No Dia Mundial Sem Carro, o jornal Correio Braziliense (edição impressa, de 22/09/2017) publicou artigo dos assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cleo Manhas e Yuriê Baptista, sobre a situação da mobilidade urbana no Distrito Federal.
Leia a íntegra do texto:
Pensar Brasília para pessoas, não para carros
Cleo Manhas e Yuriê Baptista, assessores do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrantes do Movimento Nossa Brasília.
O Distrito Federal, assim como milhares de outras regiões metropolitanas no planeta, sofre com os problemas gerados pelo excesso de automóveis nas ruas. São congestionamentos (com os espaços nas ruas mal divididos com o transporte coletivo), veículos estacionados em todos os lugares, mortes decorrentes de colisões, poluição sonora e do ar, e tantos outros problemas.
Por ser uma cidade modernista, Brasília teve, desde o nascedouro, um planejamento voltado preferencialmente para carros, em detrimento de uma mobilidade ativa, que priorizasse pessoas. Infelizmente, o pensamento do urbanista que planejou a capital, Lúcio Costa, não vingou, quando disse que os veículos individuais seriam domesticados. Ocorreu o contrário: eles se expandiram e ocuparam todos os espaços, até mesmo dos pedestres, que ficaram sem calçadas, transformadas que foram em estacionamentos.
A opção rodoviarista tem gerado incontáveis custos para a saúde pública. Em 2015, o Inesc fez um estudo do orçamento da mobilidade e um exercício para ver o quanto é gasto do orçamento da saúde com acidentes de trânsito. E quando comparamos os gastos dentro do orçamento temático da mobilidade, o dado é bastante relevante, pois se gasta muito mais com o atendimento aos acidentados do que com campanhas preventivas. Estimou-se que o gasto com a educação foi de cerca de 10% em relação ao gasto com acidentes, mesmo que não se tenha números precisos, visto que os acidentes são subnotificados.
Fica-se no eterno dilema de que, enquanto o transporte público não for adequado, não é possível adotar medidas de restrição ao uso do automóvel. O que não percebem é que esse mesmo sistema ‘inadequado’ funciona para cerca de 1 milhão de pessoas que se deslocam diariamente de transporte coletivo no DF, sem contar com as mais de 200 mil pessoas que moram no entorno e se deslocam para o Plano Piloto todos os dias.
Além disso, há uma ilusão vendida pela indústria do automóvel, de que o motorista sempre encontrará ruas vazias, passando assim sensação de uma falsa liberdade para quem usa o carro; ou mesmo de status por possuir um bem como um automóvel, que dialoga com a sociedade de consumo, “para se ter sucesso é preciso ter um carro potente”. No entanto, também já se sabe que a redução da velocidade nas cidades é uma necessidade não só de humanização do espaço público, como também de fruição do trânsito.
Os sucessivos governantes do DF continuam achando que é mais fácil repetir os mesmos erros do que inovar para tornar Brasília uma cidade mais humana. Por terem mandatos de quatro anos, os governantes preferem não enfrentar a cultura arraigada de que todas as pessoas devem ter carros particulares e infraestrutura adequada para a sua circulação. E, em vez de criarem campanhas educativas e políticas de restrição do uso dos automóveis, para a implantação de uma nova cultura mais humanizada, preferem continuar apostando no que a maior parte da população acredita ser o melhor caminho, até por não terem experimentado outras formas.
Com relação ao Plano Piloto, onde há durante o dia uma intensa circulação de pessoas de diversas partes do DF, é preciso superar a leitura de que o tombamento não permite alterar o seu traçado. Ora, uma das diretrizes do tombamento é a “circulação livre de pedestres garantida pela ausência de barreiras de qualquer natureza, até mesmo cercas-vivas, nos pilotis e espaços públicos”. No entanto, é necessário que a população e o governo se conscientizem que uma via, onde a velocidade permitida é de 80 km/h, como o Eixão, que corta todo Plano Piloto, é um muro que separa a cidade em duas. A ausência de iluminação pública e segurança também são barreiras, especialmente para as mulheres, para quem a cidade é mais perigosa.
A semana da mobilidade e o dia mundial sem carro é um momento de, coletivamente, a população e governo refletirem sobre outras possibilidades de cidades, mais inclusivas, mais democráticas, mais humanizadas. Para pessoas, não para carros.