Alguns pontos sobre a resposta do Estado brasileiro às manifestações de rua

01/07/2013, às 10:22 | Tempo estimado de leitura: 10 min

Iara Pietricovsky*

A presidenta Dilma na tentativa de responder os clamores das ruas, apresentou um pacto de 5 itens, ainda que tardiamente. O mais polêmico se refere a um plebiscito e uma assembleia nacional exclusiva para promover a reforma política, que é um dos pontos mais demandados pela população.  A resposta foi de alto risco, além de incorrer em equívocos em relação à iniciativa. Mas, é importante frisar que seu movimento produziu uma resposta em cadeia importantíssima dos poderes públicos, pois os retirou da letargia. A reforma política tem sido um tema adiado por todos os governos não importa o partido ou a coalizão no poder.

É um equivoco exigir da Presidenta resposta para todos os problemas. As pessoas estão mal informadas ou querem ver o circo pegar fogo. Grande parte das demandas populares ou da classe média, que estão sendo expressas nas ruas são de responsabilidade dos estados e municípios, portanto, de seus governadores e prefeitos, respectivamente, sem falar do poder legislativo nos mesmos âmbitos. Entretanto, com exceção  do governador e do prefeito de São Paulo e capital em função da eclosão popular ocorrida que detonou o estopim no país todo, todos os outros deixaram o barco correr, não se comprometeram e nem assumiram ao que lhes compete, deixando o ônus, ao governo federal. O pacto federativo, na verdade, é uma grande incógnita para a grande maioria dos brasileiros, além de tema não resolvido, vivemos ainda no tempo dos coronéis, do Brasil arcaico.

O Congresso Nacional, saiu da letargia e de uma situação de isolamento e distância profunda dos debates importantes do país internamente e no mundo. Vem pautando propostas de legislações medíocres, risíveis e conservadoras que expressam retrocesso absoluto em relação à agenda dos direitos humanos, tema que cresce de importância em todo o Planeta. Falta aos deputados compreensão sobre o movimento e tendências do mundo contemporâneo, fazendo com que suas questões paroquiais ou de origem fundamentalista religiosa ou política se sobreponham ao interesse majoritário não só de um país democrático, de um Estado laico, assim como de um país que respeita e se orgulha de sua diversidade. Essa é a nossa riqueza primeira e esse é o nosso maior patrimônio.

Esse Congresso Nacional, ruiu, como escreveu Luis Eduardo Soares em seu brilhante artigo intitulado “O que vem depois da queda da tarifa?”

“O Movimento pelo Passe Livre  declarou à nação que o rei está nu, proclamou em praça pública que a representação parlamentar ruiu, depois que, capturada pelo mercado de votos, resignou-se a reproduzir mandatos em série, com obscena mediocridade, sem qualquer compromisso com o interesse público, exibindo o mais escandaloso desprezo pela opinião pública.” E ainda em seu artigo (grifo meu) diz: “O colapso da representação vem ocorrendo sem que as lideranças deem mostras de entender a magnitude do abismo que se ergueu….”

Temos que mudar o sistema político partidário, enfrentar temas como o financiamento de campanha, votos proporcionais, distritais ou misto, recall daqueles que são eleitos mas não atuam segundo o programa partidário para o qual o elegemos, abrir novas instâncias de participação da sociedade civil via democracia direta, lista fechada para garantir a representação das mulheres, indígenas, população negra etc.

As consultas populares deveriam ser abertas agora, também, para questões relacionados aos temas educação e saúde, habitação transporte urbano de graça para a população, enfrentar as questões relativas à defesa do meio ambiente, para citar alguns pontos de alta relevância. Não basta o Congresso Nacional votar, sob pressão popular, a destinação dos royalties do petróleo e do pré-sal para educação (75%) e saúde (25%) como o fizeram agora. Precisamos fazer plebiscito para 10% do PIB para educação e 10% do PIB para a saúde e queremos ser consultados sobre outros temas também. A população quer usar os canais de participação que já existem e mais, querem abrir novos canais para que outras vozes sejam ouvidas e não somente a dos tradicionais grupos de interesse vinculados ao capital financeiro, industrial ou ao agronegócio.

A sociedade civil organizada e os movimentos sociais vêm fazendo seu papel. Por meio de uma Plataforma Pela Reforma do Sistema Político, há mais de 5 anos estão desenvolvendo propostas encaminhadas ao Congresso Nacional. A Plataforma defende, fundamentalmente:

“Para nós da Plataforma só faz sentido uma  reforma política que resgate a soberania popular  através do  fortalecimento dos  instrumentos da  democracia direta. Queremos e defendemos que o povo tenha o direito de participar diretamente das grandes decisões e não apenas dos momentos eleitorais.  Defendemos  também a necessidade do aperfeiçoamento do nosso sistema de representação, que passa pelo barateamento das campanhas, pelo fim da  influência do poder econômico e pelos mecanismos de  inclusão dos  grupos sub-representados nos espaços de poder.

Defendemos que uma  verdadeira reforma política deva ser construída pelos instrumentos de democracia direta que  já temos garantidos na  Constituição de 1988. A nossa defesa é por um plebiscito para definir as principais questões da reforma política. Queremos que o povo defina o conteúdo da reforma política e para isso já temos o instrumento político que é o plebiscito.

Defendemos que todo o processo da reforma política seja protagonizado também pela sociedade. Para  isso, propomos que o Congresso Nacional convoque a Conferência Nacional da Reforma Política com o objetivo de definir os temas e as perguntas para o plebiscito….” Recomendo a leitura de toda a proposta.

A proposta de plebiscito da reforma política que está sendo pensada neste momento corre um sério risco de sair pela culatra. Primeiro, precisa haver uma campanha intensiva de esclarecimento, além disso teríamos que referendar no final, caso contrário será uma carta branca ao Congresso Nacional e pior, a estes membros que hoje ocupam o CN. A sociedade brasileira não confia nos membros e dirigentes do Poder legislativo, assim apontam as pesquisas.

O poder judiciário, que na verdade tem legislado, na ausência absoluta do Congresso Nacional, haja vista as deliberações, por exemplo, do casamento gay, também deve muito em termos de transparência à sociedade brasileira. Os custos deste poder aos brasileiros é enorme e seu retorno questionável. Será que isso entrará no debate para além dos espetáculos que temos sido presenteados recentemente?

Enquanto isso, o PT e as esquerdas demoram para assumir o papel natural de galvanizar essas pautas das ruas para seus programas de governo e quebrar de vez sua relação promíscua com a direita corporativa, partidária e midiática. Temos que destravar a reforma tributária, fundamental para atacar as desigualdades que recaem sobre a população brasileira.

Do outro lado, a direita se organiza, também levando sua pauta para as ruas, encontra a oportunidade de rearmar suas estratégias visando as eleições do próximo ano. As pautas nos cartazes falam em desestabilização política (Fora Dilma) e com uma temática que é ,no mínimo, estranha para quem sempre se locupletou do errário público e cristalizou os mecanismos de corrupção, que aliás, sempre os mantiveram no poder. Essa mobilização sobre a PEC 37, por exemplo, será que as pessoas entendem do que estão falando? Na prática essa PEC é completamente desnecessária, pois a Constituição Federal já define claramente o papel do Ministério Público, da defensoria e da polícia civil e federal em seu papel investigador.

Por fim, parece ser fundamental que os movimentos tenham pautas claras   que alimentem a mobilização.  A população brasileira está farta de discriminação, corrupção e desrespeito das elites políticas e detentoras do capital. Exigem outro Brasil.

*Membro do colegiado de gestão do Inesc. Iara é antropóloga e mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília.

Categoria: Artigo
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