da escola. Pais procuram a mídia para denunciar a falta de professores, reclamam das posturas dos profissionais da educação que eventualmente desrespeitam seus filhos, cobram da Secretaria de Educação reformas que garantam acessibilidade, fazem campanhas para as bibliotecas, participam e se mobilizam. O clima conspira pela qualidade, mesmo que haja conflitos, o que é esperado numa convivência democrática.

No entanto, as escolas não podem ficar à mercê da participação da comunidade, mesmo que a participação seja essencial. É preciso levar em conta a responsabilidade da Secretaria de Educação em garantir que a qualidade da educação seja a mesma de norte a sul do Distrito Federal, respeitando os diferentes interesses de suas respectivas comunidades.

Em 2008, ao estudar o Quadro de Detalhamento de Despesas do GDF, os/as alunos do CED 04, participantes do projeto do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Adolescentes em Movimento pelos Direitos, observaram que dois milhões de reais destinados à reforma da escola não foram aplicados.

Escola negligente (ou abandonada) não é um espaço educativo e pode se tornar um barril de pólvoras. Consequência disso são reações de alunos/as insatisfeitos/as, não educados/as que, denunciam o sucateamento com os seus comportamentos “rebeldes e inconsequentes”. Os alunos são só meninos e meninas que, ao aportar num estabelecimento de abandono se veem provocados no cenário de insatisfações múltiplas. E a escola, que deveria ser um fórum permanente de reflexão, se torna palco de conflitos violentos. Neste caso, o conflito deve ser objeto de preocupação pedagógica, e motivar, mais ainda, uma elaboração coletiva sobre o seu papel e o de cada sujeito que dela participa.

Quando a opção para a resolução do conflito é transferência de alunos, está-se simplificando o problema, não se chega ao cerne da questão, não se resolve conflitos. Apenas se marginaliza ainda mais, adolescentes já sem oportunidades, que reagem à negligência que os afeta como sabem e como podem.

A simples transferência de “alunos-problema” é uma declaração de incompetência da política de educação e revela um preconceito profundo contra moradores da periferia. Além de não contribuir em nada para a construção de uma educação de qualidade, inclusiva e universal, esta decisão aponta, mais uma vez para os alunos como únicos responsáveis pelo desastre em que se encontra a sua escola. Não ajuda a escola a se repensar, nem a Secretaria de Educação para refletir sobre sua responsabilidade.

Temos visto no GDF pipocar problemas, especialmente em áreas de grande exclusão social. Quando não há escola na comunidade, meninos e meninas que são obrigados/as a se deslocar para uma escola distante são estigmatizados e com isso, apontados a priori como os sujeitos problema. Em 2007, meninos e meninas da Estrutural diziam que era difícil dizer de onde vinham, pois, embora fossem a maioria na escola, seus colegas reagiam com preconceito.

Em 2010, ex-alunos do Ced 04, junto com o Inesc elaboraram uma Emenda ao Orçamento Público do GDF para a construção de uma grande escola de Ensino Médio na Estrutural. Esta escola teria auditório, quadras cobertas para a prática de esporte, laboratórios de ciências e de línguas. A ideia dos jovens era levar para aquela comunidade, um estabelecimento de educação que somaria outros equipamentos à comunidade que lhes garantiriam cidadania. A escola poderia ser aberta aos finais de semana para apresentação de teatro, realização de cine-clube ou mesmo, para a organização de torneios esportivos. Infelizmente a emenda não foi acatada e a Estrutural permanece no caos social, com a juventude ociosa sem acesso aos seus direitos.

No Brasil reina a cultura de esperar o caldo entornar para que as autoridades percebam o que está diante de seus olhos. A questão é que as consequências desastrosas de uma explosão podem ser irreversíveis.

O que importa hoje é que o direito à educação de qualidade é igual para todos, e que a comunidade e as famílias, somente elas, deveriam ter a liberdade e a possibilidade de escolher onde seus filhos devem estudar para viver plena e radicalmente o direito à melhor educação.

Para refletir melhor e construir soluções que sejam sérias e consequentes, acreditamos que é chegada a hora de o GDF, o Ministério Público, o movimento estudantil e comunidade promover audiências públicas sobre o Ensino Médio levando-se em conta todas as vozes dos que o integram.

Nova metodologia do PPA causa desconforto nos Ministérios

Edélcio Vigna, assessor do Inesc e cientista Político

A alteração na metodologia de elaboração do Plano Plurianual (PPA 2012/2015) proposta pelo Ministério do Planejamento deverá provocar um desconforto generalizado junto às arenas decisórias dos ministérios. Pode-se adiantar que este incômodo alcançará, também, o Congresso Nacional e o Tribunal de Contas cujas estruturas estão organizadas para avaliar e monitorar as políticas públicas a partir dos ministérios ou dos programas específicos.

A necessidade de uma nova proposta que considerasse a transversalidade necessária para equação de algumas demandas já vinha sendo debatida em algumas organizações sociais. A proposta de reorganizar a estrutura estamental de gestão que rompesse a ideia de cada programa ser construído a partir de um problema a ser resolvido, que não partissem das demandas historicamente dadas. Mas, de um plano estratégico para resolver os macrodesafios que se apresentam como impeditivos ao avanço econômico, tecnológico, cultural, social e ambiental do país de acordo com a visão estratégica governamental.

O governo deverá agregar em 60 programas temáticos as ações dos 360 programas atuais. A proposta é que cada tema (Agricultura Familiar, Educação Básica, Igualdade de Gênero, Igualdade Racial, Mudanças Climáticas, Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, Promoção de Direitos Humanos, Promoção e Acesso à Cultura, Promoção e Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas, Reforma Agrária, Segurança Alimentar, Segurança Pública – só para ficar nos temas que o Inesc incide) reúna as iniciativas (ações orçamentárias) para responder ao desafio que é expresso em cada tema.

A intenção do governo é que os desafios exequíveis expressos no redesenho do PPA/2012-2015, associados ao objetivo (o que deve ser feito) e realizado pela iniciativa (ações), garanta uma resposta eficaz e eficiente. As diversas instâncias de cada ministério estão trabalhando exaustivamente, pois daqui a quatro semanas, deverão apresentar resultados que serão consolidados em programas temáticos. O PPA deve ser entregue ao Congresso Nacional no dia 31 de agosto.

Para compreender o incômodo dos ministérios é importante relembrar que desde a criação da república os ministérios foram criados a partir das demandas das elites econômicas e das necessidades estratégicas do governo. Em 1860, D. Pedro II por pressão das necessidades da classe cafeicultora paulista criou a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que foi se transformando até 2001 quando, para atender as necessidades do agronegócio, recebeu o nome atual de Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por exemplo.

O novo PPA busca desconstruir a imagem de o ministério ser um mero agregado de ações e transformá-lo em um instrumento que servirá aos programas temáticos que serão constituídos por um conjunto de políticas públicas. Um dos grandes desafios que o PPA deverá enfrentar será responder à realização de alguns direitos que para ser efetivado necessita de que diversas políticas públicas sejam executadas simultaneamente atribuindo-lhe um caráter intersetorial. Ou seja, exige a ação de mais de um ministério para ser efetivado. Por exemplo, a igualdade de gênero e raça, direito a alimentação, entre outros.

Os gestores do Ministério do Planejamento avaliam que este novo desenho vai possibilitar um monitoramento orçamentário mais efetivo por parte das organizações da sociedade civil. Entre os princípios que regem o modelo do PPA 2012-2015, está o da participação social ao lado da incorporação da dimensão territorial e estabelecimento de parcerias. Um dos argumentos que reafirma o princípio da participação é que a sociedade deixará de monitorar 360 programas para se concentrar em apenas 60. A maioria das ações que compõe os atuais programas continuará sendo executadas, mas agora vinculada a um objetivo temático.

A atual proposta deverá enfrenta a reação da burocracia tradicionalista. O lócus de poder de cada ministério será, de certa forma, questionado. A grande provocação dos que se identificam com esse perfil conservador de poder será adaptar-se ao trabalho em equipe para atingir um objetivo. Parece-nos, que o novo está na desterritorialização de cada gestor para colocá-lo em um ambiente global.

Racismo e truculência policial

Racismo e truculência policial

* Por Márcia Acioli

O Brasil inteiro pode assistir pela televisão as crudelíssimas cenas em que um policial, ao abordar um garoto, lhe arranca uma corrente do pescoço e dispara 4 ou 5 tiros a queima roupa. Como se não bastasse, o obriga a caminhar até a viatura. Após perder muito sangue, o menino cai antes de entrar no carro. Com muita sorte o garoto sobreviveu e foi inserido no programa de proteção a testemunhas. Este episódio aconteceu no dia 17 de agosto de 2010. O policial justificou seu comportamento dizendo que o menino estava armado e o recebeu com violência. No entanto, além de desarmado e acuado contra o muro, a truculência só findou quando outro policial impôs limite com um tiro para o alto. Todos vimos.

Em 26 de julho de 2010, um garoto é morto a queima roupa por policiais em Fortaleza na garupa da moto do pai. Segundo os policiais, foi uma abordagem trágica. O pai não parou e o policial não hesitou. Com um tiro na cabeça o garoto com 14 anos perde a vida.

No dia 22 de setembro de 2010 outro adolescente de 17 anos morreu após levar um tiro em frente à sua escola por um disparo de uma policial militar na tarde de quarta-feira, 22, em M’Boi Mirim, São Paulo. A policial alega que foi um tiro acidental.

O estudante negro Helder Souza Santos no dia 06 de fevereiro de 2011 em Jaguarão / RS foi abordado de forma truculenta por policiais militares para uma revista. Ao questionar o procedimento o estudante foi agredido, jogado no chão e algemado com ofensas racistas.

Como estes adolescentes de periferia (ou não), pobres e negros, outros milhares perdem a vida no encontro com quem tem como ofício garantir a segurança. Embora muitos casos ocorram na surdina o processo de extermínio prossegue incessantemente. Essa questão não pode ser tratado como coincidência, nem obra do acaso. A repetição deste padrão reflete um modus operandi da segurança pública do país e reflete o que se conhece como racismo institucional”, a estigmatização pelos agentes públicos de determinados segmentos da população com base cor da pele ou outra característica étnico-racial.

A violência policial não é esporádica, eventual, nem local (tem dimensão nacional), mas tem direção certa. A vítimas da truculência da polícia são, via de regra, jovens negros, pobres e moradores de áreas de baixo acesso a políticas públicas. Portanto, a violência policial é um comportamento pautado por uma lógica institucional que efetivamente instiga e produz mais violência.

Cabe tentar compreender o fio que tece o pano de fundo desta política. O problema não pode ser analisado de forma simplista considerando apenas os maus profissionais, embora este seja um problema igualmente grave. A frequência elevadíssima de fatos como esses é suficiente para compreendermos que não é obra isolada da chamada banda podre da polícia, mas fruto de uma corporação não preparada para atuar em consonância com os direitos humanos. Acontece que além da incapacidade de oferecer à população uma política de ações estratégicas e coordenadas para defender e proteger a sociedade da violência, a polícia adota “comportamentos discriminatórios e estereótipos racistas que acarreta desvantagem de grupos raciais a benefícios gerados pela ação do Estado e que deveriam ser universais”1 . O “elemento suspeito”2 , o potencial agressor, a promíscua, a vadia são invariavelmente pessoas de cor negra. Basta olhar nossas instituições de internação, seja de adolescentes, seja de adultos, para reparar o caráter de navio negreiro de cada presídio.

E é espantoso o que a incrível habilidade dos discursos das forças dominantes é capaz de produzir. Apesar da violência letal que afeta a juventude negra, é justamente ela apontada como maior responsável pela violência urbana. E quem ousa levantar a voz em reação é condenado a enfrentar pessoas enraivecidas que insiste em nos chamar de defensores de bandidos.

O problema então exige como resposta mais do que capacitações, mas uma nova política que seja capaz de zelar pela paz, proteger e promover a segurança para todos os cidadãos e cidadãs com igual deferência, sem discriminações, sem preconceitos.

 

* Márcia Acioli é assessora política do Inesc

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1 Segurança Pública e Cidadania, uma análise orçamentária do Pronasci, Inesc 2010.
2 Referencia ao livro “Elemento Suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro”, de Sílvia Ramos e Leonarda Musumeci.

Reforma Agrária é atingida pelo corte orçamentário

Edélcio Vigna e Lucídio Bicalho, assessores políticos do Inesc

A Presidenta Dilma encaminhou ao Congresso Nacional uma “Nota – Redução de Despesas”, na qual faz análise da realização e projeção das receitas e despesas até o final do ano, informando a decisão de reduzir as despesas primárias do Governo em R$ 50,1 bilhões.

É sintomático que no dia seguinte do anuncio do corte orçamentário o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, decidiu elevar, pela segunda vez, a taxa básica de juros para 11,75% ao ano. Dessa forma, a mídia dividirá suas manchetes entre os dois fatos e fragmentará o alvo das críticas. Esta estratégia deu certo, pois as chamadas dos telenoticiários ou da mídia impressa estes dois anúncios dividem espaço.
Sobre estes cortes há um debate no Congresso Nacional entre os partidos de oposição e de situação, onde os primeiros culpam os gastos com a campanha presidencial e entendem que grande parte dos R$ 50 bilhões faz parte da fatura. A situação, base parlamentar do governo, justifica que o corte é necessário para manter a economia equilibrada, por meio do controle da inflação, da dificuldade da ampliação do crédito e da possibilidade de um crescimento sustentado do PIB (Produto Interno Bruto). Outra linha de interpretação relaciona o corte à necessidade de o governo garantir os recursos necessários para saldar os juros e os serviços da dívida pública. Nesta direção se observa que a previsão da taxa de superávit primário deverá permanecer em 3,1% do PIB em 2011. Entre estas diversas interpretações, os programas efetivadores de políticas públicas sociais, que garantem direitos, vão sofrer um rebaixamento em suas eficiências.

De acordo com a Nota, a decisão de reduzir as despesas foi realizada e orientada para a preservação dos investimentos prioritários. O documento informa, também, que os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e dos principais programas sociais foram integralmente preservados. Há nesta afirmação uma contradição, pois muitos ministérios que administram programas sociais foram atingidos. A Educação perdeu R$ 3 bilhões; Esporte, R$ 1,5 bilhão; Saúde, R$ 570 milhões; Meio Ambiente, R$ 390 milhões; Pesca e Aquicultura, R$ 310 milhões; Desenvolvimento Social e Combate à Fome, R$ 23 milhões, entre outros.

Em relação ao corte de R$ 50,1 bilhões, R$ 15,8 bilhões serão retirados das despesas com Pessoal e Encargos Sociais, Abono Salarial, Seguro-desemprego, Previdência Social e Subsídios. Os outros R$ 36,2 bilhões serão reduzidos das despesas discricionárias (despesa discricionária é tudo que sobra excluída as transferências, as despesas com pessoal e Previdência) por órgãos e unidades orçamentárias.

Corte na Reforma Agrária

De acordo com a Nota do Governo, o Congresso Nacional aprovou R$ 3,3 bilhões para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o governo fez um corte de R$ 929 milhões, que representa 28,4% do total. Sendo assim, o MDA ficou com uma previsão orçamentária de R$ 2,3 bilhões. Estes valores se referem apenas as despesas discricionárias, sendo assim neste cálculo não entram as despesas com transferências, às despesas com pessoal e Previdência.

O orçamento do MDA para 2011, considerando todas as modalidades de despesas, sofreu algumas alterações durante o processo legislativo. O projeto do governo para o MDA era de R$ 4,3 bilhões e foram sancionados R$ 4,4 bilhões, havendo um aumento de R$ 147,7 milhões em relação ao projeto proposta para 2011. Considerando que a execução orçamentária é um processo contínuo, apesar do principio da na anualidade, o Ministério inscreveu um montante de recursos de restos a pagar da ordem de R$ 1.079 bilhão, mas não os processou jogando sua execução para 2011. Considerando o corte de R$ 929 milhões e o resto a pagar, ainda há um crédito de R$ 149,9 milhões.

Mesmo assim, não se pode avaliar que o MDA tem um orçamento suficiente para atender a demanda que lhe é constitucionalmente imposta. Primeiro porque o orçamento do MDA sofreu uma queda de recursos da ordem de R$ 655,2 milhões em relação ao orçamento de 2010. Os recursos autorizados pelo Congresso Nacional em 2010 foram de R$ 5,1 bilhões e para 2011, R$ 4,5 bilhões.

Como corte é transversal a todos os ministério é a equipe ministerial que vai determinar em que programas se darão os cortes e em que proporção. Assim, não se pode determinar que ações específicas vão sofrer diminuição de recursos. Sabe-se que se o governo, de fato, priorizasse a reforma agrária e a agricultura familiar/camponesa como base para um desenvolvimento sustentável teria que dobrar os investimentos nas políticas de democratização da terra para que esta se tornasse produtora de alimentos, gerasse produtos e bens ambientais.

O corte de recursos para a reforma agrária pode sinalizar aos ruralistas e grileiros de terras que o governo está rifando a questão agrária como seu objeto de preocupação e dá sinais de que desconhece o potencial das políticas publicas de acesso a terra. Neste sentido, há uma incongruência entre a disposição do governo em erradicar a pobreza e não garantir a segurança alimentar do país. Para que isso ocorra o governo tem que aumentar os recursos e a infraestrutura que sirva à agricultura familiar e aos assentamentos de reforma agrária.

Há uma demanda reprimida de 250 mil famílias acampadas esperando serem assentadas. De acordo com os cálculos (desapropriação, créditos iniciais, entre outros procedimentos) para assentar uma família custa cerca de R$ 30 mil. Dessa forma, o Estado teria que disponibilizar um montante de recursos de R$ 7,5 bilhões para resolver essa demanda imediata. Este montante representa apenas 6,4% dos recursos disponibilizados para pagamento dos juros e serviços da divida pública (R$ 117,9 bilhões). Com esta atitude o governo demonstraria sua força para resolver a questão da concentração fundiária sob o principio do direito de acesso a terra e da justiça social.
A reforma agrária não é considerada uma política central no atual modelo de desenvolvimento. Os setores conservadores, dentro e fora do governo, alimentando-se desta avaliação equivocada propagam que a questão fundiária é anacrônica e os recursos a serem investidos são muito altos em relação aos benefícios. Porém, não se escandalizam quando o governo corta recursos das políticas sociais para garantir R$ 117,9 bilhões para pagar os juros e serviços da dívida pública em 2011.

Como disse o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, pesquisador e professor de pós-graduação da USP, o que se faz “é colonização e não reforma agrária, uma vez que não altera a estrutura fundiária”. O professor Bernardo Mançano, da Unesp, avalia que o governo Lula “transferiu para o futuro o problema da concentração da propriedade rural”. Pelo que estamos vendo o governo da presidenta Dilma segue o mesmo caminho.

O retorno da Reforma Política

José Antonio Moroni e Ana Claudia Teixeira*

Em 2010, tivemos eleições presidenciais para governador/a, deputados/as e senadores/as, e não se teve uma renovação significativa do espectro político do Congresso Nacional e dos executivos. A maior novidade foi a eleição de uma mulher para a presidência. O índice de renovação no Congresso Nacional ficou em torno de 50%, igual em eleições anteriores. É que, com exceção de algumas poucas modificações na legislação, nenhuma Reforma Política significativa ocorreu nos últimos quatro anos, que pudesse favorecer mudanças no perfil dos/as políticos/as brasileiros/as e nas formas de se pensar e fazer política.

Como, pela atual legislação, qualquer modificação nas regras eleitorais passa necessariamente pelo Congresso Nacional é bom que se tenha em conta o que pensam os atuais parlamentares sobre ela. Pesquisa publicada pelo Inesc, recentemente, aponta os principais motivos pelos quais esta reforma não emplaca. Para a grande maioria dos parlamentares, “não se deve mudar o sistema político”, “não se pode pensar em mecanismos que possibilitem a representação de segmentos nunca representados ou sub-representados” (por exemplo, população indígena, população negra, mulheres, homo-afetivos e favelados), “a democracia direta é inviável”. O que parece os unir é somente o conservadorismo. Neste contexto, como pensar uma reforma política que enfrente a questão das formas de se exercer o poder e seus mecanismos de controle? Afinal, quem no Brasil tem o poder de exercer o poder?

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político tem defendido arduamente que uma mudança no sistema político seria uma das melhores maneiras de enfrentar vários males da nossa democracia, como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. Este conjunto de valores e práticas que perpassam instituições políticas/públicas e a sociedade são as bases para a corrupção.

A referida plataforma, construída desde 2004 por um conjunto de movimentos sociais e organizações da sociedade civil brasileira é estruturada em cinco grandes eixos: fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia representativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e da comunicação e a transparência e democratização do judiciário. A plataforma entende que este conjunto de eixos, com suas propostas, articulados, é capaz de contribuir para uma nova cultura política nas instituições políticas/públicas e na própria sociedade. Esta nova cultura política deverá ter como base os princípios da igualdade, diversidade, justiça, liberdade, participação, transparência e controle social. Vale ressaltar ainda que uma base importante para esta nova cultura política é a construção de um Estado realmente público, democrático e laico.

Para chegarmos a isso, precisamos enfrentar, com radicalidade, a questão da corrupção. Quando falamos em corrupção, estamos falando de uma forma de fazer política baseada no uso do poder político para a manutenção de interesses privados e particulares e, ao mesmo tempo, interesses privados e particulares assaltando os espaços públicos e de poder. Num círculo vicioso que não tem permitido uma renovação significativa dos quadros políticos brasileiros. Utiliza-se deste expediente para manter-se imune às punições legais existentes e manter-se no poder. Assim a corrupção alimenta o poder e o poder alimenta a corrupção.

A corrupção no nosso país não é apenas monetária/financeira, mas é principalmente o uso do poder político para interesses privados e particulares (aqui incluído o desejo de permanecer sempre em cargos eletivos). Para isso, mudam-se as regras do jogo eleitoral a bel prazer de quem está no poder. Vide o processo que permitiu a reeleição. O maior roubo da corrupção é o roubo do poder de decisão do povo, que não tem nenhum mecanismo de revogação de mandato ou de controle do processo decisório, por exemplo, a não ser o limitado processo eleitoral onde o que mais se conta são as estratégias de marketing dos/as candidatos/as e os recursos financeiros que se tem (muitos oriundos do Caixa 2 dos doadores, fruto da sonegação ou corrupção). Este processo cria, como muito bem definiu o professor e jurista Fabio Konder Comparato, uma “democracia sem povo”.

Nos últimos anos a sociedade brasileira criou alguns mecanismos e tentativas de controle social sobre a ação do Estado. Graças a estes mecanismos (sejam os institucionais como os conselhos, sejam as organizações que monitoram o orçamento público de forma autônoma) e à democracia – mesmo que formal – que os casos de corrupção estão sendo denunciados.

Entretanto, este processo é paradoxal, pois promove a sensação de que o Brasil é mais corrupto na democracia do que na ditadura. Sensação falsa, pois na ditadura não havia liberdade de denúncia, portanto pouco sabemos sobre este período da história brasileira. Algumas forças políticas ainda defendem que para enfrentar a corrupção somente uma ditadura. Mas a história tem mostrado que o contrário é mais verdadeiro. Só enfrentamos a corrupção com a radicalização da democracia e a construção de um poder democrático. Não uma democracia que se estruture apenas na representação (via processo eleitoral e partidos). Mas sim uma democracia que conjugue a questão da representação, com a democracia direta e a participativa.

A democracia direta é o direito que a população tem de decidir sobre as grandes questões que afetam a sua vida, portanto a democracia direta desloca o centro do poder decisório das instituições oriundas dos processos eleitorais para a participação popular. Neste sentido, a política deixa de ser monopólio exclusivo dos detentores de mandatos e dos partidos e passa a ser do conjunto da sociedade.

Para chegarmos a isso, precisamos de uma nova regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal, que define as formas de manifestação da soberania popular (plebiscito, referendo e iniciativa popular). A atual regulamentação, feita pela Lei 9.709, de 1998, não só restringe a participação, como a dificulta. Por exemplo, só o legislativo pode convocar referendo e plebiscito. Sendo assim um mecanismo de democracia direta precisa passar pelo aval do parlamento (democracia representativa) para ser exercido. Sem falar na exagerada burocracia para poder apresentar propostas de leis de iniciativas populares.

Além disso, precisamos criar novos mecanismos de participação direta, por exemplo, o veto popular. Devemos criar um sistema de democracia direta, conjugado com os instrumentos e mecanismos representativos e participativos.

Em 2009 um conjunto de organizações, entre elas a Plataforma, a ABONG, a OAB, a CNBB, o INESC, a AMB, com apoio da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, apresentaram uma proposta de lei na Comissão de Participação Legislativa de nova regulamentação do art. 14 da Constituição Federal.

Entre estas propostas, destacamos:

a) a simplificação do processo e a garantia da sua convocação: utilização das urnas eletrônicas para a iniciativa popular; a aceitação de qualquer documento expedido por órgão público oficial com foto como comprovante para assinatura de adesão (hoje só pode ser com título de eleitor); e que os referendos e plebiscitos possam ser convocados pela própria população.
b) Que seja prevista a convocação obrigatória de plebiscitos, referendos e outras formas de consultas para os principais temas nacionais, como por exemplo, tamanho da propriedade da terra, emissão de títulos públicos que representem parcela significativa do PIB, privatização de bens e empresas públicas, acordos internacionais com instituições financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc.) acordos de livre comércio, criação ou fusão de municípios e estados, grandes obras com forte impacto socioambiental, mudanças nas leis eleitorais, entre outros temas.
c) precedência de votação por parte do Legislativo dos projetos que venham de leis de iniciativa popular.
Por democracia participativa entendemos a participação, via organizações e movimentos sociais, nas definições das políticas públicas, inclusive nas econômicas e não apenas nas chamadas políticas sociais. É uma participação que se dá via organizações da sociedade civil autônomas e independentes do Estado e dos partidos. Uma das manifestações desta forma democrática são os conselhos e conferências criados, principalmente, depois da Constituição Federal de 1988. Apesar da proliferação de espaços participativos como estes em todo o Brasil e sobre quase todas as políticas públicas, precisamos criar um sistema de participação que rompa com atual fragmentação dos espaços participativos. Além disso, estes espaços precisam ser autônomos (e não apenas homologadores de decisões já tomadas pelo executivo), ter caráter deliberativo e laico, a sociedade organizada de fato deve escolher seus representantes, o orçamento público de cada política deve ser acompanhado e deliberado por estes espaços, e eles precisam se constituir em espaços de partilha de poder e não um faz de conta da participação.

Para isso, destacamos algumas propostas:

a)Criação de espaços de democracia participativa nos poderes Legislativos e Judiciário, incluindo o Ministério Público, e não apenas no Executivo.
b)Criação de mecanismos de participação, deliberação e controle social nas políticas econômicas, de desenvolvimento e no orçamento público.
c)Criação de mecanismos de diálogos e de interlocução dos diferentes espaços já existentes de participação e controle social.
Por fim, no que se refere à democracia representativa precisamos fazer uma reforma eleitoral (que o senso comum tem chamado de reforma política) que mude completamente a forma de escolha dos/as nossos/as representantes (vereadores/as, deputados/as, prefeitos/as, senadores/as, governadores/as, presidente). A representação não pode ser um “cheque em branco” onde só temos o direito em votar a cada quatro anos e nada mais. Pelas regras atuais não temos controle nenhum sobre a representação. Não é à toa que boa parte dos escândalos de corrupção dos últimos anos estão associados à democracia representativa, ou mais precisamente, ao chamado “Caixa 2” para manter este sistema.
Para alterar a democracia representativa, destacamos algumas propostas, tais como:
a)Financiamento público exclusivo de campanha. Recurso privado não pode financiar a política. Este é um dos maiores fatores de corrupção no Brasil. Precisamos instituir um sistema de financiamento público de campanhas, com regras rígidas de controle, fiscalização e punição para quem descumprir. O financiamento público também enfrentaria outra questão importante para a democracia que é a busca da igualdade de condições econômicas nos processos eleitorais.
b)Votação em listas pré-ordenadas. Um dos problemas do atual sistema é a distorção na representação. Parcelas da população não estão representadas ou estão sub-representadas, como é o caso das mulheres, população indígena, negra, etc. Não construiremos democracia no Brasil mantendo no poder apenas um rosto “masculino, branco etc”.
c)Criação de uma comissão de fiscalização do processo eleitoral: formada pela justiça eleitoral, partidos e representantes da sociedade civil.

Entendemos que uma reforma política entendida de forma mais ampla que simplesmente a reforma do sistema eleitoral é um dos elementos fundamentais para enfrentarmos a questão da corrupção. Em outras palavras, o atual sistema político com suas formas de exercício do poder é elemento central da cultura da corrupção e da impunidade no Brasil. Sem mudar isso radicalmente não teremos um país livre da corrupção.

José Antonio Moroni é conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e membro do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).

Ana Claudia Teixeira, cientista política, do Instituto Pólis.

Precariedade do sistema socioeducativo

Está tudo errado. Adolescentes cometem atos infracionais, nem sempre violentos contra a pessoa, são encaminhados para cumprirem uma medida socioeducativa, cujo objetivo é educar para uma nova relação com a sociedade. O que pouca gente sabe é que as medidas mudam conforme a gravidade do ato. A depender do grau de violência ou prejuízo, corresponde uma medida diferente, que pode ser: Advertência; Obrigação de reparar o dano; Prestação de serviços à comunidade; Liberdade Assistida; Semi-liberdade e, por fim, a Internação. A medida privativa de liberdade é atribuída aos casos de maior gravidade e violência. A ideia central é de garantir aos adolescentes em conflito com a lei, um processo pedagógico que o habilite a conviver com a sociedade, a desenvolver suas potencialidades e a exercer sua cidadania.

No entanto, em grande parte do país, o que se observa é a prática abusiva da medida de internação, meramente punitiva que viola direitos. Quando as demais medidas são esquecidas em detrimento da privação de liberdade, fica caracterizada uma séria violação de direitos e o processo educativo é deixado de escanteio. A perspectiva da educação passa a não figurar nem no papel. Das instituições não são cobrados os projetos pedagógicos exigidos pela lei.

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) nunca foi prioridade do poder público. O poder executivo não garante as estruturas físicas e materiais necessárias à execução das medidas, nem oferece servidores suficientes e qualificados para uma tarefa muito específica. Igualmente grave é o não cumprimento do dispositivo de municipalização do atendimento, garantindo que tanto a execução das medidas sócioeducativas quanto o atendimento inicial do adolescente sejam executadas na comunidade.
O mais grave neste quadro, é a absurda e inadmissível violação de direitos praticada pelo Estado. A negligência do Estado e a violência institucional não só ferem a lei como matam inúmeros adolescentes que estão sob a responsabilidade dos órgãos públicos. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 125 diz que… “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Adolescentes em prisões de adultos, instituições superlotadas, instalações inadequados, adolescentes sem atividades, sem contato com o sol, comida estragada, ambiente sujo, precariedade na higiene… são crimes do Estado e devem ser cobradas do Estado uma resposta imediata!
Ao analisar os recursos destinados ao SINASE na área federal é absolutamente constrangedor constatar que em meio a tanta precariedade, o Governo Federal liquidou apenas metade do que estava previsto. O desafio posto não é só luta por mais recursos, mas a execução eficaz em políticas bem desenhadas e articuladas.

Quando nos perguntamos onde deveríamos aplicar melhor os recursos públicos para assegurar os direitos da criança e do adolescente a resposta mais óbvia é na saúde, na educação, no esporte e na cultura. No entanto, a violência já está posta na sociedade e precisamos de um sistema regulador que garanta segurança pública. Diante disso é hora de enfim garantir “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude” (ECA art. 4º), recuperar o teor pedagógico que fundamenta o ECA, e investir esforço na elaboração de políticas públicas universais que, articuladas, deem conta de proteger e garantir o desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes. É hora de exigir do poder executivo a aplicação exemplar do SINASE e reparação do que é irreparável: a perda de preciosas vidas humanas, mortas por um sistema ineficaz, incompetente e desumano.

 

*Mestre em pedagogia pela Universidade de Brasília é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)

 

O Código Florestal e o Novo Legislativo Federal

Ricardo Verdum

Nesta semana o Congresso Nacional retoma suas atividades legislativas e o Código Florestal está entre as prioridades das prioridades da Casa.

O embate pelo Código Florestal Brasileiro (CFB) promete ser duro no primeiro semestre deste ano. Se mantido o disposto no Decreto 7.029, publicado em 11 de dezembro de 2009, os produtores rurais têm até o próximo dia 11 de junho para atender a exigência de averbação da Reserva Legal de suas terras. Isso certamente irá elevar a temperatura do lado da bancada ruralista, que deverá pegar pesado na defesa dos seus interesses.

Na nossa avaliação, o substitutivo ao PL 1.876/1999 aprovado na Comissão Especial do CFB da Câmara dos Deputados está baseado numa premissa errônea: a de que o desenvolvimento da agricultura brasileira depende fundamentalmente da expansão das fronteiras agrícolas.

Ilude-se quem crê que a reformulação do CFB proposta pelo substitutivo beneficiará ao conjunto das pessoas e famílias que dependem da agricultura. Ela é pautada por interesses unilaterais do empresariado rural que controla a dinâmica produtiva rural brasileira, nitidamente voltada para o agronegócio nacional e para o mercado externo.

O mesmo setor que segundo estudo divulgado recente pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) chega fortalecido ao Congresso Nacional em 2011.
Se aprovado, o substitutivo deverá propiciar um aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas, em muitos casos em locais extremamente sensíveis, como são as áreas alagadas, a vegetação ciliar ou ripária de rios, riachos, lagos, lagoas e banhados, os topos de morros e as áreas com alta declividade (encostas).

Promoverá um aceleramento da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras, bem como a impunidade devido à anistia proposta àqueles que desrespeitaram a legislação ambiental até meados de 2008.

Haverá mais degradação ambiental no meio rural e urbano, com decréscimo e fragmentação acentuada da biodiversidade; aumento das emissões de carbono para a atmosfera; e aumento das perdas de solo por erosão com conseqüente assoreamento de rios e córregos. Conjugadas, promoverão perdas irreparáveis em serviços ambientais, das quais a própria agricultura e a qualidade de vida das famílias rurais dependem sobremaneira, especialmente no caso da agricultura familiar que está se incorporando a Revolução Agroecológica.

A isso se soma o aumento da vulnerabilidade e do risco de desastres naturais ligados a deslizamentos em encostas, estiagens prolongadas, aumento da ocorrência de inundações e enchentes nas cidades e áreas rurais. Eventos dessa natureza nas regiões Norte e Nordeste no último ano são um bom indicador do que nos espera num futuro próximo caso a degradação ambiental avance, respaldada pelas mudanças legais e administrativas propostas no substitutivo do deputado Rebelo.

Os territórios indígenas, as unidades de conservação e outras áreas protegidas certamente serão ainda mais pressionadas. Além da maior dificuldade para seu reconhecimento legal e implantação, o que já vem acontecendo, haverá uma maior pressão sobre os recursos naturais ai existente.

Os últimos três anos foram marcados pela batalha em gangorra entre ruralistas e ambientalistas, entre aumentar a produção e conservação no Congresso Nacional, no Poder Executivo, no Judiciário, na mídia e outros fóruns de debate. É necessário sair dessa gangorra, garantindo a possibilidade de crescimento da produtividade sem que isso implique no agravamento do quadro de degradação ambiental existente no país.
O anuncio da divulgação para breve de um documento preparado pelas duas principais instituições científicas do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) poderá ajudar e muito para esclarecer vários pontos do debate. Entendemos que o referido documento será crucial para que instituições representativas da sociedade civil tenham acesso a uma base sólida de conhecimento para embasar seu esforço mobilizador e de capilaridade para tratar do assunto no Congresso Nacional que inicia nesta semana nova legislatura.

*Ricardo Verdum, 51, doutor em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB) é assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).

Observatório dos Financiamentos e Investimentos na Amazônia Brasileira

 

Esta iniciativa – a criação de um observatório dos financiamentos e investimentos para “promover” o desenvolvimento da Amazônia brasileira – nasceu da preocupação com as transformações ambientais, sociais, econômicas e políticas por que passa a região, principalmente ao longo da última década. Também da necessidade de identificar os principais agentes e redes político-econômico-financeiras que estão configurando o modus operandi do capitalismo nessa região – ao menos no tocante aos projetos de infraestrutura e às diferentes frentes extrativistas que ai prospecta e se instala.

O território e os recursos naturais na Amazônia estão em meio a uma disputa acirrada. Isso não é de hoje, nem é uma completa novidade na região, especialmente para os povos indígenas, que de longa data vivenciam e acumulam histórias da invasão de seus territórios e das diferentes modalidades de colonialismo interno a que foram sujeitados desde o século XVI.

Essa disputa é evidente não somente dentro e em relação ao Poder Executivo, mas também no Congresso Nacional, por exemplo, em torno do orçamento público, e em relação à atuação de órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União, a Receita Federal e o IBAMA.

As legislações ambientais, fundiária, indigenista, orçamentária e tributária estão sendo revisadas. A principal justificativa é a necessidade de “ajustar” a Amazônia – suas terras, recursos e populações – às novas “janelas de oportunidades” que se abre para a região, impulsionado pelo poderio econômico e a demanda de recursos naturais que vêm da China, especialmente. À região está sendo dada a oportunidade – dizem empresários, governantes, legisladores, agências financeiras multilaterais, inclusive lideranças e organizações sindicais – de ser o principal provedor de bens e serviços derivados da agricultura, pecuária, silvicultura, florestação e extrativismo vegetal; e de atrair capitais significativos para transformar a região num grande pólo de extrativismo mineral (ferro, níquel, alumínio, bauxita, ouro e outros) e energético (combustíveis fósseis, agro-combustíveis e hidroeletricidade). Como em Peru, Colômbia, Chile, e mesmo na Bolívia, a visão de desenvolvimento dominante está ancorada no modelo extrativista-exportador. A polêmica em torno das causas e conseqüências das mudanças climáticas têm produzido novos significados e potencialidades para a Amazônia: a de ser um lugar estratégico para viabilizar a expansão de “produtos financeiros”, associados com a redução da emissão de CO2 e outros gases formadores do denominado efeito-estufa.

Outra preocupação que dá origem do Observatório é a constatação do papel central que o Estado brasileiro vem tendo na ampliação da escala de operação de capitais nacionais e internacionais na Amazônia. Promove elevados investimentos na construção das condições de expansão e operação destes capitais, na geração de energia e na implantação de logísticas rodoviária, hidroviária e portuária; cria e facilita estímulos e incentivos fiscais e creditícios de baixo retorno para instalação e operações empresariais na região; promove a transnacionalização de empresas brasileiras, como ponte para acessar recursos em países vizinhos e/ ou viabilizar acessos e expandir mercados para a produção nacional; e viabiliza a abertura da Amazônia aos capitais públicos e privados com cede em outros países, o que fortalece o modelo de integração perversa dessa região aos mercados globalizados.

Numa análise preliminar da carteira de financiamento do BNDES no Brasil, constatamos que aproximadamente 85% dos financiamentos vão para grandes grupos econômicos e grandes projetos, concentrado no setor primário exportador intensivo em recursos naturais – em consonância com a atual política industrial brasileira (Política de Desenvolvimento Produtiva, 2008). Vale lembrar que esta estratégia reforça a posição do país no contexto da economia mundial como uma economia essencialmente extrativista-exportadora – ver Boletim INESC Orçamento & Política Socioambiental, 23 (dezembro/2009).

Apesar da queda dos índices de desmatamento a partir de 2007, é difícil avaliar a sustentabilidade desta “tendência”. As políticas de energia, extrativismo e infraestrutura projetadas e em instalação na Amazônia brasileira (e na Panamazônia) têm provocado um aquecimento no mercado de terras e um avanço constante da agricultura, da pecuária e do extrativismo madeireiro sobre as áreas de floresta e cerrado. Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Estatísticas (agosto/2010) indica que mesmo Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) também sofrem com o problema das queimadas, embora em menor intensidade que as áreas de seu entorno. O fogo em TIs e UCs quase sempre se origina em propriedades rurais fora de seus limites, atingindo, principalmente, as bordas destas áreas. As decisões tomadas em relação ao Código Florestal, em debate no Congresso Nacional brasileiro, deverão influir decisivamente nas condições ambientais da região.

O que pretendemos com o Observatório

 

Código Florestal e Serviços Ambientais

A investida dos ruralistas, que em causa própria têm tentando provocar mudanças a toque de caixa no Código Florestal, evidencia que é urgente aprofundar o debate com a sociedade sobre a forma como limitamos, por meio da legislação e dos instrumentos de comando e controle, o direito sob a propriedade das florestas e da biodiversidade a ela vinculada.

A proposta de alteração que aí está traz a síntese do desejo do agronegócio de compatibilizar a lógica e rentabilidade do agronegócio com as expectativas de rentabilidade que as florestas prometem. Além de anistiar desmatadores e flexibilizar em vários pontos a obrigatoriedade de manutenção de áreas de proteção ambiental nos imóveis rurais, cria um promissor mercado de serviços ambientais, em especial na Amazônia, que terá como principal beneficiário os grandes detentores de terra, inclusive os grandes desmatadores.

Este mercado de serviços ambientais e Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) “contrabandeado” na proposta de Código Florestal, além de ampliar estrategicamente o potencial de ganho dos grandes detentores de terra, deixará de fora os pequenos produtores, que dificilmente terão condições de entrar neste mercado, dada as condições que estão sendo forjadas na proposta.

São várias as medidas previstas que trarão implicações neste sentido. Ressaltamos duas delas.

1. A isenção de manutenção da Reserva legal nas propriedades e posses até quatro módulos fiscais, que tem sido a principal responsável pela aparente unidade de interesses entre agronegócio e pequena produção, colocará o pequeno produtor no mesmo “mercado de serviços ambientais”. Nos termos da proposta, a área de Reserva Legal liberada da pequena produção entra na mesma lógica de outras áreas liberadas da regularização ambiental. Todas elas estarão passíveis de remuneração por servidão ambiental ou, alternativamente, para compensação de outras áreas ilegalmente desmatadas.

Quer dizer, idealmente as áreas desmatadas ou com vegetação preservada poderão ser negociadas como áreas de servidão ambiental. O instituto da servidão, já está previsto em lei. Definido como renúncia voluntaria, “em caráter permanente ou temporário, total ou parcialmente, a direito de uso, exploração ou supressão de recursos naturais existentes na propriedade” que excedam as áreas legalmente sob proteção ambiental, sua principal função era viabilizar a compensação de Reserva Legal desmatada de outras propriedades.

Ocorre que o mercado de serviços ambientais forjado nesta proposta, que inclui também a redução de emissões por desmatamento, não está estruturado para atender aos interesses e necessidades dos pequenos produtores, ao contrário. Basta ler com atenção o capítulo XI, que articula e premia a regularização ambiental com a criação de instrumentos econômicos para a conservação da vegetação, e os artigos 50 e 51, que explicitam os benefícios tributários e creditícios destinados a estimular o mercado de serviços ambientais. Seu endereço é certo, construir um mercado de Cota de Reserva Ambiental adaptado às suas necessidades e rentável. A entrada do pequeno produtor neste mercado é, portanto, no mínimo improvável.

2. Para facilitar a regularização ambiental na Amazônia, a proposta prevê a possibilidade de redução da Reserva Legal em 30% na área de floresta e em 15% na área de cerrado. Esta redução está condicionada à indicação da medida pelo Zoneamento Ecológico Econômico de cada estado.

A medida que joga para os estados a possibilidade de flexibilizar a legislação ambiental já está sendo utilizada por vários estados, evidenciando o risco de uma “guerra ambiental”. Para ficar em um exemplo, em Rondônia o ZEE indicou a redução da RL para 50% ao longo da BR-364. Mas hoje, para que esta medida tenha força de lei é obrigatório que seja submetida e também recomendada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e, por fim, que seja aprovada via Decreto Presidencial. Isto também cairia por terra com a alteração do Código Florestal, reforçando a tendência de flexibilização ambiental.

Mais que isso, ocorre que uma vez reduzida a Reserva Legal para fins de regularização ambiental esta área que fica liberada poderá (e será) convertida em área de servidão ambiental. Com as alterações propostas, uma vez em regime de servidão, será negociada e remunerada como Cota de Reserva Ambiental – CRA, ampliando-se e muito as possibilidades de transação. Emitida com base em um hectare, esta cota poderá ser formada inclusive por área composta de vegetação secundária em qualquer estado de regeneração ou recomposição.

Quer dizer, na prática, estaremos remunerando o produtor por ter desmatado áreas de Reserva Legal. Remunerando como? A proposta prevê, por exemplo, que esta área sob servidão, convertida em Cota, poderá ser alienada, cedida ou transferida para entidade pública ou privada que tenha a conservação ambiental como fim social. Em contrapartida, estão previstos vários incentivos econômicos proporcionais ao tamanho destas Cotas: crédito facilitado, redução da base de cálculo do Imposto de Renda para os investimentos feitos na implantação da servidão ambiental; redução do valor venal do imóvel alienado com servidão ambiental, para efeito de pagamento de imposto de renda referente ao ganho de capital; entre outros. Isto, além dos ganhos em si, que sob esta lógica terão que ser bons o suficiente para evitar que esta área de agricultura já consolidada não seja utilizada para outros fins, como soja, gado etc.

A proposta de alteração do Código Florestal está recheada de medidas como estas que trarão mudanças importantes na forma como a o estado e sociedade se relacionam com os recursos florestais e a enorme biodiversidade a eles vinculada. Estamos permitindo que os grandes produtores, representados pelos ruralistas, construam uma legislação que limita de forma oportunista o seu próprio direito de propriedade sobre as florestas. Uma legislação que, sabemos, é frouxa, permissiva e que além de tudo isto irá transformar nossas florestas em mais um ativo para ser negociado com base em uma lógica de custo de oportunidade comandada pelo agronegócio, e que além de tudo poderá se mostrar altamente onerosa para toda a sociedade.

 Por Alessandra Cardoso – assessora do INESC

O Código Florestal e o Pequeno Produtor

O empenho dos ruralistas em colocar em regime de urgência a votação em plenário do Código Florestal indica de que no início da próxima legislatura, em fevereiro, voltará a pressão pela votação do relatório Aldo Rebelo.

Na linha de resistência, os esforços das organizações da sociedade civil contrárias às alterações no Código não têm sido suficientes para “convencer” parlamentares identificados com os interesses do agronegócio a não votarem favoravelmente à proposta, caso ela vá a plenário. Adicionalmente, no trabalho quase cotidiano de monitorar o Congresso e reagir às investidas dos ruralistas, tem havido ensaios no sentido de construir adaptações ao Código que não impliquem em retrocessos, mas este novo rumo para o debate ainda está por vir.

As entidades representativas dos pequenos produtores e assentados de reforma agrária têm demonstrado capacidades diferenciadas de mobilizar suas bases para uma resistência mais explícita às mudanças. Assim como são diferenciadas as reações de suas bases à sedução de se desobrigarem de manter a Reserva Legal. Isto, a despeito da clareza geral de que a medida de desobrigação da Reserva Legal nas propriedades até quatro módulos fiscais, que é de fato a única alteração endereçada especificamente ao pequeno produtor, está a serviço de uma estratégia dos ruralistas de ampliação da base social favorável a todo o pacote de alterações pretendidas.

Esta incerta resistência das entidades parece um reflexo da própria dificuldade de convencer suas bases de que a mudança, além de oportunista, não é uma saída para o pequeno produtor. Em grande medida isto ocorre porque, de fato, é difícil resistir à tentação de apoiarem uma proposta que promete isentá-los do ônus financeiro por ações de desmatamento e da culpa por não cumprirem “as leis”. Ou seja, a irregularidade ambiental da pequena produção é sim um problema que requer uma solução.

Pensando por essa ótica, a construção de uma resistência mais firme a essa proposta de alteração do Código Florestal passa, centralmente, pela capacidade de construir uma alternativa adequada à pequena produção.

Para o pequeno produtor, como já assinala a Via Campesina em sua nota, o caminho da sustentabilidade passa por: “assistência técnica capacitada para o manejo florestal comunitário; crédito e fomento para desenvolvimento produtivo diversificado; recuperação das áreas degradadas com sistemas agroflorestais; planos de manejo madeireiro e não-madeireiro simplificados; canais de comercialização institucional que viabilizem a produção oriunda das florestas”.

Além destes passos, outro que nos parece fundamental hoje, ainda mais diante da crise climática global, é valorizar mais efetivamente a função ambiental da pequena produção. A instituição de uma política de pagamento por serviços ambientais que remunere devidamente e de forma desburocratizada os pequenos produtores pela manutenção das suas Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente é um tema crucial neste debate. É um caminho que já vem sendo trilhado por inúmeras iniciativas, em Minas Gerais, na Bahia, no Espírito Santo; que precisam ganhar força e escala.

A proposta de novo Código Florestal está na contramão desta saída, tanto quanto também estão as duas propostas que tramitam na Câmara sobre Serviços Ambientais (PL nº 792/07) e REDD+ (PL nº 5.586/09), recentemente aprovadas pela Comissão de Agricultura. Estão construídas para compensar os produtores, em especial os grandes, pelo seu esforço de manutenção de áreas de preservação que excedem aquelas legalmente previstas. Por sinal, este é outro elemento que explica o anseio dos ruralistas em reduzir as áreas obrigatórias de preservação.

Fará grande diferença a retomada de esforços conjuntos entre organizações socioambientalistas e entidades representativas de agricultores familiares, camponeses e trabalhadores/as rurais objetivando a construção de alternativas que equacionem melhor a função social e ambiental da pequena produção.

É preciso que o diálogo e a articulação entre esses setores sejam rapidamente fortalecidos e que as falsas contradições sejam superadas em favor de propostas que contemplem os legítimos interesses dos pequenos produtores e a sustentabilidade ambiental.

Por Alessandra Cardoso – assessora do INESC

Educação de Qualidade

Cleomar Manhas (assessora política do Inesc)

Final de ano, especialmente, final de governos estaduais e nacional, é tempo de se apresentar dados estatísticos sobre o avanço das políticas sociais. A educação é sempre destaque e, nem sempre as notícias são auspiciosas, visto que as dívidas históricas para com a população mais vulnerável são imensas, fazendo com que pequenos avanços não os atinjam a ponto de minorar desigualdades.

A situação da educação no Brasil ainda está na UTI, apesar de ter saído do estado gravíssimo e estar em estado grave. A Conferência Nacional de Educação votou pelo aumento do investimento na educação para 7% do PIB até 2011 e 10% até 2014. Por isso é preocupante a declaração recente do Ministro da Educação à imprensa, propondo a ampliação do financiamento anual para apenas 7% até 2015.

Dizem que a falta de recursos não é o único problema da educação. É sabido que não, no entanto, é sabido, também, que os recursos atuais, 4,7% do PIB, são insuficientes para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. E que seria necessário um investimento grande, de cerca de 10% do PIB, ao menos por um tempo, até que se atingissem patamares satisfatórios. Foi assim que países como a Coréia do Sul fizeram para mudar o cenário da educação e, consequentemente, a possibilidade de se ampliar os índices de desenvolvimento sustentável.

A imprensa acaba de repercutir duas pesquisas que, aparentemente, tratam de públicos distintos, no entanto, a história não é bem assim, visto que são frutos do mesmo problema, ou seja, a falta de investimento efetivo em educação.

A primeira é o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), elaborada pela OCDE ( Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), programa internacional de avaliação comparada, que tem por finalidade a produção de indicadores de efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos. Idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países avaliados, no caso do Brasil é a faixa em que estão concluindo o ensino fundamental e iniciando o ensino médio.

A segunda é a análise elaborada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) acerca dos dados coletados na PNAD/2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) sobre a evolução do analfabetismo convencional e do analfabetismo funcional. Entendendo por analfabetismo convencional as pessoas com mais de 15 anos que não conseguem escrever e ler um bilhete simples e por analfabetismo funcional as pessoas com mais de 15 anos, que possuem menos de quatro anos de escolaridade.
O PISA mostrou que o Brasil, de 2003 para 2009, conseguiu sair dos 383 pontos para 401 pontos, ou seja, avançou 18 pontos, o que por um lado é uma boa notícia, mas por outro, demonstra que o país ainda é o 53° de uma lista de 65 países e seus níveis de proficiência são considerados como moderados. E, caso se verifique os dados desagregados, constatar-se-á que quase metade do universo pesquisado ainda possui níveis baixos de leitura, ou seja, dos seis níveis de proficiência em que se divide o PISA, encontra-se no nível 1 ou baixo. Não estão aptos a lerem e refletirem sobre o que estão lendo.

Levando em consideração que o PISA procura respostas para perguntas tais como a capacidade de os/as jovens raciocinarem e comunicarem suas idéias e se estão preparados para os desafios impostos pela sociedade, pode-se inferir que boa parte deles não consegue se manifestar e expor suas idéias, além de fazer uma leitura mais ampla do mundo.

O IPEA fez um estudo comparativo abrangendo o período de 2004 a 2009. Com relação ao analfabetismo convencional houve uma redução de 1,8% visto que se saiu do patamar de 11,5% de analfabetos para 9,7% atualmente. Analfabetos funcionais eram 12,9% em 2004 e são 10,7% em 2009.

Quando os dados são desagregados por região as desigualdades se evidenciam e ampliam ao reforçar as diferenças regionais, entre zona rural e urbana, por cor e, principalmente, por renda. Visto que o maior número de analfabetos encontra-se entre os negros e pardos, moradores da zona rural, especialmente no nordeste e estão entre as faixas mais pobres da população.

A região Nordeste, apesar de ter tido a maior queda nas taxas, lidera o ranking nacional com 18,7% de analfabetos convencionais e 12,6% de analfabetos funcionais. Somados os dois índices pode-se dizer que no Nordeste 31,3% da população acima de 15 anos é analfabeta funcional ou convencional. Ao acrescentar-se os dados do PISA, que analisa a população com 15 anos que possui 8 anos de escolaridade chegar-se-á a triste conclusão de que grande parte da população nordestina, de 15 anos ou mais, possui dificuldades de inserção no mundo da comunicação do século XXI, por déficits de escolarização.

Em termos de Brasil, somados analfabetos convencionais e funcionais chega-se a 20,4% da população, ou seja, um em cada 5 brasileiros acima de 15 anos é subescolarizado. Ao acrescentar os dados do PISA, grosso modo, pode-se dizer que mais da metade da população, de 15 anos de idade ou mais, possui dificuldades oriundas da baixa, ou da falta de qualidade da educação.

A futura presidenta Dilma, caso queira deixar uma marca importante no país, poderia assumir o compromisso de investir, de fato, na busca da educação de qualidade. E conforme registrado no documento final da Conferência Nacional de Educação, o financiamento adequado das políticas educacionais é o alicerce para a construção de um Sistema Nacional de Educação, que garanta o acesso equitativo e universal à educação básica de qualidade, garantindo a permanência e sucesso escolar de crianças, adolescentes, jovens e adultos, além de assegurar que não se forme novos analfabetos funcionais. E, por fim, se comprometer com a redução drástica do analfabetismo convencional.

 

30% das cotas para mulheres nas eleições

CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria

 

Foram 15 anos desde a primeira iniciativa para alterar o quadro de subrepresentação feminina até a sua exigibilidade no atual pleito eleitoral. Tempo hábil para que os partidos políticos fossem se adequando à necessidade de incorporar mais mulheres no seu cotidiano, criando instâncias especificas, investindo na formação política, destinando recursos e apoiando candidaturas. Dessa forma, não é justificável alegarem tamanha dificuldade para cumprirem a cota.

Segundo os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poucos foram os partidos que cumpriram o percentual exigido por lei nos estados, para os cargos proporcionais (Deputado Federal e Deputado Estadual/Distrital). Apenas o estado do Mato Grosso do Sul chegou ao percentual de 30,55% de candidaturas femininas para o cargo de deputado/a federal. Embora como unidade federativa tenha alcançado o índice estipulado, grande parte dos partidos sul matogrossenses não chegaram a esse percentual. Isso acontece devido a alguns partidos lançarem apenas um/a candidato/a e esta ser do sexo feminino. Ademais, para o cargo de deputado/a estadual a proporção entre os sexos ficou abaixo do fixado em lei, em 25,66%.

Em seguida estão os estados de Santa Catarina e do Rio de Janeiro com 28,9% e 28,53%, respectivamente, para o cargo de deputado/a federal. Para deputado/a estadual, Santa Catarina obteve a melhor colocação das unidades federativas, com 30,85% e o Rio de Janeiro em segundo lugar, com 28,26%.

Com os piores índices para deputado/a federal encontram-se Pernambuco, com 7,25%, e Goiás, com 10,49%. O Espírito Santo figura em último lugar para deputado/a estadual e Maranhão e Tocantins logo à frente com os percentuais de 14,66% e 14,72%, respectivamente.

Os dois maiores colégios eleitorais, além do Rio de Janeiro, não se encontram em patamares tão superiores. São Paulo possui apenas 21,01% e 19% de candidatas mulheres à Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa, respectivamente, e Minas Gerais 15,21% e 14,84%.

A região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas tanto para deputado/a federal quanto para estadual com 26,15% e 27,68% e a região Norte o pior também para ambos os cargos, com 17, 56% e 19,81%. Pode-se apontar uma tendência de que onde os TRE’s atuaram de forma mais rígida em relação ao cumprimento da lei, os partidos tiveram uma preocupação maior em apresentar sua lista em conformidade com o novo texto legal.

Analisando os partidos políticos em cada unidade federativa para a disputa à Câmara Federal, observa-se também o descaso com a lei por muitos deles. A média dos partidos que conseguiram cumprir as cotas foi de 6,59 partidos em cada estado. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) não alcançou as cotas em nenhum estado e os Democratas (DEM) em apenas três. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem o melhor desempenho, atingindo o número de candidaturas femininas necessárias para preencher o percentual exigido em lei em treze estados. Nas candidaturas para as Assembléias Legislativas e Câmara Distrital, o cenário é ainda pior. A média ficou em 5,59 partidos sendo que nos estados do Espírito Santo e Rondônia nenhum partido alcançou o percentual mínimo. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) observou a lei em 12 estados, o melhor resultado para o cargo, sendo os piores foram do Partido da Causa Operária (PCO), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Verde (PV).

Aliado a todo esse cenário desfavorável, teve-se ainda a decisão do TSE de não firmar entendimento em relação ao descumprimento da lei, delegando a decisão para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Dessa forma, nos estados onde houve uma atuação mais firme dos tribunais no sentido de se fazer cumprir a lei, obtiveram-se os melhores índices, segundo o levantamento realizado por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). Ainda conforme o pesquisador, já existem no país 2,5 mulheres para cada vaga em disputa na Câmara Federal e quase 3 mulheres para cada vaga das Assembléias Legislativas (e distrital). Nas palavras de José Eustáquio, portanto, não faltam mulheres candidatas e é perfeitamente possível o cumprimento do percentual de 30% mínimo para cada sexo. O que não é possível e nem justo é o TSE ignorar a mudança da Lei e fazer uma interpretação contrária ao caminho de uma maior equidade de gênero. O que tem de ser feito é diminuir a quantidade excessiva de homens candidatos.

O CFEMEA juntamente com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) encaminharam cartas para o TSE, TREs e procuradores regionais eleitorais, numa tentativa de suscitar o debate e sensibilizar os operadores do direito, cobrando uma postura firme para que a alteração da lei não reste como letra morta.

Contamos que os Tribunais Eleitorais primem pela fiscalização e exigência do cumprimento da Lei 12.034/2009 no pleito que se inicia. Especialmente porque a lei atual superou a exigência de mera reserva de vagas por sexo para determinar o preenchimento obrigatório de no mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Trata-se de uma mudança da regra legal que exige da mesma maneira uma mudança na postura para sua aplicação. Compreendemos, portanto, que nos pedidos de registros de candidaturas apresentados pelos partidos à Justiça Eleitoral existem mais candidaturas do sexo masculino do que as que a lei permite.

Um breve histórico

As cotas foram idealizadas com o intento de gerar medidas reparatórias no sentido mais concreto de proporcionar, nas disputas eleitorais de hoje, uma vantagem inicial às mulheres, compensando ao menos em parte os prejuízos devidos ao seu ingresso forçosamente tardio à arena política. Sua finalidade última é propiciar aumentos efetivos nos percentuais de mulheres presentes nas esferas de representação política como candidatas e, sobretudo, como eleitas. Além desse componente de caráter distributivo, a política de cotas possui o objetivo mais simbólico de alterar a cultura política, marcada por percepções de gênero que naturalizam as desigualdades.

Introduzidas pela Lei nº 9.100, em 1995, as cotas eleitorais no país estabeleceram as normas para a realização das eleições municipais subsequentes e determinou uma cota mínima de 20% para as mulheres.
Este dispositivo foi revisado em 1997, com a Lei n.º 9.504, que estendeu a medida para os demais cargos eleitos por voto proporcional, ampliando o percentual anterior para 30% e mantendo-o em todas as eleições seguintes, tanto municipais quanto estaduais e federais.

Contudo, em sua redação, a lei não exigia a obrigatoriedade de preenchimento dos percentuais, ou seja, os partidos e coligações não eram obrigados a preencher as vagas destinadas às mulheres. Caso o percentual mínimo estabelecido não fosse preenchido por um dos sexos, não poderia apenas ser substituído por homens, sendo possível, no entanto, deixá-lo em aberto, lançando as candidaturas disponíveis, sem que por isto haja alguma sanção sobre o partido.

Além disso, ao mesmo tempo em que instituiu a reserva de vagas para mulheres, a legislação ampliou o número de candidaturas que cada partido ou coligação pode apresentar. Essa característica dá abertura para que não existam deslocamentos de candidatos homens, frente ao maior número de candidatas mulheres. Isso porque a legislação aprovada em 1997 ampliou em 50% o número de candidatos que podem concorrer, ou seja, um partido pode lançar até 150% de candidatos para o total de vagas em disputa.

A Lei 12.034, de 2009, alterou a redação da Lei 9.504 de “deverá reservar” para “preencherá”, ou seja, tornou obrigatório o cumprimento do dispositivo legal.

Vale ressaltar que juntamente com essa alteração, outras duas medidas foram aprovadas com o objetivo de fortalecer a participação política feminina: 10% do tempo de propaganda partidária (e não eleitoral – proposta essa rejeitada pelos parlamentares do sexo masculino) e a destinação de 5% dos recursos do fundo partidário para a formação política e o incentivo à participação feminina. Nenhuma delas foram cumpridas pelos partidos. A mobilização feita no ano passado pelos movimentos feministas, pela própria Bancada Feminina por gestoras públicas (reunidas na Comissão Tripartite para a Revisão da Lei de Cotas, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) para a aprovação dessas e outras medidas (como a inclusão do quesito racial nas fichas de candidaturas; tempo de 30% mínimo para as mulheres nas propagandas eleitorais e partidárias; paridade nas candidaturas; e especialmente MULTA para os partidos que não cumprirem as cotas) foram rejeitas, para não dizer ridicularizadas pelos parlamentares do sexo masculino durante a tramitação da proposta. Ora, enquanto os partidos não compreenderem a participação das mulheres, bem como de outros segmentos da sociedade que sempre foram excluídos das instâncias de poder e decisão, como parte fundamental de uma democracia que se diz representativa, continuaremos vendo tal situação de impunidade. Impunidade essa que, infelizmente, o estado brasileiro – representados pelos tribunais eleitorais – tem sido conivente.

A exemplo da não aplicação da Lei Maria da Penha que temos visto em caso cotidianos e cruéis de assassinatos de mulheres em suas relações domésticas, estamos com mais uma situação de desrespeito aos direitos das mulheres. Temos leis que não são cumpridas. Até quando nossa cidadania será vista com tamanho desdenho?

Desafios aos 20 anos do ECA

Cleomar Manhas – Assessora do INESC

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está completando 20 anos, e temos vários desafios a enfrentar, para transformar o texto da lei em políticas públicas promotoras de direitos. Um importante desafio é a conquista da participação efetiva de crianças e adolescentes na formulação e controle social dessas políticas, ou seja, o protagonismo infantojuvenil.

A Convenção sobre os Direitos da Criança é mais explícita com relação à participação das crianças na tomada de decisão, ou seja, a criança realmente como sujeito de direitos. No Estatuto, essa perspectiva é mais tímida – prevalece a proteção. Então, um grande desafio aos 20 anos seria emancipar de fato a nossa infância, para que consigam se perceber como sujeitos de direitos.

O Brasil é signatário da Convenção; no entanto, ainda não regularizou a sua prestação de contas com relação às ações governamentais voltadas às crianças. E ainda não possui uma instância de monitoramento de direitos humanos, o que dificulta o controle democrático sobre as políticas. Isso é uma ação imediata, em razão da qual os movimentos sociais devem se mobilizar para que se resolva.

A legislação relacionada à promoção de direitos de crianças e adolescente é avançada; no entanto, é importante que exerçamos o controle social, para que setores conservadores da sociedade não promovam o retrocesso com relação a direitos que sequer estão sendo exercidos, visto que só existem na legislação.

As desigualdades sociais explicitam cotidianamente que a legislação e as políticas ainda não promovem equidade. É necessário que materializemos nosso fosso social para podermos diminuí-lo, ou erradicá-lo – afinal, as utopias são necessárias.

Um grande desafio, talvez o principal nesses 20 anos do ECA, seria a conquista de políticas públicas populares e integradas, visto que a plena realização dos direitos só é possível com a realização de todos os direitos. A cidadania só é possível quando os cidadãos e as cidadãs podem acessar todas as políticas promotoras de direitos, tais como saúde, educação, assistência social, segurança pública, moradia de qualidade.

Para tanto, precisamos reinventar o nosso modelo de desenvolvimento e erradicar a praga do patrimonialismo que assola nosso país desde o seu processo de colonização – especialmente nos municípios distantes, aonde a informação chega com mais vagar, e as pessoas, muitas vezes por não terem conhecimento, ficam a mercê de governantes oportunistas, que se apropriam de direitos da população, oferecendo-os como se fossem favores, deixando-a sempre como devedora.

Além disso, esse ranço patrimonialista traz consigo outro grave problema, o nepotismo. Notadamente, as políticas de assistência social e de promoção de direitos de crianças e adolescentes ficam a cargo das primeiras-damas, nem sempre preparadas para o exercício de tal tarefa, dificultando o caminho à consolidação de políticas realmente republicanas.

Outro desafio não menos importante é um olhar sobre os adolescentes, visto que a maioria das políticas públicas secundariza esse público. Com relação à saúde pública, por exemplo, o processo de desenvolvimento dessa faixa etária não é destacado como uma ação ministerial. Podemos até mesmo inferir que esse seja um dos motivos de se ter uma incidência tão significativa de gravidez na adolescência. O mesmo acontece com a segurança pública, visto que esse público é alvo constante da violência; também se reflete na educação, pois uma parcela significativa de adolescentes está fora das escolas de ensino médio.

A falta de integração de políticas também impede que se tenha uma política de cultura de paz, unindo segurança pública, educação, saúde, direitos humanos, assistência para oferecer tratamento adequado, por exemplo, aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Aliás, esse é um público totalmente invisível aos olhos da sociedade, não havendo controle social algum sobre as ações desenvolvidas no âmbito das instituições que atendem esses adolescentes.

Isso tudo nos faz lembrar que não basta às políticas serem leis; devem ser oferecidas com qualidade, de outra forma não passarão de protocolo de intenções. O salto de qualidade está na mobilização em torno da realização dos direitos, por meio do oferecimento de todas as políticas públicas, com qualidade e integradas.

Por fim, com relação ao Sistema de Garantia de Direitos, os desafios aos 20 anos do ECA são a necessidade de se criar conselhos de direitos e tutelares onde ainda não existam, além de aprimorar o funcionamento e dar mais estrutura aos existentes; capacitar e regular o funcionamento dos conselhos tutelares, visto que eles atuam com uma gama complexa de problemas; criar varas especializadas e expandir os núcleos especializados em criança e adolescente nas defensorias públicas, além de qualificar os núcleos já existentes.

Leia o artigo no site do  Jornal OGlobo

Clique aqui para assistir ao vivo o seminário “20 anos do ECA e as políticas públicas”

Veja a programação do Seminário “Os 20 anos do ECA e as Políticas Públicas: Conquistas e Desafio”,  que ocorrerá nos dias 13 e 14 de julho na Câmara dos Deputados.

20 anos do ECA: 20 anos de labuta

Márcia Hora Acioli – Assessora do INESC

 

Há um pouco mais de vinte anos, o Brasil ainda vivia sob a égide da ditadura militar e o povo ocupava as ruas pela democracia com foco nas eleições diretas e na necessidade de uma nova Constituição Federal, processo chamado de Constituinte. Uma verdadeira ebulição política.

Na época os grupos de extermínio que eliminavam meninos e meninas pobres operavam impunemente. O massacre era escandaloso. A justificativa implícita era defender o patrimônio dos comerciantes. Ou seja, meninos e meninos pobres eram considerados ameaça pública. Para piorar as coisas, a lei vigente, o Código de Menores baseava-se na doutrina da Situação Irregular, que responsabilizava a própria criança ou adolescente pelo abandono em que se encontrava. Permitia o simples recolhimento dos/as que estivessem “perambulando” nas ruas, atribuindo a eles/as a responsabilidade pela situação em que se encontrava. Portanto, a lei tinha destinatários específicos que eram os/as pobres, evidentemente, a maioria negra. Noutras palavras, o Código de Menores punia, os já punidos pelo destino.

Mais do que novas leis, o país precisava inaugurar novas formas de ver, considerar e governar crianças. O Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA foi concebido neste contexto. Foi escrito com milhares de colaboradores/as, além das próprias crianças e adolescentes.

Não há como negar que o ECA é uma das leis mais bem fundamentadas do Brasil. Trouxe a idéia inédita de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em situação peculiar de desenvolvimento, sendo portanto, prioridade na elaboração de políticas públicas. No artigo 4º o ECA explicita a importância da destinação privilegiada de recursos para a realização das políticas garantidoras de direitos. O ECA ainda trouxe a perspectiva de descentralização do poder fortalecendo a cultura democrática, ainda frágil à época. A participação da sociedade nos Conselhos Tutelares e nos Conselhos de Direitos, instâncias locais zeladoras de direitos, garantia maior distribuição do poder. O novo marco legal deixa de ser uma lei para punir crianças pobres para ser uma que defende direitos de todas. A partir de então, se há uma criança vivendo nas ruas, sabe-se que falharam o Estado, a sociedade e a sua família simultaneamente.

Pois bem, o Brasil comemora no dia 13 de julho de 2010 o aniversário de 20 anos deste novo marco legal. O ECA é uma referência histórica que exigiu uma nova cultura política, uma ampla revisão na forma de elaborar as políticas públicas que deveriam passar a ser concebidas à luz deste conjunto de idéias.

As mudanças foram muitas, no entanto, soam ainda como um ensaio geral para a uma mudança mais importante. A realização plena dos direitos não permite brechas entre uma política e outra, entre um direito e outro. Quando a política pública não é universalizada (não chega a todos), e/ou quando o conjunto das políticas é fragmentado não se efetiva a Proteção Integral que significa todos os direitos para todas as pessoas, o tempo todo, em qualquer lugar.

Como resultado da distância entre o que está escrito na lei e o acesso ao direito, as populações mais jovens ainda carregam o pesado fardo da culpa pela precária situação em que se encontram. A sociedade conservadora não mudou e insiste em atribuir a elas a responsabilização seja pela própria ‘desocupação’, ou pela violência urbana. Neste cenário as pessoas ainda são tratadas conforme a cor da pele e as mulheres vistas como seres de segunda categoria. É importante compreender que, assim como os direitos são interdependentes e a realização de um implica na realização de outros tantos direitos, quando há uma violação de direitos, ocorre também em uma série de violações subseqüentes.

Arautos da ordem estabelecida usam todos os meios para tentar convencer que o ECA é uma lei inadequada. Há interesses diversos e ideologias por trás deste esforço. Certamente não são os mesmos dos que defendem uma sociedade mais justa. Muitos daqueles que acham nobre o trabalho de crianças ficaram ricos às custas da exploração do trabalho infantil (quase escravo), assim como os que querem ver reduzida a idade penal não pensam na prevenção da violência, mas na ‘limpeza urbana’.

Falar de cidadania das populações mais jovens é um enorme desafio em uma sociedade de maioria conservadora em que os direitos de muitos são preteridos em nome dos privilégios de pouquíssimos.

Com uma idade mais madura a lei ainda custa a se efetivar na íntegra para todas as crianças e adolescentes do país. A sociedade desigual promove diferentes acessos ao direito que é universal. As mudanças acontecem aos poucos e dependem de muitos fatores como trabalho digno para as famílias, educação de qualidade, esporte, cultura, formação profissional, moradia decente e lazer na própria comunidade, mas sobretudo, de concepção política e gestão pública ética e competente.

É importante reconhecer os avanços, que não foram poucos, mas é preciso atenção redobrada para defender a lei que vive ameaçada por aqueles que ainda não entendem que uma sociedade que permite a violência contra crianças e adolescentes é uma sociedade que padece de uma doença grave.

Senado aprova o desconfigurado Estatuto da Igualdade Racial

Edélcio Vigna e Alexandre Ciconello, assessores do Inesc

É lamentável, portanto, que a relatoria do Estatuto tenha parado na mão do Senador Demóstenes, que representa a posição de uma minoria e não da maioria da população brasileira, composta de negros e pardos. É mais lamentável ainda a posição do governo, do Senador Paim e de setores do movimento social que concordam com esse retrocesso. A presença de organizações sociais e do movimento negro, sindicalistas, representantes religiosos e do ministro Eloi Araujo, da Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), mobilizou a sessão dando-lhe um clima participativo, que contrastava com as críticas ao vergonhoso acordo promovido pela Casa Civil, presidência da República e partidos políticos.

As críticas da sociedade civil, apoiadas pelo Inesc, centravam-se no acordo envolvendo a Bancada Ruralista, que retirou do texto o artigo que tratava dos territórios de remanescentes Quilombolas. O voto do relator-senador Demóstenes Torres, foi favorável ao Substitutivo da Câmara, com rejeição integral ao artigo que tratava da política nacional de saúde da população negra; e as propostas de cotas de isenção fiscal a empresas que mantenha uma cota de 20% de trabalhadores negros; a reserva de 10%, pelos partidos políticos, para as candidaturas de representantes da população negra e cotas para as universidades. Estas supressões foram muito criticadas.

O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007/2008 indica que a taxa de mortalidade infantil entre os brancos está em 19,4 óbitos por mil nascidos e entre os negros (pretos e pardos), em 24,4 por mil nascidos. Para além disso, o racismo institucional que existe no sistema de saúdem, faz com que a taxa de mortalidade de mulheres negras supere a de mulheres brancas, devido as desigualdades no atendimento. Dessa forma, retirar a possibilidade da criação de uma política de saúde para a população negra é manter as coisas como estão e contribuir para o aprofundamento da desigualdade racial.

O relator Demóstenes ressaltou que realizou apenas emendas de redação para suprimir algumas expressão e fazer colagens para evitar que o Substitutivo fosse atacado como inconstitucional. Reafirmou que o texto foi acordado ‘exaustivamente’ com o movimento negro, com o governo e com o senador Paulo Paim. Isso é no mínimo duvidoso, pois a maior parte do movimento negro é contra as mudanças realizadas desde a Câmara e está lutando ferozmente contra as ações ajuizadas pelo DEM no STF contra a regularização de terras quilombolas e as políticas de cotas em universidades.

O senador Paim fez questão de declarar que a primeira versão avançava em uma série de propostas e que na Câmara houve um acordo global e foi aprovado. Sublinhou que o projeto não é o “ideal, mas foi o possível em uma correlação de força existente na Casa”. Essa atitude comodista, do autor do projeto, de aceitar a sua desconfiguração até o ponto de torná-lo inócuo contribui para minar as forças progressistas que tem criticado o acordo realizado entre o DEM, o governo e outros partidos e grupos para quem lugar de negro nesse país deve continuar a ser na cozinha, nas favelas, nos IMLs e nos campos de futebol.

Muitos representantes de organizações negras insatisfeitos com a aprovação do projeto saíram da sessão gritando “Zumbi”, “Ganga Zumba” e “Não esqueceremos os traidores”.

É triste ver a elite branca comemorando a aprovação do Estatuto “sem cotas” , “sem mencionar raça”, “sem quilombos”. E viva a democracia racial brasileira defendida em um Senado dominado por representantes brancos em um país de maioria negra, que devido ao racismo, vivenciam uma cidadania restrita e privada de direitos.

A Educação e o Combate ao Trabalho Infantil

(Por Cleomar Manhas*)

O dia 12 de junho é o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. O Brasil possui legislação avançada com relação ao tema, a começar pelo texto constitucional que ressalta em seu artigo sétimo a “proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.”

O Brasil também é signatário da Convenção 182 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) aprovada em 1999 e promulgada no país por decreto em 2000, que prevê que os países que ratificaram o texto deverão banir as piores formas de trabalho infantil que, entre outras, correspondem às formas de trabalho escravo, ao tráfico de crianças, à prostituição, recrutamento para atividades ilícitas como o tráfico de drogas; trabalhos que possam afetar a saúde física e psíquica das crianças. Para a aplicação do previsto no texto da Convenção, são consideradas crianças qualquer pessoa com menos de dezoito anos.

Pode-se constatar, então, que o nosso país possui leis que atentam para a proteção de crianças e adolescentes, especialmente, se relacionada à proibição do trabalho precoce, que infelizmente ainda precisam ser de fato implementadas, haja vista os resultados demonstrados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE) de 2007, onde se diz que o trabalho infantil atinge 10,8% da população entre 5 e 17 anos, ou cerca de 4,8 milhões de crianças e adolescentes.

Além disso, percebemos que a maioria das/os adolescentes que estavam desenvolvendo trabalhos domésticos não possuía direito trabalhista algum, ou seja, se encontram em situação de trabalho ilegal. Até porque o trabalho infantil desenvolvido em âmbito doméstico dificilmente é notificado, por não haver fiscalização, além de muitas vezes nem ser visto como trabalho, mas sim como “favor” que se presta a famílias mais pobres.

Outros pontos relevantes, que merecem destaque na pesquisa dizem respeito à relação trabalho infantil e escola. A Pnad 2007 constatou que o número de crianças matriculadas vem aumentando e o número daquelas que estudam e trabalham está diminuindo; contudo, a parcela daquelas que só trabalham se manteve inalterada, ou seja, as crianças que trabalham têm maior dificuldade de frequentar a escola, além de não conseguirem mudar suas realidades. A pesquisa demonstrou, ainda, que os locais com maior incidência de trabalho infantil também são os locais com menores Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O levantamento do Pnad também verificou a questão da cor e da situação econômica do trabalho infantil, visto que crianças e adolescentes submetidas a esse tipo de situação em geral são negras e pardas e pertencem a famílias de baixa renda residentes nas áreas rurais das regiões norte e nordeste. Ou seja, aqui estão juntas várias formas de exclusão: de raça, de renda e de regionalidade.

Infelizmente não se tem dados desagregados relacionando analfabetismo e trabalho infantil, mas a maior taxa de analfabetismo também está concentrada nesta faixa populacional. E por analogia pode-se inferir que as crianças submetidas ao trabalho infantil e fora da escola também se concentram nas famílias com menor escolaridade.

Atualmente está em discussão no Senado um projeto de lei que propõe alterações na Lei Pelé. Desde que o projeto estava na Câmara dos Deputados a sociedade civil e o Ministério Público do Trabalho tentam inserir em seu texto medidas de proteção ao/a atleta em formação, tais como vínculo na carteira de trabalho e previdência social, fundo de garantia, pagamento de piso de um salário mínimo, frequência obrigatória na escola. No entanto, os clubes de futebol estão fazendo forte pressão para que os parlamentares não aceitem estas alterações, pois resultariam em gastos para estas entidades esportivas.

E o mais grave é que, em muitos casos, as próprias famílias dos atletas em formação, especialmente as de baixa renda, não exigem nada na esperança que os/as filhos/as sejam futuros fenômenos, ou futuros “ronaldinhos”. Enquanto uma ínfima parcela consegue o tão esperado sucesso, a maioria acaba por retornar ao mundo sem estar na escola, sem garantias e tendo de se submeter a trabalhos que não lhes dão de um futuro mais promissor que o de seus pais.

A resolução desta grave questão reside no desenvolvimento de políticas intersetoriais que ataquem todos os lados do problema, no entanto, a educação deve ser a política de frente, visto que é o direito agregador de outros direitos. É inegável que entre as famílias com maior escolaridade o trabalho infantil é praticamente inexistente, pois mesmo aquelas pessoas que, por inúmeros motivos, que vão do desconhecimento ao egoísmo, defendem o trabalho infantil, se estiverem entre as famílias com melhores rendas, não defendem para seus filhos, mas sim para os filhos dos pobres que são úteis para cuidar de suas casas e zelar pelos seus filhos que vão à escola, enquanto eles lavam suas roupas.

Assessora política do Inesc
 

Corrupção também se enfrenta com reforma política

Como, pela atual legislação, qualquer modificação nas regras eleitorais passa necessariamente pelo Congresso Nacional é bom que se tenha em conta o que pensam os atuais parlamentares sobre ela. Pesquisa publicada pelo Inesc, recentemente, aponta os principais motivos pelos quais esta reforma não emplaca. Para a grande maioria dos parlamentares, “não se deve mudar o sistema político”, “não se pode pensar em mecanismos que possibilitem a representação de segmentos nunca representados ou sub-representados” (por exemplo, população indígena, população negra, mulheres, homo-afetivos e favelados), “a democracia direta é inviável”. O que parece os unir é somente o conservadorismo. Neste contexto, como pensar uma reforma política que enfrente a questão das formas de se exercer o poder e seus mecanismos de controle? Afinal, quem no Brasil tem o poder de exercer o poder?

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político tem defendido arduamente que uma mudança no sistema político seria uma das melhores maneiras de enfrentar vários males da nossa democracia, como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. Este conjunto de valores e práticas que perpassam instituições políticas/públicas e a sociedade são as bases para a corrupção.

A referida plataforma, construída desde 2004 por um conjunto de movimentos sociais e organizações da sociedade civil brasileira é estruturada em cinco grandes eixos: fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia representativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e da comunicação e a transparência e democratização do judiciário. A plataforma entende que este conjunto de eixos, com suas propostas, articulados, é capaz de contribuir para uma nova cultura política nas instituições políticas/públicas e na própria sociedade. Esta nova cultura política deverá ter como base os princípios da igualdade, diversidade, justiça, liberdade, participação, transparência e controle social. Vale ressaltar ainda que uma base importante para esta nova cultura política é a construção de um Estado realmente público, democrático e laico.

Para chegarmos a isso, precisamos enfrentar, com radicalidade, a questão da corrupção. Quando falamos em corrupção, estamos falando de uma forma de fazer política baseada no uso do poder político para a manutenção de interesses privados e particulares e, ao mesmo tempo, interesses privados e particulares assaltando os espaços públicos e de poder. Num círculo vicioso que não tem permitido uma renovação significativa dos quadros políticos brasileiros. Utiliza-se deste expediente para manter-se imune às punições legais existentes e manter-se no poder. Assim a corrupção alimenta o poder e o poder alimenta a corrupção.

A corrupção no nosso país não é apenas monetária/financeira, mas é principalmente o uso do poder político para interesses privados e particulares (aqui incluído o desejo de permanecer sempre em cargos eletivos). Para isso, mudam-se as regras do jogo eleitoral a bel prazer de quem está no poder. Vide o processo que permitiu a reeleição. O maior roubo da corrupção é o roubo do poder de decisão do povo, que não tem nenhum mecanismo de revogação de mandato ou de controle do processo decisório, por exemplo, a não ser o limitado processo eleitoral onde o que mais se conta são as estratégias de marketing dos/as candidatos/as e os recursos financeiros que se tem (muitos oriundos do Caixa 2 dos doadores, fruto da sonegação ou corrupção). Este processo cria, como muito bem definiu o professor e jurista Fabio Konder Comparato, uma “democracia sem povo”.

Nos últimos anos a sociedade brasileira criou alguns mecanismos e tentativas de controle social sobre a ação do Estado. Graças a estes mecanismos (sejam os institucionais como os conselhos, sejam as organizações que monitoram o orçamento público de forma autônoma) e à democracia – mesmo que formal – que os casos de corrupção estão sendo denunciados.

Entretanto, este processo é paradoxal, pois promove a sensação de que o Brasil é mais corrupto na democracia do que na ditadura. Sensação falsa, pois na ditadura não havia liberdade de denúncia, portanto pouco sabemos sobre este período da história brasileira. Algumas forças políticas ainda defendem que para enfrentar a corrupção somente uma ditadura. Mas a história tem mostrado que o contrário é mais verdadeiro. Só enfrentamos a corrupção com a radicalização da democracia e a construção de um poder democrático. Não uma democracia que se estruture apenas na representação (via processo eleitoral e partidos). Mas sim uma democracia que conjugue a questão da representação, com a democracia direta e a participativa.

A democracia direta é o direito que a população tem de decidir sobre as grandes questões que afetam a sua vida, portanto a democracia direta desloca o centro do poder decisório das instituições oriundas dos processos eleitorais para a participação popular. Neste sentido, a política deixa de ser monopólio exclusivo dos detentores de mandatos e dos partidos e passa a ser do conjunto da sociedade.

Para chegarmos a isso, precisamos de uma nova regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal, que define as formas de manifestação da soberania popular (plebiscito, referendo e iniciativa popular). A atual regulamentação, feita pela Lei 9.709, de 1998, não só restringe a participação, como a dificulta. Por exemplo, só o legislativo pode convocar referendo e plebiscito. Sendo assim um mecanismo de democracia direta precisa passar pelo aval do parlamento (democracia representativa) para ser exercido. Sem falar na exagerada burocracia para poder apresentar propostas de leis de iniciativas populares.

Além disso, precisamos criar novos mecanismos de participação direta, por exemplo, o veto popular. Devemos criar um sistema de democracia direta, conjugado com os instrumentos e mecanismos representativos e participativos.

Em 2009 um conjunto de organizações, entre elas a Plataforma, a ABONG, a OAB, a CNBB, o INESC, a AMB, com apoio da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, apresentaram uma proposta de lei na Comissão de Participação Legislativa de nova regulamentação do art. 14 da Constituição Federal.

Entre estas propostas, destacamos:

a) a simplificação do processo e a garantia da sua convocação: utilização das urnas eletrônicas para a iniciativa popular; a aceitação de qualquer documento expedido por órgão público oficial com foto como comprovante para assinatura de adesão (hoje só pode ser com título de eleitor); e que os referendos e plebiscitos possam ser convocados pela própria população.

b) Que seja prevista a convocação obrigatória de plebiscitos, referendos e outras formas de consultas para os principais temas nacionais, como por exemplo, tamanho da propriedade da terra, emissão de títulos públicos que representem parcela significativa do PIB, privatização de bens e empresas públicas, acordos internacionais com instituições financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc.) acordos de livre comércio, criação ou fusão de municípios e estados, grandes obras com forte impacto socioambiental, mudanças nas leis eleitorais, entre outros temas.

c) precedência de votação por parte do Legislativo dos projetos que venham de leis de iniciativa popular.

Por democracia participativa entendemos a participação, via organizações e movimentos sociais, nas definições das políticas públicas, inclusive nas econômicas e não apenas nas chamadas políticas sociais. É uma participação que se dá via organizações da sociedade civil autônomas e independentes do Estado e dos partidos. Uma das manifestações desta forma democrática são os conselhos e conferências criados, principalmente, depois da Constituição Federal de 1988. Apesar da proliferação de espaços participativos como estes em todo o Brasil e sobre quase todas as políticas públicas, precisamos criar um sistema de participação que rompa com atual fragmentação dos espaços participativos. Além disso, estes espaços precisam ser autônomos (e não apenas homologadores de decisões já tomadas pelo executivo), ter caráter deliberativo e laico, a sociedade organizada de fato deve escolher seus representantes, o orçamento público de cada política deve ser acompanhado e deliberado por estes espaços, e eles precisam se constituir em espaços de partilha de poder e não um faz de conta da participação.

Para isso, destacamos algumas propostas:

a) Criação de espaços de democracia participativa nos poderes Legislativos e Judiciário, incluindo o Ministério Público, e não apenas no Executivo.

b) Criação de mecanismos de participação, deliberação e controle social nas políticas econômicas, de desenvolvimento e no orçamento público.

c) Criação de mecanismos de diálogos e de interlocução dos diferentes espaços já existentes de participação e controle social.

Por fim, no que se refere à democracia representativa precisamos fazer uma reforma eleitoral (que o senso comum tem chamado de reforma política) que mude completamente a forma de escolha dos/as nossos/as representantes (vereadores/as, deputados/as, prefeitos/as, senadores/as, governadores/as, presidente). A representação não pode ser um “cheque em branco” onde só temos o direito em votar a cada quatro anos e nada mais. Pelas regras atuais não temos controle nenhum sobre a representação. Não é à toa que boa parte dos escândalos de corrupção dos últimos anos estão associados à democracia representativa, ou mais precisamente, ao chamado “Caixa 2” para manter este sistema.

Para alterar a democracia representativa, destacamos algumas propostas, tais como:

a) Financiamento público exclusivo de campanha. Recurso privado não pode financiar a política. Este é um dos maiores fatores de corrupção no Brasil. Precisamos instituir um sistema de financiamento público de campanhas, com regras rígidas de controle, fiscalização e punição para quem descumprir. O financiamento público também enfrentaria outra questão importante para a democracia que é a busca da igualdade de condições econômicas nos processos eleitorais.

b) Votação em listas pré-ordenadas. Um dos problemas do atual sistema é a distorção na representação. Parcelas da população não estão representadas ou estão sub-representadas, como é o caso das mulheres, população indígena, negra, etc. Não construiremos democracia no Brasil mantendo no poder apenas um rosto “masculino, branco etc”.

c) Criação de uma comissão de fiscalização do processo eleitoral: formada pela justiça eleitoral, partidos e representantes da sociedade civil.

Entendemos que uma reforma política entendida de forma mais ampla que simplesmente a reforma do sistema eleitoral é um dos elementos fundamentais para enfrentarmos a questão da corrupção. Em outras palavras, o atual sistema político com suas formas de exercício do poder é elemento central da cultura da corrupção e da impunidade no Brasil. Sem mudar isso radicalmente não teremos um país livre da corrupção.

José Antonio Moroni e

Ana Claudia Teixeira

Visões Fiscais

Neste artigo são contrapostas duas visões sobre a questão fiscal brasileira.
Uma visão prioriza em suas análises o crescimento das despesas públicas, separando despesas de custeio das relativas a investimentos, concluindo que o excesso de despesas de custeio impede que sobrem recursos para os investimentos na infraestrutura.

Defendem elevados superávits primários (receitas menos despesas, exclusive juros) como melhor arma para reduzir a taxa básica de juros (Selic). É um sinal importante ao mercado financeiro, que o governo federal irá controlar o déficit fiscal e reduzir a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB).

Para conseguir estes superávits defendem a redução das despesas de custeio, especialmente da previdência social, do funcionalismo e dos programas sociais, que foram as que mais cresceram nos últimos anos. Assim, elevações de salário mínimo, reajustes salariais, contratação de servidores públicos e aumentos nos programas sociais vão na contramão do objetivo central, que é obter elevados superávits primários.

Para reduzir as despesas da previdência social advogam o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, contenção nos reajustes do salário mínimo e a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. Para as despesas com pessoal, defendem a redução do número de servidores e contenção dos reajustes salariais.

O que está por trás desta visão é que o Estado é um mau aplicador de recursos ao contrário do setor privado. Assim, quanto menor a despesa com o Estado, mais recursos sobrarão para o setor privado desenvolver suas atividades. É uma política minimalista do Estado, não apenas em seu tamanho, mas também em sua interferência na vida econômica das empresas.

A outra visão sobre a questão fiscal considera além das despesas, as receitas públicas como determinantes dos resultados fiscais e vê como inadequada a oposição entre despesas de custeio e investimentos por cumprirem funções distintas, complementares e necessárias.
Ao invés de manutenção de elevados superávits primários para reduzir a Selic, propõem a redução da Selic para permitir menores resultados primários. Assim, a adequação fiscal depende fundamentalmente do Banco Central, que deveria operar com taxas de juros ao nível internacional, o que aliviaria rapidamente as despesas com juros, sendo esse o principal remédio para a saúde das finanças públicas.

É contra o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria, caso mantido o fator previdenciário, e contra a desvinculação do piso previdenciário ao salário mínimo, que deverá crescer para reduzir as desigualdades na distribuição de renda. Com relação às despesas de pessoal defendem a adequação delas às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado.

O que está por trás desta visão é que o Estado deve regular a economia e ter os recursos necessários para cumprir as obrigações que lhe são atribuídas pela sociedade através da Constituição Federal.

Ambas as visões reconhecem que as despesas públicas devem ser racionalizadas e priorizadas, evitando desperdícios, só que para a primeira visão a redução de despesas deveria ser usada preferencialmente para investimentos ou abater a dívida pública. Para a segunda visão, especialmente para atender a demanda social reprimida e para programas de redistribuição de renda.

A seguir breve análise dessas visões.

Os determinantes dos resultados fiscais são o nível e a evolução das receitas e das despesas. As receitas dependem fundamentalmente da atividade econômica e da eficiência das máquinas fazendárias. Níveis de crescimento próximos a 5% ao ano permitem lucros e massa salarial superiores ao crescimento do PIB e o governo arrecada proporcionalmente a essas bases de tributação. Alem disso, com esse nível de crescimento do PIB se reduz a inadimplência e a sonegação, que são elevadas. As despesas se subdividem entre custeio, investimentos e juros. As duas primeiras estão aquém das necessidades de atender aos elevados déficits sociais e de infraestrutura do País. As despesas com juros constituem a maior anomalia das contas públicas, devido ao elevado nível da Selic, que contamina de forma direta ou indireta o endividamento em títulos do governo federal. Nos últimos quinze anos a gastança com juros atingiu em média por ano 7,51% do PIB. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi omissa ao não limitar o impacto fiscal da política monetária.

Independentemente da obrigação dos gestores públicos de racionalizar e priorizar as despesas e investimentos é importante reconhecer a importância que têm cada uma para o desenvolvimento econômico e social do País. As despesas de custeio contribuem para reduzir o déficit social e os investimentos atendem às necessidades de ampliar a oferta de equipamentos públicos e de infraestrutura.

Um dos termômetros das contas públicas é o resultado nominal (resultado primário menos os juros). Ignorar os juros como despesa pública é além de um erro conceitual, a desconsideração de um dos maiores componentes da despesa pública do País. O outro termômetro é o nível e a evolução da relação entre a dívida e o PIB. Essa relação depende do resultado nominal e não do resultado primário. Em termos macroeconômicos os gastos do governo em expansão, elevam a demanda, pressionando a inflação. Quando o Banco Central eleva a Selic, cria um gasto adicional de governo e eleva a demanda. Para os aplicadores que ganham com a elevação da Selic, há um aumento do consumo pelo efeito riqueza. Ainda sob o aspecto fiscal uma elevação das despesas com juros equivale matematicamente a uma redução de igual montante no resultado primário, piorando as contas públicas.

Existem estudos que demonstram que o crescimento das despesas previdenciárias pelo envelhecimento da população, caso mantido o fator previdenciário, é mais do que compensado pela redução das despesas na área social com a diminuição da população jovem. Quanto ao impacto do salário mínimo na previdência social, deve-se levar em conta o efeito que causa nas receitas públicas pela ativação da economia.

Com relação às despesas de pessoal o que deve nortear seu montante é a adequação delas às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado, supondo uma gestão de recursos humanos adequada. O setor público tem muito a avançar neste aspecto. É provável que haja excesso de servidores nas funções-meio e falta nas funções-fim. As funções-meio servem de suporte administrativo, jurídico e operacional às funções-fim, aonde se dão as prestações de serviços nas áreas sociais, de segurança, de fiscalização e de atendimento ao público. As funções-fim concentram cerca de 80% do total de servidores públicos e são patentes suas carências em termos quantitativos e qualitativos. Devem ser estabelecidos limites estreitos aos cargos em confiança, que em muitos casos nada mais são do que cabos eleitorais.

O Estado numa sociedade democrática deve atender o que lhe é determinado pela sua Constituição tanto em termos de prestação de serviços e investimentos quanto na regulação e participação da atividade econômica e financeira. Caso ela obrigue o atendimento universal para a saúde, previdência, assistência social e segurança, e educação até o ensino médio, como é o nosso caso, deve contar com os recursos necessários a essas finalidades.

* Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.

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