A Medida Provisória do Prouni e seus efeitos perversos

O Governo Federal, em mais um de seus movimentos aporofóbicos, editou Medida Provisória modificando o Programa Universidade para Todos- Prouni, permitindo que estudantes de escolas privadas, não bolsistas, acessem o programa. Ou seja, agora os estudantes de escolas públicas vão concorrer também com estudantes de escolas privadas e a União irá arcar com os custos dessas universidades, por meio de isenções fiscais. O mais engraçado disso tudo é que defendem que as universidades públicas cobrem mensalidades, mas querem bancar universidades privadas para estudantes de famílias de rendas altas.

O Prouni foi criado em 2004 como forma complementar de ampliar o acesso ao ensino superior para estudantes de escolas públicas, de baixa renda, para além das universidades públicas, que também foram ampliadas com o programa de expansão das universidades públicas, o Reuni, que apesar de ainda constar do Portal do Ministério da Educação, já não tem recursos novos desde 2015.

Institucionalizado pela Lei no 11.096, em 13 de janeiro de 2005, o Prouni tem como finalidade conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas. Em contrapartida à oferta de vagas do Prouni nessas instituições, o governo oferece abatimentos tributários no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e no Programa de Integração Social (PIS).

Acesso ao Ensino Superior

Entre 2002 e 2012, a taxa bruta de matrícula[1] mais que dobrou, passando de 12,04% a 28,68%, mesmo assim, muito atrás de alguns países da América Latina como Chile e Argentina, por exemplo, mas um avanço em um país cuja escolaridade só ampliou significativamente com a Constituição de 1988.

Além de contribuir para a inserção de um maior número de jovens no ensino superior, estudo do Instituto de Pesquisas Aplicadas, IPEA, de 2015, demonstra que entre estudantes de baixa renda, bolsistas integrais, que precisam obrigatoriamente ter 70% de frequência e aprovação nas disciplinas, as notas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, Enade são superiores às dos não bolsistas, mostrando maior dedicação por parte dos estudantes de baixa renda. Tal estudo reforça que um dos principais desafios da política é focalizar cada vez mais para alunos de baixa renda que sem apoio governamental não conseguiriam alcançar o ensino superior.

O Desmonte da Política

No entanto, a despeito de estudos e avaliações, o governo atual, seguindo o padrão de desmonte das políticas públicas, abriu a possibilidade de inserção de todos os estudantes de escolas privadas se candidatarem a bolsas de estudo, o que, em realidade, acaba com o princípio de inserção dos adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade nas universidades, uma vez que o acesso às universidades públicas é ainda mais difícil.

E isso está ocorrendo em meio a uma pandemia, que agravou bastante a situação de crianças, adolescentes e jovens, que estão na educação básica. Pesquisa realizada pelo Inesc/Vox Populi e apoio do Fundo Malala, com estudantes de ensino médio, demonstrou a situação precária que vivenciaram com o ensino remoto. A maioria dos estudantes de escolas públicas só tinha celular para acompanhar as aulas; um terço não tinha espaço adequado em suas casas para estudar; meninos e meninas tiveram de assumir outras tarefas, no entanto, o peso maior recaiu sobre as meninas, que tiveram mais questões emocionais.

Racismo Estrutural

As pessoas pretas e pardas tiveram menos acesso, ou acesso mais precarizado; dentre os que tiveram de abandonar a escola, também os negros são em maior número. Em média os alunos de escolas públicas estudaram menos horas que os de escolas privadas. O cenário é bastante catastrófico. No entanto, ao invés de tentar reverter o quadro de descalabro, o Governo Federal aloca menos recursos para a educação e desmantela uma política que precisa ser focalizada para reduzir desigualdades.

E mesmo antes de tal medida, o último Exame Nacional do Ensino Médio, Enem, já deu sinais de retrocesso nas políticas de redução de desigualdades, com menor número de inscritos desde 2005, especialmente entre estudantes de escolas públicas e de baixa renda. O número de jovens em situação de vulnerabilidade social que poderia acessar o ensino superior já será drasticamente reduzido em função dos critérios de concessão de isenção para quem não compareceu no ano anterior (ano em que a pandemia estava em seu pior momento). Caso a Medida Provisória do Prouni seja aprovada ficará pior ainda.

Teremos de terminar o ano e começar o outro lutando contra as mudanças no Prouni e, principalmente, por mais recursos, para que os enormes prejuízos causados por projeto do governo contra a educação, além dos efeitos da pandemia, possam ser reduzidos e que sigamos na luta por educação de qualidade com financiamento adequado.

[1] Resultado entre número de matrículas e a população de 18 a 24 anos.

Orçamento e direitos no Tapajós [Cartilha]

Nesta publicação, dividida em duas partes, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) sistematiza informações sobre orçamento público e direitos do Médio Tapajós. A publicação é fruto de uma oficina realizada na região com organizações sociais e oferece elementos para pensar a realidade dos municípios de Itaituba, Trairão, Rurópolis, Jacareacanga, Aveiro e Novo Progresso. A primeira parte traz informações e questões mais gerais sobre o orçamento público e a segunda analisa, de forma mais detalhada, as despesas e as receitas no orçamento municipal de Itaituba. A região do médio Tapajós, embora seja uma das mais preservadas da Amazônia brasileira, também enfrenta muitas desigualdades agravadas pela mineração e pelos investimentos em infraestrutura. Assim, esta cartilha busca mostrar como o orçamento público expressa problemas, mas também como ele é uma peça importante para mudar a realidade.

Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil (2020): conhecer, avaliar, reformar

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), por meio de metodologia própria, lança a 4ª edição do estudo “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil: conhecer, avaliar, reformar”. No ano de 2020, foram concedidos R$123,9 bilhões de incentivos e subsídios aos combustíveis fósseis, o que equivale a 2% do PIB do ano.

Desde que o Inesc realiza o monitoramento, este é o terceiro aumento dos incentivos e subsídios concedidos aos combustíveis fósseis. Em 2019, este número foi de R$99,39 bilhões, o que correspondia a 1,36% do PIB do país naquele ano. Em 2018, foram R$85 bilhões de subsídios aos combustíveis fósseis, equivalente a 1% do PIB. Na primeira versão do estudo, quando se analisou os subsídios e incentivos concedidos aos combustíveis fósseis de 2013 a 2017, a média anual foi de R$68,6 bilhões, ou seja, 1% do PIB.

Inesc lança metodologia para estimar custos e possibilidades de financiamento dos PGTAs

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou ontem, durante o International Indigenous Peoples Forum on Climate Change, na COP 26, o estudo Quanto custa tirar um PGTA do papel? (português e inglês), que traz uma metodologia inédita para calcular os custos para se realizar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PGTA).

A metodologia foi elaborada com base na experiência de cinco PGTAs da Amazônia Legal, mas pode ser expandida para outros biomas. “O objetivo dessa metodologia é que as comunidades indígenas tenham mais uma ferramenta para a captação de recursos para a defesa de seus modos de vida”, explica Leila Saraiva, assessora política do Inesc e autora do estudo.

A iniciativa surge em um contexto no qual a Política Nacional de Gestão Territorial das Terras Indígenas (PNGATI) vem sofrendo com a postura anti-indígena do governo Bolsonaro, e no calor das discussões sobre as estratégias de mitigação das mudanças climáticas, marcada pela realização da COP 26 em Glasgow.

Os PGTAs e as mudanças climáticas

Os PGTAs são instrumentos de planejamento, construídos pelos povos indígenas do Brasil, que sintetizam as demandas e expectativas de suas comunidades. Eles são ferramentas para reivindicar direitos e políticas públicas e têm papel importante na atual crise climática.

“O relatório do IPCC de 2019 demonstra como as políticas que apostam no apoio às comunidades indígenas e outros povos tradicionais são fundamentais para a mitigação das mudanças climáticas. Os povos indígenas são guardiões das florestas. O desmatamento no Brasil foi 20 vezes menor dentro das terras indígenas do que fora delas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)”, explica Leila Saraiva.

No entanto, os PGTAs têm sofrido com o subfinanciamento estatal. Não há qualquer menção a eles nos Planos Orçamentários do governo Bolsonaro, como demonstra o estudo do Inesc. Além disso, menos de 1% da Ajuda Oficial do Desenvolvimento para Mudanças Climáticas foi destinada a todos os povos indígenas do mundo na última década – segundo relatório da Rainforest Foundation Norway. Este cenário foi ainda agravado com as dificuldades impostas pelo governo Bolsonaro à chegada de recursos da cooperação internacional para elaboração e implementação de PGTAs, como é o caso do Fundo Amazônia.

“A nossa aposta é em ferramentas como os PGTAs, que se baseiam e reforçam estratégias de comunidades que efetivamente sabem viver junto com seu ambiente e de fato enfrentam as mudanças climáticas, porque acabam tornando-se sumidouros de carbono. É o que estamos chamando de soluções ‘baseadas em territórios’, em contraposição ao carro elétrico, as soluções baseadas na natureza e invenções tecnológicas que, em consonância com um sistema capitalista, são apresentadas como a solução das mudanças climáticas, mas provocam a financeirização da natureza”, defende Leila Saraiva.

Possibilidades de financiamento para os PGTAs

De forma complementar a metodologia que facilita os cálculos dos dos custos de um PGTA, o Inesc também lançou o documento “Possibilidades de financiamento para os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas”, que traz um apanhado de fontes de financiamento já existentes para a elaboração e implementação dos PGTAs.

Para os indígenas brasileiros, embora a cooperação internacional precise apoiá-los como estratégia global para a mitigação das mudanças climáticas, é preciso que o Estado brasileiro cumpra suas obrigações constitucionais de proteção das terras indígenas.

Neste sentido, o documento aponta, ainda, um caminho de transição para as fontes de financiamento da defesa das terras indígenas. “Nós apresentamos uma possibilidade de futuro, a construção de um fundo de transição que seja inicialmente financiado por fundos da cooperação internacional e até mesmo por fundos privados, mas que possa vir a ser financiado por fundo público, estatal, a exemplo do que acontece com o Fundo Arpa”, explica Leila Saraiva.

Quanto custa tirar um PGTA do papel? Possibilidades de financiamento para os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas

Os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PGTA) são instrumentos construídos pelos povos indígenas do Brasil para garantir seus modos de existência e reivindicar políticas públicas. Elaborados coletivamente e de maneira singular por cada povo, eles sintetizam os desejos e demandas das comunidades em áreas como proteção territorial, geração de renda, educação, soberania alimentar e governança. Por sua organicidade e relevância, os PGTA transformaram-se no principal instrumento de realização da Política Nacional de Gestão Territorial das Terras Indígenas (PNGATI), instituída em 2012.

No contexto de ataque aos direitos territoriais indígenas, no entanto, tanto o PGTA como a PNGATI têm sofrido com um crescente subfinanciamento estatal. Não há qualquer menção aos PGTA nos Planos Orçamentários do Governo Bolsonaro, como demonstra o estudo do Inesc. Além disso, o governo Bolsonaro também dificultou a chegada de recursos da cooperação internacional para elaboração e implementação de PGTA, como é o caso do Fundo Amazônia.

Como mais um insumo para enfrentar essa situação e reforçar as soluções baseadas no território para o enfrentamento das mudanças climáticas, o Inesc lança a metodologia de estimativas de custos dos PGTA, que tem por objetivo facilitar a captação de recursos por parte das comunidades indígenas que já possuam PGTA implementados, assim como  incentivar a busca por recursos públicos para garantia do cumprimento dos deveres constitucionais do Estado brasileiro para com povos indígenas. Lança também o documento “Possibilidades de fontes de financiamento”, com o objetivo de alertar para a importância do comprometimento global e nacional com a gestão territorial das terras indígenas.

Meio ambiente no PLOA 2022 – Nota técnica

Nesta nota técnica, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) analisa a proposta do governo federal para o orçamento do meio ambiente em 2022 (PLOA 2022). Na perspectiva comparativa com os orçamentos previstos e executados em 2020 e 2021, os dados apontam para uma pequena melhora na proposta do executivo, fruto do desgaste  político do governo Bolsonaro na condução irresponsável da gestão ambiental.

Contudo, os dados também indicam que os estragos seguem seu curso não somente em função dos baixos orçamentos e da baixa execução, como também em função de mudanças significativas no modo de operar as políticas de fiscalização ambiental, licenciamento e gestão de áreas protegidas, o que significa, em poucas palavras, a fragilização de políticas e modos de implementação que levaram décadas para serem construídos.

PLOA: 5 coisas que você deve saber sobre o orçamento para o meio ambiente em 2022

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) analisou a proposta do governo federal para o orçamento do meio ambiente em 2022 (PLOA 2022). Na perspectiva comparativa com os orçamentos previstos e executados em 2020 e 2021, os dados apontam para uma pequena melhora na proposta do Executivo, fruto  do  desgaste  político  do  governo  Bolsonaro na condução irresponsável da gestão ambiental.

No entanto, os estragos seguem em curso, devido aos baixos orçamentos e à baixa execução, e também em função de mudanças significativas no modo de operar as políticas de fiscalização ambiental, do licenciamento e da gestão de áreas protegidas. Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e autora da nota técnica “Meio Ambiente e o PLOA 2022”, o estudo reforça a análise, compartilhada por especialistas, de que está em curso a “fragilização das políticas socioambientais e das suas formas implementação, que levaram décadas para serem construídas”.

A nota técnica completa com os dados pode ser acessada aqui.

#1 Orçamento para fiscalização ambiental ganha reforço, mas é insuficiente e corre risco de não ser executado 

O orçamento para fiscalização e controle do desmatamento no Ibama (ações 214M e 214N) e no ICMBio (214P) apresenta uma melhora na previsão orçamentária para 2022, em especial  se comparado aos irrisórios números propostos pelo governo nos PLOAs anteriores. A previsão de orçamento para as três ações no PLOA 2022 é de R$328 milhões, ante os R$135 milhões previstos em 2021.

Esta melhora relativa se deve a solicitação do governo de créditos adicionais devido ao descontrole do desmatamento e aos problemas gerados pelo desmonte das políticas ambientais produzidas por ele próprio. Contudo, o desempenho na execução mostra-se problemático.

“A  ação  214M,  por  exemplo,  dá  suporte financeiro  à  contratação  de  brigadistas  para  o  combate aos incêndios. Mas, sua baixa execução em 2021, no momento auge das queimadas, mostra as dificuldades que o Ibama tem para gastar recursos. Isso não pode ser dissociado da falta de pessoal, nem do desmonte das normativas que orientam as atividades de fiscalização do órgão”, explica Alessandra Cardoso.

#2  O orçamento para gestão das UCs (ICMBio) é menos de 1 real por ha/ano

A  principal  ação  finalística  do  ICMBio é a de Apoio à Criação, Gestão e Implementação  das Unidades de Conservação Federais (ação 20WM), na qual estão concentradas todas as atividades relativas à Política de Áreas Protegidas.

Houve uma melhora na previsão orçamentária da ação 20WM, com o valor de R$122 milhões no PLOA 2022. No entanto, isto representa, em média, R$0,73 por hectare de Unidade de Conservação Federal, que hoje ocupam um total 166 milhões de hectares; ou seja, menos de um real por ha/ano.

Para Alessandra Cardoso, o orçamento estrangulado do ICMBio foi utilizado pelo governo para justificar a transição para a gestão privada das Unidades de Conservação no Brasil, o que se estrutura legal e institucionalmente por meio do Programa Adote um Parque. Organizações como o Grupo Carta de Belém e a Terra de Direitos, apontam que  a concessão das UCs à iniciativa privada impacta diretamente no controle do território e da  sociobiodiversidade.

#3 Ibama conta com apenas 198 funcionários para analisar todos os processos de licenciamento ambiental federais em curso no país

Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PL) que cria uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto aprovado na Câmara já foi amplamente abordado por especialistas unânimes na avaliação de que a proposta tornará o Licenciamento Ambiental ainda mais frágil.

O orçamento do Ibama para o licenciamento federal, juntamente com o seu combalido quadro de pessoal, expressa o cenário de fragilização do órgão que é o principal instrumento de política ambiental no país. Segundo  o  órgão, o quadro efetivo de analistas ambientais na Diretoria de Licenciamento Ambiental (DILIC) e Coordenações é de 198 pessoas. É com este quadro que o Ibama precisa dar conta de todos os processos de licenciamento federais em curso no país.

Além da insuficiência de pessoal,  os  recursos  especificamente  disponíveis  para  o acompanhamento dos processos de licenciamento (ação 6925) são extremamente reduzidos e estão estancados desde 2020 na casa dos R$4,6 milhões.

#4  O orçamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) reflete a inércia e omissão do governo quanto a questão climática 

O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), gerido pelo Ministério do Meio Ambiente e definido em lei, visa estimular a realização de estudos e a execução de projetos que estimulem o conhecimento e a mitigação das mudanças climáticas.

Além de uma pequena parcela para a administração do Fundo, os seus recursos tem como destino as seguintes ações em 2022:

  1.  A execução pelo MMA por meio da ação “Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (20G4)”, com a pequena dotação no PLOA 2022 de R$ 525,9 mil reais;
  2. O  repasse  pelo  MMA,  e  execução  pelo  BNDES,  de  recursos  por  meio  da  ação “Financiamento Reembolsável de Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (00J4)”, com previsão no PLOA 2022 de R$ 444 milhões. O valor está R$ 121 milhões acima do disponível no orçamento para 2021, o que reflete em síntese, a previsão de maior receita oriunda do petróleo, principal fonte que alimenta o FNMC.

Os  recursos  executados  pelo  MMA  por  meio  da  ação  20G4  têm  como  destino  politicamente orientado pelo governo o “Programa Nacional Lixão Zero”. Em 2020, estes recursos foram empenhados com indícios de irregularidades.

No caso do BNDES, os empréstimos com recursos do Fundo Clima têm sido destinados para o setor  de  energia,  em  especial  para  a  fabricação  de  álcool  e  geração  elétrica  baseada em biomassa, notadamente cana, e orientada prioritariamente ao setor agropecuário. Segundo  informações  do  próprio BNDES, os  recursos  do  Fundo  Clima sob  sua  administração apresentavam um saldo de R$425 milhões em julho de 2021, já descontados os R$446 milhões com operações ainda não contratadas, mas previstas pelo Banco.

Para Alessandra Cardoso,  “o  represamento  da  execução  dos  recursos  pelo  BNDES e a priorização estabelecida pelo governo de destinação de recursos em benefício do agronegócio e do setor sucroalcooleiro precisam ser discutidas e reorientadas”.

A problemática execução do Fundo Clima é objeto de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 708), em que o Supremo Tribunal Federal analisa “a omissão do governo federal em virtude de sua inércia quanto à adoção das medidas de proteção ambiental pertinentes à mitigação das mudanças climáticas”.

#5 A quase totalidade dos recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente não é executada pelo Ministério

A situação do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) é preocupante, pois os recursos não estão sendo executados pelo Ministério do Meio Ambiente. Nada foi pago nas linhas de Reserva de Contingência – Financeira (0Z00) e nem de Fomento a Projetos de Desenvolvimento Sustentável e Conservação do Meio Ambiente (20N1) em 2020 e 2021. Os únicos gastos executados foram na linha de Administração da Unidade (2000), ainda assim com valores irrisórios. Em 2021, por exemplo, apenas R$20.280 foram pagos dos R$263.693 previstos na dotação atual.

Cerca de 90% dos recursos do Fundo tem sido colocada como Reserva de Contingência o que, na prática, representa recursos que têm grandes chances de não serem utilizados para os gastos correntes com a política de meio ambiente.

Recomendações para a tramitação do PLOA 2022

A nota técnica do Inesc recomenda que, durante a tramitação do PLOA 2022 no Congresso Nacional, ações orçamentárias chaves sejam reforçadas, ampliando-se, assim, o espaço de pressão para que o governo não utilize o falso argumento da falta de recursos para alimentar a máquina de destruição ambiental sob seu comando. O texto sugere quatro prioridades para emendas nos orçamentos para os órgãos ambientais:

  1. Reforço adicional às ações de fiscalização ambiental, o que também contribuiria para ampliar a pressão para novos concursos no Ibama e ICMBio;
  2. Priorização no uso dos recursos previstos para o FNMA para a ação finalística 20N1- Fomento a Projetos de Desenvolvimento Sustentável e Conservação do Meio Ambiente, eliminando a previsão de uso dos recursos do Fundo para a Reserva de Contingência;
  3. Reforço adicional à ação de Apoio à Criação, Gestão e Implementação das Unidades de Conservação Federais (20WM). Isto reforçaria sua capacidade de gestor público das áreas protegidas, contribuindo para reduzir a pressão para extinção do ICMBIo e para sua transformação em mero gestor de concessões de Parques à iniciativa privada.
  4. Ampliação de recursos para a ação Licenciamento Ambiental Federal (6925).
  5. Priorizar a destinação dos recursos do FNMC para a ação “Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (20G4)” em detrimento da ação  “Financiamento Reembolsável de Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (00J4)” destinada ao BNDES para empréstimos.

10 anos da Lei de Acesso à Informação: as barreiras ao direito de se informar se mantém, como mostram os incentivos fiscais brasileiros

Em novembro deste ano a Lei de Acesso à Informação (LAI) completará 10 anos de sua promulgação. A norma regulamentou o direito de acesso à informação previsto na Constituição Federal e, de lá para cá, vem estimulado a participação popular e abrindo espaço para o controle social de políticas públicas.

O texto normativo da LAI determina, em seu art. 3º, que os procedimentos de acesso à informação devem seguir o princípio constitucional da publicidade, como regra. Este princípio é o pilar fundamental da ordem democrática, pois tanto é uma obrigação do Estado viabilizar aos indivíduos maior participação na condução das políticas públicas, como é expresso o direito do cidadão de se informar e ser informado recebendo dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral. A única hipótese em que a transparência pode ser relativizada é quando o sigilo demonstra-se imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos termos do art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal. Isto é: o sigilo deve ser a exceção!

A LAI trouxe elementos positivos, mas ainda falta muito para ela ser de fato efetiva. É no sentido de superar as barreiras impostas por instituições públicas e enfatizar a necessidade de expandir a transparência que lançamos, recentemente, a Campanha #SóAcreditoVendo. A campanha defende a  transparência dos incentivos fiscais por meio da aprovação e sanção do PLP 162/2019, uma iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), ACT Promoção da Saúde, FIAN Brasil e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, com o apoio da Purpose. Até o momento, a campanha conta com a adesão de mais de 50 organizações da sociedade civil.

Nossa Constituição Federal prevê que o Estado pode abdicar do seu direito de tributar em situações específicas, por meio da implementação de mecanismos de exceção às regras e princípios do direito tributário. Essas exceções operam no campo das amplas possibilidades de renúncias de receitas que compõem benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, de acordo com o previsto no art. 165, § 6º, da Constituição Federal. Essas renúncias são políticas públicas tributárias realizadas por meio de gastos públicos indiretos que beneficiam algumas poucas empresas, devendo, em tese, incentivar boas práticas em determinadas atividades ou setores econômicos. O Programa Simples Nacional, que simplifica e reduz a carga tributária das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, é um exemplo de um programa de forma geral bem avaliado pela população.

Mas qual o problema dos incentivos fiscais?

No Brasil, país onde apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente à dos 50% mais pobres da população, os incentivos fiscais aprofundam ainda mais a desigualdade social. Segundo estimativa  da RFB, em 2021 o governo terá gastado a importância de R$ 307,9 bilhões em Gastos Tributários. Esse valor é 11,5 vezes maior que o Programa Bolsa Família e representa 20,71% da arrecadação total do Governo Federal estimada para o ano.

Na Lei de Responsabilidade Fiscal é explícita a preocupação com a transparência dos incentivos, assim como o equilíbrio das contas públicas, cumprimento de metas e obediência as condições no que tangem as renúncias de receitas. No art. 1º, § 1º, temos:

A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. (LC 101/2000, art. 1º)

 

Em resumo: a renúncia fiscal não pode ser considerada sigilosa!

 A Receita Federal não divulga os beneficiários dos incentivos fiscais e vem, recorrentemente, defendendo a tese de que esses benefícios estariam sujeitos ao sigilo fiscal previsto no art. 198[1], caput, do Código Tributário Nacional. Entretanto, este entendimento não se sustenta, pois vai contra o princípio da publicidade e impede o controle democrático, principalmente por se tratar de recursos públicos, gastos indiretos, portanto, passíveis de serem informados à sociedade.

 A norma que regulamenta o sigilo fiscal é a Portaria de nº 2344 da Receita Federal, sendo as informações protegidas[2] são: as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial; as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda; e as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de produção. Essa regulamentação apresenta um rol exaustivo de possibilidades e, em nenhuma delas, consta a informação de que benefícios tributários ou incentivos fiscais estariam ali incluídos.

A Controladoria Geral da União – CGU, alinhada com o texto constitucional, concedeu, em pelo menos duas oportunidades, determinações em favor da divulgação de informações sobre imunidade tributária e renúncia fiscal. Em 19 de março de 2014, no processo 16853.007356/2012-15, determinou que a Receita Federal e o Ministério da Fazenda-Economia divulgassem informações sobre pessoa jurídica. A ementa do processo explica a necessidade de conceder “publicidade”, como regra, não como exceção, mesmo quando o assunto é a imunidade de tributos. Em 11 de setembro de 2018, no processo 16853.005745/2018-00, a CGU chegou a essa mesma conclusão e ordenou que ao Ministério da Economia que prestasse informações sobre renúncias fiscais separadas por empresa.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor do acesso aos dados sobre gastos tributários pelo Tribunal de Contas da União (TCU), entendendo que “o sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos”.

No âmbito do julgamento da ADPF 129/DF, o Ministro Edson Fachin consignou que “a publicidade é a regra, o sigilo, a excepcional exceção”.

 

Quais as consequências desses altos incentivos e a falta de sua transparência?

Essa prerrogativa de conferir tratamento tributário desigual entre os contribuintes, deveria estar alinhada aos objetivos fundamentais da República: constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais e promoção do bem-estar de todos, independente de quaisquer formas de discriminação. Mas na prática isso não se verifica, pois estes incentivos são concedidos com pouquíssima transparência e sem monitoramento. Tal situação cria privilégios que aumentam as injustiças de nossa política tributária

Um exemplo deste privilégio: Enquanto a Lei Orçamentária de 2021 não reservou recursos para combater a pandemia da Covid-19 e cortou verbas  importantes das áreas de saúde, educação, meio ambiente e da política indigenista, os incentivos fiscais seguem sem limite de prazo e nem teto fiscal.  De acordo com cálculos do Inesc, feitos a partir do Demonstrativo de Gastos Tributários de 2021 da Receita Federal, 74,32% dos Gastos Tributários vigentes hoje não possuem prazo para expirar, traduzindo-se em uma prática irregular e contrária a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), pois em uma leitura literal do caput do art. 14 os incentivos fiscais não poderiam ter prazo de vigência superior a 3 anos.

Outro problema é referente ao financiamento das políticas públicas. O governo isenta, por exemplo, uma empresa de refrigerantes de pagar impostos importantes, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), as Contribuições Sociais (Pis/Cofins), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Grande parte desses impostos são fundamentais para o financiamento da educação pública e da seguridade social. Logo, é necessário que as contrapartidas estejam em evidência, para que se possa avaliar se a empresa está gerando, de fato, mais empregos, ou incrementando no crescimento econômico da região ou do país.

Por isso, é muito importante que haja transparência. É preciso, também, que os valores que as empresas deixam de recolher quando recebem isenção de impostos sejam de conhecimento público, de modo que os reais ganhos para sociedade sejam avaliados e as injustiças possam ser combatidas.

Queremos que toda a população esteja apta a exercer o controle democrático que nos é garantido no texto da Constituição da República Federativa do Brasil e na Lei de Acesso à Informação para, no âmbito das renúncias de receitas, incentivos e benefícios fiscais, avaliá-los e reformá-los em prol da justiça fiscal e social.

Considerando a crise que o Brasil enfrenta, a transparência dos recursos públicos é tema importante e urgente, queremos a aprovação e sanção do PLP 162/2019 que permitirá que a Fazenda Pública informe quais pessoas jurídicas são beneficiárias das políticas públicas de renúncias tributárias, incentivos e benefícios fiscais. O parecer do projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC no dia 15/07/2021 e o próximo passo será a análise junto ao Plenário da Câmara dos Deputados.

Assine o manifesto #SóAcreditoVendo e vamos, juntos, cobrar mais transparência e monitoramento dos incentivos fiscais!

 

 

[1]  CTN, art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

[2] RFB, Portaria nº 2344/2011 – Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros, tais como: I – as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial; II – as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda; III – as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de produção. Disponível em < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=30552> Acessado em 26/03/2021.

Mulheres Amazônidas: novo ciclo de debates

Entre agosto e outubro o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com a Faculdade de Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), promovem um ciclo de debates para cerca de 30 mulheres do sudeste do Pará. A região, marcada pela luta pela terra, também enfrenta a ocupação de grandes projetos de mineração, que afetam radicalmente o cotidiano da população.

 

A programação, que conta com quatro rodas de conversa virtuais e estimuladas por convidadas, traz para debate temas como a re(x)istência frente aos megaprojetos de mineração; a relação com a natureza e a defesa da vida; as violências econômicas e financeiras contras as mulheres, além de abordar conceitos como o de neoliberalismo e corpo-território.

 

As temáticas buscam aprofundar discussões que emergiram durante a primeira fase destes encontros, ainda em 2020. Na ocasião, quatro lives protagonizadas por lideranças de movimentos sociais, professoras e pesquisadoras da região abordaram as desigualdades enfrentadas pelas mulheres em seus territórios e seus esforços de defesa de suas comunidades. Os encontros deram origem ao livro Mulheres amazônidas: ecofeminismo, mineração e economias populares.

 

Neste segundo momento, pretende-se fortalecer os diálogos entre o contexto de enfrentamento dos megaprojetos no Pará e no Brasil e as realidades e pensadoras latinoamericanas. Ailce Margarida Alves, professora coordenadora do projeto de extensão e pesquisa “Mulheres Amazônidas: resistências na defesa da vida e do território em áreas de conflito com megaempreendimentos no sudeste do Pará (Unifesspa)”, expressa, de forma poética, que esta nova etapa marca “o sonho de que esta ciranda avance, com trocas importantes, significativas, que nos fortaleça e que nos ligue com outras mulheres de Abya Yala, que estão construindo resistências em outros territórios e passando por processos semelhantes”.

Para além das rodas de conversa, a parceria com pesquisadoras da Unifesspa dará origem a três informativos sobre as condições das mulheres que vivem em municípios que recebem um alto valor pela Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

Canaã dos Carajás, Marabá e Parauapebas, as três cidades analisadas, deveriam utilizar esta compensação para melhorar a qualidade de vida de suas populações. No entanto, segundo Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc, acontece o contrário. “Vimos aprendendo com estas mulheres e com as pesquisas que temos realizado que não só os recursos da CFEM não são aplicados da maneira como deveriam, como, para nossa surpresa, nos municípios que mais os arrecadam,  observamos um aumento da miserabilidade muito grande”, explica.

COP 26: o avesso, do avesso, do avesso 

Há poucos meses da realização da Conferência do Clima da ONU, a COP 26, uma coisa já está evidente: tem sido um ano difícil para as negociações planejadas para acontecer em novembro.

 

Depois do seu adiamento, em 2020, por causa da pandemia da Covid-19, o secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) prometeu a realização do encontro para 2021. No entanto, entre maio e junho deste ano, a experiência de um diálogo por meio digital com o ​​Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico e Tecnológico (SBSTA, na sigla em inglês) foi marcada por muitas frustrações, manifestadas, em particular, por delegados dos países do Sul Global e pelos representantes da sociedade civil que acompanham o debate sobre mudanças climáticas.

 

Com o objetivo de sistematizar algumas das discussões que vêm sendo feitas, entre especialistas e chefes de estado e governos, sobre as condições para a realização deste evento, reunimos cinco razões pelas quais acreditamos que a conferência do clima da ONU deveria ser adiada mais uma vez.

 

  1. Pandemia

 

A pandemia não acabou. Embora muitos países do Norte Global estejam avançados nos esforços de imunização das suas populações, o surgimento da variante Delta ameaça com uma nova e fulminante onda da doença. Nos países do Sul Global, dificuldades relacionadas à compra, à distribuição e, mesmo, à vontade política para proceder a imunização deixaram essas sociedades em situação de extrema vulnerabilidade, sendo a cobertura vacinal ainda hoje muito precária nesses lugares.

 

Nos últimos dois anos, aprendemos muito a respeito do vírus que causa a Covid-19, mas não o suficiente para expor pessoas ao risco de contrair uma doença que pode ser fatal. Da mesma forma, embora logicamente necessária, a proibição de entrada no Reino Unido dos “não-vacinados” representa uma perda para a diversidade e a complexidade dos debates levados a cabo durante a Conferência.

 

  1. Internet

 

O acesso à internet foi consagrado um direito humano de quarta geração, a partir do seu reconhecimento pela ONU (em interpretação à Declaração Universal dos Direitos Humanos). No entanto, as desigualdades relacionadas à efetiva concretização deste direito são conhecidas, e se tornaram ainda mais evidentes durante o encontro do SBSTA, entre maio e junho de 2021.

 

Há, nos bastidores da Conferência, um burburinho que deixa inferir grande insatisfação com o modelo híbrido escolhido para a discussão, isto é, ao mesmo tempo presencial e virtual. Quem participou do evento por meio virtual relatou problemas com uma espécie de “acreditação virtual”, em particular, com o funcionamento dos códigos de acesso às salas virtuais (que substituíram os crachás das discussões oficiais), bem como dificuldades para acompanhar as discussões pela má qualidade da internet nos seus países de origem.

 

De modo semelhante, no Brasil, o acesso à internet é excludente, e afeta, sobretudo, regiões não alcançadas pelo interesse do mercado de telecomunicações. Isso significa que povos e comunidades do campo-floresta-águas poderiam ficar de fora de debates que os afetam diretamente, tais como os que devem se debruçar sobre a regulamentação das formas de capitalização das riquezas naturais presentes em seus territórios.

 

  1. Custos

 

Os custos de participação na COP 26 serão elevadíssimos! O preço de 1 libra esterlina equivale a mais do que 7 reais. Este foi um dos fatores que convenceu o governo britânico a reduzir o tempo de quarentena exigido dos participantes. Contudo, a “lista vermelha” de países, ou seja, aqueles que acendem o alerta da política sanitária global, continua a incluir majoritariamente latino-americanos e africanos, além de alguns asiáticos. Para estes países, somam-se cinco dias de hospedagem, deslocamento e alimentação aos já quase quinze dias de Conferência.

 

  1. Transparência e participação

 

Um dos temas abordados nesta edição da COP é a transparência na definição das metas e das métricas climáticas adotadas por cada país, já que as contribuições nacionais são voluntárias, ou seja, não são definidas compulsoriamente pelo Acordo de Paris sobre o Clima. No entanto, como vimos, a própria construção da Conferência está atravessada por questões relativas à transparência e às condições para a participação (não tanto das delegações oficiais, embora elas também tenham sofrido com problemas, mas, especialmente, da sociedade civil).

 

Com isso, a legitimidade das discussões e das decisões tomadas durante o evento poderá ser colocada em xeque, e não só por quem foi deixado de lado, sem ser ouvido. Arriscar a legitimidade de um processo que, embora esteja longe do ideal, foi construído sobre uma preocupação real com a democracia e a representação das vozes de todo o mundo é lamentável, principalmente no atual contexto de negacionismo científico e climático.

 

  1. Agenda

 

A COP 26 já está sendo descrita como um novo grande momento das negociações climáticas internacionais. A expectativa é que, nesta edição do evento, o chamado “livro de regras”, documento que regulamenta os artigos do Acordo de Paris, seja finalizado. Nesse sentido, dois temas são cruciais, considerando a inserção brasileira na negociação:

 

(i) o primeiro deles diz respeito ao aumento das ambições dos países para evitar a elevação das temperaturas globais em 1,5ºC, em comparação com os 2ºC de antes. As pressões neste sentido refletem uma série de relatórios e estudos que apontam para a aceleração do aquecimento global.

 

(ii) o segundo relaciona-se ao financiamento das políticas climáticas em cada país, especialmente nos mais pobres. Aqui entra em cena o artigo 6 do Acordo de Paris, que prevê o estabelecimento de mecanismos de mercado e de não-mercado para levantar recursos ao esforço climático.

 

De olho na política brasileira, os grandes incêndios em biomas tais como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal tendem a reduzir ou a eliminar a capacidade do Estado para se comprometer com a meta de 1,5ºC. Já no que tange ao modelo de financiamento planejado para o esforço climático, é possível dizer que a ênfase no uso e na criação de serviços financeiros para essa finalidade reflete uma certa fé cega na convergência de interesses entre o público e o privado, matizada pelo discurso da crise fiscal dos países.

 

Como resultado, observamos uma progressiva erosão do compromisso público em relação ao combate às mudanças climáticas, além da transferência, para empresas e indivíduos ou consumidores, da responsabilidade pela implementação de medidas, lucrativas ou filantrópicas, que sejam capazes de promover um funcionamento “verde” da economia.

 

Portanto, a finalização do livro de regras de Paris, durante a COP 26, deverá apontar para um novo paradigma de desenvolvimento que tem o meio ambiente no centro da elaboração política, ao mesmo tempo que aprofundará o processo de financeirização da economia e da vida. Esse quadro trará consequências dramáticas para os povos do campo-floresta-águas. E, por isso, não pode ser decidido sem esses povos.

 

Ferrogrão: ferrovia brasileira de grãos

A EF-170 ou Ferrogrão é um projeto de ferrovia “greenfield” que vai ligar os 933 km que separam os municípios de Sinop (Mato Grosso) e Itaituba (Pará). Faça download do informativo e acesse um resumo sobre este projeto.

A língua é minha pátria?

Márcia Acioli/manifestação

As línguas latinas em geral e a língua portuguesa em particular têm marcadores de gênero para a maior parte de substantivos, pronomes e adjetivos. E a “norma” diz que quando generalizamos, vale a forma masculina. Importante explicitar que a tal “norma” também é ideologizada e criada para garantir que prováveis mudanças sejam controladas por “especialistas” e autorizadas por quem tem poder. Além do que, as instituições consideradas como guardiãs da língua, como a Academia Brasileira de Letras, por exemplo, são formadas por homens velhos e brancos, que julgam como parte da norma culta, o masculino genérico.

E cristalizam desigualdades por meio, também, da língua, segregando pessoas atendidas por um Estado que viola cotidianamente os seus direitos, em particular o direito à educação de qualidade. E ainda tolhem seus potenciais ao não aceitarem as diferentes formas de expressão cunhadas em comunidade, que os e as identificam, visto que educação não é só na escola, mas e principalmente nos corres cotidiários.

Fosse apenas uma norma padrão, que não nos define culturalmente, quando a presidenta eleita Dilma Roussef se intitulou “Presidenta”, não teria causado tanta comoção nas redes e mídias, a ponto de a presidente (e não presidenta) do Supremo Tribunal Federal argumentar em sua audiência de posse que não seria presidenta por ter sido estudante e amar a língua portuguesa. Estava nítida a ideologia imposta, o cargo é masculino, a presidenta eleita estava ali muito temporariamente.

 

O Patriarcado e a imposição do masculino como norma

Ter como certo que ao generalizarmos usamos a forma masculina, reforça as estruturas patriarcais, machistas, sexistas, pois a linguagem é parte de nossa formação como pessoas. Assim como há palavras que reforçam nossa estrutura racista, tais como “denegrir”, ou expressões “negro de alma branca”.

Para a língua portuguesa, o masculino como genérico foi sistematizado pelo linguista Joaquim Matoso Câmara Jr, na década de 1960, quando ele descreveu que a vogal “a” era marcadora do gênero feminino e o masculino significava a ausência do “a”, portanto, natural temos o masculino genérico.

Depois do advento da “Escola sem Partido”, da “Ideologia de gênero”, agora atacam a linguagem, com a proposta de projeto de lei que impede a fluição de diversas e diferentes formas de nos comunicarmos. É possível impor a outro país uma reforma ortográfica, como a que ratificamos junto com os países de língua portuguesa, capitaneados por Portugal; colonialismo que persiste. No entanto, não é aceitável que nós, falantes da língua, a modulemos de acordo com nossas culturas.

A língua é viva e não tem dono, pertence a cada falante, que a depender de onde e como vive, adquire nuanças culturais reforçando o pertencimento e as diferentes identidades. A linguagem nos constitui e nós constituímos a linguagem que nos identifica como únicos, únicas, uniques no mundo.

 

A imposição de normas para corpos não heteronormativos

O enquadramento da língua é colonizador. Imaginemos as milhares de línguas existentes no Brasil quando da chegada dos portugueses e as violências sofridas pelos povos originários, obrigados a adotarem a língua portuguesa como norma. Lembrando que nosso território é gigantesco, para atingir tal feito certamente foram necessários punhos de ferro no lombo das pessoas.

No entanto, essas informações não estão nos livros de história, porque a “oficial” sempre foi contada pelo colonizador. Acontecendo o mesmo com a tal “norma culta” da língua, reproduzida pela academia sem grandes questionamentos e resguardada por instituições mofadas. Tentam impedir a discussão de gênero nas escolas, tentam impedir a linguagem de gênero, legislando sobre diferentes corpos que não se identificam com a norma padrão. Em tempos de fundamentalismo, ao invés de a língua se adaptar às mudanças, impõem que as pessoas se aprisionem em seus corpos e em suas formas de manifestação.

 

A tentativa de enquadramento cultural por meio da criação de nova Lei

Então, em idos de novembro de 2020, um deputado federal, ocupante de um cargo público, em plena pandemia de Covid-19, resolveu que era de suma importância usar o seu poder de legislador e apresentar um projeto de lei que tem como ementa a seguinte pérola:

“Veda expressamente a instituições de ensino e bancas examinadoras de seleções e concursos públicos a utilização, em currículos escolares e editais, de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas.”

E segue, em sua justificativa, se arvorando a grande mestre sociolinguista patriótico, defensor daquilo que chama língua, dizendo que: “Qualquer arroubo de opinião nesta seara (de incluir linguagem de gênero ou neutra) não merece qualquer acolhida mais séria, sob pena de se corromper o liame comunicacional mais elementar de um povo: sua língua, o que faria jogar por terra todos os seus valores, identidade e história comum.”

Há muito cinismo nesta afirmação, pois ele nos diz que a língua representa valores, identidades, história comum. Sim, ela traz consigo todas estas questões e por isso não é representada pela “norma culta”, ou padrão, ela é mutável a depender das necessidades de reconhecimento. Ela traz as identidades, ela traz as pessoas, em coletivo, mas também individualmente, pois cada pessoa precisa ser reconhecida em sua individualidade para estar em coletivo com toda a sua integridade. E o deputado tão preocupado com a língua, jamais deveria usar história comum no singular, há muitas histórias para além da oficial.

Caríssimo deputado, depois que o senhor apresentou esta proposta já morreram outras 360 mil pessoas, que se juntam às outras 200 mil, que já haviam partido entre março e novembro de 2020, vítimas de uma pandemia com o acréscimo cruel de política do genocídio. Então, gaste seu tempo pensando e agindo para que o governo cumpra seu papel constitucional, ao invés de querer estancar os rios.

 

 

Publicações do Inesc mostram transformação do Tapajós em plataforma de exportação de soja

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) lança duas publicações que colocam em foco uma região extremamente estratégica para a exportação de commodities brasileiras. O distrito de Miritituba, no Pará,  chega a receber  até 1500 carretas de soja por dia na alta safra, vindas do estado de Mato Grosso. Da pequena cidade de 15 mil habitantes, a produção é escoada pelas águas do rio Tapajós até o porto de Santana (AP), Barcarena e Santarém (PA), fazendo assim um caminho muito mais curto do que quando a soja é exportada via os portos do sul e sudeste do país.

 

Um relatório da Agência Nacional Transportes Aquaviários (ANTAQ) mostra um crescimento da ordem de 10,8% das exportações de soja e milho pelos portos do norte do país em 2020. Também calcula  uma evolução da movimentação de cargas de grãos, entre 2010 e 2020, que quase alcança os 500% .

 

Desde 2019, o Inesc acompanha esta realidade. Fruto deste trabalho, foram publicados o guia ilustrado Logística no Médio Tapajós: o caso de Itaituba-Miritituba, que aborda os interesses e atores por traz deste contexto; e o guia “Governança” da infraestrutura no Brasil: um olhar a partir de Itaituba e Miritituba, que analisa os arranjos realizados na legislação e nas políticas públicas públicas para tornar os investimentos possíveis.

 

“Estas publicações nascem da necessidade de avaliar criticamente o projeto ‘Arco Norte’, um complexo logístico na região amazônica de exportação de grãos que, assim como outros projetos de grandes empresas, costumam ser acompanhados de mau agouro, mas são vendidos como boa nova”, explica Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc e co-autora das publicações.

 

As publicações

O guia ilustrado Logística no Médio Tapajós: o caso de Itaituba-Miritituba faz uma radiografia do contexto de investimentos em infraestrutura-logística na Amazônia e mostra como a agrovila de Miritituba tem sido obrigada a se adaptar às dinâmicas impostas pelos empreendimentos que movimentam um grande volume de mercadorias.

 

A publicação destaca também o papel no território das empresas ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus (conhecidas como ABCDs), cuja atividade econômica se concentra na circulação de mercadorias que alimentam as redes globais de produção. A partir de entrevistas com moradores, o guia traz, ainda, os graves impactos das estruturas portuárias no modo de vida da população que vive ali.

 

O segundo guia, “Governança” da infraestrutura no Brasil: um olhar a partir de Itaituba e Miritituba discute como o Estado atua como estruturador dos investimentos privados que chegam à região, transformando as demandas dos investidores em política pública. Para tanto, a publicação traz uma análise da implementação dos programas governamentais de planejamento e infraestrutura (e as reformas legislativas que os acompanham) e destaca os arranjos realizados para tornar os investimentos privados possíveis em Miritituba. O foco do estudo é o setor da infraestrutura logístico-portuária entre 2007 e 2020.

Governança da infraestrutura no Brasil: um olhar a partir de Itaituba e Miritituba

De que forma a implementação dos programas governamentais de planejamento e infraestrutura (e as reformas legislativas que os acompanham) determinaram a história recente de Itaituba e Miritituba no Pará? Esta é a questão que conduz esta publicação, que busca compreender como a política para o setor portuário se relaciona com esforços de financeirização e privatização da infraestrutura.

O guia está organizado em três seções: a primeira, analisa o debate sobre o investimento em infraestrutura na esfera internacional para ilustrar brevemente de que forma a pauta vem sendo construída e ditada por organismos multilaterais e instituições financeiras. A segunda seção trata dos esforços do Estado brasileiro, na esfera do governo federal, para tornar concreta a visão dos agentes econômicos internacionais no plano nacional, por meio de programas federais e mudanças legislativas e regulatórias. Na terceira seção, iniciamos um estudo sobre o estado do Pará e o Município de Itaituba, para demonstrar de que forma tais movimentações e políticas se fazem realidade no território.

Websérie realizada pelo Inesc ganha prêmio de melhor animação no London Web Fest

A websérie “Tapajós: uma breve história da transformação de um rio”, realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), vence o prêmio de melhor animação no London Web Fest. Produzida no sudoeste paraense, traz histórias de moradores de Miritituba, uma pequena vila no coração da Amazônia que luta para sobreviver em meio aos grandes portos de exportação de soja.

 

Inicialmente inscrita na categoria de websérie, a produção foi indicada pelo júri para o prêmio de melhor animação. O London Web Fest é qualificado pelo IMDB (base de dados online sobre cinema) e é um dos mais importantes festivais de webséries do mundo. As produções selecionadas são exibidas para importantes profissionais da área de cinema e para um júri composto por vencedores de prêmios como o Oscar, Bafta e Tribeca.

 

A série será exibida nos dias 26 e 27 de junho no site do festival apenas para participantes do evento. Em breve, estará disponível nas redes sociais do Inesc.

Dando nome aos bois

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) monitorou e analisou cada uma das 524 medidas normativas publicadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e suas entidades Ibama, ICMBio, JBRJ em 2019 e 2020. “A análise das medidas publicadas no Diário Oficial da União (DOU) revela que de fato está em curso o desmonte da capacidade institucional dos órgãos de executarem políticas e cumprirem a legislação ambiental”, explica Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e responsável pelo estudo.

A pesquisa “Dando nome aos bois: análise das medidas infralegais para o meio ambiente nos primeiros dois anos do governo Bolsonaro” teve um caráter qualitativo e foi realizada com apoio de especialistas de política e gestão ambiental. Cada uma das medidas estão categorizadas em grau de risco (1 a 5) no que tange ao seu impacto na redução do nível de proteção ambiental.

Das 524 medidas, 317 representaram algum grau de risco. Destas, 48 foram consideradas de alto risco (sendo 38 de risco alto e 10 de risco muito alto). O estudo detalha ainda as 12 medidas mais danosas ao meio ambiente nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.

O nome do estudo faz referência à fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial no início da pandemia, em que ele afirmou ser preciso aproveitar o momento de “tranquilidade” e “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

O Inesc conclui que a análise das 12 medidas mais impactantes para o meio ambiente revelam três estratégias articuladas: o enfraquecimento da fiscalização ambiental; a desestruturação intencional do ICMBio e do seu papel na gestão das unidades de conservação e o redirecionamento do MMA para um “ambientalismo de resultado”.

“Este estudo mostra como o atual governo está empenhado na estratégia de flexibilização das normas infralegais e de restrição e ou redução do  escopo de atuação destes órgãos”, constata Alessandra Cardoso. “Algumas destas normas ferem gravemente a capacidade de gestão ambiental estatal e precisam ser reeditadas ou anuladas”, recomenda a assessora do Inesc. Informações sobre cada medida específica com a avaliação de especialistas podem ser consultadas na base de dados “Dando nome aos bois”.

Dando nome aos bois

Esta publicação é composta por um artigo e uma base de dados nas quais o Inesc apresenta a análise de 524 medidas normativas publicadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e suas entidades Ibama, ICMBio, JBRJ em 2019 e 2020. A pesquisa teve um caráter qualitativo e foi realizada com empenho de especialistas de política e gestão ambiental. Cada uma das medidas estão categorizadas em grau de risco (1 a 5) no que tange ao seu impacto na redução do nível de proteção ambiental. Na base de dados você encontra uma análise de cada uma das medidas e no artigo um detalhamento das 12 medidas mais danosas ao meio ambiente.

A tragédia do fim do licenciamento

Com um implacável acordão entre governo, ruralistas, setores da indústria, das finanças, da infraestrutura, centrão e com a chancela de Arthur Lira, presidente da Câmara, vimos o relatório do deputado Neri Geller (PP-MT) sobre o Projeto de Lei do licenciamento ambiental (PL nº 3.729/2004) ser aprovado a toque de caixa na noite do dia 12 de maio de 2021.

É difícil compreender as muitas faces do “crime ambiental” que o Parlamento brasileiro aprovou, entre discursos vazios mal amparados na crença oportunista de que o licenciamento como está impede o Brasil de crescer. 

Os 300 parlamentares que votaram favoravelmente ao relatório nos impuseram a triste e trágica imagem de que nosso país que, diante do desafio de conciliar proteção do meio ambiente e da população com os impactos produzidos pelas atividades econômicas, optou por decretar o fim do licenciamento ambiental.

Análises de especialistas, incluindo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), não fizeram diferença. A forte mobilização em redes sociais, replicando pedagogicamente absurdos contidos no relatório, tampouco constrangeram os parlamentares. 

As avaliações do Tribunal de Contas da União (TCU), que evidenciam há anos que os problemas do licenciamento precisam ser corrigidos sem que o instrumento seja colocado em risco, foram desconsideradas. Ironicamente, em um trecho do documento Licenciamento Socioambiental nos empreendimentos de infraestrutura, recomenda-se “o desenvolvimento de um plano de comunicação institucional com o objetivo de esclarecer à sociedade e ao Congresso Nacional a importância do licenciamento ambiental, bem como divulgar boas práticas e casos de sucesso, destacando os benefícios ambientais, sociais ou econômicos alcançados com o instrumento“.

Vale dizer que muitas outras avaliações e recomendações foram apresentadas ao longo dos seis últimos anos em que foi pautado no Parlamento a votação de uma Lei Geral do Licenciamento. Entre elas, destacam-se os onze apontamentos do Banco Mundial para aperfeiçoar o licenciamento ambiental no Brasil. A instituição sugere considerar o emprego de modernos instrumentos de planejamento já existentes, como a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Esta e outras ferramentas podem fortalecer a coordenação intergovernamental e intersetorial, o diálogo com atores envolvidos, o diálogo com especialistas, acelerando o processo de licenciamento, tornando-o mais eficiente e com menor custo para todos.

No texto aprovado, a Avaliação Ambiental Estratégica foi excluída, assim como os procedimentos básicos para garantir eficiência institucional e segurança jurídica ao licenciamento. Os 300 parlamentares orquestrados por um grande acordão escolheram jogar a criança, a banheira e a água do banho fora. 

O texto aprovado dispensa o “agro” e mais 13 tipos de atividade impactantes do licenciamento ambiental; permite o licenciamento autodeclaratório via internet para grande parte das atividades econômicas; estimula que estados e municípios produzam uma guerra de procedimentos para concorrer entre si, na vã intenção de reduzir custos do licenciamento e atrair investimentos; e permite liberar os financiadores da responsabilização dos impactos de empreendimentos apoiados por eles.

Como se não bastasse, o texto aprovado joga para debaixo do tapete os impactos sociais e ambientais dos empreendimentos. O que significa que o que era ruim pode ficar ainda pior. Lembram das grandes hidrelétricas na Amazônia? Estes empreendimentos atraíram milhares de pessoas para municípios próximos aos canteiros de obras, levando à explosão da violência, à pressão sobre serviços e equipamentos públicos, ao aumento do desemprego e da pobreza extrema, além dos impactos ambientais. Não devemos nos esquecer também da importância de um licenciamento rigoroso de barragens de rejeitos. Os projetos da Vale S.A em Mariana/MG e Brumadinho/MG resultaram na morte de 292 pessoas, soterradas pela lama e em um impacto ambiental que ainda não somos capazes de dimensionar completamente.

Estes casos demonstraram o quanto era necessário aperfeiçoar o licenciamento, com projetos melhor elaborados, com estudos mais eficientes dos impactos, com ampliação do compartilhamento de responsabilidades socioambientais entre atores privados, com o fortalecimento do Ibama (órgão federal responsável pelo licenciamento), dos órgãos ambientais estaduais, dos órgãos envolvidos na avaliação e mitigação dos impactos sobre povos indígenas, quilombolas, e sobre o patrimônio cultural. Enfim, o desafio era melhorar o licenciamento tornando-o mais ágil, barato e eficiente, mas escolheram simplesmente acabar com ele.

O texto aprovado, no lugar de melhorar o ambiente de negócios no país, cria uma indústria de impactos não avaliados, mitigados ou compensados pelo empreendedor. Os impactos também não serão assumidos pelo Estado, pelo governo federal e nem pelos órgãos ambientais sufocados pela falta de orçamento, de pessoal. É nas municipalidades onde os problemas irão se manifestar na vida como ela é. Os prefeitos deveriam ficar em alerta, pois a conta recairá sobre eles de forma pesada e de qualquer forma.

O projeto segue para o Senado Federal. Esperamos que esta tragédia socioambiental seja revertida, com a pressão da sociedade e com o apoio de segmentos menos obtusos do agro, da indústria, da infraestrutura, do mercado financeiro, de todos que estiverem preocupados com a segurança jurídica dos seus investimentos no médio prazo, com o meio ambiente e com a população brasileira.

Nota: A Lei da não licença e do autolicenciamento

Entrou na pauta da próxima semana da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.729/2004, que significa, na prática, a extinção do licenciamento ambiental. Em nota, o Inesc, junto com outras organizações socioambientais, alertam que o texto não foi discutido com a sociedade e que prevê lista com treze dispensas de licenciamento para atividades impactantes.

Leia a nota completa!

 

O estouro da boiada: PLs da Grilagem

Os PLs 510 (Senado) e 2633 (Câmara dos Deputados) tentam mudar as atuais regras de regularização fundiária para legalizar e incentivar a grilagem em terras da União.

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