Combate às mudanças climáticas deve ser prioridade do 3° Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

12/12/2023, às 12:00 (atualizado em 12/12/2023, às 13:54) | Tempo estimado de leitura: 9 min
Por Nathalie Beghin, colegiado de gestão do Inesc
A 6º Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é momento ideal para mostrar como as mudanças climáticas impactam na alimentação
6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em Brasília. Foto: Geovanna Ataides

Entre os dias 11 e 14 de dezembro acontece, em Brasília, a 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional que resultará em recomendações para a elaboração do 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Diante dos tempos dramáticos que vivemos, dos fortes impactos decorrentes do aquecimento global, não há nada mais urgente do que outorgar prioridade máxima ao combate às mudanças climáticas. Isso porque,a forma de produzir e consumir alimentos não somente é impactada pelos efeitos dos eventos extremos, como secas e enchentes, mas é também a causa, especialmente quando se trata de práticas agrícolas que envolvem desmatamento e a destruição de modos de vida sustentáveis.

A 6ª Conferencia irá reunir na capital federal mais de duas mil pessoas de todo o país, entre representantes de organizações e movimentos sociais e de governos – federal, estaduais e municipais. Entre plenárias, grupos de trabalho e atividades autogestionadas serão construídas, coletivamente, propostas que irão orientar a atuação do poder público nos próximos anos.

6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Com o lema “Erradicar a fome e garantir direitos com comida de verdade, democracia e equidade”, o principal objetivo da Conferência é fortalecer os compromissos políticos com a realização do direito humano à alimentação adequada, por meio de políticas públicas de segurança e soberania alimentar e nutricional inclusivas, antirracistas, antipatriarcais e sustentáveis.

A 6ª Conferência Nacional é a última etapa de várias outras referentes a conferências municipais, estaduais, territoriais e livres, entre outras. Milhares de pessoas, em todo o país, vêm discutindo há meses como elaborar e implementar, de forma participativa, ações que garantam que a população brasileira possa se alimentar adequadamente.

Esse processo é fundamental para a saúde da democracia, pois possibilita não somente o debate público, como a incorporação no fazer do Estado de recomendações construídas coletivamente desde o local até o nacional. Assim, as ideias e as práticas são revisitadas, arejadas e alimentadas com novos e múltiplos olhares.

Crise climática gera insegurança alimentar

A 6ª Conferência acontece em momento estratégico, quando o mundo deve atuar para impedir a destruição da vida na Terra. O ano de 2023 é o mais quente da história e os efeitos das mudanças climáticas se fazem sentir de forma dramática no país, com seca na Amazônia e enchentes no Sul. Esses eventos extremos são resultado do aquecimento global e impactam consideravelmente a situação alimentar da população, especialmente da mais vulnerabilizada, isto é, mulheres, população negra e periférica, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, agravando as desigualdades.

O impacto das mudanças climáticas na alimentação é imediato e se manifesta de diversas formas. O aumento da temperatura provoca secas cada vez mais intensas e frequentes e grandes tempestades e inundações que resultam em quebra de safras, na diminuição da produção de alimentos e no aumento de seus preços, gerando fome. A combinação de baixa oferta de alimentos in natura com preços elevados contribui para aumentar a busca por produtos ultraprocessados, o que traz à tona outra vertente da insegurança alimentar e nutricional: o sobrepeso e a obesidade.

Neste momento, o Brasil é triste cenário dos perversos efeitos do aquecimento global, pois vivencia uma terrível seca na Amazônia e chuvas torrenciais no Sul com mortes e milhares de pessoas afetadas. Os efeitos na situação alimentar da população são graves e de longo prazo, pois impactam a produção agrícola, a infraestrutura de transporte, armazenamento e distribuição de alimentos, a queda da renda devido ao aumento do desemprego, entre outros.

Ou seja, as mudanças climáticas possuem estreita relação com a alimentação inadequada e com a insegurança alimentar e nutricional: desnutrição, carências nutricionais específicas, sobrepeso e obesidade. O Brasil convive atualmente com o seguinte paradoxo: de um lado, 33 milhões de pessoas passando fome e, de outro, mais de 40 milhões de pessoas obesas. A crise climática e sua retroalimentação com a fome, a desnutrição e a obesidade são um grande risco para a humanidade, num processo chamado de sindemia global.

Agropecuária: ameaça ou solução?

Importante destacar que a agropecuária pode ser tanto uma ameaça quanto uma solução para combater as mudanças climáticas. Apesar dos aumentos de produtividade, a expansão do agronegócio no Brasil ainda é a grande responsável pelo desmatamento, sendo uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a produção de carne bovina emite metano, outra causa do aquecimento global.

Por outro lado, a agricultura sustentável, combinada com mudanças na dieta, pode compatibilizar a produção de alimentos saudáveis com o combate às mudanças climáticas. Para tal é necessário, acabar com o desmatamento; restaurar as florestas; redistribuir terras e territórios; respeitar os modos de vida dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais; fortalecer a agricultura familiar; adotar a agroecologia como modelo de produção; implementar uma política de abastecimento baseada em circuitos curtos, que aproximam o produtor do consumidor de alimentos; expandir a agricultura urbana e os equipamentos urbanos de segurança alimentar e nutricional; diminuir drasticamente a produção e o consumo de ultraprocessados; e combater o racismo, o patriarcado e toda forma de opressão, entre outras medidas. É preciso ainda, aprofundar os estudos que especifiquem melhor a relação entre mudanças climáticas e insegurança alimentar, identificando caminhos que possam nos ajudar a interromper esses círculos viciosos.

Ainda é possível frear a destruição

É necessário, ainda, pressionar os governos de todo o Planeta para que implementem acordos efetivos de contenção do aquecimento global mas, também, de reparação e adaptação dos efeitos perversos das mudanças climáticas, especialmente dos países do Sul. São as nações empobrecidas as que menos contribuem para o desequilíbrio climático da Terra, mas são as mais afetadas pelas suas consequências. Relatório recente da Oxfam alerta que, em 2019, o 1% mais rico da população mundial (77 milhões de pessoas) foi responsável por 16% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases do efeito estufa. Esse valor equivale a mesma quantidade emitida pelos 66% ou dois terços mais pobres da humanidade (5 bilhões de pessoas).

Ainda é possível conter a crise climática com aumento de somente 1,5°C até o final do século 21, mas isso exige esforços enormes para a diminuição da emissão e o aumento do sequestro de gases de efeito estufa da atmosfera. Isso requer o forte e radical compromisso dos governos com o tema para, de fato, por em marcha outra forma de produzir e consumir que nos permita viver em harmonia com a natureza. Se não houver ação imediata, será tarde demais. O aquecimento global não deixará nenhuma parte do globo intacta.

Esse deve ser o mote do 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Não há nada mais urgente do que combater as mudanças climáticas.

 

*A 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional tem o apoio do Inesc e patrocínio do Instituto Ibirapitanga, Itaipu Binacional e Banco do Brasil.

Categoria: Artigo
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