Licenciamento Ambiental: o que as mudanças significam - INESC

Licenciamento ambiental ameaçado: PL 2.159/2021 representa grave retrocesso à proteção socioambiental

20/05/2025, às 14:12 | Tempo estimado de leitura: 13 min
Já aprovado pela Câmara, Projeto de Lei tem semana decisiva no Senado; leia a nota de posicionamento do Inesc e entenda.
Imagem: pldadevastacao.org

O Senado Federal iniciou nesta terça-feira (20), a análise do Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, que altera profundamente as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Apresentado como uma proposta de modernização, o texto enfraquece salvaguardas fundamentais para a proteção dos ecossistemas e dos direitos de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais.

A tramitação do PL acontece em um momento contraditório: o Brasil se prepara para sediar a COP 30, assumindo compromissos globais com a agenda climática, enquanto avança internamente com uma legislação que desconsidera os impactos ambientais e sociais dos grandes empreendimentos.

O projeto permite formas de auto licenciamento e flexibiliza obrigações essenciais, como estudos técnicos precedentes e a consulta livre, prévia e informada aos povos impactados. Além disso, ignora decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e compromete o cumprimento de tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT.

Casos como o da Ferrogrão, megaprojeto ferroviário que atravessa territórios indígenas e unidades de conservação na Amazônia, ilustram os riscos concretos dessa mudança legislativa: violação de direitos, insegurança jurídica e danos irreversíveis ao meio ambiente e ao patrimônio cultural.

De acordo com nota de posicionamento divulgada hoje pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), “o Brasil precisa de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental que fortaleça, e não fragilize, os instrumentos de avaliação e controle e promova o respeito ao direito das comunidades em seus territórios.”

A votação do PL 2.159/2021 deve ocorrer no Plenário do Senado nesta quarta (21). 

Leia a nota de posicionamento completa e entenda por que o PL 2.159/2021 precisa ser rejeitado:

Licenciamento Ambiental em risco: os perigos do PL n. 2.159/2021 para o meio ambiente e os direitos das comunidades tradicionais

O Brasil está à beira de um retrocesso sem precedentes em sua política ambiental. O Projeto de Lei n.  2.159/2021, aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados e que tramita, hoje, no Senado é  uma ameaça concreta à integridade dos ecossistemas brasileiros e aos direitos de comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.

COP 30

A aprovação de um Projeto de Lei como esse, na mesma época em que o Brasil sediará a 30ª edição da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, tendo se colocado como protagonista na pauta climática, significa o envio, ao mundo, de um sinal de descompromisso com a agenda ambiental, sobretudo com o acordo de Paris[1], tendo em vista que não há qualquer menção ao clima em todo o texto do projeto.

A omissão é grave e revela o desalinhamento entre o discurso oficial e a prática legislativa nacional. Também expõe as fragilidades na articulação entre os poderes executivo e legislativo, uma vez que o país projeta avanços na agenda ambiental, reforçando compromissos ao sediar um evento global, e, ao mesmo tempo, aprofunda políticas que reduzem salvaguardas socioambientais, favorecendo interesses econômicos de curto prazo.

PL n. 2.159/2021

A referida proposta é apresentada como uma tentativa de modernização do licenciamento ambiental no Brasil. Contudo, na prática, ela enfraquece drasticamente as bases normativas de proteção ambiental, ignora as salvaguardas previstas na Constituição Federal e viola,  inclusive, tratados internacionais[2].

Sob o discurso de “modernização” e “desburocratização”, o PL esvazia a função preventiva do licenciamento ambiental – um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981). O projeto permite, por exemplo, o uso da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio porte (art. 21) ou para quando a autoridade licenciadora considerar que a atividade não é potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 17, § 4º).

Dessa forma, o referido projeto de lei  ignora  o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal – STF (ADI 5312) que, em 2018, julgou inconstitucional a possibilidade de dispensa da exigência de licenciamento para atividades potencialmente poluidoras. Para o STF, “a dispensa de licenciamento de atividades identificadas conforme o segmento econômico, independentemente de seu potencial de degradação, e a consequente dispensa do prévio estudo de impacto ambiental (art. 225, § 1º, IV, da CF) implicam proteção deficiente ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF)”[3].

Além do mais, essa previsão elimina a exigência de estudos ambientais prévios, vistorias e análises técnicas essenciais, transferindo ao empreendedor a decisão sobre sua própria regularidade ambiental (art. 7, § 4º e art. 21, § 3º). A lógica predominante é a do autolicenciamento, que fragiliza o papel do Estado, eleva o risco de desastres e amplia o risco à segurança jurídica associada aos projetos, executores e financiadores[4].

Portanto, um verdadeiro retrocesso em vias de ser introduzido na legislação ambiental brasileira. Ao flexibilizar o instrumento constitucional do licenciamento ambiental, ele viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado por meio da interpretação de tratados internacionais e da jurisprudência brasileira[5].

Implicações na Mineração

Embora o texto do projeto estabeleça, em seu art. 1º, §3º, a exclusão dos empreendimentos minerários de grande porte e/ou alto risco da aplicação imediata da nova lei, essa exceção é inócua na prática. Pois, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas 12% das minas brasileiras se enquadram como de grande porte — o que significa que cerca de 88% dos projetos minerários estariam diretamente sujeitos às regras mais flexíveis do novo licenciamento (Milanez et al., 2021)[6].

O PL também não define, com clareza, os critérios para classificar o porte ou o risco das atividades minerárias. Essa lacuna abre espaço para interpretações arbitrárias, com possibilidade de fracionamento proposital de empreendimentos para que se encaixem em categorias de menor exigência — prática comum já observada no setor.

O Direito das Comunidades Tradicionais, indígenas e quilombolas

O PL 2.159/2021 também promove graves violações de direitos humanos, sobretudo dos direitos territoriais de povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. O texto restringe a obrigatoriedade de consulta a esses povos apenas aos territórios já formalmente homologados ou titulados (arts. 38 a 42), ignorando que a maior parte dessas áreas se encontra em processo de regularização há décadas, em razão da própria omissão do Estado. Essa limitação afronta o disposto no art. 231 da Constituição Federal e a Convenção nº 169 da OIT, que prevê o direito à consulta prévia, livre e informada para qualquer intervenção que afete os modos de vida dessas comunidades – independentemente do estágio formal de reconhecimento fundiário[7].

Caso Ferrogrão

Tal retrocesso se torna ainda mais alarmante à luz de casos concretos como o da Ferrogrão, um megaprojeto ferroviário que revela, de forma contundente, as falhas estruturais de processos de licenciamento ambiental conduzidos sem participação social adequada e sem a devida avaliação estratégica de seus impactos cumulativos e regionais.

O caso da Ferrogrão (EF-170) – ferrovia planejada para escoar commodities agrícolas entre Sinop (MT) e Itaituba (PA) – representa um exemplo paradigmático dos riscos que corremos ao flexibilizar o licenciamento. Com quase 1.000 km de extensão, o projeto atravessa terras indígenas, unidades de conservação, sítios arqueológicos e comunidades tradicionais.

No caso concreto, os protocolos de consulta elaborados pelos povos indígenas impactados foram sistematicamente desconsiderados pelas autoridades, mesmo diante das recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU)  e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Consequentemente, a situação foi judicializada no STF (ADI 6553).

O desrespeito à escuta das comunidades se manteve, conforme aponta o relatório “Trilhando para o Apagamento Cultural”, a despeito da região abrigar sítios arqueológicos de grande relevância, lugares sagrados e patrimônio biocultural de povos que habitam ali há milênios. A biodiversidade, a memória, a identidade e a espiritualidade dos povos da região foram comprometidos. Esses impactos não são exceções, mas se apresentam como sintomas de um modelo de licenciamento cada vez mais orientado por interesses econômicos de grandes empreendimentos, em detrimento da justiça ambiental e dos direitos humanos.

Considerações Finais

Em síntese, a proposta do PL 2.159/2021 enfraquece o licenciamento ambiental como instrumento de gestão pública e ameaça diretamente os direitos constitucionais de comunidades tradicionais, além de desmontar as estruturas de governança ambiental e comprometer o cumprimento de compromissos internacionais sobre clima, biodiversidade e direitos humanos.

Por isso, urge a rejeição do PL 2.159/2021. O Brasil precisa de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental que fortaleça, e não fragilize, os instrumentos de avaliação e controle e promova o respeito ao direito das comunidades em seus territórios.

 

[1] CONJUR. FARIAS, T.; FONSECA, A. Viabilidade técnica e jurídica da consideração das mudanças climáticas no licenciamento ambiental. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-25/viabilidade-tecnica-e-juridica-da-consideracao-das-mudancas-climaticas-no-licenciamento-ambiental/ Acesso em 19/05/2025.

[2] REVISTA PANORAMA STJ:MEIO AMBIENTE, ACORDOS INTERNACIONAIS E A PAUTA DO STJ. MATÉRIAS ESPECIAIS DO SITE | Ano 2017. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/panoramastj/article/view/11598/11722. Acesso em 19/05/2025.

[3] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.312 TOCANTINS.PLENÁRIO, 25/10/2018.

[4] OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Nota técnica sobre o PL 2.159/2021. Disponível em: https://oc.eco.br/nota-tecnica-detalha-desmonte-do-licenciamento-ambiental-no-senado/ Acesso em 19/05/2021.

[5] Segundo esse princípio, os direitos humanos, inclusive o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, devem ter cumprimento progressivo, sendo vedado ao Estado adotar medidas que fragilizem a efetivação de direitos e que impliquem em retrocesso. Interpretações da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal brasileiro consolidam este postulado no nosso sistema jurídico.

[6] Milanez, B.; Magno, L.; Wanderley, L. J. (2021) O Projeto de Lei Geral do Licenciamento (PL 3.729/2004) e seus efeitos para o setor mineral. Versos – Textos para Discussão PoEMAS, 5(1), 1-32.

[7] OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Nota técnica sobre o PL 2.159/2021. Disponível em: https://oc.eco.br/nota-tecnica-detalha-desmonte-do-licenciamento-ambiental-no-senado/ Acesso em 19/05/2021.

Categoria: Notícia
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