Sociedade civil repudia o cancelamento da visita do Especialista Independente da ONU ao Brasil

02/03/2018, às 14:55 (atualizado em 16/03/2019, às 22:35) | Tempo estimado de leitura: 10 min
Em nota, organizações sociais exigem que o governo reconsidere a decisão e garanta a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível.
PA3008 CIUDAD DE PANAMÁ (PANAMÁ) 10/05/2017.- El experto independiente de la ONU sobre Deuda Externa y Obligaciones Financieras Internacionales, Juan Pablo Bohoslavsky, habla durante rueda de prensa hoy, miércoles 10 de mayo de 2017, en Ciudad de Panamá. Un relator especial de la ONU sugirió hoy a Panamá dejar de considerar "sin dilación" a la evasión fiscal como una falta administrativa y empezar a tratarla como un delito, para reforzar así su lucha a favor de la transparencia financiera, muy criticada tras el escándalo de los papeles de Panamá. EFE/Alejandro Bolívar

Um dos objetivos da visita era avaliar os primeiros impactos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completou um ano de vigência.

Recente estudo produzido pelo Inesc, Oxfam Brasil e CESR – Center for economic and social rights, intitulado “Direitos Humanos em tempos de austeridade”, alerta para indícios de como a Emenda Constitucional 95 (´teto dos gastos´) já apresenta impactos negativos em políticas de combate à fome, de atendimento a mulheres vítimas de violência e no programa Farmácia Popular, por exemplo.

Leia a íntegra da nota:

NOTA PÚBLICA: Sociedade civil brasileira repudia o cancelamento da visita ao Brasil do Especialista Independente da ONU para dívida externa, finanças e direitos humanos pelo governo brasileiro

A sociedade civil brasileira abaixo assinada expressa sua profunda consternação e insatisfação com a decisão do governo brasileiro de cancelar, no último minuto, a visita oficial ao Brasil do Especialista Independente da ONU sobre dívida externa, finanças e direitos humanos, Sr. Juan Pablo Bohoslavsky, agendada há quase um ano e planejada para ocorrer nos próximos dias. O motivo alegado de troca de ministro dos Direitos Humanos para o cancelamento é pouco verossímil. Uma coalizão de 60 organizações e movimentos sociais tem trabalhado há meses para mobilizar as partes interessadas locais e preparar informações em primeira mão para contribuir com essa missão.

As medidas de austeridade têm afetado severamente o usufruto dos direitos humanos no Brasil. Promulgada no final de 2016, a Emenda Constitucional nº. 95 congelou por 20 anos as despesas com políticas públicas, sendo chamada de “pacote de austeridade mais severo do mundo” pelo Relator Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos. Esta alteração aprofunda a concentração de renda no país e exacerba as restrições ao financiamento dos direitos sociais.  Verificou-se[1], entre 2015 e 2017:

a) O corte de 70% do financiamento de programas de aquisição de alimentos e de segurança alimentar e nutricional, que foram essenciais para saída do Brasil do Mapa da Fome, resultou em redução de 83% de agricultores familiares beneficiários, em especial aqueles em regiões mais pobres do norte do país. Além de deixar milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar.

b) O corte de 55% do financiamento de políticas para as mulheres, resultando em redução de 15% da rede de serviços especializados para vítimas de violência de gênero.

c) Encolhimento da dotação orçamentária federal de 17% para a saúde e 19% para a educação.

d) A taxa de desemprego permanece elevada, em 12,2% em janeiro de 2018, atingindo 12,7 milhões de pessoas; sendo que em 2014, antes da adoção de medidas de austeridade, estava em seu nível mais baixo, 6,4%.

Neste contexto, é primordial o material que o Sr. Juan Pablo Bohoslavsky está desenvolvendo sobre “princípios orientadores para avaliar os impactos nos direitos humanos das políticas de reforma econômica”. As visitas aos países que implementam essas políticas são uma ferramenta-chave disponível ao Especialista para avaliar esses impactos sobre a vida dos povos. Essa era a razão fundamental para a visita ao Brasil nesse momento: conhecer o cenário brasileiro, emitir recomendações e fortalecer a elaboração dos princípios.

Em resposta aos problemas sociais causados pela política de austeridade, o governo brasileiro tem orientado sua política para o aumento do Estado penal, aumento do encarceramento em massa, criminalização das populações pobres e negras e dos movimentos sociais, o que se agrava neste momento com a intervenção federal militar no Estado do Rio de Janeiro.

As ações do governo também estão alinhadas a interesses privatistas e eleitorais, que nesta conjuntura, pela inexistência de diálogo, comprometem a democracia. Diante disto, tememos que o cancelamento desta visita possa ser apenas outro exemplo das medidas autoritárias impostas pelo governo, que não consideram os efeitos colaterais nefastos para os direitos humanos, em especial neste cenário de violações.

Demandamos ao governo brasileiro, em respeito aos mecanismos de proteção internacional, que reconsidere sua decisão de adiar a visita e garanta a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível.

Finalmente, chamamos a atenção para uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade tramitando atualmente perante o Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da EC 95[2]. Estamos confiantes de que serão julgados considerando o que dita o Direito Internacional dos Direitos Humanos, incluindo os princípios de proibição do retrocesso social e de não discriminação.

 

Brasília, 02 de março de 2018.

 

Coalizão anti austeridade e pela revogação da EC95
Plataforma Dhesca
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Conectas Direitos Humanos
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Terra de Direitos
Justiça Global
Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL Brasil
Oxfam Brasil
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES
Brigadas Populares
Comissão Pastoral da Terra
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Plataforma Política Social
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES
Conselho Indigenista Missionário –  CIMI
CFEMEA
Movimento nacional de meninas e meninos de rua
Movimento dos atingidos e atingidas por barragens – MAB
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Auditoria Cidadã da Dívida
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
APOGLBT – Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo
CDVHS – Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza
CEAP – Centro de Educação e Assessoramento Popular
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Comissão de Justiça e Paz de São Paulo – CJP/SP
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia – CFP
Comunidade Bahá’i
CRIOLA – Organização de Mulheres Negras
Dom da Terra AFROLGBT
Fala Preta! – Organização de Mulheres Negras
FASE Nacional  – Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional
FIAN Brasil – Rede de Informação e Ação pelo Direito Humano a se Alimentar
GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos
Instituto Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais
MEB – Movimento de Educação de Base
MMC – Movimento das Mulheres Camponesas
MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
SDDH – Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SMDH – Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
Associação Brasil Saúde e Ação – BRASA
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente- CEDECA Ceará

 



[1] Inesc, CESR e Oxfam Brasil. Direitos Humanos em tempos de austeridade. Brasília, 2017. Disponível em: http://bit.ly/2F2I3OI

[2] As ADIs são: nº. 5715 (proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT), nº. 5734 (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE), nº. 5633 (proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe), nº. 5643 (proposta pela Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal – Fenasepe); nº. 5658 (proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT), nº. 5680 (proposta pelo Partido Socialismo e Solidariedade – PSOL)

Categoria: Notícia
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