O que a agenda do ministro de Minas e Energia revela sobre as prioridades do setor energético

01/03/2019, às 10:35 | Tempo estimado de leitura: 18 min
Por Maurício Ângelo
Novo ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque tem nas mãos uma pasta fundamental para o país.
Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

Anunciado como ministro de Minas e Energia em um contexto de ampla presença militar no governo Bolsonaro – são cerca de 100 nomes, sobretudo em áreas estratégias – o almirante Bento Albuquerque tem nas mãos uma pasta fundamental para o país,  que gerencia um extenso quadro de órgãos decisivos para a matriz energética em diversas frentes e tem um orçamento previsto em 2019 de R$ 56,3 bilhões.

No MME, Albuquerque terá a companhia de nomes que se especializaram em atender interesses privados, caso de Bruno Eustáquio, que ocupa o cargo recém-criado de secretário-executivo adjunto e que atuou como diretor no Programa de Parcerias de Investimentos.

Nomes em outros postos chave também chamam a atenção: Ricardo Cyrino, nomeado secretário de Energia Elétrica, vem do grupo norte-americano AES Tietê e passou também pela gestora Pátria Investimentos e pela CPFL Energia. Wilson Ferreira Júnior, ex-presidente da CPFL (comprada pela chinesa State Grid) foi mantido no comando da Eletrobras, que passa por privatização que agora deve ficar para 2020.

Chineses são tratados como prioridade pelo ministro

É nos detalhes que as intenções do ministro Albuquerque e sua equipe se revelam. As primeiras reuniões da equipe ministerial mostram as prioridades traçadas, as estratégias consideradas, os passos certeiros que pretendem dar a seguir.

O INESC avaliou uma a uma as agendas do ministro e chegou a pontos relevantes. Nestes primeiros 50 dias, Albuquerque se encontrou com representantes da State Power Investment Corporation Brasil (SPIC) em 30 de janeiro, quinto maior grupo de energia da China, que adquiriu a Pacific Hydro, de energia eólica, e opera a hidrelétrica de São Simão, na divisa de Minas Gerais e Goiás, arrematada por R$ 7,18 bilhões em 2017.

Em 2018, Adriana Waltrick, CEO da SPIC no Brasil e ex-State Grid, afirmou que até 2020, a SPIC tem plano de adicionar em seu portfólio 30 GW. “O Brasil é uma das rotas de expansão da SPIC. É prioridade”, afirmou ao Valor. Presente em 41 países e com capacidade instalada de geração de 140 GW, a SPIC atua desde a energia hidráulica até a nuclear e solar. Tem faturamento de US$ 30 bilhões e 140 mil funcionários.

A filial brasileira da SPIC já tem mais de 100 pessoas e, além de modernizar e ampliar a capacidade de geração da usina de São Simão, está há mais de um ano negociando a aquisição da hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, a quinta maior do país. Com mais de R$ 1 bilhão em dívidas, o consórcio que administra a usina entrou com ação judicial no STJ alegando colapso financeiro. Em novembro último, notícias de mercado apontavam que a SPIC tinha pressa em comprar a hidrelétrica, de preferência antes da posse de Bolsonaro, o que não ocorreu.

A SPIC fez uma proposta de 10 bilhões de reais aos sócios que controlam 61% da Santo Antônio: Odebrecht Energia, Andrade Gutierrez e Cemig, além do FGTS. O mercado aponta que a Andrade Gutierrez discorda do valor oferecido e está emperrando a negociação. Uma das primeiras obras do PAC, a usina de Santo Antônio começou a ser construída em 2008 e entrou em operação em 2012. Com 50 turbinas instaladas, sua potência total é de 3.568 Megawatts – energia suficiente para atender ao consumo de mais de 45 milhões de pessoas.

O ministro Albuquerque se reuniu também com Cai Hongxian, presidente da State Grid Brazil Holding, em 06 de fevereiro. Além de controlar a CPFL Energia, recebida pelo ministro em 12 de fevereiro, a chinesa State Grid detém 12 concessionárias nacionais de energia e tem 51% de participação em quatro concessões de grupos de consórcio, ficando entre as maiores empresas de energia do Brasil.

A empresa espera investir nada menos que R$ 140 bilhões de reais no Brasil nos próximos 5 anos e até 2040 quer operar cerca de 14 mil Km de linhas de transmissão, cobrindo o Pará, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes áreas próximas aos centros de carga. Cerca de 2,5 mil km dessas linhas de transmissão são da usina de Belo Monte, que a empresa chinesa arrematou sozinha a concessão e que será a maior linha de transmissão de eletricidade em ultra-alta tensão do mundo. A partir de 2010, quando o Brasil foi escolhido como primeiro alvo de grandes projetos da empresa fora da Ásia, os investimentos da State Grid tem crescido em escala exponencial.

1A reunião com dois players chineses centrais no tabuleiro energético brasileiro mostra que as primeiras declarações contra a China que Bolsonaro deu ainda durante a campanha – de que a China seria “um predador que busca dominar setores-chave da economia brasileira” – bateram de frente com a realidade, o que incluiu até uma excursão de deputados do seu partido, o PSL, na China, logo no início de janeiro, o que gerou farpas na cúpula bolsonarista.

A agenda de Albuquerque mostra que governar é diferente da retórica de campanha e que o governo brasileiro, além de não estar disposto a bater de frente com a China, não só não quer perder as centenas de bilhões de reais em investimentos chineses, como tratou de se apressar em se reaproximar de executivos chave do setor.

Foto: Carlos Penteado/arquivo CPI-SP

Governo quer nova hidrelétrica na Amazônia

Outra reunião chave do almirante que comanda o MME foi com o Guido Germani, presidente da Mineração Rio do Norte, a maior produtora de bauxita do Brasil (com 18 milhões de toneladas métricas/ano), sediada em Oriximiná, no oeste do Pará, onde o governo Bolsonaro acaba de anunciar que pretende construir uma nova hidrelétrica, em Cachoeira Porteira, no rio Trombetas. Na região, uma das mais preservadas da Amazônia, a Rio do Norte tem 26 barragens de rejeito que ameaçam moradores do quilombo Boa Vista e de comunidades ribeirinhas.

Tentativas de governos anteriores de construir usinas nessa área fracassaram justamente em virtude dos conflitos socioambientais inevitáveis. O objetivo alegado da equipe de Bolsonaro é “abastecer a Zona Franca de Manaus e região, reduzindo apagões”.

O noroeste do Pará, onde fica o rio Trombetas, conta com 23 áreas protegidas e 2 milhões de hectares de floresta tropical. Ao todo são 11 Unidades de Conservação (UCs) – das quais 7 estaduais e 4 federais, além de 5 Terras Indígenas (TIs) e 7 Territórios Quilombolas.

Em entrevista à Voz do Brasil, o Secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, general Santa Rosa, afirmou que não é mais possível fechar os olhos a essa região da Amazônia e tratá-la como um “latifúndio improdutivo”. O general não mencionou os impactos para os povos indígenas e quilombolas que correm o risco de ter suas terras inundadas.

A expectativa é que o projeto se inicie com a edição de um decreto presidencial que deve ser assinado ainda dentro dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro. Os primeiros estudos para hidrelétricas na região remontam à década de 80. Atualmente, o “Plano Nacional de Energia 2030″ do Ministério de Minas e Energia projeta 15 hidroelétricas na Bacia do Rio Trombetas.

Nos áudios que vazaram após a demissão de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República, Bolsonaro afirma que cancelou a viagem da comitiva de ministros que iria até a Amazônia para cuidar da obra da nova hidrelétrica com receio de “criar uma expectativa para uma nova obra e o povo ficar cobrando”. De acordo com o presidente, “isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado”.

Na avaliação da Comissão Pró-Índio, o anúncio da nova hidrelétrica, zona de conflitos com a mineradora Rio do Norte, se dá diante da controversa transferência da competência pelo licenciamento ambiental nas terras quilombolas e indígenas, respectivamente, da Funai e da Fundação Cultural Palmares para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, comandando por Tereza Cristina, ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O cenário se agrava ainda mais diante dos ataques permanentes – ou desinformação proposital – do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tem demonstrado sistematicamente que desconhece as regras mínimas de licenciamento. Condenado por improbidade administrativa por favorecer uma mineradora quando era secretário de meio ambiente de São Paulo, Salles, 43, fez sua primeira visita à Amazônia agora em fevereiro.

Negociações com o TCU

Em 24 de janeiro, o ministro se reuniu com José Múcio Monteiro Filho, ministro do Tribunal de Contas da União, relator do Acórdão 2.723/2017, que tinha dado prazo até o fim de 2018 para que a Casa Civil encaminhasse informações sobre o andamento da avaliação estratégica sobre as usinas hidrelétricas de Jatobá, São Luiz do Tapajós, São Simão Alto, Salto Augusto Baixo e Marabá.

Procurado para comentar, o TCU afirmou que o monitoramento das determinações e recomendações do acórdão está sendo examinado pelo ministro Raimundo Carreiro. Após as prorrogações de prazos para as providencias determinadas, deferidas no âmbito dos Acórdãos 804/2018-TCU-Plenário e 1429/2018-TCU-Plenário, os órgãos responderam ao Tribunal as medidas adotadas. “Tais medidas serão examinadas a fim de verificar se de fato as determinações foram atendidas e as recomendações acatadas, e se não, qual o motivo de não acatá-las”, afirmou o Tribunal.

De acordo com o TCU, o exame será realizado pela unidade técnica responsável provavelmente até o fim do primeiro semestre de 2019 e depois submetido ao relator. Depois de verificado se o governo cumpriu em parte ou simplesmente não cumpriu as recomendações, o TCU tomará novas providências.

É de se questionar se é papel do TCU recomendar uma mudança de legislação que incluiria a flexibilização do licenciamento. Que interesses mobilizam uma atuação tão incisiva do Tribunal para pressionar as obras de grandes hidrelétricas que trazem em seu lastro inúmeras violações socioambientais e questionamentos jurídicos?

Acende Brasil pressiona para revisão do licenciamento

Espécie de “think tank” dos grandes players do setor elétrico brasileiro, o Instituto Acende Brasilse apresenta como “um centro de Estudos voltado ao desenvolvimento de ações e projetos para aumentar o grau de transparência e sustentabilidade do setor elétrico brasileiro, buscando oferecer à sociedade um olhar que identifique os principais vetores e pressões econômicas, políticas e institucionais que moldam o setor”.

Por trás do discurso está um verdadeiro lobby que faz eco direto com a mentalidade e os movimentos do governo Bolsonaro. Em artigo assinado para o jornal Estado de S. Paulo e publicado no último mês de janeiro, Claudio Sales e Alexandre Uhlig, diretor presidente e diretor de assuntos socioambientais e sustentabilidade do Instituto, analisam que o licenciamento de empreendimentos no setor elétrico é frequentemente interrompido por questionamentos do Ministério Público e que, sobretudo no caso de hidrelétricas, o problema “é que o entendimento de que a etapa de planejamento do projeto não seguiu o rito adequado”.

Como exemplo, citam o caso da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que teve o seu processo de licenciamento arquivado pelo Ibama por decisão unânime em 2016. O MPF defende que o licenciamento deve seguir suspenso até que sejam realizadas uma avaliação ambiental integrada e uma consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais localizados na área de influência do empreendimento.

A usina afeta diretamente o povo indígena Munduruku e várias comunidades tradicionais. Dentre os impactos previstos sobre indígenas e ribeirinhos, estão: pressão sobre territórios e recursos naturais, aumento da violência e alcoolismo, prostituição, desmatamento, roubo de madeira, risco de contaminação dos peixes por metil-mercúrio, comprometimento da segurança alimentar, aumento de dependência em relação aos centros urbanos, dentre outros.

Já de acordo com os lobistas do Instituto Acende Brasil, “casos como este ilustram que é preciso responsabilidade nas ações, porque obstaculizar o licenciamento não pode ser um instrumento de procrastinação do projeto. É essencial que o Ministério Público atue de forma firme quando necessário, mas que também responda quando fique evidente que agiu com parcialidade e visando a emperrar o processo, inclusive por razões de cunho ideológico”, afirmam Sales e Uhlig.

Claudio Sales, presidente do Acende Brasil desde 2003, foi presidente da Mirant do Brasil, da Southern Electric do Brasil, Sócio-Diretor da Termoconsult e membro do Conselho de Administração de empresas como Cemig, Energisa e Energipe. Já Uhlig, no cargo desde 2006, se apresenta como ex-gerente do Departamento de Meio Ambiente da Companhia Energética de São Paulo (CESP), ex-consultor da FAO (Food and Agriculture Organization) da Organização das Nações Unidas (ONU) e da International Energy Agency (IEA).

Para os dois “o licenciamento ambiental não pode ser utilizado como plataforma para a manifestação de oposição em relação à política energética adotada no Brasil”. Casos de conflitos crassos como os de Belo Monte e de São Luiz do Tapajós, para ficar em apenas dois exemplos, são meros inconvenientes que geram “atrasos e insegurança jurídica para as empresas” e “aumento de tarifa final para os consumidores”.

No final de 2018, o Acende Brasil publicou o estudo “Licenciamento Ambiental: equilíbrio entre precaução e eficiência”, indicando caminhos para a área. Uhlig também afirmou ao jornal O Globo que “nenhum país do mundo abriria mão do potencial de geração de energia hidrelétrica que o Brasil tem”, independente dos conflitos que isso traz.

Os Munduruku, que lutam há mais de 30 anos contra a instalação de usinas hidrelétricas na região, tem resistido de forma organizada e sistemática. A demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu, de cerca de 178 mil hectares, se arrasta há anos na burocracia estatal e atualmente está completamente paralisada, o que para muitos é uma resposta clara do governo sobre a disposição em continuar enfrentando a briga para construir a usina de São Luiz contra todos os órgãos responsáveis e toda a luta até agora, que ganha novos capítulos no governo Bolsonaro.

Categoria: Notícia
Compartilhe

Conteúdo relacionado

  • Foto: Marcos Vinicios de Souza / Inesc
    Taxação dos super-ricos, COP Tributação e ...
    Termina nesta terça-feira (19), no Rio de Janeiro,…
    leia mais
  • Quanto custa tirar um PGTA do papel? 2ª ed...
    Nesta 2ª edição da nossa metodologia “Quanto custa…
    leia mais
  • Foto: Audiovisual G20
    Inesc no G20: taxação dos super-ricos e tr...
    Terá início no próximo dia 14 de novembro,…
    leia mais
  • Para cada R$1 investido em energia renováv...
    A sétima edição do monitoramento dos subsídios oferecidos…
    leia mais
  • FotoTânia Rêgo/Agência Brasil
    Brasil corta verbas para transição energét...
    Apesar das discussões globais sobre a urgência da…
    leia mais

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!