Edélcio Vigna, Assessor do Inesc
A Presidenta da Repúbica, Dilma Rousseff, utilizando-se do poder presidencial de veto cortou cinco artigos e fez 32 alterações em parágrafos e incisos (art. 3º, 4º, 5º e 26º) na proposta de Código Florestal aprovada pelo Congresso Nacional.
O Comitê Nacional Florestas* apontou em documentos que publicou diversos itens que ameaçam o meio ambiente. De acordo com sua Nota Pública, o Comitê “avalia que o veto parcial da Presidenta Dilma Rousseff foi insuficiente para o cumprimento de sua promessa, apesar de contrariar interesses dos setores mais arcaicos do latifúndio, e ainda mantém a anistia e a redução de áreas de proteção”.
Os resultados das distintas avaliações sinalizavam que a Presidenta teria dificuldades em vetar totalmente a proposta do Congresso devido às tensões existentes dentro da equipe de governo. O veto parcial era o provável – o que acabou ocorrendo –, mas as organizações integrantes do Comitê esperavam que a Presidenta Dilma acataria as sugestões das organizações e movimentos sociais e sindicais, assim como as das instituições científicas.
O Comitê infere que a “situação é fruto da força do agronegócio, que está posicionado de forma hegemônica no Congresso Brasileiro e no próprio Governo Federal”, chama a “convergência das lutas populares e sociais contra o agronegócio para enfrentá-lo e avançar com as necessidades reais da sociedade brasileira”.
Na relação de vetos considerados importantes para a sociedade civil e outros efetuados por motivos técnicos ou por conta de impedimentos legais, apenas três foram acatados. Ao que tudo indica nem os ruralistas, nem os ambientalistas, nem os movimentos vinculados à agricultura familiar e camponesa ficaram satisfeitos com o resultado do processo. Para o governo foi o que pode ser feito, dentro da correlação de forças políticas existente. O problema é que o “real possibilitismo” leva a preservação do status quo.
Os ruralistas anunciaram que já prepararam 50 emendas à MP e vão tentar recompor os interesses perdidos na Medida Provisória encaminhada pelo Executivo. Mesmo sem ter sido contemplado, o Comitê Floresta está mobilizando a sociedade para “pressionar o Congresso e o Governo Federal contra a anistia aos desmatadores”.
As leis são elaboradas sob um contexto específico e na mudança deste modificam-se igualmente, as legislações. Ocorre que a realidade se altera com maior rapidez do que a o marco jurídico e os embates se dão em tempo real e não em tempo legal. Assim, o processo de debate em torno do Código Florestal deve continuar enquanto não houver um equilíbrio, um entendimento mínimo, entre as forças políticas, as forças sociais e entre ambas.
O enfrentamento já está marcado na Comissão Mista que vai apreciar a Medida Provisória, encaminhada pelo governo, para regularizar o art. 1º, da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012 – Código Florestal, vetado integralmente.
*O Comitê é formado pelas organizações não governamentais e movimentos sociais nacionais como Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Central Única dos Trabalhadores (CUT); Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG); Coalizão SOS Floresta; Comissão Justiça e Paz; Via Campesina; Comitê Inter-Tribal; entre outras)
Saiba mais sobre os Vetos
Como um dos vetos se deu sobre o art. 1º, foi necessário que o governo editasse uma Medida Provisória (MP) e a encaminhasse à Mesa da Câmara dos Deputados, que determinou a formação de uma Comissão Mista (deputados e senadores). A função desta comissão será elaborar um relatório sobre os vetos e apresentá-lo ao Plenário para aprovação ou rejeição.
De acordo com a explicação do governo, o art. 1º não indicava “com precisão os parâmetros que norteiam a interpretação e a aplicação da lei” e a MP “corrige esta falha e enumera os princípios gerais da lei”.
O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) deverá retornar à cena na qualidade de relator da Comissão Mista. Este parlamentar foi o mesmo relator do Código Florestal no Senado Federal e acatou várias propostas da Bancada Ruralista. O presidente da comissão deverá ser o deputado Elvino Bohn Gass (PT-RS), que possui vínculos estreitos com os movimentos sociais gaúchos e nacionais. Estes são os nomes que o governo está trabalhando no Congresso.
No artigo 3º, a Presidenta vetou o inciso XI que conceituava o termo “pousio”. De acordo com o governo, o “conceito de pousio aprovado não estabelece limites temporais ou territoriais para sua prática, o que não é compatível com o avanço das técnicas disponíveis para a manutenção e a recuperação da fertilidade dos solos”. Outra razão alegada para tal veto foi que a ausência desses limites tornaria possível que “uma área permanecesse em pousio indefinidamente”.
O § 3º do art. 4o desconsiderava que as áreas de várzea, as de salgados e apicuns fossem ponderadas como Área de Preservação Permanente (APPs), exceto quando ato do poder público dispusesse. O veto repõe esta falha e observa que “esses sistemas desempenham serviços ecossistêmicos insubstituíveis de proteção de criadouros de peixes marinhos ou estuarinos, bem como de crustáceos e outras espécies”.
Os §§ 7º e 8º do art. 4o tratam de faixas marginais em cursos d’água em áreas urbanas determinadas nos Planos Diretores e Leis de Uso do Solo. O governo avaliou que a definição destes cursos d’água pelas leis municipais é um “grave retrocesso à luz da legislação em vigor ao dispensar, em regra, a necessidade da observância dos critérios mínimos de proteção”.
O § 3º do art. 5º versava sobre a implantação de parques aquícolas e polos turísticos e de lazer no entorno de reservatórios. A equipe jurídica do governo entendeu que “o texto traz para a lei disposições acerca do conteúdo do Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial, disciplinado em nível infralegal”.
O governo vetou os §§ 1o (I, II e III) e 2o do art. 26 (I, II e II), que tratavam da supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo. As razões apontaram que além da proposição abordar de forma parcial e incompleta a matéria, a mesma está disciplinada pela Lei Complementar no 140/11.
O Art. 43 (e seus três parágrafos), que foi vetado integralmente, tratava de recuperação e manutenção de vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente existente “na bacia hidrográfica em que ocorrer a exploração”. De acordo com o governo, há um duplo entendimento: as concessionárias devem recuperar, manter e preservar as áreas nas quais atuam ou toda a extensão da bacia hidrográfica.
Outro dispositivo vetado foi o Art. 61(seus §§ e incisos) que autorizava a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. O governo justifica o veto afirmando que o artigo “parece conceder uma ampla anistia aos que descumpriram a legislação que regula as áreas de preservação permanente até 22 de julho de 2008, de forma desproporcional e inadequada. Com isso, elimina a possibilidade de recomposição de uma porção relevante da vegetação do País”.
O artigo 76, que outorgava ao Poder executivo prazo para estabelecer as especificidades da conservação, da proteção, da regeneração e da utilização dos biomas brasileiros foi vetado por ferir o princípio da separação dos Poderes ao “firmar prazo para que o Chefe do Poder Executivo encaminhe ao Congresso Nacional proposição legislativa”.
O art. 77 foi vetado integralmente, pois se referia à ‘Diretrizes de Ocupação do Imóvel”, sem que haja definido o conteúdo desse instrumento, trazendo insegurança jurídica.