Inesc alerta para o risco da incorporação do Floresta+ no mercado voluntário de carbono

17/12/2020, às 11:58 (atualizado em 17/12/2020, às 12:03) | Tempo estimado de leitura: 5 min
Estudo mostra por que é um equívoco vincular dois programas tão distintos em termos de concepção e público alvo
Foto: Pixabay

O dinheiro do Fundo Verde para o Clima, recebido pelo governo brasileiro no valor de US$ 96 milhões, deveria ter endereço certo: o pagamento por serviços ambientais para agricultores familiares, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais que contribuem para preservar a floresta amazônica em seus territórios. Mas o atual governo parece ir na contramão deste objetivo. É o que alerta o estudo realizado pelo Inesc sobre a implementação do “Programa Piloto para Pagamento por Resultados de REDD+” (Programa Piloto Floresta +).

Tal Programa Piloto foi incorporado como parte de um programa mais amplo de criação de mercado voluntario, público e privado, de créditos de carbono de floresta nativa, o chamado “Programa Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais Floresta+ (Programa Floresta + Carbono). Os nomes são muito parecidos e se confundem, mas a intenção de cada programa é distinta e com elevado potencial de contradição entre os dois.

O Projeto Piloto foi fundamentado a partir da “Estratégia Nacional de REDD+ (ENREDD+)”, construída entre 2015 e 2016, e que tem o objetivo de contribuir para o enfrentamento do desmatamento nos biomas brasileiros. Em linhas gerais, a ENREDD+ é formada pela combinação de políticas e planos que já vinham sendo implementados antes do seu estabelecimento e que tiveram resultados positivos reconhecidos. O principal destino dos US 96 milhões deve ser o pagamento por serviços ambientais para beneficiar diretamente os responsáveis pela proteção e conservação ambiental.

Já o Programa Floresta + Carbono tem como objetivo alavancar um mercado voluntário, público e privado de carbono florestal dentro do Brasil. Como divulgado pelo governo, a tentativa é estender o pagamento por serviços ambientais para todos os produtores rurais, inclusive aqueles que historicamente desmataram a floresta e foram em parte “perdoados” com a mudança do Código Florestal. Em outras palavras, o Programa pretende remunerar produtores privados para manter Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente, área estimada em 121 milhões de hectares. Prevê também que o mercado de carbono florestal sirva como estímulo para recuperar o passivo em áreas privadas (de APP e RL) estimado em aproximadamente 35 milhões de hectares. Ou seja, quem desmatou ilegalmente poderá compensar comprando créditos de carbono florestal de quem protegeu. O mercado também poderá funcionar entre estados e setores, por exemplo, o desmatamento provocado por uma grande projeto na Amazônia ou em São Paulo poderá ser compensado com a manutenção da floresta em outra área.

Para além dos problemas e riscos deste mercado de carbono, o estudo alerta para os equívocos de vincular, como parte de uma iniciativa geral (Floresta+), dois programas tão distintos em termos de concepção e público alvo.

Desmatamento

A pesquisa deve ser lida no contexto onde o aumento do desmatamento e as queimadas devem colocar o país como o “único grande emissor de gases de efeito estufa a ter aumento em suas emissões no ano em que a economia global parou por conta da pandemia”, aponta o Observatório do Clima. Sua divulgação sai na semana em que o Brasil foi excluído da Cúpula de Ambição Climática 2020, um claro sinal da incapacidade do governo de construir um compromisso efetivo com a redução das suas emissões. A atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) divulgada pelo governo foi amplamente apontada como insuficiente e imoral.

“O governo brasileiro desmonta rapidamente as políticas socioambientais que mais contribuíram para a redução do desmatamento, políticas que poderiam estar sendo fortalecidas com os recursos do Fundo Verde, que já estão no Brasil. É muito importante que este projeto seja monitorado e acompanhado em detalhes, tanto pelo Fundo Verde para o Clima, quanto pela sociedade civil, pois os riscos na sua implementação são consideráveis”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

 

*O REDD+ é um instrumento reconhecido pelas Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC) e premia os resultados já alcançados no combate às mudanças climáticas nos países, visando contribuir para a manutenção das capacidades de governança ambiental e socioambiental positivamente avaliadas.

 

Categoria: Notícia
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