Por Graziele David, assessora politica do Inesc
Reformar ou simplificar o sistema tributário. O que parece ser um mero jogo de palavras revela muito mais do que o entendimento da tributação no país, descortina o modelo de Estado que cada presidenciável pretende fortalecer caso seja eleito.
A simplificação tributária, apesar de necessária, é insuficiente para resolver os graves problemas que o Brasil tem na arrecadação de tributos (impostos, contribuições, taxas). Ela é necessária para lidar tanto com o excesso de tributos que dificultam a arrecadação para o contribuinte e para a administração pública, quanto para reduzir a ‘guerra fiscal’ entre entes federados, ao realizarem desonerações tributárias para atrair empresas. Ocorreria assim ganho de eficiência na arrecadação e de competitividade na produção e exportação.
A principal proposta nesse sentido hoje é a defendida pelo Centro de Cidadania Fiscal – CCIF de criação de um Imposto sobre valor agregado – IVA (batizado de Imposto sobre Bens e Serviços – IBS) unificando cinco tributos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. O prazo de transição seria de 10 anos para os contribuintes e de 50 anos para a partilha entre os entes federativos. Com relação à alíquota, existiria uma nacional idêntica para todos os bens e serviços, mas estados e municípios poderiam alterar para determinados produtos. Também haveria um imposto seletivo, adicional à cobrança do IBS, sobre dois produtos, com a meta de reduzir o consumo: bebidas alcoólicas e cigarros.
Já a atual proposta do relator da Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados também segue no sentido de simplificação, apesar de ter algumas diferenças. Ela propõe unificar nove tributos: ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins, Cide, Salário-Educação, IOF e Pasep. O período de transição seria de seis anos para as empresas e de 15 anos para a nova divisão com Estados e municípios. As alíquotas seriam estabelecidas todas em lei complementar federal e a arrecadação, dividida num percentual com Estados e Municípios. Também existiria um imposto seletivo sobre seis produtos: energia, combustíveis, telecomunicações, cigarros, bebidas e veículos.
Entretanto, somente simplificar não reduz um grande problema existente: a composição da carga tributária brasileira amplia desigualdades ao invés de reduzir, como ocorre nos países mais desenvolvidos. Isso acontece porque mais de 50% dos tributos arrecadados incidem sobre o consumo, ao invés de serem sobre a renda e a propriedade. Como os tributos sobre o consumo pesam proporcionalmente mais sobre os mais pobres e a classe média, o resultado é que a atual composição da carga tributária faz com o grupo mais vulnerável da população – mulheres negras pobres – pague mais tributos proporcionalmente à sua renda do que os mais ricos.
É por essa razão que a defesa de uma reforma tributária não pode se ater somente à simplificação e à eficiência do sistema tributário. Ela deve necessariamente se ater à promoção da equidade e da redução das desigualdades, para a promoção de justiça fiscal e social.
A atual proposta que caminha nessa direção mais formulada nesse sentido é a da ‘Reforma Tributária Solidária’, organizada pela Anfip e Fenafisco, com a participação de várias outras organizações da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, acadêmicos e especialistas. Ela apresenta algumas premissas essenciais para a reforma do sistema tributário nacional, devendo ser esse: pensado na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico; adequado ao propósito de fortalecer o Estado de Bem-estar Social e reduzir desigualdades; progressivo com redistribuição da composição da carga tributária ao ampliar a tributação direta e reduzir a indireta; instrumento para reestabelecer as bases do equilíbrio federativo; desenvolvidas as tributações ambientais e sobre o comércio internacional.
Observação: a candidata Vera Lúcia do PSTU não trata do tema da reforma tributária no seu programa de governo.
A escolha entre reformar por completo o sistema tributário ou somente simplificá-lo mostrará o compromisso dos candidatos à presidência com um Estado que irá fortalecer as despesas com investimentos e serviços públicos, voltado para o mercado interno, promotor da redução de desigualdades, garantidor de direitos; ou um Estado voltado para o investimento privado, para o mercado externo, despreocupado com as desigualdades e comprometido com a austeridade.
Isso porque existe uma relação direta entre mera simplificação tributária e políticas de austeridade pelo lado dos gastos do orçamento público. Para conseguir simplificar e reduzir a carga tributária, não é suficiente promover melhor gestão e eficiência das políticas públicas, uma vez que no Brasil elas já têm um financiamento per capita muito abaixo da média dos países da OCDE. Necessariamente ocorrerão cortes orçamentários nessas políticas promotoras de direitos e que a população tanto demanda, como saúde, educação, segurança, alimentação, transporte, entre outras.
Candidatura Fernando Haddad
Segundo consta do plano de governo, a estrutura tributária não pode continuar sendo predominantemente de impostos indiretos, que oneram em especial os assalariados e os mais pobres. Por isto, a reforma tributária será orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica, com as seguintes diretrizes:
•Isentar o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) de todos aqueles que ganham até cinco salários mínimos, condicionado à majoração para rendas mais elevadas por meio de faixas adicionais de alíquotas do IRPF para os super ricos;
•Tributação direta sobre a distribuição de lucros e dividendos seguindo tabela progressiva do IRPF. O aumento do IRPF pode ser combinado com redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para elevar a competitividade do setor privado compatível internacionalmente;
•Criação de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) moderno, com cobrança no destino, que substitua a atual estrutura de impostos indiretos (ICMS, IOF, IPI, ISS, etc.), respeitando o equilíbrio federativo, o financiamento da seguridade e viabilizando a transição de regimes. É fundamental que a mudança seja gradual e não represente perdas para os entes federados, mas, ao mesmo tempo, contribua para superar a desigualdade regional;
•Instituição de tributação sobre grandes movimentações financeiras, de caráter regulatório;
•Introdução do imposto sobre grandes patrimônios, bem como a reformulação do Imposto sobre heranças, especialmente grandes heranças e a extensão da cobrança do IPVA para jatos, lanchas e outros veículos;
•Alteração do Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR) para que possa atender aos requisitos de incentivo tanto da elevação produtiva do solo, quanto da preservação ambiental. Também virá acompanhado de novos mecanismos voltados para os usos da terra para desestimular o processo especulativo, as práticas predatórias ao meio ambiente e a aquisição de terras por estrangeiros;
•Rebalancear impostos incidentes sobre a folha de pagamento, equalizando o tratamento tributário entre pessoa física e jurídica e incentivando a formalização de todas as ocupações;
•Criação de “tributos verdes” que permitam ao Estado atuar sobre a emissão de gases de efeito estufa e estimular pesquisas e investimentos na adoção de tecnologias voltadas para a sustentabilidade ambiental – inserido dentro de uma proposta de reforma fiscal verde;
•Ampla revisão dos chamados “gastos tributários” regressivos, assim como os benefícios fiscais voltados à economia de alto carbono.
Candidatura Ciro Gomes
Para a candidatura Ciro, crescer distribuindo renda é fundamental. Reduzir as gritantes desigualdades econômicas e sociais do país requer um conjunto amplo e simultâneo de medidas, como promover uma reforma tributária com simplificação do sistema tributário e tributação proporcional dos mais ricos. Também serão adotadas as seguintes medidas:
•Redução, inicial, de 15% das desonerações tributárias;
•Revisão de todas as despesas do governo, de modo a eliminar desperdícios, sobreposições e privilégios; os gastos com investimentos, Saúde e Educação deverão ser preservados;
•Isenção de tributos na aquisição de bens de capital;
•Redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica;
•Redução de impostos sobre consumo (PIS/COFINS e ICMS);
•Criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), unificando vários tributos atualmente existentes;
•Eliminação gradual da chamada “pejotização”;
•Recriação do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos;
•Alteração das alíquotas do ITCD (imposto sobre heranças e doações);
•Simplificação da estrutura tarifária de importações;
•Elevação da alíquota do ITCD (imposto sobre heranças e doações).
Candidatura Marina Silva
No entendimento da candidatura da Marina, é imperativo promover a reforma tributária para reduzir a complexidade e a insegurança jurídica, que dificultam o estabelecimento de um ambiente favorável aos negócios e ao empreendedorismo. Neste sentido, propõe:
•implantação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), reunindo cinco tributos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.Os princípios que nortearão essas mudanças são: simplicidade, para que as regras sejam claras e de fácil aplicação, com o mínimo de exceções e regimes especiais; transparência, para que o cidadão tenha clareza de quanto paga e possa cobrar a melhoria dos serviços públicos, exercendo a sua cidadania tributária; neutralidade, para desestimular as distorções na forma de organização, instalação e operação das empresas, eliminando a deletéria guerra fiscal entre estados e municípios; e equidade, para dosar de forma adequada o tratamento dos cidadãos e das empresas, eliminando privilégios e a atual regressividade, que condena os mais pobres a pagarem, proporcionalmente, mais impostos.
Para corrigir a regressividade elevada do sistema tributário em nosso país e estimular o reinvestimento dos lucros na produção sugere-se:
•tributação sobre dividendos, com redução simultânea do IRPJ (Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas);
•elevação da alíquota do imposto sobre herança, com isenções progressivas;
•aumento da base de tributação sobre a propriedade;
•descentralização da autoridade para tributar;
•revisão do atual sistema brasileiro de tributação da pessoa jurídica, informando antecipadamente os critérios de interpretação da legislação. Novas tecnologias para que todas as informações sobre o fato gerador sejam transparentes e disponíveis em um guia nacional para o pagamento de todos os tributos incidentes de forma integrada.
Candidatura Jair Bolsonaro
O programa de governo do candidato Bolsonaro visa a unificação de tributos e a radical simplificação do sistema tributário nacional, com:
•gradativa redução da carga tributária bruta brasileira paralelamente ao espaço criado por controle de gastos e programas de desburocratização e de privatização;
•simplificação e unificação de tributos federais eliminando distorções e aumentando a eficiência da arrecadação;
•descentralização e municipalização para aumentar recursos tributários na base da sociedade;
•discriminação de receitas tributárias específicas para a previdência na direção de migração para um sistema de capitalização com redução de tributação sobre salários;
•introdução de mecanismos capazes de criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal; e
•aprimoramento da carga tributária brasileira fazendo com que os que pagam muito paguem menos e os que sonegam e burlam, paguem mais.
Candidatura Geraldo Alckmin
O programa de governo do Alckimin aborda muito superficialmente o tema. Diz apenas que buscará simplificar o sistema tributário por meio da substituição de cinco impostos e contribuições por um único tributo: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Candidatura Guilherme Boulos
No entendimento da candidatura Boulos, é preciso reformar o sistema tributário brasileiro, com simplificação e ampliação significativa da progressividade, para aumentar a equidade e a eficiência na arrecadação e seu caráter regulatório, com as seguintes medidas:
•redução das alíquotas com base mais ampla ao nível da empresa e tributar mais progressivamente a renda da pessoa física, resultando em ganho líquido de 1,3% do PIB na arrecadação de imposto de renda (de 7% para 8,3% do PIB, nível inferior ao dos países na OCDE, que é de 11,1%);
•aumento da alíquota de isenção do IRPF, com correção da tabela do IPRF;
•aumento da alíquota para 35% do IRPF para rendimentos acima de R$ 325 mil por ano;
•tributação linear sobre dividendos com base em uma alíquota de 20%;
•redução da alíquota de IRPJ/CSLL para 25%, mas ampliando a base de incidência pela revisão de benefícios tributários, como juros sobre capital próprio, que hoje favorecem os que podem contratar planejamento tributário e aproveitar as brechas (eg. Bancos);
•aumento da arrecadação de impostos sobre propriedade urbana e rural de 0,6% para 1% do PIB: legislação para facilitar cobrança de dívidas; reajuste da planta de valores dos imóveis; aumento da alíquota e da progressividade;
•aumento da arrecadação com tributação sobre herança e doações inter vivos (ITCMD) de 1,7% para 1,9% do PIB tributando as grandes fortunas na herança: federalizar o imposto sobre herança e aumento da arrecadação com tributação baseada em alíquotas progressivas de 2% a 40%; legislação para tornar nacional a administração do imposto, integrando-o com a base de dados do imposto de renda, de modo a reduzir a evasão pela mobilidade do patrimônio;
•aumento do imposto sobre grandes fortunas com arrecadação adicional de 0,1% do PIB;
•implementação de tributação ambiental;
•revisão das desonerações e outros gastos tributários;
•aumento da arrecadação de impostos sobre propriedade rural: legislação para fortalecer a cobrança de dívidas e a fiscalização; legislação para livrar a definição do valor administrativo dos imóveis da influência de grupos de interesse políticos (eg. lobby ruralista); regulamentação de maior progressividade de alíquotas para fins de justiça fiscal e instrumento extrafiscal para a política fundiária e fiscalização similar à do imposto de renda para as declarações do imposto territorial rural – ITR;
•modernização e redução gradual das alíquotas dos tributos que incidem sobre bens e serviços, como a cesta básica (Pis/Cofins, IPI, ICMS etc.): eliminação de cumulatividades via migração das bases de incidência para o valor agregado, com amplo aproveitamento de créditos, tributação e repartição no destino; manutenção das contribuições para a seguridade social em um modelo baseado na tributação sobre o valor agregado;
Candidatura Cabo Daciolo
O programa de governo do Cabo Daciolo menciona o tema superficialmente: segundo consta do plano de governo, “Governar é baixar juros e impostos. Uma questão imprescindível ao desenvolvimento se refere à redução da carga tributária”.
Candidatura João Amoêdo
A candidatura de Amoêdo entende que a carga tributária brasileira é elevada e complexa; gera insegurança jurídica além de enorme volume de burocracia; apresente visão ideológica contrária ao empreendedor e ao lucro. Por isso, propõe uma simplificação e redução dos impostos e burocracias para dinamizar a economia, facilitar o empreendedorismo e propiciar a criação de empregos. Para tal apresenta as seguintes propostas:
•adoção do IVA (Imposto de Valor Agregado);
•implementação de carga tributária inferior a 30% do PIB;
No entendimento do candidato, o brasileiro não precisa de um Estado grande porque é pobre, ele é pobre justamente por ter um Estado grande; não é necessário ter Estado para ajudar o próximo. Defende, ainda, que vai combater a pobreza e não a desigualdade por meio da geração de renda e não pela distribuição. As prioridades serão: redução do Estado, aumento da responsabilidade fiscal, garantia da propriedade privada, com destaque para o campo, para que o agronegócio tenha condições jurídicas e estruturais.
Candidatura João Goulart Filho
As propostas apresentadas são as seguintes:
•Promover uma Reforma Tributária Direta e Progressiva que elimine impostos indiretos, taxando a renda e a propriedade dos grandes e não o salário dos pequenos;
•Suprimir as renúncias fiscais;
•Revogar a Lei Kandir que isenta de ICMS produtos e serviços destinados à exportação;
•Revogar a isenção da contribuição previdenciária para o agronegócio;
•Estabelecer um imposto progressivo sobre as remessas de lucros das multinacionais para suas matrizes no exterior;
•Revogar a lei que isenta de impostos as importações das petroleiras estrangeiras instaladas no Brasil;
•Combater de forma rigorosa a sonegação fiscal.
Candidatura Álvaro Dias
O tema é mencionado em uma frase, a saber: “Promover reforma tributária que estabeleça como prioridade a mais justa distribuição dos recursos entre os entes federados, no contexto do novo pacto federativo”.
Candidatura Eymael
No seu programa de governo, o candidato Eymael recomenda promover a reforma tributária visando à simplificação do Sistema, a redução da carga tributária e o respeito à capacidade contributiva. Destaca ainda que é preciso repensar o Pacto Federativo, distribuindo de forma equitativa atribuições de recursos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Candidatura Henrique Meirelles
A candidatura Meirelles propõe a simplificação do sistema tributário brasileiro com estudos que visem à criação de um imposto de valor agregado, o IVA. Defende-se que a reforma tributária precisará respeitar o tempo de adequação ao novo modelo, sem comprometer incentivos legalmente estabelecidos, mais eficiente, sem aumentar a carga tributária.