Os Capitais Misturados de Belo Monte

São muitos os desafios técnicos de engenharia e inúmeros os problemas sociais e ambientais envolvidos, alguns ainda desconhecidos. Prevê-se a intensificação do desmatamento na região e o conseqüente aumento das emissões de gases de efeito estufa – confesso que desconheço se alguém calculou a quantidade de gases poluentes e CO2 será “necessário” lançar na atmosfera para produção do cimento utilizado. Também se prevê o ressecamento de áreas úmidas e de vários cursos d’água, comprometendo a biodiversidade em geral e a biodiversidade aquática em particular. Isso tem implicações diretas no modo de vida e nas fontes alimentar e de renda de comunidades indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares. Calcula-se em pelo menos 30 mil o número de pessoas afetadas diretamente pelas obras e pelas mudanças ambientais provocadas no rio Xingu. A esse problema se acrescenta uma onda migratória que pode chegar a 100 mil pessoas somente para a cidade de Altamira, dobrando a população atual e agravando ainda mais a situação social na região.

Mas ao contrario do que se poderia pensar, neste breve artigo não vou me ater a traçar os inúmeros problemas, conflitos e disputas em torno do barramento e da instalação da usina hidrelétrica no rio Xingu. Antes, quero chamar a atenção para Belo Monte como um caso interessante para nos ajudar visualizar os principais agentes e relações que estão configurando o modos operandi do capitalismo à brasileira na atualidade – ao menos no tocante aos grandes projetos de infra-estrutura – e uma característica ainda pouco problematizada: o que estou chamando de mistura de capitais.

Além do papel decisivo do Estado na viabilização deste e outros projetos, os fundos de pensão de funcionários de empresas estatais têm assumindo ai crescente protagonismo, tanto financeiro quanto político. A PREVI (dos funcionários do Banco do Brasil) é considerado o maior fundo de pensão da América Latina, responsável por um patrimônio de R$ 142,6 bilhões. A ele seguem PETROS (dos funcionários da Petrobrás), FUNCEF (funcionários da caixa Econômica Federal), Fundação CESP (ligado as empresas publicas e privadas do setor de energia elétrica do Estado de São Paulo) e VALIA (dos funcionários da mineradora Vale). Coincidentemente, ambas PREVI e FUNCEF têm à frente dirigentes ligados as principais centrais sindicais de trabalhadores no Brasil, particularmente a CUT, e manifestaram intenção de investir na construção de Belo Monte.

O BNDES é outro ator chave no atual modelo de financiamento dessas obras, assumindo parcela considerável do financiamento alegando serem de “utilidade pública”, ou por intermédio da holding BNDESPar (BNDES Participação S.A.), criada pelo banco para administrar sua participação no capital de empresas estatais e privadas de setores como papel e celulose, armamentos, etanol, carne bovina, construção civil e engenharia, petróleo e gás, mineração etc.

Considerado o “grande filé” do momento no setor hidroenergético, a exploração comercial de Belo Monte está atraindo grandes grupos empresariais do setor. Um desses é o Grupo Neoenergia, considerado o terceiro maior investidor privado do setor elétrico brasileiro, que entra na corrida por Belo Monte integrado com a Vale, Andrade Gutierrez e Votorantim. Coincidentemente o fundo previdenciário dos funcionários do Banco do Brasil (PREVI) controla 49% das ações desse grupo, seguido do grupo espanhol Iberdrola com 39% e o Banco do Brasil Investimentos (BBI) com 12%. A PREVI também é a principal controladora da Vale junto com o banco Bradesco.

Um interessante arranjo político-financeiro – típico dos tempos de “mistura de capitais” – encontramos na conformação da Companhia Energética de Minas Gerais. O Grupo CEMIG é uma empresa mista, de capital aberto, controlada pelo Governo de Minas Gerais que até o dia 7 de abril dizia não ter interesse em associar-se com qualquer um dos consórcios que disputarão Belo Monte, mas compor com o grupo vencedor. Entre os acionistas da CEMIG estão fundos de pensão nacionais (PREVI, PETROS, CENTRUS, FUNCEF e Eletroceee) e internacionais (United Nations Joint Staff Pension Fund, The State of California Public Employees Retirement System, The United Nations Joints Staff Pension Fund), além de grandes instituições financeiras internacionais (Citibank NA New York, Abu Dhabi Investment Authority, Deutsche Bank AG London, Credit Suisse First Boston).

Espero ter podido suscitar no leitor a curiosidade necessária para que siga buscando informar-se sobre os arranjos políticos, financeiros, sociais e culturais que estão viabilizando o chamado de “novo milagre brasileiro”, que com a emergência dos fundos de pensão na última década configura uma inédita mistura de capitais. Bom seria se pudéssemos falar sobre as relações disso tudo com o novo modelo extrativista em implantação na região sul-americana, mas isso vai ficar para uma próxima vez, pois infelizmente chegamos ao limite do espaço disponível.

Ricardo Verdum
Instituto de Estudos Socioeconômicos
 

 

INESC apóia Abril Vermelho

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) inicia dia 17 até o dia 23 de abril um movimento maciço pela ocupação de terras em todo país. Esse movimento é denominado “Abril Vermelho”. Esta mobilização está assombrando os latifundiários (improdutivos por natureza), tirando o sono da Bancada Ruralista e de todo seu séquito entrincheirado nos diversos postos de poder.

Estes donos das terras griladas, com títulos requentados nos cartórios mal arranjados, deveriam saber que esta data, 17 de abril, não foi consagrada como “Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária” por um fundamentalista de esquerda, mas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em um decreto, que se transformou na Lei 10.469/2002, com apenas dois artigos (10. É instituído o dia 17 de abril como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação), o presidente Fernando Henrique legalizou a mobilização pela conquista da terra no Brasil.

O Brasil é um dos países que mais concentra terra no planeta. Os dados do Censo Agropecuário/2006 demonstram que mais de 50% da população, cerca de 95 milhões de pessoas, detém menos de 3% das terras, enquanto 46 mil pessoas detém quase metade das terras. A concentração da terra aferida pelo índice de Gini, que possui uma escala de 00 a 01 (quanto mais próximo de 01 maior é a concentração da terra), atinge um índice de 0,854. Esta concentração aprofunda a desigualdade e engrossa o caldo de pobreza cultural e material na área rural. Neste contexto desfavorável são as populações mais fragilizadas que sofrem maior impacto e, dentre elas, as mulheres e, dentre as mulheres, as negras e as pardas, que são a maioria da população feminina rural.

A reivindicação pelo acesso a terra é um direito e compete ao Estado providenciar sua realização. Para isso, foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para que a União no exercício de sua competência execute a reforma agrária.
A Constituição Federal, de 1988, define as terras que devem ser desapropriadas: os imóveis rurais que não estiverem cumprindo a função social (art. 184) e a propriedade improdutiva (art. 185, II). Um imóvel que não esteja cumprindo a função social não é uma propriedade é um objeto de valor especulativo. A terra não pode ser um objeto de especulação, deve ter como destino a produção de alimentos e a preservação da cultura rural.

Por isso, quando a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), da Bancada Ruralista, protocola um documento no Ministério da Justiça, para combater o “Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária”, está indo contra a lei que garante a mobilização dos trabalhadores rurais. É de se pensar que a Senadora do DEM imagina que as mulheres trabalhadoras rurais poderiam promover um chá beneficente em prol da reforma agrária. Elas irão é de enxada, foice e facão na mão para cima das terras devolutas que os grileiros invadiram e das terras improdutivas que os latifundiários estão estocando.

A CNA, em seu documento, propôs ao governo que implemente um Plano Nacional de Combate às Invasões de Terra, semelhante ao que foi feito para enfrentar o tráfico de drogas. Sugeriu, também, que os governadores possam arregimentar a Força Nacional de Segurança Pública para impedir novas “invasões de terras”. Essas sugestões de força não conduzem a uma negociação pacífica, apenas promovem a violência. A CNA nunca vai entender que os Sem-Terra não querem confronto, mas a posse da terra para produzir e ter uma vida digna, coisa que os grandes proprietários de terras jamais possibilitaram aos seus empregados.

Enquanto a CNA apela para o Ministro da Justiça contra os trabalhadores rurais sem-terra, uma pesquisa realizada pelo própria Confederação demonstra que menos de 1% de fazendas visitadas pela CNA cumpre legislação trabalhista, Ou seja, 99% não cumprem a legislação trabalhista! A mídia publicou parte da pesquisa que constata “entre as falhas encontradas, estão trabalhadores sem carteira assinada, alojamentos inadequados e empregados que costumam almoçar no campo, e não em refeitórios apropriados, o que é considerado ‘degradante’ pelo Ministério do Trabalho”.

Enquanto a oligarquia agrária e a sua representação social e parlamentar – a Bancada Ruralista – movimentam-se para preservar as terras griladas e devolutas invadidas, o MST declara em altos brados: “damos início à Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, realizada em memória dos 19 companheiros assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, durante operação da Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, em 1996”.

A meta do MST é superar os números da jornada de 2009, quando foram realizadas 29 ocupações de terra. Em outros anos as ocupações passaram de uma centena. A população brasileira ao assistir pela TV os atos de corrupção e escândalos, promovidos por executivos e elites parlamentares, está aprendendo rapidamente que a participação democrática, o controle social sobre o uso dos recursos públicos só ocorrerá se houver uma alteração radical no sistema de poder. Essa alteração só acontecerá por meio da mobilização popular. Assim, o Inesc e centenas de outras organizações identificam-se com o chamamento do MST e apóia o “Abril Vermelho”.

As redes, fóruns, movimentos populares e organizações da sociedade civil já compreenderam que a omissão fortalecerá a articulação dos setores conservadores que se manifesta no sentido de criminalizar os movimentos sociais. Dessa forma, o Inesc cerra fileiras com as organizações da Via Campesina, apóia o “Abril Vermelho” e convoca as organizações não-governamentais para que se associem a esta mobilização que promove a cidadania e o respeito aos direitos humanos.
 

Edélcio Vigna, Assessor do Inesc

Construção da Usina de Belo Monte viola Constituição e Convenção da OIT

Os parlamentares ouviram os constrangimentos, coações, desrespeito e precarização crescente das condições de vida por que passam milhares de famílias no Estreito há quase uma década, e o apelo para que o mesmo não aconteça com as populações ribeirinhas, agricultores, indígenas, pescadores artesanais e outros possíveis afetados pela UHE de Belo Monte.

À exemplo do ocorrido em 1º de dezembro passado, em audiência convocada pelo Ministério Público Federal em Brasília, os representantes do Governo Federal não compareceram ao debate. A presidência da mesa informou que os Ministérios do Turismo, Minas e Energia, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades e da Pesca, além do Ministério do Meio Ambiente disseram estar impossibilitados devido a um “mal entendido” que teria havido na convocação da audiência.

Também convidado, o Consórcio Estreito Energia (CESTE) não compareceu e ignorou a convocação para participar da audiência. Vencedor do leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em julho de 2002, o CESTE é formado pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda. (que em dezembro passado transferiu para sua controlada Tractebel Energia a participação que detinha de 40,07% da UHE Estreito), Vale (ex do Rio Doce), Alcoa Alumínio S.A, BHP Billiton Metais e Camargo Correa S.A. Também envolvidas com a obra estão a OAS Engenharia, a Andrade & Canella, a Voith Siemens e a Alstom, todas contratadas pelo consórcio como prestadoras de serviços e fornecedoras de equipamentos.

O BNDES é o principal financiador de Estreito, participando com 72.6% dos custos do projeto, estimado em R$ 3,6 bilhões em valores de 2007. Segundo informa o próprio banco, parte do financiamento foi repassada diretamente aos integrantes do consórcio, outra parte foi “intermediada” pelos bancos privados Unibanco-Itaú, Bradesco e Banco Votorantim. O MPF pretende mover ação buscando inviabilizar o repasse pelo BNDES da última parcela “devida” ao consórcio, até que esse solucione as pendências dos compromissos firmados com a população atingida na região.

A audiência serviu também para divulgar o Relatório Missão Xingu: Violações de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, elaborado por Marijane Vieira Lisboa e José Guilherme Carvalho Zagallo, da Plataforma DhESCA. No documento são apontadas várias irregularidades e outros tantos problemas identificados pelos autores em visitas realizadas in loco.

Tanto José Zagallo, da Plataforma DhESCA, quanto a subprocuradora-Geral da República do MPF, Dra. Sandra Cureau enfatizaram que, no caso Belo Monte, a Constituição Federal de 1988 foi  desrespeita pelas empresas e pelo governo federal. Ela estabelece no Artigo 231 a necessidade de autorização do Congresso Nacional para realização desse tipo de obra, posicionamento que deve ser precedido de consulta e do consentimento ou não dos povos indígenas afetados. Além disso, foi completamente desconsiderado o estabelecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificado no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143 e em vigor desde 2003, que aponta procedimento semelhante.

No ritmo como as coisas vão, a Convenção 169 logo vai estar no ralo. Para evitar isso, só mesmo com muita mobilização social e o Congresso Nacional tomando as medidas cabíveis, juntamente com o Ministério Público Federal.

Ricardo Verdum, assessor Inesc

 

Vídeo feito a partir da Audiência Pública no Congresso Nacional
Imagens e edição: Rodolfo Vilela

Direitos humanos são construções históricas e resultado de luta

Na conferência de abertura do curso Cidadania e Direito à Educação, realizado em São Paulo no dia 13/03/2010 e promovido pela Ação Educativa, o assessor de Direitos Humanos do INESC e coordenador da Plataforma DhESCA Brasil, Alexandre Ciconello, fez uma ampla exposição sobre o significado dos direitos humanos e destacou a historicidade do conceito, bem como os desafios para sua efetivação, contextualizando o desenvolvimento e o reconhecimento dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais. “Direitos humanos são construção histórica, a própria noção de direito é uma conquista, que advém de luta social. Os direitos são conquistados por quem vive em situação de opressão e violação de direitos”, destacou.

Ciconello explicou que a noção contemporânea de direitos humanos advém da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que estabeleceu, concretamente como documento assinado por todos os países do mundo, as bases políticas e conceituais desses direitos, que foram posteriormente desenvolvidos por um conjunto de documentos normativos internacionais com força de norma jurídica. É, portanto, um conceito jurídico, em que valores morais, filosóficos e religiosos, de igualdade, justiça, liberdade, sustentabilidade e dignidade humana passam a ser ‘codificados’ e constituem um sistema de direito positivo internacional, criando obrigações para os Estados Nacionais e para a comunidade internacional, tendo como princípios básicos a universalidade, a liberdade com igualdade e a não discriminação.

A declaração elenca uma série de direitos civis e políticos, que estão mais relacionados à liberdade do indivíduo em relação ao Estado. “O contexto da declaração é o de uma polarização ideológica no mundo (Guerra Fria), e os direitos humanos também entram em disputa. Os países comunistas questionam a ausência de direitos sociais, econômicos e culturais na declaração das Nações Unidas”, afirmou Ciconello.

Esse processo de disputa resulta na construção de dois pactos na década de 1960: o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e o Pacto de Direitos Civis e Políticos. “São dois instrumentos normativos internacionais, ratificados pelo Brasil somente em 1992”. Esses três documentos internacionais (Declaração Universal e Pactos) formam a
chamada “Carta de Direitos Humanos” da ONU.

Em 1993, com a Conferência da ONU sobre Direitos Humanos, em Viena, define-se que a dignidade humana significa a conjunção de direitos civis e políticos com os direitos econômicos, sociais e culturais, e determina-se que os países construam programas nacionais de direitos humanos.

No Brasil, a sociedade privilegiou, no contexto da ditadura, a luta por direitos civis e políticos, fortemente negados no contexto da repressão política e da restrição das liberdades individuais. No entanto, sobretudo após a Constituição de 1988 e principalmente na década de 90, quando foi criada Plataforma DhESCA Brasil e surgem outras organizações de direitos humanos abordando temas específicos (educação, saúde, terra, diversidade sexual, comunicação, alimentação, indígenas, quilombolas, mulheres etc), a sociedade passa a lutar mais fortemente pelo reconhecimento e implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais.

No contexto atual, amplia-se a luta para a efetivação do conceito de dideitos ambientais, de viver em ambiente saudável, preservado. Ressalta-se, dessa forma, a relação entre a luta por direitos e os momentos históricos vividos, bem como as relações de poder que perpassam construção e efetivação dos direitos humanos.

Estrutura e princípios dos direitos humanos

Além de terem como princípios *universalidade*, *liberdade com digualdade* e *não discriminação*, os direitos humanos são *indivisíveis* – uma violação a um direito é uma violação da dignidade da pessoa – e *interdependentes*, ou seja, a violação do direito à educação é também, por exemplo, violação do direito ao trabalho, dado que diferenças na escolaridade estão relacionadas ao acesso desigual ao trabalho.

O Estado, em relação aos direitos humanos, tem como obrigações: *respeitar* uma vez que o próprio Estado não pode violar; *proteger* que terceiros infrinjam os direitos de alguém; *efetivar*, ou seja, o Estado deve promover direitos por políticas públicas; e *reparar*, em caso de violação, através do sistema de Justiça.

Ciconello também destacou que a operacionalização dos Direitos Humanos se dá do abstrato ao concreto. Isso significa que há um caminho a ser percorrido da estrutura normativa internacional para a aplicação no cotidiano das pessoas. Tal caminho se inicia pela construção e assinatura de tratados internacionais, passa pela Constituição Federal, que no caso brasileiro traz no artigo sexto os direitos sociais, e deve-se tornar lei para, então, ser consolidada em política pública. Uma vez tornados política pública, os direitos são materializados na execução orçamentária.

Desafios à implementação

Em sua apresentação, Ciconello elencou quatro desafios para a efetivação dos direitos humanos no Brasil, a partir das motivações do não cumprimento pleno desses direitos. Nesse sentido, a questão das desigualdades surgiu como tema central da exposição. “O Brasil é estruturalmente uma sociedade desigual. Então, a universalização dos direitos se coloca como questão estruturante”.

Ciconello destacou três entraves principais: patrimonialismo, racismo e sexismo, que geram desigualdades relacionadas a renda, raça, gênero e território. As políticas públicas universais ainda não são suficientes para universalizar direitos, por se defrontarem com tais entraves. A política de saúde, exemplificou Ciconello, ainda que tenha como pressuposto a universalidade do atendimento, revela-se desigual na materialidade do sistema, uma vez que as mulheres negras são, de acordo com pesquisas, pior atendidas do que as brancas.

Para elucidar a questão da desigualdade que resulta do racismo, Ciconello valeu-se de dados do Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). De acordo com relatório PNUD (2005), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil colocava o país, em 2002, na 73ª posição. “Se desagregássemos os indicadores sociais e de renda que formam o índice por raça/cor, teríamos que o Brasil negro ocuparia a *105ª* posição no /ranking/, enquanto o Brasil branco ocuparia a *44ª *posição. A comparação entre o Brasil branco e o Brasil negro expressa em estatísticas a distância desses dois mundos. A taxa de matrícula no ensino médio é outro exemplo. Ainda que tenha crescido para ambos, manteve a distância no acesso entre negros e brancos”, afirmou. Além disso, apontou-se a discriminação no mercado de trabalho, expressa pela diferença salarial entre negros e brancos com mesma escolaridade média.

Justifica-se, portanto, como primeiro desafio, a adoção de medidas afirmativas, para que se cumpra aquilo que está expresso em tratados e convenções internacionais assinados pelo Brasil, em que o País se compromete a reduzir as desigualdades raciais. “Isto só se realiza por ações afirmativas, uma vez que a igualdade formal do direito mantém privilégios. As políticas universais não estão conseguindo diminuir a desigualdade, por isso a necessidade de políticas afirmativas para universalizar direitos. Não se deve tratar de forma igual os desiguais”.

Como segundo desafio, Ciconello colocou o enfrentamento da violência, estrutural no País. “O Brasil é o sexto país onde mais se mata no mundo. São 26 homicídios por 100 mil habitantes. Na Europa não se chaga a 2 por 100 mil e nos EUA, considerado um país violento, a taxa está em 7 por 100 mil”, comparou. Todos os países posicionados acima do Brasil no ranking passam ou passaram recentemente por guerra civil.

A violência se reflete na situação de mulheres, jovens negros, crianças, bem como na criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. “Quem luta para mudar a realidade é criminalizado. Quem luta por democracia, pelo acesso à terra, pelos direitos reprodutivos, por democratização da comunicação etc, é criminalizado e relacionado a um contexto de violência”, explica. É nesse sentido que defensores de direitos acabam perseguidos pela luta contra a exclusão e a opressão.

Ciconello também relacionou o tema com o modelo de desenvolvimento excludente e ambientalmente insustentável, elencado como terceiro desafio. “Devemos nos perguntar a quem o Estado beneficia com o agronegócio. O modelo macroeconômico de desenvolvimento do País é prejudicial aos direitos humanos, na medida em que concentra renda, é excludente e ambientalmente insustentável”, destacou, relacionando em seguida a política macroeconômica com o orçamento público. “A principal aplicação de recursos é para diminuir o custo para a reprodução do capital, para beneficiar atividades predatórias e a poucos grupos”.

Dessa forma, o especialista comparou os investimentos em políticas compensatórias como o programa Bolsa Família e aquilo que é gasto para pagamento de juros da dívida pública. “Entre 2004 e 2007, a União gastou R$ 755 bilhões com os juros da dívida, o que corresponde a 30% do orçamento. Já pelo [programa] Bolsa Família foram investidos R$ 12 bi”.

Outro questionamento está no privilégio do agronegócio exportador em detrimento da agricultura familiar. Ainda que expresse altas cifras, Ciconello questiona quem se beneficia disso. “Apenas uma elite do campo, e que ainda prejudica o meio ambiente”.

Já o quarto desafio é a construção de uma cultura em direitos humanos, a conscientização das pessoas em relação à temática. “É urgente a democratização das telecomunicações no país, hoje concentrada nas mãos de poucas famílias, ligadas ao poder econômico. Há uma reprodução de visão única, o que dificulta a conscientização da necessidade de luta pelos direitos”.

O conferencista finalizou sua exposição afirmando que tais concepções e desafios basearam a formulação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3, divulgado recentemente pelo Governo Federal e que vem sofrendo sistemáticos ataques de setores conservadores justamente por pautar questões centrais para a realização da justiça social no País, como a distribuição da terra, a preservação do meio ambiente, a laicidade do Estado e o respeito à liberdade religiosa, o direito das mulheres e as políticas afirmativas.

Sobre o Inesc e a Plataforma DhESCA

O Inesc é uma organização não governamental que tem por missão “*Contribuir para o aprimoramento da democracia representativa e participativa visando à garantia dos direitos humanos, mediante a articulação e o fortalecimento da sociedade civil para influenciar os espaços de governança nacional e internacional”, atuando com a* promoção dos direitos humanos a partir do orçamento público. Leia mais em https://inesc.org.br/

Já a plataforma DhESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) é uma articulação de 34 organizações e redes nacionais de direitos humanos, que desenvolve ações de promoção, defesa e reparação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, visando o fortalecimento da cidadania e a radicalização da democracia.
Ela possui relatorias nacionais do direito humano à educação, saúde, moradia e terra, alimentação, meio ambiente e trabalho. A função de Relator é liderar investigações independentes sobre violações de direitos. Leia mais em http://www.dhescbrasil.org.br/

*Alexandre Ciconello,
Sistematizado por Hugo Fanton

Assista ao vídeo Cidadania e Direito à Educação –  Alexandre Ciconello

 

Câmara dos Deputados tem pauta eleitoral

Nos anos eleitorais a Câmara dos Deputados tem expediente legislativo de apenas um semestre. A partir de agosto os parlamentares entram em recesso branco para preparar suas campanhas, montar as dobradinhas e cuidar da propaganda eleitoral. Como diz um velho axioma: “melhor que ser eleito, é ser reeleito”. Assim, a cada dois anos o Congresso revive um compasso de espera e de angustia.

Durante o primeiro semestre a pauta da Câmara dos Deputados fica em estado de suspensão. Nenhuma matéria, por mais importante que seja, tem a garantia de ser votada. Um projeto polêmico pode sair da pauta para evitar um prejuízo eleitoral. Outro, que poderá desagradar os governadores, não terá a unanimidade das lideranças. Um terceiro poderá não entrará na pauta, mesmo depois de dezoito anos de espera, caso não esteja de acordo com os interesses de diversos setores econômicos.

 

A pauta para o primeiro semestre de 2010 é uma cesta de variedades:

• O Pré-Sal, que é um conjunto de projetos de lei, está na pauta, mas nada garante que vai a votação. A dificuldade é convencer os governadores, onde os reservatórios de petróleo e gás estão localizados, a partilhar os royalties com os demais estados. A criação do fundo social com recursos do pré-sal e a permissão à União vender à Petrobras, sem licitação, o direito de explorar até cinco bilhões de barris de petróleo, também não é consenso. O governo tem grande interesse em regulamentar a matéria e vai jogar pesado e a oposição pretende tirar todo proveito desta situação.

• A Lei Pelé, que garante recursos para os clubes formadores de atletas, também não é nenhum mar de rosas. A partilha dos recursos pelos clubes também não é nenhum item consensual. O projeto tem apoio de alguns setores dentro do governo e os clubes em situação financeira difícil poderão chegar a um acordo. A sociedade civil questiona o texto do projeto.

• A PEC da Alimentação, que já foi aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Espera um segundo turno. Este projeto tem apoio do governo, da oposição e de setores importantes da sociedade civil. Tem grande chance de ser aprovado.

• O projeto contra o trabalho escravo foi apresentado em 2001, pode entrar na pauta. Este projeto permite o confisco de terras onde forem encontrados trabalhadores submetidos a regime análogo à escravidão. Foi aprovada no Senado e aguarda votação em segundo turno na Câmara dos Deputados desde 2004. Este projeto enfrenta uma forte oposição da Bancada Ruralista e do Agronegócio. Inúmeras organizações da sociedade civil apóiam este projeto e instituíram o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

• O projeto que dispõe sobre o Estatuto das Sociedades Indígenas foi apresentado em 1991. A sociedade civil está forçando para que entre na pauta. Enfrenta forte oposição dos ruralistas, empresas madeireiras e de grupos mineradores nacionais e internacionais, que estão sempre pressionando os limites dos territórios indígenas. As organizações indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos, entre outras, apóiam o projeto, mas as lideranças partidárias resistem em colocá-lo em votação.
Existem também diversos projetos de decreto legislativo que ratificam acordos internacionais. Entre estes podemos ressaltar:

• O que aprova o texto do Acordo de Cooperação em Matéria de Comunicação entre o Brasil e a Venezuela, celebrado em Caracas, em 2005. Este projeto está para entrar em discussão em turno único. Já entrou e saiu de pauta diversas vezes. É provável que a repercussão do fechamento das TV Cabo em Caracas, poderá prejudicar a tramitação da matéria.

• O texto do Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Zimbábue, assinado em 2006, também está enfrentando resistências. Entrou em discussão em turno único, mas foi retirado de pauta. Muitos se opõem ao regime político do Presidente Mugabe que está há 28 anos no poder e se reelegeu para mais um mandato. Após o primeiro turno das eleições o Zimbábue entrou em crise política. No segundo turno o candidato de oposição retirou a candidatura por ter sofrido ameaças. Mugabe enfrenta condenações da comunidade internacional – Estados Unidos e Canadá já anunciaram sanções ao regime.

A pauta é uma indicação política de votação. Nada indica que os projetos listados chegarão ao plenário. Muitos poderão continuar no limbo, tal como o Estatuto das Sociedades Indígenas, e outros, que não estão elencados poderão entrar depois de uma reunião de líderes. Todo cuidado é pouco, pois cada movimento pode alterar no tabuleiro eleitoral.

 

Edelcio Vigna

Assessor Político do INESC

COP 15: impasse em Copenhague

Brasília, 19 de janeiro de 2010.

   A COP15, Conferência promovida pelas Nações Unidas (ONU) para discutir o clima do Planeta Terra, realizada na capital dinamarquesa, Copenhague, durante 7 e 18 de dezembro de 2009, envolveu milhares de pessoas do mundo oficial, dos setores produtivos e da sociedade civil organizada e movimentos sociais, muita segurança policial e, ao mesmo tempo, muita dificuldade de vislumbrar o que seria possível alcançar. Esperava-se que fosse um momento de inflexão, um momento político sem precedência, ou seja, esperavam-se decisões de grande vulto e com poderes jurídicos efetivos sobre todas as nações. Nunca a humanidade e o planeta estiveram tão ameaçados desde que o tempo histórico começou a correr. E nunca em tão pouco tempo histórico, cerca de 200 anos, as mãos humanas produziram tanta destruição acelerando processos da natureza que poderiam demorar milhões de anos para começar.

   Na abertura da conferência todas as autoridades falaram da urgência de se fazer um acordo efetivo e um plano de ação. O primeiro ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen; o secretário-executivo da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Yvo de Boer; e a prefeita de Copenhague, Ritt Bjerregard, foram uníssonos ao lembrarem o compromisso urgente dos países e das necessárias condições políticas, financeiras e tecnológicas para solucionar problemas, mitigar e adaptar aos efeitos das mudanças climáticas.

   A Ministra dinamarquesa Connie Hadeggaard, eleita presidente da COP 15, fez um trocadilho dizendo: “viemos de Bonn e Barcelona e agora é o tempo do C de Copenhague. Tempo de encontrar soluções”. Ela assinalou ser este o momento de encontrar compromissos efetivos, pois existe pressão do mundo e vontade política mais profunda para um acordo efetivo. Afinal, o mundo todo está olhando para que os líderes mundiais acertem os passos. Se perdermos esta oportunidade será muito difícil conseguir outro momento com a mesma força, considerou a Ministra. Será?

   Dr. Rajendra K. Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), fez um discurso duro e alarmante, afirmando a posição defendida pela comunidade cientifica. Recentemente os dados foram contestados por piratas que capturaram dados e usaram a internet para desqualificar o trabalho deste grupo de cientistas. Seu discurso foi claro e efetivo. Assinalou a importância deste momento histórico de ação e urgência frente impactos irreversíveis da mudança climática do planeta.

   O Quarto Relatório (AR4) do IPCC, apresentado pouco tempo antes da COP13, realizada em Bali, em 2007, teve um profundo impacto sobre as decisões de Bali e todos os debates que se sucederam. Ações globais deveriam ser tomadas com urgência urgentíssima, por meio de um plano de ação para implementação por todas as partes, levando em consideração as responsabilidades comuns, porém diferenciadas entre os países.

   Mais uma vez, o AR4 apresentou os cenários dos fatos decorrentes das mudanças climáticas: aumento da temperatura em meados do século XX em níveis de 0,74 centígrados, provocando o derretimento do gelo em todo o planeta e o consequente aumento do nível dos oceanos. As Ilhas Maldivas e Estados constituídos por várias pequenas ilhas estão desaparecendo, inclusive a costa de Bangladesh. Pessoas estão perdendo suas terras e tendo que ser removidas de seu habitat secular. Tuvalu, durante toda a Conferência, expressou dramaticamente o impacto da mudança climática e a tragédia anunciada que estão vivendo.

   Cerca de 40 mil pessoas foram a Copenhague acompanhar este processo e as câmeras de todas as televisões e jornais to mundo estavam focados no Bela Center, local de encontro das reuniões oficiais. A sociedade civil organizada acompanhou por dentro e de fora. Realizou uma das maiores marchas nas ruas de Copenhague com mais de 100.000 pessoas protestando com o rumo da conferência e com a percepção que seria um grande fiasco. Pelo menos com a ambição que se pretendia. De fato, foi um fiasco. De fato, nossa ambição de ver nossos líderes comprometidos com mudanças substantivas nos padrões de produção e consumo, em especial dos países ricos, mais uma vez, frustrou-nos.

   Algumas considerações importantes devem ser feitas para ajudar-nos a sair desta sensação de profunda frustração. Primeiro, é importante considerar que o nível de nossa ambição era muito grande para a realidade dos países. Nenhuma população dos países ricos, em sua maioria, está preparada (psicológica, cultural e materialmente) para enfrentar as mudanças que são necessárias. Construir uma mentalidade não capitalista, menos individualista e mais complementar e solidária envolve mudança de mentalidades. Apresentamos poucos sinais de estarmos preparados, ainda, para esta mudança. Os setores empresariais são os que estão jogando mais duro e não querem pagar a conta da transição de modelo, em especial, porque o preço dos combustíveis fósseis ainda é bem mais barato que a busca de energia limpa e renovável. Como combater esta mentalidade?

   Os Estados nacionais também não estão em condições de impor posições mais avançadas, na medida em que estão fragilizados e comprimidos entre a inconsciência da maioria população e o os interesses das grandes empresas. Tudo isso gera uma sensação de impotência e frustração, sentimentos que tomaram a todos e todas nós ao término da COP15.

   Segundo, temos que considerar que esta conferência foi a que mais repercutiu na imprensa. Provavelmente, por causa no número de desastres naturais que vêm ocorrendo, e pela concentração de líderes de Estados presentes, a atenção do mundo foi maior. O fato é que podemos dizer que, do ponto de vista do debate público, a conferência foi fundamental.

   Terceiro aspecto, a visibilidade da mesma, ajudou de forma estratégica a novas composições de poder entre os países. Os países insulares que pouco apareciam neste debate, tiveram uma força importante, representados pelo discurso do representante de Tuvalu. Os países africanos pressionaram como grupo em si e como membros do G-77 (cerca de 130 países membros). Garantiram que China, Índia, Rússia ou Brasil não costurassem acordos paralelos. E há que se considerar que a presença do Brasil e de sua posição firme na apresentação de proposta de emissão voluntária de quase 40% de corte nas emissões de gazes de efeito estufa foram cruciais para o aprofundamento do debate.

   A frustração foi grande porque as expectativas eram maiores ainda. Desta forma, a sensação foi de muita tristeza e desamparo. Mas, ao mesmo tempo, foi um processo de re-energização do debate, maior tomada de consciência pública no âmbito mundial e local. Bases fundamentais para mudanças mais concretas. Os países ricos perceberam que não comandam como antes, e muito menos os países pertencentes ao G-20. Na Conferência das Partes, as decisões a serem implementadas pelos países deve ser por consenso e foram exatamente, os menores, menos visíveis, tais como Tuvalu, Bolívia, Venezuela entre outros que “melaram” o jogo dos poderosos, impediram o consenso forjado que pretendia o Ministro da Dinamarca. O jogo do poder fica mais complexo e isso me parece positivo.

   Por fim, temos que considerar o papel da sociedade civil organizada, que com sua diversidade de posições, mas afinada na ambição, promoveu debates consistentes, pressionou os governos dentro do espaço oficial e nas ruas de Copenhague. Mostrou que ação política, construção crítica e mobilização são fundamentais para quebrar o gelo dos burocratas ou daqueles que insistem em manter o privilégio de viver a despeito de nações e de povos, a despeito da fauna e da flora, a despeito da saúde do Planeta! Acredito que, sob este aspecto, a COP15 foi um sucesso.

   Agora é olhar para o futuro, não perder a sintonia nem nossa agenda. Pensar como poderemos fazer da COP16, em Cancun, México, um momento de afirmação e melhor equação das tensões, renovando nossas ambições e esperanças de um acordo juridicamente vinculante, de corte radical nas emissões de gases, de maior comprometimento dos Estados, de mudança de padrão de produção e consumo. Tudo isso conforme nos é orientado pela ciência e pelo bom senso.

Iara Pietricovsky é membro do Colegiado de Gestão do INESC

 

O Plano de Direitos Humanos e a educação

Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2010.

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançado em dezembro de 2009 e elaborado a milhares de mãos, contempla várias áreas importantes que estão para além dos direitos civis e políticos. O documento abarca, também, os direitos sociais, ambientais, econômicos, culturais, de solidariedade, dos povos, entre outras áreas configuradas nas inúmeras convenções e pactos internacionais.

Dentre essa gama de direitos, destaca-se o direito à educação. Ele está presente no eixo orientador III, que preconiza “universalizar direitos em um contexto de desigualdades” e estabelece como diretriz a “garantia dos direitos humanos na forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena”.

A educação, assim como as diversas políticas sociais que compõem esse eixo, apresenta-se como objetivo estratégico, afirmando a importância de o Estado assegurar o “acesso à educação de qualidade e garantia de permanência na escola”.

Nesse sentido, é importante que os movimentos sociais ligados à educação associem suas pautas aos direitos humanos, reforçando a relevância de juntar forças em prol de uma cidadania plena que englobe todos os direitos fundamentais para se alcançar a equidade.

Dentre as propostas para a educação estão questões basilares, como a garantia de permanência na escola, que hoje é o maior desafio. Outro ponto importante é a universalização da oferta da educação infantil. Apesar de ser garantida em lei, ela não é realidade em grande parte dos municípios brasileiros. Além disso, assegurar a qualidade do ensino formal público com seu monitoramento contínuo e atualização curricular é ação fundamental prevista no documento.

Outro aspecto estratégico contemplado no Plano diz respeito ao desenvolvimento de programas para a reestruturação das escolas, transformando-as em polos de integração de políticas educacionais, culturais e de esporte e lazer. Se houver entendimento e associação entre Estado e sociedade, com foco nos direitos humanos, pode-se reconstruir esse locus e transformá-lo em referência para as comunidades onde se encontram.

Já o respeito à diversidade pode ser amadurecido com a adequação do currículo escolar e a realização de atividades que valorizem as diferenças, além de garantir a todas as diferentes gentes o direito a atividades físicas e esportivas e alimentação saudável. Ainda dentro deste princípio, o Plano contempla a realização de ações afirmativas para o ingresso das populações negra, indígena e de baixa renda no ensino superior, o que exige a ampliação das instituições de ensino superior públicas.

Outra questão relevante é o fortalecimento de programas de educação no campo e nas comunidades pesqueiras, estimulando a permanência dos estudantes na comunidade, com a devida adequação às realidades e culturas locais.

Como não poderia deixar de ser, o PNDH discute também a questão dos espaços de educação não formal e a educação de jovens e adultos. Apesar de serem amplamente debatidos, esses processos de ensino e aprendizagem ainda sofrem com preconceito e marginalização. São métodos que geralmente se desenvolvem à parte, apesar de serem, quase sempre, inspirados em Paulo Freire. Por isso, o PNDH os coloca no conjunto das ações de educação, dando a eles a visibilidade e a importância necessárias.

Quando propõe a integração dos programas de alfabetização de jovens e adultos às iniciativas de qualificação profissional e educação cidadã, o Plano atua na associação da alfabetização a uma possibilidade da ampliação da cidadania. Outra ação voltada para a valorização da educação não formal é o fortalecimento de processos educativos que valorizem a arte e a cultura das comunidades tradicionais.

A educação e a cultura em direitos humanos é outro aspecto contemplado no Plano e que precisa ser amplamente difundido. Isto porque o seu alcance abrange toda a gama de processos educativos, com a proposta de implantação e implementação, de fato, do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Afinal, a educação em direitos humanos é “canal estratégico capaz de produzir uma sociedade igualitária e vai além do direito à educação permanente e de qualidade”. E isso pode ser feito por meio de inovações curriculares e inserção de temas de direitos humanos como educação transversal.

Alem dessas, outras questões estão previstas no PNDH, como a inserção nos currículos escolares da história dos povos indígenas e história afro-brasileira; a inserção da temática de gênero; a orientação sexual nos ensinos fundamental e médio; a formação dos futuros docentes em direitos humanos.

Só assim, será possível garantir um processo educacional igualitário e justo para todas as crianças e adolescentes brasileiros, de acordo com princípios de emancipação e autonomia.

 

Cleomar Manhas é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

 

Leia o artigo também nos sites:

Jbonline

RevistaFator Brasil

 

 

 

A grita contra PNDH

Seria engraçado se não fosse perverso, pois quando as estatísticas apresentam, por exemplo, a enorme desigualdade social separando ricos e pobres, a enorme concentração de renda colocando a maior parte do Produto Interno Bruto nas mãos de poucos privilegiados, não se vê grita alguma, nem por parte da elite, nem por parte da grande mídia.

No entanto, quando se trata de uma tentativa,— discutida amplamente com a sociedade civil—, de se estabelecer parâmetros de respeito aos direitos humanos, incluindo a grande diversidade de gentes que compõem a sociedade brasileira, o burburinho fica tão alto que parece até vindo de grande parte da população. Mas não, está vindo dessa minoria privilegiada, que por sê-lo, também possui lugar de fala privilegiado, ou seja, a grande mídia que se faz onipotente e onipresente e se diz “democrática”, porém, com muito medo de sofrer controle social, para o qual, quando dirigido a si, dá o nome de “volta da ditadura”.

A grita geral é direcionada ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) lançado em 21 de dezembro ( segundo seus críticos “no apagar das luzes do ano de 2009”). E apesar de dizerem que foi elaborado pelo governo apenas, a verdade é que é fruto de ampla discussão com a sociedade civil. Suas diretrizes foram aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos e tiveram como parâmetro as resoluções de cerca de 50 outras conferências setoriais tais como saúde, direitos das mulheres, igualdade racial, crianças e adolescentes, cidades, educação, segurança alimentar, segurança pública dentre tantos outros temas que compõem a teia dos direitos humanos.

As conferências, suas resoluções e os planos advindos delas são frutos de uma árvore chamada democracia participativa, que apesar de sofrer os reveses de um Estado patrimonialista, gera bons frutos por meio da participação de parte da sociedade que reivindica participar de forma mais contundente do que apenas em momentos eleitorais. Até por saber que uma democracia participativa forte melhora a qualidade da democracia representativa.

Apesar de o plano conter seis eixos orientadores, várias diretrizes e objetivos que abarcam o extenso universo dos direitos humanos, a crítica restringiu-se a pontos que a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), em manifestação defendendo o interesse dos ruralistas, chamou de demônio ou complexos do governo Lula. Mas, na verdade, são os tabus que não foram resolvidos ao longo dos oito anos de governo, por afetarem diretamente a parte privilegiada que usufrui do Estado patrimonialista há 510 anos.

Os pontos mais criticados dizem respeito às concessões para rádio e televisão; intensificação de mecanismos de democracia participativa tais como plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular; reformulação da legislação sobre planos de saúde; financiamento público de campanha; mudanças nas regras para reintegração de posse de terras, taxações de grandes fortunas, descriminalização do aborto, união civil homossexual, abertura dos arquivos da ditadura etc. Que ao contrário do que dizem os críticos, não são iniciativas governamentais em resposta ao que o próprio governo se recusou a fazer nos 7 anos de mandato, mas sim pressão dos setores organizados da sociedade reivindicando que este e outros governos que virão coloquem o dedo nas feridas expostas, que acentuam as desigualdades e os preconceitos e que, infelizmente, o atual governo recusou-se em trazer à luz do dia para resolvê-las.

E como bem disse a presidenta do Chile Michele Bachelet acerca do esclarecimento dos fatos ocorridos na ditadura daquele país: “as feridas devem ser lavadas para que possam cicatrizar”.

 

Cleomar Manhas – assessora do Inesc

Consciência Negra, resistência, luta e transformação.

Apesar dos avanços e conquistas recentes da luta anti-racista, a realidade da população negra brasileira não nos deixa muito a comemorar.
Segundo o IPEA: “negros nascem com peso inferior a brancos, têm maior probabilidade de morrer antes de completar um ano de idade. Jovens negros morrem de forma violenta em maior número que jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontrarem um emprego, recebem menos da metade do salário recebido pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem. Ao longo de toda a vida, sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e em maior pobreza que brancos.”

O racismo é a chave para se entender e superar a reprodução da pobreza e das desigualdades sociais no Brasil. Ele é percebido e vivido no cotidiano: nos shopping centers de elite, onde a negritude associada à pobreza é cirurgicamente afastada por intermédio da segurança privada e pela não presença de negros/as no atendimento ao público; na programação televisiva, onde os negros/as, quando aparecem, ocupam as tradicionais posições de subordinação (a empregada doméstica, o bandido, a prostituta, o menino de rua, o segurança); nas piadas e expressões de cunho racista sempre presentes nas reuniões de família brancas. Expressões como “não sou racista, mas nunca aceitaria meu filho ou filha casando com um negro/a” são comuns no Brasil. São milhões de pequenas e grandes atitudes, opções, decisões diárias, tomadas dentro de uma estrutura social e simbólica onde a cor da pele é um determinante importante. Isso faz com que negros/as tenham maiores dificuldades de acessar direitos, tendo que enfrentar constantemente, atos de preconceito e discriminação. Por isso somamos a nossa voz à celebração de Zumbi dos Palmares. Resistência, luta e transformação. Viva Zumbi!. 

 

 

Alexandre Ciconello 

Assessor do INESC

Acesse abaixo mais informações e matérias sobre o Dia da Consciência Negra:

http://www.geledes.org.br 

http://www.irohin.org.br 

http://www.afropress.com 

 

 

Fratura exposta: Parlasul versus CMC

Artigo Edélcio Vigna, assessor do Inesc

Como pode um parlamento fortalecido pelo voto direto e universal continuar submetido a um órgão formado por autoridades executivas indicadas pelos governos nacionais? Como o “poder que emana do povo” pode estar sob interesses nacionais dos ministros de relações exteriores?

O MERCOSUL não é um governo sub-regional para que tenhamos os três poderes montesquiano dotados de uma harmonia e de uma relativa autonomia. Mas, a previsão de que o Parlasul venha a se constituir em um órgão cujos membros serão eleitos pelos eleitores nacionais dos quatro países (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) supõe que este Parlamento venha se fortalecer a cada mandato. Em um processo acumulativo de força. Um dos motivos pelos quais o Parlasul respeita a tutela do CMC advém da sua fragilidade conjuntural dada pelas condições dos seus representantes serem ainda indicados pelos parlamentos nacionais.

A suspensão das eleições na Argentina e no Uruguai, que ocorreriam este ano e a do Brasil que seria realizada em 2010, produziram um prejuízo político incalculável ao Parlasul. O veto do Ministro do Paraguai, no CMC, ao acordo parlamentar da composição proporcional que definiria o número de cadeiras para as eleições de 2009 e 2010, dimensiona este desgaste político.

Até 2008 a composição do Parlasul foi de 18 parlamentares por país membro plenos do MERCOSUL, com a participação de parlamentares da Bolívia e Venezuela. O Protocolo Constitutivo do Parlasul determina que para o mandato 2011/2014 haja uma composição proporcional . Para atender esta exigência os parlamentares aprovaram uma proporcionalidade nas seguintes bases: Paraguai e Uruguai manteriam o piso de 18 parlamentares, Argentina, 43 e Brasil, 75. Como houve questionamentos foi aprovado um acordo por uma “proporcionalidade atenuada”, onde a Argentina elegeria 26 e o Brasil, 37 representantes.

O Paraguai elegeu, em 2008, 18 parlamentares. A Argentina, o Brasil e o Uruguai aprovariam as normas eleitorais para que as eleições pudessem ser realizadas em 2009 e 2010. Ocorre que por motivos políticos conjunturais as normas não foram aprovadas nos respectivos parlamentos nacionais. Assim, as eleições previstas não puderam ser realizadas.

Para a Argentina e Brasil havia um problema adicional: teriam que aprovar uma norma eleitoral provisória para 2009 e 2010, e depois aprovar uma legislação definitiva que regularia as eleições de 2014. A suspensão das eleições na Argentina e Uruguai foi justificada por falta de tempo político, mas a do Brasil o motivo foi o veto do CMC.
O Ministro paraguaio, das Relações Exteriores, justificou o veto afirmando que só promoveria o consenso se os países aprovassem a criação do Tribunal do MERCOSUL, um órgão de solução de controvérsias. O governo paraguaio tem seus motivos e as organizações sociais reconhecem a importância da criação de órgão de solução de controvérsias. Mas, colocar esta demanda nacional de forma tão radical a ponto de promover a suspensão das eleições do Parlasul é ignorar a importância social do Parlamento para a democratização da estrutura autoritária e mercantil do MERCOSUL.

A maioria dos parlamentares aceitou passivamente o veto do CMC. Não sentiu o impacto negativo da suspensão das eleições na dimensão político-simbólica da sociedade civil. Como justificativa da omissão declaram a falta de informação dos eleitores. Assim, os representantes continuarão sendo bionicamente indicados pelo Congresso Nacional. Apostaram na ignorância social e, com isso, enfraqueceram o poder de representação do Parlasul frente à postura impositiva do CMC.

O Parlasul representa os povos do MERCOSUL e os membros do CMC os interesses dos governos nacionais. Por isso, esses dois órgãos não poderão conviver em um único espaço de decisão político-administrativa por muito tempo. Principalmente porque a integração regional, um dos objetivos e princípios do Parlasul , depende de um pensamento supranacional, coisa que o CMC não poderá assumir porque os ministros representam os interesses nacionais.

Alimentou-se uma expectativa que os parlamentares reagiriam com mais radicalidade contra o veto do CMC. Que o Parlasul enfrentaria a postura autoritária do CMC. Que questionaria a decisão consensual ou o poder de veto de um país sobre a decisão dos demais. Mas, essa postura foi negada e com ela a possibilidade da população fortalecer, por meio do voto direto, o Parlasul como uma dimensão democratizadora das estruturas de decisão do Mercado Comum do Sul.
 

Dados Sociodemográficos, Políticas Públicas e Direitos Indígenas

Ricardo Verdum 2 

Se estima existir no Brasil um total de 220 povos indígenas, vários deles submetidos à jurisdição de mais de um Estado nacional, como é o caso dos Guarani (Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai), Yanomami (Brasil e Venezuela), Tukano (Brasil e Colômbia) e Tikuna (Brasil, Colômbia e Peru). Os indígenas estão presentes em todos os estados da Federação e seus territórios (“terras indígenas”, no linguajar jurídico do estado brasileiro) somam aproximadamente 110,6 milhões de hectares – o equivalente a aproximadamente 13% do território nacional e 21% da Amazônia brasileira. Essa população representa uma diversidade lingüística que ultrapassa o número de 180 línguas, classificadas em 35 famílias lingüísticas.

Em termos demográficos, a população indígena no Brasil foi estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por ocasião do Censo Demográfico de 2000, em cerca de 734 mil pessoas, o que equivaleria à 0,4% da população do país.

Já a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, chegou recentemente a um número aproximadamente 520 mil pessoas sendo atualmente atendidas nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), distritos esses que compõem o subsistema de atenção à saúde indígena, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Desse total, 54,2% dessa população tem seus territórios [reconhecidos ou não pelo Estado brasileiro] localizados na chamada Amazônia Legal e 26% nos estados que integram a Região Nordeste.

No âmbito do Governo federal, e envolvendo instituições de pesquisa e organizações não governamentais, está em curso uma série de atividades que visam à realização de um recenseamento da população brasileira, ai incluídos os povos indígenas. Esse recenseamento terá início em agosto de 2010, num processo que deverá estar concluído, impreterivelmente, até dezembro desse ano.

Estar atento a esse processo e aos resultados alcançados é de fundamental importância, visto que dele decorrerá uma série de avaliações e propostas de políticas públicas específicas, direcionadas para indivíduos ou para coletividades, que pode ser uma comunidade local; um conjunto de comunidades locais em um ou mais territórios; o conjunto da população de um determinado povo; pode ser políticas destinadas a uma faixa etária específica da população (infância, por exemplo) ou para o contingente feminino (saúde da mulher, por exemplo); ou mesmo ao conjunto da população indígena no Brasil, independente de gênero ou faixa etária. Há também o caso dos indígenas que vivem em cidades, dispersos ou concentrados em determinados bairros, que por sua vez vêm demandando políticas específicas do “subsistema de atenção à saúde indígena”. 3

Como os Censos anteriores, os números, dados e informações levantados em 2010 estarão informando, por exemplo, o desenho das políticas sociais de saúde, educação e assistência do próximo Plano Plurianual (2011-2014), as “metas” a serem alcançadas anualmente e ao final do período, e os respectivos orçamentos anuais. Deve informar também políticas de fomento e de assistência técnica ao “desenvolvimento indígena” e as chamadas políticas de “inclusão social” do Estado nacional.

Os números do Censo servem de base inclusive no cálculo de representação indígena em conselhos e comissões, como foi o caso do cálculo do número de representantes indígenas, por região, na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância política vinculada ao Ministério da Justiça, composta por representantes de órgão do governo federal e dos povos indígenas e da sociedade civil brasileira.

Em fim, se produzir dados e informação sociodemográficas sobre a situação dos povos indígenas é de fundamental importância para o planejamento e implementação de políticas públicas no âmbito do Estado brasileiro, em parceria ou não com organizações da sociedade civil e com organizações indígenas, o mesmo se pode dizer em relação a importância de serem desenvolvidos e aplicados mecanismos próprios e independentes de geração de informações e análises sobre essa população, assim como de indicadores e metodologias para avaliar as ações governamentais e seus resultados, á luz do que lhes é assegurado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (aprovada em 13 de setembro de 2007) e pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, adotada em 27 de junho de 1989.

Notas:
1. Texto elaborado para o seminário do Social Watch, “Orçamento e Direitos”, realizado no Rio de Janeiro de 24 a 26 de agosto de 2009.
2. Antropólogo, assessor de políticas indígena e socioambientais do INESC, verdum@inesc.org,br
3. Sobre a demografia dos povos indígena no Brasil ver: PAGLIARO, Heloísa (org.), Demografia dos Povos Indígenas no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz e Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2005; IBGE/ Coordenação de População e Indicadores Sociais, Tendências Demográficas: uma análise dos indígenas com base nos resultados da amostra dos censos demográficos 1991 e 2000, Rio de Janeiro, 2005.

 

Paraguai não se entende com o Parlasul

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

As eleições para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) no Brasil poderão não ocorrer caso o Paraguai continue rejeitando a proposta de proporcionalidade para a próxima legislatura do Parlasul (2011/2015). A proposta foi aprovada pelos parlamentares e destinava 18 cadeiras para o Paraguai e Uruguai, 47 para a Argentina e 75 para o Brasil.

Para que não houvesse um acréscimo no volume de gastos orçamentários foi, inclusive, aprovado uma proporcionalidade atenuada, para que na próxima legislatura a Argentina elegesse 26 parlamentares (dos 47) e o Brasil, 37 (dos 75). Essa decisão dos parlamentares foi desconsiderada pelos Ministros que compõe o Conselho do Mercado Comum (CMC).

No CMC, o órgão supremo de decisão, formado pelos Ministros de Relações Exteriores e de Economia dos países membros do MERCOSUL, que aprova as decisões por consenso, o Paraguai fez valer seus interesses diante de uma proposta supranacional. Este é o cerne da questão: o MERCOSUL com um órgão que centraliza as decisões, imbuído de um pensamento mercantil e mercantilizado, dificilmente cederá espaço ou acatará as decisões de um órgão, como o Parlasul, que se pretende aberto, democrático e com amplos canais de participação social.

A posição dos ministros vem refletindo os interesses dos governos nacionais. Assim, o governo do Paraguai, por exemplo, que quer ver instalado o mais rápido possível o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) do MERCOSUL, conforme está no Protocolo de Olivos, não aprova a proporcionalidade para o Parlasul se junto não for instalado o TPR.
Ocorre que a criação de um Tribunal supranacional não é uma questão simples para as legislações brasileira e uruguaia. Para que se crie um órgão supranacional sob o qual o Brasil esteja submetido é necessário promover uma alteração na Constituição, pois esta não permite que nenhuma legislação esteja acima dela. Os congressistas terão que apresentar uma proposta de emenda a Constituição (PEC) que deve ser votada no Congresso Nacional, em dois turnos, com quorum de 3/5 dos votos em cada casa. Em geral, a tramitação de uma PEC pode demorar mais que uma legislatura. Assim vincular a questão da proporcionalidade para o Parlasul à criação do Tribunal, não nos parece uma atitude razoável por parte do governo paraguaio.

O Tribunal terá sede em Assunção/Paraguai e será integrado por cinco juristas – quatro indicados países membros do MERCOSUL e um por consenso. O mandato será de dois anos, renováveis por duas vezes consecutivas. O objetivo é resolver conflitos de natureza comercial. Essa é uma reivindicação antiga da Argentina, mas encontra resistências por parte do Brasil. Este mecanismo de solução de controvérsias fortaleceria o MERCOSUL e descartaria de vez as arbitragens externas e tribunais “ad hoc”.

O Inesc, como uma organização da sociedade civil, apóia a criação do Tribunal Permanente de Revisão. Reconhece que é um avanço para a institucionalidade do MERCOSUL. Um mecanismo de solução de controvérsias dará maior credibilidade e estabilidade aos acordos que Mercado Comum fará com outros blocos e países. Mas, não se pode deixar de criticar a posição adotada pelos representantes paraguaios que transformaram seus interesses em moeda de troca em detrimento do pleno funcionamento do Parlamento do MERCOSUL.

Os representantes do Parlasul são representantes dos povos do MERCOSUL e não representantes de governo membros deste Mercado. Não é prática da boa política que uma representação nacional coloque seus interesses sobre os interesses supranacionais. O Parlasul que foi instituído sob o empenho de parlamentares dos diversos países, pode sofrer um abalo de confiança caso as eleições previstas não ocorram.

Na Argentina e no Uruguai as eleições previstas para este ano não vão ocorrer por motivos de tempo político-legislativo. Não foi possível harmonizar as regras das eleições nacionais com as do Parlasul em tempo hábil. No Brasil está para ocorrer o mesmo. Se as normas eleitorais para o Parlasul não forem aprovadas no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) até início de outubro, não haverá eleições.
Quem perde com isso? O processo de integração regional. Os povos podem se integrar, romper as fronteiras culturais. Mas, a união aduaneira enquanto instituição continuará a cobrar a permanência das pessoas em solo nacional por tempo previsto em lei. A polícia especializada continuará, nas grandes cidades, a perseguir os migrantes nos porões das casas. O confronto continuará no campo com as milícias armadas do latifúndio.

A sociedade precisa de espaços democráticos que oxigenem os centros fechados das decisões. O Parlamento do MERCOSUL se ainda não é o que se deseja, não deixa de ser um instrumento importante. Por isso, confiamos no senso de responsabilidade das autoridades e das lideranças sociais paraguaias e estamos certos que a proporcionalidade será aprovada no CMC.

O Inesc continua manifestando sua solidariedade ao povo paraguaio em sua luta por soberania energética e pela reinterpretação do Tratado de Itaipu, como diz o “Manifesto de Solidariedade dos movimentos brasileiros ao povo paraguaio”. Continuamos no mesmo caminho rumo à integração regional e a radicalização da democracia.

 

 

 

 

Mudanças Climáticas: uma discussão necessária

As oficinas ocorreram nas regiões norte (Belém/PA) e nordeste (Recife/PE) e reuniram lideranças dos diversos estados membros dessas regiões. No norte a oficina foi realizada em parceria com o FAOR(Fórum da Amazônia Oriental) e o Talher/RECID(Rede de Educação Cidadã) e no nordeste a parceria foi com a ASA( Articulação no Semi-Árido Brasileiro) e também com o Talher/RECID.

Em ambas as regiões houve participação de várias entidades representativas das comunidades de ribeirinhos, quilombolas, indígenas, agricultores familiares dentre outros.
O principal objetivo do projeto, além da geração de subsídios à formulação de políticas públicas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas e ambientais, é a produção e divulgação de um vídeo que possa contribuir com o debate do tema em nível nacional, além de ser envido à COP 15- Conferência sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em dezembro de 2009 em Copenhagen, na Dinamarca.

Nos dois eventos apareceu com muita força o repúdio às grandes obras como as hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia e dos rios Xingu e Tapajós, no Pará, a transposição do Rio São Francisco, atingindo diversos estados do Nordeste tais como Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco e as desapropriações de terras em função do Complexo Portuário de Suape em Pernambuco.

Foi ressaltada, ainda, a necessidade de se investir com maior vigor na agricultura familiar e em tecnologias sociais apropriadas à agroecologia e menos no agronegócio. Além da necessidade imediata de se realizar uma verdadeira reforma agrária, pois não adianta terras sem o investimento em tecnologia e financiamentos acessíveis ao/a agricultor/a familiar.

As queimadas e o assoreamento dos rios foram questões de muita relevância, acompanhadas de solicitação de revitalização das bacias dos rios, em especial, no Nordeste, do Rio São Francisco, que em vários pontos apresenta um volume reduzido de água, dificultando, até mesmo, a navegação.

O grande destaque dessas oficinas foi o grau de organização e de conscientização dos participantes com relação aos problemas e aos avanços de suas comunidades e a sintonia com os problemas ambientais e climáticos mundiais. É perceptível que são pessoas que se organizam e dialogam em suas comunidades alternativas para melhorar a qualidade de vida, até mesmo com relação às gerações futuras.

No Nordeste,em especial na Paraíba, há um trabalho de resgate cultural que inclui técnicas de plantio orgânicas e conhecimentos de medicina tradicional, como os fitoterápicos, que além de estarem cultivando as ervas, estão produzindo os medicamentos e difundindo o conhecimento entre as comunidades.

O resultado foi muito positivo e gerador de conteúdos para debate sobre mudanças climáticas e conhecimento sobre os diversos projetos que se desenvolvem em vários cantos desse Brasil e contribuem para a reflexão sobre o modelo de desenvolvimento que permita a perenidade do Planeta Terra.

Cleomar – Assessora do Inesc

Nova Lei Eleitoral para o Parlasul

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

 

O debate sobre as normas eleitorais para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) continua no Congresso Nacional. A eleição deverá ocorrer a três de outubro junto com as eleições presidenciais e a de deputados federais e estaduais. O Brasil deverá eleger 37 parlamentares.

Os candidatos brasileiros concorrerão em lista fechada e preordenada. Um dos critérios para a preordenação será que dos cinco primeiros lugares, dois deverão ser ocupados por um dos sexos. Pode ser três homens e duas mulheres e ou três mulheres e dois homens.

A eleição será realizada pelo sistema proporcional, em circunscrição nacional. O voto será direto, secreto, universal e obrigatório. A urna eletrônica deverá exibir o painel do Parlasul depois das demais eleições proporcionais (deputados federais e estaduais) e antes das eleições majoritárias. Os partidos terão toda a liberdade para realizar coligações, independente das coligações realizadas nas eleições para presidente da República e deputados.

As organizações, como o Inesc se opõe fortemente contra a manutenção das coligações, ainda mais como esta no texto: “É facultado aos partidos políticos celebrar livremente coligações para as eleições de Parlamentares do MERCOSUL”. Avaliamos que as coligações enfraquecem os sistema partidário e, conseqüentemente, os partidos políticos. Retira do pleito a distinção ideológica ou de posição política. O eleitor ao votar em uma lista coligada poderá eleger outro parlamentar de um partido político que advoga teses adversas das quais o eleitor comunga, mas que está na lista preordenada devido ao acordo coligado.

A propaganda de rádio e televisão começará quarenta e cinco dias antes das eleições e serão reservados cinco minutos para divulgação das listas de candidatos. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começará divulgar a natureza, características e importância das eleições ao Parlasul, cento e oitenta dias antes. As organizações da sociedade civil estão pleiteando junto ao TSE participação na elaboração dos programas do horário eleitoral gratuito.

De acordo com algumas projeções o quociente eleitoral (QE) para essa eleição será de 2,7 milhões devotos. Apura-se o QE dividindo o número de votos válidos apurados pelos 37cadeiras a serem preenchidas. Segundo esta previsão, realizada pelos técnicos da Representação Brasileira do Parlasul, o partido que mais elegeria candidatos seria o PMDB com quatro parlamentares, seguido do PT e do PSDB, com três. Elegeriam dois parlamentares o DEM, PDT, PP, PSB, PTB. Os partidos menores elegeriam apenas um.

É importante ressaltar que no Parlasul os parlamentares se agrupam por famílias ideológicas e não por partidos políticos. Deputados eleitos pelo PT ou PMDB, por exemplo, necessariamente não comporão uma mesma família ideológica. Isto porque as questões são debatidas de forma supranacional– a partir do interesse dos povos do mercosulinos e não de uma população nacional específica. Assim, os blocos internos são formados por parlamentares dos quatro países que se aproximam por interesses ideológicos e não exclusivamente partidários.

Os deputados/as e senadores/as que compõem a Representação Brasileira ainda estão ajustando a proposta de lei, que estabelece normas para as eleições, em 2010, dos parlamentares do Parlasul. Percebe-se um grande esforço para que a lei seja aprovada. As organizações da sociedade civil acompanham as discussões e tem profundo interesse que tragam algumas inovações que poderão ser incorporadas nas eleições de 2014.

Está legislação tem data de validade, uma única eleição, pois outra lei deverá ser aprovada em 2014 para que o Brasil eleja os 75 parlamentares que tem direito no Parlasul, de acordo com a proporcionalidade. Para as eleições de 2010 foi concensuada uma proporcionalidade atenuada de 37 parlamentares. Essa progressividade até a proporcionalidade plena foi fruto de um acordo entre os demais países do MERCOSUL.

Leia a Minuta de PROJETO DE LEI No , DE 2009.
 

Eleições de 2010 podem ser suspensas

Edélcio Vigna, Assessor do Inesc

Em outubro de 2010 ocorrerá no Brasil a eleição para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul). Os eleitores deverão eleger, por voto universal, obrigatório e secreto, 37 candidatos, ordenados em listas, com alternância por sexo. Esta eleição ocorrerá simultaneamente com as eleições Presidenciais e para o poder Legislativo. Para isso é necessário que o Congresso Nacional aprove uma lei específica que ordene o processo eleitoral.

A Representação Parlamentar Brasileira no Parlasul elaborou o anteprojeto de lei e convidou algumas organizações sociais para uma Audiência Pública, no Senado Federal, para debater a proposta. Durante a Audiência, de forma surpreendente, alguns parlamentares do partido DEM, PSDB e PP, defenderam a organização de uma “Lista Única” composta por parlamentares do atual mandato para concorrer nas eleições 2010 para o Parlasul. A proposta do “Listão” escandalizou a maioria dos presentes e foi interpretada como um resquício saudosista dos senadores biônicos dos tempos da ditadura.

Propor uma “Chapa Única” para a eleição do Parlasul, em uma Audiência Pública, devidamente gravada – vídeo e som -, foi um desrespeito para com a democracia e uma ofensa aos que estavam na sala e aos telespectadores que assistiam à sessão. Propor Chapa Única composta por deputados cujos mandatos terminam em 2010 para um novo mandado de 2011 a 2015 no Parlasul chega às margens da indecência. Tudo isso em um contexto em que o Senado se debate com sérias denuncias de imoralidade e desmandos.

Ainda bem que a maioria dos parlamentares que estavam presentes repudiou a proposta. Os mais comprometidos com a construção do Parlasul, como o presidente da Representação Brasileira, dep. Tóffano e o ex-presidente do Parlasul, dep. Rosinha, prontamente demonstraram a total discordância desta manobra. Este gesto foi seguido por outros que estavam na sessão. A possibilidade, levantada pelo dep. Nilson Mourão, de que o “Listão” poderia ser derrotado pelos votos brancos e nulos, em uma Campanha conduzida pelas organizações sociais, calou a pretensão de golpe contra a opinião publica eleitoral. O bom-senso parece ter prevalecido e as listas partidárias deverão ser formadas e apresentadas aos eleitores.

Há espaços tão masculinizados que a possibilidade de participação da mulher, além do controlado, é uma temeridade. Assim é o Congresso Nacional e assim reagem os parlamentares. Chega a ser instintivo, não-racional. Apenas reagem e depois dizem, “não foi bem isso o que eu queria dizer”. Quando alguns parlamentares-homens se opuseram à alternância por sexo na lista preordenada, foram as parlamentares do mesmo partido que reagiram com indignação à obstrução. A ex-senadora e deputada Emília Fernandes, representando a Reunião Especializada das Mulheres do MERCOSUL, fez uma brilhante exposição da importância da mulher na política brasileira. A senadora Marisa Serrano seguiu a mesma linha defendendo a lista preordenada com alternância de sexo. Esses novos ares pareciam que iam oxigenar a sala de audiência.

Propusemos o financiamento da campanha publico e exclusivo, com recurso alocado no orçamento de 2010. A resposta de um parlamentar foi: “Como vamos explicar ao eleitor que a eleição de Presidente da República não tem financiamento público e a do Parlasul, tem?”. A lógica do argumento da maior igualdade das legislações possível entre as duas eleições não caberia neste contexto se entendessem que poderiam aproveitar esta eleição para experimentar novas formas de realizar uma eleição. Parecem não entender que atual processo eleitoral precisa ser inovado. Sentem-se imobilizados diante do convencional, mesmo que este seja uma múmia.

Outro ponto delicado na Audiência foi a proposta de que a proporcionalidade das listas deveria ter como base as bancadas eleitas em 2010 e não o percentual de votos obtidos pelas listas. Para compor os 37 nomes eleitos a base de cálculo será o número de deputados federais eleitos e não o número de votos que as listas receberão. No sentido estrito, as listas vão ser articuladas entre os partidos, mas a votação não terá nenhum sentido, pois o que vai definir o número de eleitos/as de cada lista será a votação da bancada federal (deputados federais). Assim, a eleição das listas será pró-forma, não terá valor ou sentido algum. Poderíamos radicalizar a proposta de que as listas sejam formadas pelos partidos e, em vez de serem inutilmente submetidas aos eleitores, esperem o resultado das eleições federais e, então, as vagas sejam proporcionalmente distribuídas. O Congresso Nacional seria, pelo menos, mais honesto para com os eleitores e faria uma economia considerável.

Os parlamentares mais comprometidos como processo de construção do Parlamento do MERCOSUL reagiram a esta e outras propostas de cercear a realização de uma eleição democrática. Estes parlamentares e organizações da sociedade civil estão envolvidos no desafio de encontrar alternativas diante da possibilidade do Congresso Nacional não aprovar a lei eleitoral parar o Parlasul.

Para evitar essa possibilidade e apoiar as propostas que avancem no sentido de ampliar a participação popular, criar instrumentos de controle social das eleições e dos candidatos, na ampla visibilidade das fontes de financiamento de campanhas e na democratização dos partidos políticos, entre outros. Caso este apoio não seja explicitado é possível que as propostas mais conservadoras que restringem a participação ganhem espaço e se concretizem na lei específica.

Novas tentativas de acordo ainda serão realizadas. Os parlamentares estão fazendo consultas junto as suas lideranças partidárias. É importante ressaltar que esta legislação é provisória, valida somente para as eleições de 2010, onde serão eleitos os 37 parlamentares. Em 2014, quando serão eleitos 75 representantes definitivos, uma nova lei será exigida. Portanto, esse é um debate que está começando e começando tarde.

Avaliamos que é fundamental que haja eleições, mas não qualquer eleição. Para garantir uma eleição democraticamente substantiva é necessário que as organizações da sociedade civil participem do processo de elaboração da lei eleitoral específica. Que se abra o debate e se discuta nacionalmente a importância do Parlamento MERCOSUL. Que se debata o mandato destes parlamentares. Para que servem? Qual a função?

Solicitamos às organizações que enviem suas criticas e sugestões para a Representação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL: cpcm@camara.gov.br

 

Sociedade Civil debate Lei Eleitoral do Parlasul

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

A integração político-institucional sul-americana caminha a passos largos. Pode parecer surpresa para a maioria da população, mas talvez estejamos construindo a arquitetura de um futuro poder Legislativo Sul-americano. Quatro países (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) já têm representantes indiretamente indicados no Parlamento Mercosul. O passo mais audaz desta arquitetura regional será realizar uma eleição direta para este espaço.

Nesse sentido, a representação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) está preocupada com a primeira eleição direta que ocorrerá em 3 outubro de 2010. Nesta data, os eleitores elegerão os 37 representantes brasileiros que irão compor a próxima legislatura (2011-2015). Atualmente, Argentina, Brasil e Uruguai têm uma representação de 18 parlamentares indicados. Os 18 do Paraguai foram eleitos em 2008.

A legislação eleitoral, para vigorar, tem que ser aprovada um ano antes das eleições. Dessa forma, é necessário que o Congresso Nacional priorize o debate sobre a lei das eleições do Parlamento do MERCOSUL. No Parlasul, até agora, apenas a abancada do Paraguai foi eleita diretamente. A do Uruguai pode ser eleita este ano. A da Argentina não será eleita para o próximo mandato, porque as eleições gerais foram antecipadas e, provavelmente, não haverá tempo para harmonizar a legislação existente.

O Congresso brasileiro, mesmo com as atuais crises, tem a responsabilidade exclusiva de ajustar à legislação eleitoral a lei que regerá as eleições para o Parlasul. Alguns deputados como Carlos Zaratini (PT-SP), Geraldo Thadeu (PPS-MG) e Geraldo Magela (PT-DF) e o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), apresentam anteprojetos que estão sendo debatidos no âmbito do parlamento, em especial na representação brasileira no Parlasul.

Este esforço está sendo conduzido por uma comissão suprapartidária a fim de chegar a um texto comum. Para isso, foram designados os seguintes deputados: ACM Neto (DEM-BA), Dr. Rosinha (PT-PR), José Paulo Toffano (PV-SP), Germano Bonow (DEM-RS), Claudio Díaz (PSDB-RS) e Geraldo Magela (PT-DF).

Algumas organizações da sociedade civil estão acompanhando este debate, e podem ser convidadas para participar da Comissão, mesmo como observadoras. No sentido de efetivar o principio da participação social nas decisões nacionais e internacionais, os governos estão agregando na formulação de seus programas lideranças sociais. Atentos a este principío, o atual presidente da Representação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL, deputado José Paulo Toffano (PV-SP), convidou algumas representações da sociedade civil para participar da próxima reunião da Comissão Suprapartidária.

As regras eleitorais

A eleição do Parlasul ocorrerá na mesma data das eleições para presidente, deputados e senadores. De acordo com o texto apresentado pela Comissão, os parlamentares serão eleitos pelo sistema proporcional por meio de listas preordenadas pelos partidos, sendo a circunscrição nacional. Os primeiros cinco nomes serão compostos por representantes das cinco regiões brasileiras, com intercalação por gênero. O mesmo se repete para os cinco nomes seguintes até o décimo nome. O candidato ao Parlasul não poderá concorrer a outro mandato eletivo federal ou estadual.

O Inesc defende propostas concretas para que a eleição do Parlasul não repita algumas distorções verificadas no Brasil. Nesse sentido, propomos:
1. Financiamento publico exclusivo de campanha;
2. Lista preordenada com alternância por sexo;
3. Somente listas partidárias (isto é, inexistência de coligações, pois deturpam a representação);
4. A democratização do processo de convenções atuais ou real representatividade e participação dos filiados (princípio do não-caciquismo );
5. Participação social nas peças publicitárias do TSE visando o esclarecimento da população sobre a eleição do Parlasul.

A contribuição de grandes empresas para a eleição do Parlasul é imoral e antirepublicana. O princípio do financiamento público desta eleição não for imposto, o que teremos será uma eleição de grandes empresas e federações de empresas interessadas apenas nas trocas comerciais.

A sociedade civil entende que pode contribuir substantivamente com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas mensagens da propaganda eleitoral para divulgar as eleições do Parlasul. Uma crítica é que os programas formais do TSE tendem afastar em vez de atrair os eleitores. Defendem a importância de se adotar uma linguagem usual e uma dinâmica diversa da que o TSE vem adotando.

Nesta eleição do Parlasul, há uma justaposição entre eleições majoritárias e proporcionais. A característica de eleição majoritária dar-se-á pelo seu caráter nacional. A lista de candidatos será votada nacionalmente. Não se escolherá um candidato, mas uma lista. Porém, a lista que mais receber mais votos não será a vencedora, mas receberá as vagas proporcionais a sua votação. Os votos apenas indicarão a proporção de candidatos que ocuparão as vagas entre as 37 existentes. Se um partido obtiver 55% do total dos votos em nível nacional, receberá 20 cadeiras (55% de 37 cadeiras).

Mas o que mais incomoda as lideranças sociais é que, da forma que se pretende organizar as eleições – isto é por meio de coligações de partidos – o eleitor votará em uma lista partidária, mas elegerá simultaneamente candidatos de outros partidos sem nenhuma identidade programática entre eles (e muito menos afinados com o eleitor). Se as coligações forem mantidas, o eleitor poderá votar em uma lista, por exemplo, do DEM e eleger candidatos do PT ou votar no PT e eleger candidatos do DEM. Isso porque o anteprojeto permite os partidos celebrarem coligações “livremente”. As coligações em eleições proporcionais geram um verdadeiro “contrabando ideológico”. Já se sabe que os partidos, por vislumbrarem conquistar poucas cadeiras no Parlasul, terão de escolher nomes “experimentados” para puxarem suas listas. Nesse sentido, um eleitor de esquerda do Rio Grande do Sul a depender da coligação do seu partido, não terá opção: votará na sua sigla de preferência (e provavelmente, sem saber) acabará elegendo um coronel de uma oligarquia do Maranhão (ou de Alagoas). Imaginem uma coligação entre PT, PMDB e PTB: se Lula fosse o 1º nome da lista, provavelmente receberia votos suficientes em nível nacional para eleger a si e os próximos da coligação – por exemplo: Roseana Sarney (2º nome da lista) e Roberto Jefferson (3º nome da lista).

Os pontos de divergência de fundo entre representantes da sociedade civil e o anteprojeto apresentado pela Comissão Suprapartidária da Câmara dos Deputados são: coligações; financiamento público exclusivo, intercalação/alternância por sexo (não gênero), forma de convenção partidária, participação no horário eleitoral.

Os representantes da sociedade civil esperam que a Comissão Suprapartidária adote como procedimento convidar as organizações para apresentarem suas sugestões sobre o anteprojeto. Este comportamento, consoante como principio da participação, já esta sendo adotado na reunião de 7 de julho, onde comparecerão a Reunião Especializada de Mulheres do MERCOSUL, a União Parlamentar do MERCOSUL, o Fórum Consultivo Econômico e Social do MERCOSUL e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
 

Separar o Joio do Trigo

Ricardo Verdum
Antropólogo, assessor do Inesc

A regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, tem pela frente um grande desafio a ser enfrentado: como separar o joio do trigo?

Como fazer para que as boas intenções – que move alguns setores de governo –  não sejam atropeladas pelo interesse exclusivo no “negócio da terra”? 

Como fazer para que a medida chegue a quem na terra trabalha e dela retira o sustento da sua família? Antes dessa pessoa e seus famíliares serem enxotados (por jagunços, pistoleiros e grileiros), a mando dos velhos coronéis, ou dos coronéis do asfalto, que mantêm um olho no espelho retrovisor da sua highlux e outro nos mercados de futuro da carne bovina, da soja e da cana-de-açúcar?

E os territórios indígenas ainda não regularizados pelo Estado brasileiro? A Lei 11.952/09, sancionada pelo presidente Lula da Silva no último dia 25 de junho, afirma que não serão passíveis de alienação ou concessão áreas “tradicionalmente ocupadas por populações indígenas”. Mas serão ampliadas as capacidades humanas, financeiras e técnicas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para, preventiva e preliminarmente, identificar eficientemente o território de direito dos povos indígenas na Amazônia Legal?

Como fazer para que as famílias agroextrativistas sejam beneficiadas pela iniciativa? Como fazer para que terras hoje ocupadas por comunidades tradicionais e famílias quilombolas não sejam invadidos por terceiros, diretamente ou por intermédio de “laranjas”, afoitos interessados em beneficiar-se das novas regras de privatização de terras na Amazônia?

A nova Lei anuncia que ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) serão dadas condições para realizar vistorias de fiscalização dos imóveis rurais de até 4 (quatro) módulos fiscais. Esperamos que sim!

Ao MDA também estão sendo transferidas, pelo prazo de 5 (cinco) anos, renovado por  mais cinco, as competências do Incra para  regularizar as áreas rurais na Amazônia Legal e o poder de expedir títulos e efetivar doações de áreas urbanas.

Também caberá ao MDA, em colaboração com o Ministério do Planejamento (MPOG), a criação de um sistema informatizado, a ser disponibilizado na internet, que segundo é anunciado, visa “assegurar a transparência sobre o processo de regularização fundiária” de que trata a Lei.

E para fiscalizar se houve desmatamento irregular em área de preservação ou de reserva legal das ocupações regularizadas? Quem o fará e com que condições? A Lei é pouco clara sobre isso.

Por outro lado, a lei prevê a instituição de um “comitê” que avaliará, “de forma sistemática”, diz, a implementação das disposições da Lei, contando para isso com a participação de “representante da sociedade civil organizada que atue na região amazônica”. Supondo que esse(s) ou essa(s) representante seja alguém atento aos riscos acima mencionados, que poder terá ele/ela para promover análises independentes e divulgá-las livremente, por exemplo, ao Ministério Público ou às organizações da sociedade civil mais diretamente “representativas” do(s) prejudicado(s)?

Se considerada a crescente permeabilidade do governo federal às pressões dos setores econômicos que historicamente vem se apropriando das terras da União, o que inclui obviamente os territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas; o “costume” das elites políticas no país de fazerem uso da máquina administrativa e dos recursos públicos para eleger e reeleger candidatos de interesse; e a relativa passividade de vários movimentos sociais, que com raras exceções, têm tido dificuldades para enfrentar (conceitual, analítica e metodológicamente] as transformações havidas nas técnicas de dominação e domesticação das insatisfações sociais e individuais, tudo parece indicar que muito joio virá junto com o trigo.

A não ser que…

 

Parlamentares Assumem Compromisso com os Direitos Sociais

Os parlamentares presentes afirmaram o compromisso com a defesa do sistema de proteção social no Brasil e não irão admitir modificações que impliquem em retrocesso na garantia dos direitos sociais estabelecidos na Constituição. As entidades e os parlamentares voltaram a afirmar a necessidade urgente de modificações no Relatório da proposta de Reforma para impedir a perda de direitos sociais.

A coordenação do movimento ressaltou os seguintes princípios que devem ser considerados na reforma tributária:

  1. Exclusividade das fontes e autonomia orçamentária, com destinação específica das despesas vinculadas a políticas sociais protegidas pela Constituição de 1988.
  2. Atendimento em cada período fiscal ao princípio da demanda por direitos sociais já regulamentados, por exemplo, na área de previdência e assistência social. irrestrito no caso dos direitos expressos individualmente, e compatível no caso dos direitos expressos como demanda por bens coletivos.
  3. Não existência de teto físico-financeiro aos orçamentos sociais, mas tão somente princípios fiscais compatíveis com os princípios da política social.
  4. Progressividade na tributação das fontes de recursos exclusivas destinadas à política social, especialmente à Seguridade Social. Ou seja, em nome da justiça tributária, os mais ricos devem pagar mais impostos para preservar o financiamento da proteção social.
  5. Instituição de um Fundo Nacional da Seguridade Social.

Nos últimos dias o movimento tem recebido apoio de novas entidades da sociedade civil como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Além disso, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal encaminhou ofícios ao Ministro Guido Mantega, ao Presidente do Senado Federal, aos Senhores Ministro da Educação, Ministro da Saúde, Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministro da Previdência Social e Presidente da Câmara dos Deputados cobrando explicações referentes ao Financiamento dos Direitos Sociais sob ameaça na Reforma Tributária – PEC 233/2008 (leia aqui).

Também reforça a defesa do financiamento das políticas sociais e a construção do sistema tributário com justiça social, o pronunciamento do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, que lançou a publicação “Indicadores de Equidade do Sistema Tributário Nacional” e incluiu no Parecer encaminhado ao Presidente da República a “garantia à vinculação das aplicações e à diversidade das fontes de financiamento da seguridade social, conforme está constitucionalmente definido” (leia arquivo).

Evilásio Salvador

 

O combate à discriminação

Alexandre Ciconello

Às vésperas da 2.ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o governo do Estado de São Paulo apresentou à Assembleia Legislativa um projeto de lei (PL) que estabelece diversas penalidades para quem praticar atos de racismo, prevendo multas que podem chegar a até R$ 140 mil.

Essa é uma boa contribuição do Executivo paulista para a luta contra o racismo e pela construção de uma sociedade baseada na justiça social. O racismo é um dos principais fatores que estruturam as desigualdades sociais no Brasil. As inaceitáveis distâncias que ainda separam a população negra da população branca, em pleno século 21, se expressam nas relações interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços públicos, ao mercado de trabalho, ao ensino superior, etc.

Punir atos de discriminação racial é um primeiro e importante passo na luta contra o racismo. Contudo, ainda é muito difícil condenar alguém por discriminação racial. Na maioria das vezes, o preconceito e a discriminação não são explícitos, embora suas consequências o sejam. É difícil provar que uma família negra não conseguiu alugar uma casa em razão de preconceito, assim como é difícil provar que alguém não conseguiu um emprego, embora isso aconteça com frequência.

Um ponto de destaque do projeto do governo estadual diz respeito à punição aos agentes que impedirem ou retardarem a prestação de serviço de saúde, público ou privado, em razão de cor ou raça. Muitas vezes isso ocorre em razão da estrutura das instituições que prestam serviços à população. Chamamos isso de racismo institucional, ou seja, quando as práticas discriminatórias são comuns na forma como as organizações se estruturam e definem seus procedimentos internos.

Diversos estudos demonstram como atos de discriminação ocorrem na prestação de serviços públicos à população. As mulheres negras, por exemplo, recebem um pior tratamento do sistema de saúde público do que as mulheres brancas. Para além da punição, o governo paulista deveria implementar programas de combate ao racismo institucional em todos os órgãos estaduais que prestam serviços à população, sensibilizando e formando servidores públicos, revendo normas internas discriminatórias, que nem sempre estão escritas, mas são praticadas no dia a dia.

Acreditamos que o governo e a sociedade paulista estão dando um importante passo na luta contra a discriminação racial no Estado. Esperamos, agora, que a Assembleia Legislativa debata e aprove o projeto encaminhado pelo governador e que as medidas previstas sejam efetivamente implementadas, incluindo ações de combate ao racismo institucional.

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