Arquivos Artigo - Página 10 de 27 - INESC

Código Florestal: Considerações sobre a redação final

 
O primeiro Código Florestal brasileiro data de 1934 e foi criado para normatizar o uso das florestas . Em seu art.1° expressa a preocupação em considerar as florestas nacionais em seu conjunto, reconhecendo-a como de interesse social, um bem jurídico de interesse comum do povo brasileiro. O Código Florestal de 1934 estabeleceu restrições ao direito de propriedade por meio da imposição da reserva obrigatória de 25% de vegetação nativa nas propriedades rurais (art. 23).

Desde 1934, o Código Florestal foi alterado diversas vezes. Em vigor está a Lei 4.771, de 1965 , que revogou o Código de 1934. O Código Florestal de 1965 estabeleceu dois mecanismos importantes de proteção: i) a Reserva Legal – um percentual do imóvel que deve ser coberto por vegetação natural e que pode ser explorada com o manejo florestal sustentável; ii) a Área de Preservação Permanente (APP) – área destinada a proteger o solo e as águas, cujo uso é limitado e depende de situações a ser autorizada pelo poder público.

Após muitas mudanças, o percentual de cobertura vegetal exigido para compor a Reserva Legal é 80% em floresta na Amazônia Legal, de 35% em cerrado na Amazônia Legal, e 20% no restante do Brasil. No caso da Reserva Legal em área de floresta da Amazônia durante muitos anos o exigido foi de 50%, mas passou para 80% por meio da MP 1.511, de 1996 (reeditada várias vezes). O aumento foi introduzido para frear o desmatamento na região Amazônica.

Os limites das Áreas de Preservação Permanente também foram alterados, um exemplo é a Lei 7.511/1986, que aumentou a largura da mata ciliar , preocupação decorrente dos desastres naturais que ocorrem à época. Depois foi substituída pela Lei 7.830/1989, que alterou outra vez a largura da APP da mata ciliar.

 

Em 2001, foi editada a Medida Provisória 2.166-67/2001 que promoveu várias alterações, entre elas, incluiu os conceitos de utilidade pública e interesse social; definiu regras para delimitação e registro de reserva legal; definiu regras para a recomposição da reserva legal (mesmo ecossistema e na mesma microbacia).
A pressão pela reformulação do Código Florestal ganhou força em 2008. Primeiro, com a edição da Resolução n°3545/2008 do Banco Central, que passou a exigir documentação para comprovar a regularidade ambiental para fins de financiamento agropecuário no bioma Amazônia. Segundo, com a edição do Decreto n°6.514/2008 que passou a exigir a regulamentação da Reserva Legal e definiu multas para o caso de não efetivação da averbação.

O Decreto n°6.514/2008 substituiu o Decreto 3.179/1999, o primeiro que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998). O prazo para o início das sanções penais estabelecidas pelo Decreto foi prorrogado algumas vezes. A última redação, dada pelo Decreto n°7029, de 2009, estabelece a data de 11 de junho de 2011 para entrada em vigor das sanções penais.

 

Veja o artigo na íntegra

 

Eleições 2016: No Brasil, mulheres negras não têm vez na política

A análise do perfil das candidaturas para as Eleições 2016 revela, mais uma vez, o sexismo e o racismo das estruturas de poder no Brasil. Das 493.534 candidaturas em todo o Brasil, sendo 156.317 candidaturas do sexo feminino, apenas 14,2% (70.265) são mulheres negras concorrendo ao cargo de vereadora e 0,13% (652) ao cargo de prefeita – considerando-se “negra” a somatória das variáveis ‘pretas’ e ‘pardas’. Se considerarmos somente as candidatas que se auto-declararam ‘pretas’, o número é ainda menor: 0,01% (60) para prefeitura, 0,03% vice prefeitura (135), 2,64% (13.035) se candidataram ao cargo de vereadora.

Com relação aos homens negros (‘pretos’ + ‘pardos’), eles representam 28,8% das candidaturas para prefeitura, 30,1% para vice prefeitura e 33,4% para vereador. Os partidos que mais têm candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) são o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU): 23,6% e 20,4% respectivamente. Entre os grandes partidos, a proporção de candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) é a seguinte: 16,4% no PT, 13,8% no PSB, 13% no PDT, 12,3% no PSDB e 12,1% no PMDB. Considerando apenas as candidatas que se auto-declaram ‘pretas’, os números são ainda menores: 4,5% no PT, 2,4% no PSB, 2,3% no PDT, 2,2% no PSDB e 2% no PMDB.

O estado que tem mais candidatas negras (pretas + pardas) é o Amapá (25,2%), seguido do Acre (25%) e Pará (24,9%).

De acordo com o IBGE, São Paulo, Bahia e Minas Gerais são os estados que mais têm mulheres negras em sua população: nestes, a proporção de mulheres negras candidatas, para todos os cargos em disputa nas Eleições 2016, é de 7,8% em São Paulo (6.678), 24,0% em São Paulo (8.759) e 15% em Minas Gerais (11.724).

Os dados também demonstram a tendência à sub-representação de mulheres em geral (brancas, pretas, pardas, amarelas e indígenas): em todo o país, temos 12,6% para candidaturas ao cargo de ‘prefeita’, 17,4% para ‘vice-prefeita’ e 32,9% para ‘vereadora’ – ou seja, 87,4% das candidaturas a prefeituras de todo o país é composta por homens. É importante ressaltar que as mulheres representam 51,04% da população brasileira e que cota mínima obrigatória para os partidos para candidaturas femininas é de 30%. Quase todos os partidos cumpriram a cota legal – embora nenhum tenha atingido 50% –, exceto pelo PCO, que possui 29,4% de suas candidatas mulheres. Mas quando observada a distribuição entre os cargos, esse comportamento se mantém somente para o cargo de vereador. Para prefeitura, somente os partidos PMB, PSTU e NOVO têm 30% ou mais de candidatas mulheres, e para a vice-prefeitura, apenas o PMB atingiu essa cota.

No que se refere aos indígenas, foram 1.702 candidatos em todo o Brasil (0,3% do total de candidatos), dos quais 29 para o cargo de prefeito e 1.613 para os cargos de vereador. Candidatos que se declararam indígenas às prefeituras estão no Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul.

Tratamento da base de dados do TSE: Luciana Guedes

As mulheres negras (pretas + pardas) experimentam os piores indicadores sociais hoje no Brasil, apesar de grandes avanços recentes como a diminuição da pobreza extrema por meio de políticas de segurança alimentar e nutricional, de transferência de renda, de elevação real do salário mínimo e de aumento da formalização da mão de obra, entre outras. Neste grupo, as pretas ainda são as mais vulnerabilizadas pela desigualdade social brasileira. O Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da ONU Mulheres, demonstrou que as negras também são as maiores vítimas da violência doméstica e violência letal: o índice de homicídios cresceu 54,2% entre 2003 e 2013, ao passo que o das mulheres brancas caiu 9,2%. A população carcerária de mulheres no Brasil também tem crescido aceleradamente (567% entre 2000 e 2014), e as mulheres negras representam 68% das mulheres encarceradas hoje no Brasil (Fonte: Conselho Nacional de Justiça, 2015). Outro dado dramático de contexto das relações raciais no país é o fato de que convivemos com uma média de 25 mil jovens negros homens mortos ao ano por arma de fogo (fonte: Mapa da Violência, 2014) – a morte do jovem negro impacta diretamente a vida de suas mães, filhas, esposas. A boa notícia neste cenário é que as jovens negras também conquistaram espaços sociais positivos. A partir de políticas públicas afirmativas e de inclusão social, a presença das jovens negras aumentou nas universidades nos últimos anos.

O mundo do trabalho é uma das dimensões mais importantes da vida social, especialmente do ponto de vista da autonomia econômica e de realização individual. O racismo e o sexismo também operam nessa dimensão da vida social: estudo recente do IPEA revela que as mulheres negras ganham, em média, 40% da remuneração dos homens brancos.

Em 2015, as mulheres negras demonstraram para o país que seguirão com suas demandas nas arenas de participação na vida política: a Marcha de Mulheres Negras, que contou com mais de 30 mil mulheres, trouxe a Brasília a agenda anti-racista, contra a violência e pelo bem viver. Na ocasião, marcharam em direção a um Congresso Nacional que tem apenas 56 mulheres, sendo 12 mulheres negras (11 eleitas para a Câmara e 1 para o Senado). Atualmente, convivemos com um Ministério sem nenhuma mulher, em um governo que cortou o orçamento da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e para direitos humanos, tornando o Ministério da Justiça um órgão voltado somente para a ação policial. Os dados das candidaturas às Eleições 2016 demonstram, mais uma vez, que os espaços de poder institucionalizados continuam fechados para as mulheres negras no Brasil.

Em 2014, o Inesc publicou análise semelhante para as eleições daquele ano. O “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia” revelou que, apesar de as candidaturas das mulheres cumprirem então a cota de 30% prevista em lei, ainda continuavam sendo minoria em todos os partidos políticos. E no quesito racial, as candidatas pretas e pardas, bem como as indígenas, também não tinham espaço.

Eleições 2016: No Brasil, mulheres negras não têm vez na política

A análise do perfil das candidaturas para as Eleições 2016 revela, mais uma vez, o sexismo e o racismo das estruturas de poder no Brasil. Das 493.534 candidaturas em todo o Brasil, sendo 156.317 candidaturas do sexo feminino, apenas 14,2% (70.265) são mulheres negras concorrendo ao cargo de vereadora e 0,13% (652) ao cargo de prefeita – considerando-se “negra” a somatória das variáveis ‘pretas’ e ‘pardas’. Se considerarmos somente as candidatas que se auto-declararam ‘pretas’, o número é ainda menor: 0,01% (60) para prefeitura, 0,03% vice prefeitura (135), 2,64% (13.035) se candidataram ao cargo de vereadora.

Com relação aos homens negros (‘pretos’ + ‘pardos’), eles representam 28,8% das candidaturas para prefeitura, 30,1% para vice prefeitura e 33,4% para vereador. Os partidos que mais têm candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) são o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU): 23,6% e 20,4% respectivamente. Entre os grandes partidos, a proporção de candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) é a seguinte: 16,4% no PT, 13,8% no PSB, 13% no PDT, 12,3% no PSDB e 12,1% no PMDB. Considerando apenas as candidatas que se auto-declaram ‘pretas’, os números são ainda menores: 4,5% no PT, 2,4% no PSB, 2,3% no PDT, 2,2% no PSDB e 2% no PMDB.

O estado que tem mais candidatas negras (pretas + pardas) é o Amapá (25,2%), seguido do Acre (25%) e Pará (24,9%).

De acordo com o IBGE, São Paulo, Bahia e Minas Gerais são os estados que mais têm mulheres negras em sua população: nestes, a proporção de mulheres negras candidatas, para todos os cargos em disputa nas Eleições 2016, é de 7,8% em São Paulo (6.678), 24,0% em São Paulo (8.759) e 15% em Minas Gerais (11.724).

Os dados também demonstram a tendência à sub-representação de mulheres em geral (brancas, pretas, pardas, amarelas e indígenas): em todo o país, temos 12,6% para candidaturas ao cargo de ‘prefeita’, 17,4% para ‘vice-prefeita’ e 32,9% para ‘vereadora’ – ou seja, 87,4% das candidaturas a prefeituras de todo o país é composta por homens. É importante ressaltar que as mulheres representam 51,04% da população brasileira e que cota mínima obrigatória para os partidos para candidaturas femininas é de 30%. Quase todos os partidos cumpriram a cota legal – embora nenhum tenha atingido 50% –, exceto pelo PCO, que possui 29,4% de suas candidatas mulheres. Mas quando observada a distribuição entre os cargos, esse comportamento se mantém somente para o cargo de vereador. Para prefeitura, somente os partidos PMB, PSTU e NOVO têm 30% ou mais de candidatas mulheres, e para a vice-prefeitura, apenas o PMB atingiu essa cota.

No que se refere aos indígenas, foram 1.702 candidatos em todo o Brasil (0,3% do total de candidatos), dos quais 29 para o cargo de prefeito e 1.613 para os cargos de vereador. Candidatos que se declararam indígenas às prefeituras estão no Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul.

Tratamento da base de dados do TSE: Luciana Guedes

As mulheres negras (pretas + pardas) experimentam os piores indicadores sociais hoje no Brasil, apesar de grandes avanços recentes como a diminuição da pobreza extrema por meio de políticas de segurança alimentar e nutricional, de transferência de renda, de elevação real do salário mínimo e de aumento da formalização da mão de obra, entre outras. Neste grupo, as pretas ainda são as mais vulnerabilizadas pela desigualdade social brasileira. O Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da ONU Mulheres, demonstrou que as negras também são as maiores vítimas da violência doméstica e violência letal: o índice de homicídios cresceu 54,2% entre 2003 e 2013, ao passo que o das mulheres brancas caiu 9,2%. A população carcerária de mulheres no Brasil também tem crescido aceleradamente (567% entre 2000 e 2014), e as mulheres negras representam 68% das mulheres encarceradas hoje no Brasil (Fonte: Conselho Nacional de Justiça, 2015). Outro dado dramático de contexto das relações raciais no país é o fato de que convivemos com uma média de 25 mil jovens negros homens mortos ao ano por arma de fogo (fonte: Mapa da Violência, 2014) – a morte do jovem negro impacta diretamente a vida de suas mães, filhas, esposas. A boa notícia neste cenário é que as jovens negras também conquistaram espaços sociais positivos. A partir de políticas públicas afirmativas e de inclusão social, a presença das jovens negras aumentou nas universidades nos últimos anos.

O mundo do trabalho é uma das dimensões mais importantes da vida social, especialmente do ponto de vista da autonomia econômica e de realização individual. O racismo e o sexismo também operam nessa dimensão da vida social: estudo recente do IPEA revela que as mulheres negras ganham, em média, 40% da remuneração dos homens brancos.

Em 2015, as mulheres negras demonstraram para o país que seguirão com suas demandas nas arenas de participação na vida política: a Marcha de Mulheres Negras, que contou com mais de 30 mil mulheres, trouxe a Brasília a agenda anti-racista, contra a violência e pelo bem viver. Na ocasião, marcharam em direção a um Congresso Nacional que tem apenas 56 mulheres, sendo 12 mulheres negras (11 eleitas para a Câmara e 1 para o Senado). Atualmente, convivemos com um Ministério sem nenhuma mulher, em um governo que cortou o orçamento da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e para direitos humanos, tornando o Ministério da Justiça um órgão voltado somente para a ação policial. Os dados das candidaturas às Eleições 2016 demonstram, mais uma vez, que os espaços de poder institucionalizados continuam fechados para as mulheres negras no Brasil.

Em 2014, o Inesc publicou análise semelhante para as eleições daquele ano. O “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia” revelou que, apesar de as candidaturas das mulheres cumprirem então a cota de 30% prevista em lei, ainda continuavam sendo minoria em todos os partidos políticos. E no quesito racial, as candidatas pretas e pardas, bem como as indígenas, também não tinham espaço.

Reforma do ensino médio é mais um golpe do governo Temer

O ministro da Educação, Mendonça Filho, integrante de um governo não legitimado pelo voto popular, anunciou uma ampla reforma no ensino médio por meio de uma Medida Provisória, o que significa que ela entrará em vigor no dia de sua publicação no Diário Oficial da União (no caso, neste dia 22 de setembro de 2016), sem diálogo ou reflexão. Tal anúncio provoca mais perplexidade a uma sociedade profundamente abalada por inúmeras ameaças e sequestros de direitos que evidenciam aumento de privilégios para poucos, aprofundando as desigualdades sociais no país.

Toda política de educação ao mesmo tempo reflete e contribui para um projeto de sociedade. Cabe-nos perguntar qual é o projeto de sociedade que se fundamenta em decisões unilaterais apressadas, sem amplo debate, especialmente sem a participação dos mais interessados: os próprios estudantes e a comunidade escolar.

As várias reportagens que noticiam mais essa medida intempestiva do governo Temer são sempre comentadas por um único movimento, que referenda a iniciativa e deixa a impressão de que a sociedade, ou ao menos os especialistas, foram ouvidos.

Dia desses uma grande empresa de comunicação fez uma reportagem talhada para esvaziar o debate e dar como evidente a necessidade de uma reforma nos moldes da que foi anunciada hoje. Adolescentes de uma favela de Brasília foram questionados sobre o motivo de não estarem na escola, e os dois meninos dizem apenas ‘porque não’, e a menina diz que saiu porque engravidou. A conclusão, segundo a reportagem: há vários (assim mesmo, genericamente) motivos para o abandono escolar, e os dos entrevistados foi ‘falta de estímulo’. Mas que motivos são esses? Falta de estímulo porque a escola é desinteressante? Por que não aproveitam o assunto para problematizar questões importantes que provocam muitos abandonos da escola, como o racismo, a homofobia, o sexismo, a dificuldade de letramento, e desigualdades de todas as ordens.

As organizações da sociedade civil estão há muito tempo voltadas para a educação, promovendo inúmeros diálogos com movimentos sociais, educadores e estudantes sobre o ensino médio e as questões que permeiam esse debate. Há uma certa unanimidade quanto à necessidade de mudanças. Os estudantes promoveram dezenas de ocupações de escolas pelo país, principalmente São Paulo, Ceará e Goiás, apresentando pautas e propostas para o ensino médio e sobre a relação dos governos com as escolas públicas. Essas reflexões têm se acumulado e já se tem muitos elementos que apontam caminhos.

Uma das principais reivindicações de adolescentes e jovens estudantes de escolas públicas é a participação direta nas possíveis mudanças na educação. Eles sabem que a educação que querem e, especialmente, a que não querem. O Inesc, em parceria com a UNICEF, desenvolve um projeto em escolas públicas em Brasília desde 2014, e em municípios da Chapada Diamantina (BA) e Belém (PA) desde 2016. O projeto Educação de Qualidade tem como principal objetivo ouvir o que os estudantes têm a dizer sobre o ensino médio e qual escola desejam. Os diálogos têm sido muito enriquecedores e o acúmulo de ideias e propostas é enorme. Mas o que adianta tudo isso se vem um governo ilegítimo, sob aplausos de uns poucos, e muda tudo por meio de medida provisória, de cima para baixo?


Leia também: Vamos falar sobre crianças, adolescentes e jovens?

Podemos dizer que nos últimos anos tivemos avanços interessantes, de forma geral, na educação. O ensino fundamental foi praticamente universalizado, houve uma significativa ampliação das vagas para o ensino superior, e o acesso às universidades foi democratizado com a importante ação afirmativa das cotas raciais. No entanto, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 praticamente não saiu do papel, e não há luz no fim desse túnel. Pelo contrario: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, em tramitação no Congresso Nacional, propõe um draconiano corte de recursos a curto prazo, e um enorme prejuízo a médio prazo, para o financiamento de políticas sociais, principalmente as de educação – essa mesmo que o governo Temer alega estar querendo ‘salvar’ com essa medida provisória de reforma do ensino médio.

O mais chocante disso tido é a informação registrada pela imprensa de que a área de educação do governo ilegítimo vem evitando ‘vazar’ informações sobre a proposta de reforma do ensino médio para não esvaziar o ato de seu lançamento. Ou seja: é tudo para a platéia, não há real interesse genuíno em de fato melhorar a qualidade da educação, muito menos do ensino médio, até porque não há política de ampliação do ensino superior para receber um maior número de estudantes. Aliás, ocorre justamente o contrario, um desmonte de políticas que vinham mudando a cara das universidades, em especial as públicas.

Ironicamente, no discurso de apresentação da proposta de reforma do ensino médio, o ministro da Educação falou que o “novo ensino médio tem como pressuposto principal a autonomia do jovem. É muito comum o jovem colocar que aquela escola não é a escola que dialoga com ele”. Pois é ministro, a escola não dialoga com estudante, e o ministério que propõe mudanças também não. Ao contrário, impõe uma proposta por medida provisória!

Pelo jeito, o que importa mesmo para o governo ilegítimo e seu ministro da Educação que tem como um de seus interlocutores centrais o pessoal do equivocado (para dizer o mínimo) movimento ‘escola sem partido’ – é valorizar apenas o ensino técnico para quem estuda em escola pública, para termos mão de obra pronta e barata para atender os anseios do mercado. E assim afastam os jovens das periferias das universidades. Para esses, empregos técnicos, de nível médio, são mais do que suficientes para garantir suas sobrevivências.

Apostila do Participante – Meta 2 – Projeto Pró Catador

Nada mais ideológico do que uma escola sem partido

O que seria a tão falada, e pouco explicada, ‘escola sem partido’? Basicamente, trata-se de uma falsa dicotomia, pois não diz respeito a não partidarização das escolas, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola, esse espaço de partilhas e aprendizados ainda tão fechado, que precisa de abertura e diálogo.

A pauta que precisamos debater é a da qualidade da educação, e não falácias ideológicas sobre a “não ideologização da escola”, algo que se vê até mesmo em alguns diálogos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

O Plano Nacional de Educação foi aprovado há dois anos e, durante sua tramitação, uma das polêmicas suscitadas foi acerca da promoção das equidades de gênero, raça/etnia, regional, orientação sexual, que acabou excluída do texto do projeto. Por consequência, isso influenciou a tramitação dos planos estaduais e municipais, que também sucumbiram ao lobby conservador e refutaram qualquer menção a gênero, por exemplo, difundindo a falsa tese da aberração intitulada “ideologia de gênero”. Isso causou uma confusão deliberada entre uma categoria teórica e uma pretensa ideologia.

Marivete Gesser, do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que “gênero pode ser caracterizado como uma construção discursiva sobre nascer com um corpo com genitália masculina ou feminina” e, por meio de normas sobre masculinidade e feminilidade, vamos nos construindo como sujeitos “generificados”. O preconceito vem dos discursos que naturalizam os lugares sociais de homens e mulheres como únicas representações, e segregam qualquer outra forma de manifestação. Além disso, em pesquisa realizada com por estudantes do ensino médio em Brasília, feita no âmbito do projeto Educação de Qualidade (Inesc/Unicef), constatamos que uma das razões do abandono escolar é a discriminação relativa ao público LGBTI. Razões mais do que suficientes para discutirmos gênero nas escolas.

Qual a ligação entre esses dois temas, ‘escola sem partido’ e ‘ideologia de gênero’, e momentos tão distintos? O que parece ter diferentes motivações e origens resulta dos mesmos elementos: os fundamentalismos conservadores que tentam passar às pessoas suas ideologias e crenças. Afinal de contas, não são apenas os pensamentos marxistas que são ideológicos, como tentam fazer crer os defensores da “escola sem partido”. Sendo assim, o que significa ideologia então?

Um dos conceitos mais difundidos é o de Karl Marx em parceria com Friedrich Engels, na obra a Ideologia Alemã, em que afirmam ser a ideologia uma consciência falsa da realidade, importante para que determinada classe social exerça poder sobre a outra, bem como a necessidade de a classe dominante fazer com que a realidade seja vista a partir de seu enfoque.

O conceito, no entanto, sofreu inúmeras interpretações, como a de Lênin para a ideologia socialista, como forma de definir o próprio marxismo. Portanto, há ideologia nas diferentes formas de ver e conceber o mundo. Não existe neutralidade. Quando defendem a ‘não ideologização’, em nome dessa pretensa neutralidade, também estão impregnados de ideologia. Os teóricos do projeto “escola sem partido” advogam a neutralidade e se dizem não partidários. No entanto, suas intenções são claras: a retroação dos avanços que tivemos nos últimos tempos, especialmente com relação aos direitos humanos. Por exemplo, quando dizem lutar contra a doutrinação, uma das situações apresentadas no site do movimento da ‘escola sem partido’ é um seminário realizado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados sobre direitos LGBT e a política de educação. Eles citam esse caso como uma afronta ao artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos humanos, afirmando que pais e seus filhos têm que ter uma educação moral de acordo com suas convicções. É uma deturpação do citado artigo, que diz respeito à liberdade religiosa que deve ser respeitada individualmente. Além disso, manipulam e fazem confusão deliberada com a discussão realizada no seminário, que reafirmou a importância de se debater questões de gênero e de sexualidade nas escolas, para que as diferenças não sejam transformadas em desigualdades.

Em outro momento, dizem que os alunos (a quem chamam de ‘vítimas’) acabam sofrendo de Síndrome de Estocolmo, se ligando emocionalmente a seus algozes (‘professores doutrinadores’). Nesse caso, os estudantes se recusariam a admitir que estão sendo manipulados por seus professores e sairiam furiosos em suas defesas. Para exemplificar, citam momentos identificados como “monstro totalitário arreganha os dentes” e chamam os estudantes de soldadinhos da guarda vermelha.

Em um dos livros desse movimento, é passada a noção de que o professor não é um educador, separando assim o ato de ensinar (passar conteúdos) e educar. O/A professor(a) deveria estar ali apenas para passar conteúdo sem crítica, problematização ou contextualização, em um ato mecânico. Paulo Freire é demonizado como o grande doutrinador – justo ele, que construiu uma obra toda para combater doutrinações.

Esse movimento da ‘escola sem partido’ nasceu em 2004 e não gerou muitas preocupações, porque parecia muito absurdo e coisa pequena. No entanto, tem tomado corpo e crescido, na mesma toada de movimentos fascistas tais como ‘revoltados online’, responsável por apresentar recentemente a proposta da ‘escola sem partido’ ao ministro da Educação do governo ilegítimo. Aliás, é bom dizer que foi a primeira audiência concedida pela pasta da Educação nesta gestão ilegítima. E em vídeo, os criadores da ‘escola sem partido’ e do ‘revoltados online’ explicam que criaram tais coisas a partir de motivações pessoais. Ou seja, eles tentam impingir ao país projeto com base em impressões e vivências individuais.

A proposta foi apresentada em forma de projeto pela primeira vez no Estado do Rio de Janeiro, pelo deputado Flávio Bolsonaro. A segunda vez foi no Município do Rio de Janeiro, pelo vereador Carlos Bolsonaro – ambos filhos do deputado federal Jair Bolsonaro. E tal proposta já se espalhou por diversas câmaras municipais e assembleias legislativas. Em âmbito nacional, o deputado Izalci (PSDB/DF) apresentou o PL 867/2015 à Câmara Federal , que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Dentre várias questões, o artigo 3º do referido projeto diz o seguinte: Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.O que viola tais convicções provavelmente será julgado de acordo com o que e com quem quiserem criminalizar. O projeto ainda levanta uma polêmica do século XIX quando se discutia a dicotomia família e escola, o que deveria estar superado no século XXI.

Há vários projetos tramitando apensados a esse, ainda mais perversos. Um deles, do deputado Victório Galli, do PSC/MT, proíbe a distribuição de livros didáticos que falem de diversidade sexual. E há ainda o projeto de lei 1411/2015, do deputado Rogério Marinho PSDB/RN, cujo relator é o mesmo deputado Izalci. Esse projeto tipifica o crime de assédio ideológico, que,  de acordo com o projeto,  significa: “toda prática que condicione o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou qualquer tipo de constrangimento causado por outrem ao aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente.” E diz ainda que o professor, orientador, coordenador que o praticar dentro do estabelecimento de ensino terá a pena acrescida de um terço. Ou seja, as opiniões fora da escola, tais como nas redes sociais, poderão penalizar o profissional da educação também.

O movimento criou recentemente uma ‘associação escola sem partido’ para ter uma entidade com a qual pudesse recorrer à Justiça em casos que julgasse relevantes. E a primeira ação por eles promovida foi contra o INEP, devido ao tema da redação do Enem de 2015, que tratava de violência contra as mulheres, tema que julgaram doutrinador e partidário. A violência contra as mulheres é reconhecida como grave problema em diversos tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), aprovada pela ONU em 1979 e outros que a seguiram. No Brasil, a cada xx horas uma mulher é morta vítima de xxx, e a cada xx uma mulher é estuprada (tem os dados na cartilha DH2Min). A violência está inclusive nas próprias escolas, como demonstrou a iniciativa “Meu professor abusador”.

Há vários ovos de serpente chocando no momento em diversos locais, sejam no âmbito dos legislativos municipais, estaduais, ou nacional, e mesmo nos Executivos, e não temos garantias que o Judiciário irá barrar tais aberrações. Portanto, nossa única arma é a manifestação, a nossa presença nas ruas e a disseminação de informações a um público maior possível, já que é na internet e em redes como whatsapp que esses grupos tem angariado seguidores, muitos deles muito jovens. É preciso promover debates que esclareçam essas situações que estão amadurecendo na surdina, com pessoas que não nos representam, mas estão em cadeiras que permitem tais movimentos.

Direitos Humanos “congelados” e o Estado autoritário de Michel Temer

No último dia 10 de junho, o Ministro da Justiça Alexandre Moraes publicou a Portaria Nº 611, que “suspende a realização de atos de gestão no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania”, exceto pelos atos relacionados a: I – a operações e atividades da Força Nacional de Segurança Pública;  II – às ações de preparação e mobilização para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016; III – ao cumprimento de decisões judiciais; IV – à execução do orçamento impositivo; e V – à gestão da folha de pagamento de pessoa.

Direitos humanos congelados por 90 dias. É difícil compreender como é possível que um governo seja capaz de um ato político-administrativo tão cruel e violento. Se na gestão de Dilma já criticamos a extinção de secretarias importantíssimas como Juventude, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, que passaram a conviver em um único Ministério, é nesta gestão golpista que o escândalo contra os direitos humanos chega ao seu ápice. A mensagem que a Portaria Nº 611 passa para a sociedade é a de que os direitos humanos não são importantes para o Brasil, e que a prioridade são os Jogos Olímpicos e o Estado policial militarizado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, no qual os direitos civis e políticos devem ser conjugados com os direitos econômicos, sociais, culturais e socioambientais. Infelizmente, o Brasil conta com terríveis estatísticas de violação de direitos humanos: mulheres vítimas de violência (inclusive estupros coletivos e feminicídio), extermínio da juventude negra, pessoas vivendo em situação análoga à escravidão, assassinatos de pessoas LGBTI, especialmente de pessoas trans, violação de direitos dos povos indígenas, tortura dentro de prisões e aumento significativo de mulheres no sistema carcerário, isso para citar os exemplos mais emblemáticos, pois ainda somam-se a estes o racismo institucional em todas as esferas de políticas e serviços públicos, a violação de direitos de crianças e adolescentes, de pessoas com deficiência, população em situação de rua, povos e comunidades tradicionais impactados por grandes projetos, tráfico de pessoas e por aí vai. Estes problemas são resultado de uma configuração histórica e cultural bastante complexa, uma combinação de história colonial e seus desdobramentos pós-coloniais, diversos períodos de autoritarismo político, e a inserção subalterna no capitalismo global. Temos, assim, uma estrutura política branca, elitista e pouco permeável à democracia de fato.

Diversos são os órgãos públicos responsáveis por garantir o combate a toda esta violência e promover os direitos humanos no Brasil. O Ministério de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos tinha a missão de promover a transversalidade do tema, além de executar algumas políticas e programas, somando um orçamento de R$ 487,62 milhões em 2016, ou seja apenas 0,016% do orçamento total da União. Considerando que 55,66% do orçamento público deste ano foi destinado para o pagamento da dívida, os direitos humanos ficaram com 0,029% do recurso para gastos com políticas públicas. É pouco! É muito pouco para a promoção de direitos dos brasileiros e das brasileiras que mais precisam de atenção do Estado. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que é parte do MJ, também não poderá realizar suas atividades normalmente. O recurso da FUNAI representa apenas 0,19% do orçamento da União.

Michel Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, e passou suas funções para o Ministério da Justiça – mas na nova estrutura deste Ministério, não aparecem ‘mulheres’, ‘igualdade racial’ ou ‘direitos humanos’. O Ministro Alexandre Moraes resolveu, provavelmente junto com seu chefe, o presidente ilegítimo, que não vai trabalhar nessa pauta. Essa é a mensagem da famigerada Portaria Nº 611. O recurso, já autorizado pelo Congresso na LOA 2016, não poderá ser executado porque o Ministro da Justiça (!) decidiu que não é prioridade.  Por meio de uma canetada, este senhor violentou e re-vitimizou milhares de cidadãos e cidadãs. Ignorou a Constituição de 1988, todos os tratados internacionais de direitos humanos nos quais o Brasil é signatário, e a construção histórica de movimentos sociais em prol de uma sociedade menos brutalizada e mais justa e igualitária. Estado autoritário.

*No dia 23 de junho, um Decreto transferiu R$12.927.981,00 dos direitos humanos para a Presidência da Republica: o recurso seria destinado para ‘Formulação, Desenvolvimento e Capacitação para Participação Social’ na agenda de direitos humanos. O Decreto não informa em que será gasto este recurso no âmbito da Presidência.

**A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e a Conectas denunciaram na quinta-feira (23), em uma assembleia do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), as ameaças de retrocesso dos direitos humanos, agravadas com a crise política.

Leia também:

Inesc repudia desprezo do governo brasileiro a relatório da ONU sobre empresas e direitos humanos

O Brasil e a crise financeira da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A cultura do estupro: uma culpa para a vítima

Como se não bastasse a absurda e monstruosa violência sofrida pela adolescente que foi estuprada por dezenas de homens no Morro da Barão (Rio de Janeiro), ela agora é apontada como suspeita de uma possível ligação com o tráfico de drogas.

O primeiro delegado que assumiu a investigação, Alessandro Thiers, foi afastado por tê-la constrangido e agora busca um motivo para desqualificar a adolescente.

Este é o comportamento clássico da cultura do estupro: busca na vítima alguma coisa que a condene, que justifique a violência sofrida, que atenue a responsabilidade de quem perpetrou a agressão e/ou desvia atenção do ato brutal sofrido. Ainda nessa lógica, o delegado afirmou em entrevista publicada no dia 9 de junho sobre o vídeo divulgado: “(…) se você conversar com qualquer especialista em Direito, da área penal, vai ouvir que não houve estupro ali, tecnicamente falando. O dolo não foi de satisfazer a lascívia sexual”, quando o que todos viram foi indubitavelmente cenas de abuso, exploração e violência.

Cabe lembrar que, desde 2009, o estupro está configurado no artigo 213 do Código Penal brasileiro: constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Um operador da lei não pode relativizar a brutalidade e a dor perante um ato de tamanha violência, e quando o faz, estimula a banalização do estupro e ‘autoriza’ outros atos desta natureza.

Só quem é vítima de estupro sabe o quanto necessita de um ambiente de absoluta confiança e segurança para fazer a denúncia, revelar os detalhes e ser, mais uma vez, invadida na sua intimidade com o exame que comprova a violência sexual. Inclusive o impacto emocional e a pressão social podem levar a vítima a construir versões diferentes para o mesmo fato.

Segundo o antropólogo Roque Laraia, cultura é “um complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer outros hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade.” O Mapa da Violência que mostra que, em 2014, o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu a 23.630 mulheres vítimas de violência sexual. Já a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180 (serviço da Secretaria de Políticas para Mulheres), registrou em 2015 cerca de 10 casos de violência sexual por dia, computando a média de oito estupros diários, um a cada três horas. Diante desses dados podemos concluir facilmente a existência da cultura do estupro no Brasil.

A violência de gênero exige uma educação que trate diretamente do assunto. São meninas, mulheres e a dimensão feminina de meninos e homens que são violentadas diariamente no Brasil. É necessário e urgente educar novas sensibilidades e consciências. Educação de gênero nas escolas é condição para a superação desta modalidade de violência, compreendendo que o estupro não começa na conjunção carnal e nem termina ali. Começa quando uma pessoa é desprezada na sua condição humana e a sua sexualidade é tida como do domínio do outro.

Se cultura é uma construção humana, também é possível desnaturalizá-la e reconstruí-la em outras bases, em bases de respeito e compreensão em que todas as pessoas reconheçam suas autonomias para determinar as próprias regras sobre seus corpos e suas sexualidades.

A MP que materializa o projeto político-econômico por trás do golpe

Enquanto olhávamos atônitos e reagíamos à primeira ação de desmonte do Estado Democrático de Direito materializada pela Medida Provisória N° 726, deixamos passar despercebida uma segunda, a N° 727, publicada no mesmo dia 12 em edição extra do Diário Oficial da União, criando o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI.

Se a MP 726 da reforma ministerial concretizou a intenção dos articuladores do golpe de extirpar da estrutura de governo  representações e interesses de minorias (e só secundariamente cortar despesas), a MP 727, por sua vez, materializa o que há de mais estratégico e ideológico no projeto político-econômico que está por trás do golpe.

É ela que “garantirá”, caso o golpe chegue ao final, o sonho de consumo dos neoliberais outrora acanhados e agora completamente excitados com a retomada do Estado que lhes interessa, que é aquele que abre caminhos para seus lucros, rebaixa seus custos sociais e trabalhistas, ignora condicionantes ambientais e sociais, e confere a ordem para que seu progresso se faça.

É esta a essência da MP 727:

1) a retomada do processo de desestatização da economia conduzido por Fernando Henrique Cardoso, entregando para a iniciativa privada as empresas estatais que interessarem ao capital privado.

Está claro no texto da MP 727 a recepção integral da Lei  N° 9.494 de 1997, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização. A Lei de 1997 que garantiu a privatização, criminosa, da Companhia Vale do Rio Doce, Eletropaulo e Telebrás, por exemplo, assumiu como propósito principal “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público”. Depois de 13 anos morta pelos governos do PT ela foi reencarnada no novo corpo: o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Isto significa na prática que poderão ser objeto de desestatização todas as empresas, inclusive instituições financeiras – controladas direta ou indiretamente pela União e as estaduais -, serviços públicos objetos de concessão, permissão ou autorização. Ou seja, que deverão ser privatizadas prioritariamente aquelas já cobiçadas pelos investidores, nacionais e internacionais: Petrobrás, Caixa Econômica, Eletrobrás…

Para que este projeto neoliberal ressuscitado das trevas seja viabilizado, a MP estabelece que as medidas de desestatização a serem implementadas serão autoritariamente definidas por Decreto e passarão a desfrutar a condição de “prioridade nacional”, tratada como tal por todos os agentes públicos de execução ou de controle. Em outras palavras, se bradamos outrora, e com razão, contra a elevação de algumas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à condição de empreendimentos de interesse nacional (acima do interesse público) seremos agora, massacrados, por um novo e mais potente status jurídico, a prioridade nacional.

A execução dos projetos de desestatização ficará a cargo de uma nova institucionalidade comandada pela “inteligência golpista”: o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, um órgão de assessoramento imediato ao Chefe do Poder Executivo que passa a incorporar as atribuições do Conselho Nacional de Desestatização criado pela mesma Lei N° 9.491, de 1997, que esteve à frente das privatizações de FHC.

O Conselho – composto pelos ministros da Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Portos e Aviação Civil, Meio Ambiente e BNDES – será presidido por Moreira Franco, conhecido por apelidos como “camaleão” e “anjo mal”. Sua fama vinculada a licitações viciadas é tão notória quanto seus apelidos. No governo do Rio enfrentou acusações repetidas de desvios e concorrências fraudulentas.

2) a transformação da infraestrutura em todos os níveis federativos na nova fronteira de acumulação e lucratividade para investidores nacionais e estrangeiros.

Não se pode dizer que esta parte do projeto golpista seja realmente nova. A identificação da infraestrutura como gargalo e ao mesmo tempo oportunidade de lucro é bem antiga no Brasil, e uma realidade governo após governo. A novidade nesse caso é a disposição muito mais firme de colocar esta fronteira, inclusive nos planos estadual e municipal, acima de tudo e todos e sob comando central.

Isto significa na prática, garantir o terceiro ponto da MP.

3) a retirada do caminho de quaisquer empecilhos (sociais, ambientais, culturais, trabalhistas) que possam postergar ou afetar a rentabilidade esperada pelos investidores.

As estratégias estão umbilicalmente amarradas na MP. Sob o comando central da “inteligência do golpe” todos os órgãos – em todos os níveis federativos – terão o “dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução”.

O conceito de liberação é claro na MP: “a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento.

Trocando em miúdos, Ibama, ICMBio, Funai, Fundação Cultura Palmares, IPHAN que hoje participam do licenciamento trifásico (Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação) e atuam com seus muitos limites e debilidades para evitar que empreendimentos passem por cima das leis de proteção do meio ambiente, de indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, serão convocados pelo “poder central” para cumprir com seu dever de emitir as licenças necessárias aos empreendimentos que o Conselho definir como prioritários.

É importante lembrar que no legislativo o movimento de flexibilização da legislação ambiental e em específico do licenciamento está em estágio avançado de tramitação: tem a PEC 65/2012 que acaba de vez com o licenciamento, tem o PL 3729 que acaba com grande parte do sistema de licenciamento ambiental. Tem, também, o PLS 654/2015 de autoria do Senador e agora Ministro do Planejamento Romero Jucá. Esse PLS define um prazo curtíssimo para o licenciamento de grandes obras consideradas estratégicas pelo governo, como grandes hidrelétricas e estradas e também prevê que em caso de descumprimento dos prazos as licenças estarão automaticamente aprovadas.

Com a MP 727 não precisa mais da aprovação do Projeto de Jucá, ele já é lei. Mais um golpe dentro do golpe!

4) a construção de um braço privado dentro do BNDES para estruturar os projetos do PPI para que eles possam, depois, serem financiados pela parte do Banco que ainda convêm que seja público, posto que lhe oferece crédito subsidiado.

Contrariando a ideia de que o BNDES seria mais um banco no alvo da privatização, o núcleo duro do golpe lhe reservou um renovado e estratégico papel: garantir as condições financeiras e técnicas para a estruturação dos projetos de infraestrutura a serem assumidos pela iniciativa privada.  O BNDES passa a ter agora a atribuição de criar e gerir o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias (público-privadas) que possui natureza privada e patrimônio próprio. Suas duas principais fontes de recursos serão: i) os recursos aplicados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público e privado, inclusive de organismos internacionais que, obviamente, se interessam na construção dos projetos de parcerias; ii) os recursos recebidos pela alienação de bens e direitos (privatizações?).

Os projetos robustecidos e validados pela capacidade técnica e financeira conferidas pelo braço privado do BNDES estão, assim, prontos para serem licitados. A MP não deixou escapar, ainda, a clara orientação para que todo esse processo seja feito sem transparência nenhuma já que prevê que o estatuto do Fundo “deverá prever medidas que assegurem a segurança da informação”.

Em síntese, no caso do BNDES, todo o esforço de transparência e o ainda tímido compromisso de construção de uma “Política Socioambiental” caíram por terra.

Esse é o projeto político ideológico que já se anunciava na Agenda Brasil, na Ponte para o Futuro, e que agora se consolida com o golpe como a Ponte para o Passado: sem licenciamento, sem política socioambiental, sem travas e amarras, sem estado democrático de direito, sem voto popular e sem vergonha.

Extinção do MDA é mais um tiro no pé de um governo ‘morto-vivo’

Brasília, 17 de maio de 2016

A famigerada Medida Provisória Nº 726 de 12 de maio de 2016, aquela assinada por Temer para alterar a institucionalidade do governo federal, é como muitos já disseram, a expressão de um “governo zumbi”, vindo do passado e que teima em não morrer. Ao que tudo indica não terá futuro duradouro pois, além de ilegítimo, deu seus primeiros passos  cometendo erros que não serão perdoados.

Um desses erros, entre tantos outros, foi o de ter passado o rodo numa das experiências mais bem sucedidas dos últimos anos: a promoção da segurança alimentar e nutricional no país. Tal iniciativa remonta ao governo Itamar Franco, no começo da década de 1990. Na ocasião, o Itamar – que sucedeu outro presidente que sofreu processo de impeachment, Fernando Collor – entendeu a importância de fazer eco às vozes do povo  que clamavam por terra e acesso digno e justo a uma alimentação adequada e saudável para todas e todos os brasileiros. Já na ocasião tinha-se o entendimento de que tal reivindicação necessitaria da valorização de um ator central, o do agricultor familiar, camponês e indígena.

Como resposta imediata foi instalado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea, órgão assessor da Presidência da República que tinha a reforma agrária como item de pauta. Pouco tempo depois, o governo Fernando Henrique Cardoso, atendendo às pressões e reivindicações dos movimentos sociais do campo, criou o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Em 2003 novos passos importantes foram dados com a fundação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e a recriação do Consea, que tinha sido extinto em meados dos anos 1990. Finalmente, mais recentemente, foi instaurada a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a Cnapo. E mais: em 2010, o Parlamento brasileiro, por meio de emenda constitucional, incluiu o direito à alimentação entre os direitos sociais individuais e coletivos.

Ao direito à alimentação e a esse conjunto de atores colegiados, que reúnem representantes do poder público e da sociedade, estão associadas diversas e importantes políticas públicas. Tais políticas vêm sendo construídas a várias mãos, a partir dos insumos das conferências nacionais, como são o caso da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e da Política Nacional de Agroecologia e Agricultura Orgânica.

Essas políticas estão longe de ser perfeitas, e em muito precisam ser aprimoradas. Entretanto contribuíram para produzir resultados expressivos, valorizados inclusive internacionalmente. O fortalecimento do/a agricultor/a familiar como ator econômico responsável pelo fornecimento de grande parte da alimentação dos brasileiros foi fator crucial para a expressiva diminuição da fome e da desnutrição no Brasil. A crescente alocação de recursos para assegurar crédito subsidiado, seguro agrícola, assistência técnica e extensão rural e compras institucionais, entre outras, foi decisiva para a retirada do Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas. Essa experiência brasileira, inovadora e inédita, tem sido fonte de inspiração para regiões e países do mundo, merecendo atenção especial ao que vem sendo feito no Mercosul, na Unasul e em diversos países da África.

Diante de um sucesso que perpassa vários governos e que é resultado de muitos anos de luta das organizações e movimentos sociais, e da consolidação de uma institucionalidade que vinha se mostrando eficiente, o que o governo Temer faz? Extingue o MDA. Simples assim, e passa suas funções para um recém criado Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, tratando o/a agricultor/a familiar, camponês e indígena não como elemento central de um desenvolvimento socioambientalmente sustentável, mas como público-alvo de uma política social que mais bem busca reproduzir a pobreza do que enfrentá-la. E mais: sequer menciona na sua MP 726, eivada de erros e trapalhadas, o Consea e a Cnapo.

O que há de ganhar o governo Temer com tamanho erro estratégico? Nada, ao contrário, só tem a perder. Internamente, irá enfrentar a luta e resistência de milhões de pessoas, entre produtores e consumidores articulados em torno dos agricultores familiares, camponeses, indígenas, quilombolas, que sonham com uma alimentação saudável, livre de transgênicos e agrotóxicos e respeitosa da diversidade sociocultural do nosso país. Internacionalmente terá que explicar o inexplicável: por que interromper uma trajetória de sucesso, que é modelo para as Nações Unidas e até para poderosos fazedores de políticas públicas, como é o caso da Fundação Bill e Melinda Gates? Um tiro no pé, mais um…

O muro marketing de Rodrigo Rollemberg e o flerte com o fascismo

Passei o dia ontem tentando digerir o muro do Rollemberg. Para quem não sabe, o Governo de Brasília levantou um muro na Esplanada dos Ministérios para receber o “grande evento” da votação do impeachment no domingo. E para isso utilizou mão de obra dos presos da presídio da Papuda.

A primeira reação das pessoas, na internet e com quem conversei pessoalmente, foi de estranhamento, incômodo e dúvida. A segunda foi “ah, mas pelo menos isso pode garantir a segurança dos dois lados, as pessoas estão a flor da pele, etc.”. O dia foi passando, o Leonardo Sakamoto escreveu um texto interessante, mas o fato é que eu não consegui digerir esse muro.

Vejam bem: um muro, no meio da Esplanada, levantado para separar as pessoas e ideias em um dia que está sendo tratado como um espetáculo. Um muro erguido por presos e reverberando na imprensa intensamente uma mensagem que, vendida como sentido de justiça, transporta todas as desigualdades e injustiças da sociedade brasileira.

Vamos por partes. Primeiro o muro. Um muro para separar cidadãos e cidadãs que pensam diferente sobre política.  Democracia, jovem ou não, deve promover o diálogo, com dissensos ou consensos: os muros estão aí para dividir, apartar, e historicamente violentar, nações, territórios, pessoas. Do muro de Berlim aos enclaves fortificados dos condomínios das grandes cidades, não conheço ninguém minimamente comprometido com a democracia, a igualdade e a solidariedade que se identifique com esse tipo de arquitetura, tão comum ao autoritarismo político em diversas partes do mundo. E esse muro, que também reverbera uma arquibancada de estádio, está ali, na Esplanada, centro do poder e das instituições da República, antecipando de maneira hobbesiana a violência potencial de brasileiros e brasileiras. Como destacou Sakamoto, desde o processo colonial aos dias de hoje, temos uma sociedade desigual e apartada, racista e machista. O “homem cordial” e a “democracia racial” nunca foram tão denunciados como nos anos que se seguiram após a ditadura militar. Mas então o Governo, esse ente que representa as pessoas e deve garantir o bem estar da sociedade, não deveria estar preocupado em conciliar, mediar e dissolver a possibilidade do confronto violento no domingo?

Segundo, a mão de obra. Os jornais estavam lá para cobrir o evento de levantamento desse muro. Os presos, homens negros que são parte do terceiro maior sistema carcerário do mundo (depois de EUA e China), foram levados à Esplanada, com escolta, para montagem desse bizarro muro. Para uns, mais que a obrigação: cometeram crimes, devem pagar com a liberdade e um pouco de trabalho, afinal, os “vagabundos” estão sendo sustentados pelos impostos. Nessa lógica, repete-se o “branco sai, preto fica”, parafraseando a obra genial do cineasta brasiliense Adyrley Queiroz, já que 100% dos parlamentares que votaram a favor do processo de impeachment ontem respondem a processos por corrupção. O evento “muro” reforça a cultura de que no Brasil cadeia é para pobre e negro, não para político branco.

Não consigo imaginar como pensaram a logística para o domingo. Seria algo como: as pessoas chegam para exercer sua cidadania na rua, e escolhem um lado. Uma vez escolhido, não pode passar para o outro lado. Se tiver um amigo ou parente do lado oposto, problema seu. Não pode dialogar. Pode tentar dar a volta, mas é um pouco longe (o muro tem muitos metros). Se quiser pode xingar, através do muro. Se tentar pular o muro, a polícia reprime com spray de pimenta e bomba de efeito moral. Pode tentar quebrar o muro, que é frágil, mas também pode se transformar em arma, pois entre uma placa de ferro e outra tem umas estacas de madeira. Um muro. Pra nos lembrar que somos diferentes e violentos. Pra impedir qualquer possibilidade de diálogo e expressão de humanidade entre pessoas que pensam diferente sobre política. Um muro contra a democracia justificado pela necessidade de segurança. O fascismo mal disfarçado que hierarquiza pessoas pela sua raça, gênero, poder aquisitivo… e opinião política. Uma afronta a todos os tratados duramente conquistados de direitos humanos.

Em tempo: o muro foi erguido na Semana do Direito à Cidade – Inspira Brasília, evento construído colaborativamente por movimentos sociais e coletivos de Brasília para discutir uma cidade mais justa, inclusiva e sustentável. Os debates e oficinas acontecerão no Complexo Cultural Dulcina de Moraes, referência identitária da cidade, um dos poucos locais em que os moradores do Plano Piloto e das “cidades satélites” tem se encontrado há décadas para eventos culturais. Pertinho da Rodoviária, outro símbolo dos poucos encontros possíveis nesta cidade cuja arquitetura segrega sistematicamente as pessoas. Lembro que o Governador assinou a carta compromisso com o Programa Cidades Sustentáveis. E a resposta veio agora, em forma de muro.

HQ do Manifesto da Juventude pelo Trabalho e Emprego

Para baixar o Manifesto da Juventude em PDF, clique aqui.

Reforma da Previdência: urgência para que(m)?

Não existe propósito em se realizar uma Reforma da Previdência neste momento, às pressas, sem amplo acordo social, por três razões principais.

1. A Previdência não é deficitária.

Estudos demonstram que a Previdência não é deficitária se for respeitado o cálculo contábil previsto na Constituição Federal. A Previdência, junto com a Saúde e a Assistência, têm um orçamento próprio, o Orçamento da Seguridade Social, que conta com uma diversidade de fontes de receitas (art.195), provenientes do orçamento da União, dos Estados e Municípios, e das contribuições sociais feitas pelas empresas e pelos trabalhadores. Dessas fontes, destaque para: Contribuição Previdenciária para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuições sociais sobre concurso de prognósticos (ex: loteria).

Contrariando a determinação constitucional, o Ministério da Previdência adota um critério contábil inadequado, ao dizer que a Previdência é deficitária porque considera para sua sustentação financeira exclusivamente as receitas das contribuições dos empregados e empregadores. Ignora-se, assim, as demais receitas que compõem o Orçamento da Seguridade Social. Quando se avalia todas as receitas e despesas do Orçamento da Seguridade Social, o resultado final é superavitário, conforme demonstrado na tabela 1 abaixo.

Existem ainda dois grandes usurpadores dos recursos financeiros do Orçamento da Seguridade Social: a DRU e as renúncias tributárias. A DRU, Desvinculação de Receitas da União, permite retirar 20% (e já existe proposta tramitando no Congresso para que esse valor suba para 30%) das contribuições sociais e econômicas que compõem o Orçamento da Seguridade Social (OSS). Em 2014, a DRU retirou R$ 63,2 bilhões do OSS. Isto quer dizer que 20% do que foi recolhido para financiar a Previdência, a Saúde e a Assistência não foi realmente para essa finalidade, foi para o Orçamento Fiscal. Dentro do Orçamento Fiscal, o recurso que foi retirado do Orçamento da Seguridade Social pode ser utilizado em outra ação orçamentária; sendo que muitas vezes (o que é mais revoltante), pode ser utilizado para pagar juros.

Os juros brasileiros são inexplicavelmente um dos mais altos do mundo (taxa Selic está em 14,25%), resultando em gastos imensos, como em 2015, quando R$ 208 bilhões do Orçamento da União foram destinado exclusivamente para o pagamento de juros. Esses juros absurdamente altos são os mesmos que fazem a dívida pública aumentar num ritmo insuportável e insustentável para o povo brasileiro. Para saciar o capital extremamente financeirizado, que pressiona pela manutenção dos juros altos para garantir a rentabilidade de suas aplicações financeiras, os investimentos e gastos sociais estão sendo sufocados.

Há também as renúncias tributárias, que são gastos indiretos de natureza tributária do Estado, com o objetivo de aliviar a carga tributária de uma classe específica, de um setor econômico ou de uma região – quase sempre a uma empresa -, sem no entanto o necessário controle democrático da sociedade, e sem contrapartidas sociais. Em um estudo do Inesc, foi possível observar que, no período de 2011 a 2014, as renúncias tributárias sobre as contribuições sociais (PIS-Pasep, CSLLL, Cofins e contribuição para a previdência) tiveram uma variação de 72,76%. Isto é: em apenas 4 anos, houve uma aumento de 72,76% nas renúnciais tributárias de fontes de receita que deveriam servir como fonte de receita para o Orçamento da Seguridade Social. Com isso, a União deixa de arrecadar uma média anual de R$ 130 bilhões de contribuições sociais que deveriam servir para financiar a Seguridade Social. Esse valor das desonerações está ficando com algumas corporações, sem controle democrático, sem avaliação do retorno social, enquanto a Previdência é acusada de deficitária. Quando avaliadas somente as renúncias tributárias sobre as contribuições previdenciárias, temos uma variação de 147,10% em 4 anos (2010-2014), com a União deixando de arrecadar uma média anual de R$ 49 bilhões.

Pela Tabela 2 acima é possível observar como as renúncias tributárias sobre as contribuições previdenciárias aumentam num ritmo muito superior aos gastos previdenciários, 65% e 27%, respectivamente, entre 2012 e 2014; demonstrando seu importante impacto negativo nas contas da Previdência Social. Se é necessário conter gastos com a Previdência, que se comece cortando as renúncias tributárias realizadas no que deveriam ser suas fontes de receitas – as contribuições previdenciárias e as demais contribuições sociais.

2. Possíveis mudanças demográficas brasileiras são de médio/longo prazo, não requerem uma mudanças imediatas e não podem retroceder na garantia de direitos.

Com as previstas mudanças demográficas e a ampliação dos detentores de direitos previdenciários no Brasil, é possível que a Previdência tenha que ser reavaliada; porém essa é uma necessidade de médio/longo prazo. Assim, não cabe fazer mudanças na Previdência num momento em que se busca identificar problemas e encontrar soluções de imediato, para enfrentar uma crise. Além disso, mudanças como as demográficas requerem uma repactuação social que se constrói com o tempo, com estudos, com discussões e construções coletivas. E não com medidas atropeladas, por imposições das corporações.

Assim, é importante que tanto no Executivo quanto no Legislativo sejam criados, reativados ou fortalecidos espaços de governança, com ampla participação social, para avaliação do real cenário nacional referente à Previdência Social. Somente após esse diagnóstico será possível pensar em um prognóstico e em medidas que podem ser adotadas. Quando se trata de direitos humanos, não é possível pular etapas nem retroceder na garantia social, especialmente num Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil.

3. Reforma Tributária e Receitas em Potencial são as ações imediatas que o Brasil precisa.

Existe neste momento na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial da Reforma Tributária, montada por iniciativa do seu presidente, o deputado Eduardo Cunha, cujos trabalhos têm ocorrido de maneira bastante fechada e distante da sociedade. Isso é preocupante porque se trata de um tema de grande interesse social, num momento de crise econômica. Um exemplo: em 2 de março passado, a Comissãoentre os deputados membros da Comissão. O ideal seria que o parecer estivesse disponível para a sociedade no site da Câmara, como acontece nas demais comissões. Por que justo essa Comissão está se esquivando de garantir a transparência e a participação social?

Apesar do discurso de que o Brasil tem a maior carga tributária do mundo, ao compará-la com a de outros países, percebemos que a carga tributária brasileira está na média mundial. O problema que temos não refere-se ao tamanho da carga tributária e sim à sua distribuição. Hoje os pobres e a classe média pagam muitos tributos proporcionalmente à sua renda, enquanto os super ricos praticamente não pagam nada. Isso ocorre por dois fatores: a taxação é muito maior sobre o consumo (indireta) do que sobre a renda e o patrimônio (direta). Além disso, a tributação sobre a renda também não está ocorrendo de maneira mais progressiva, cobrando mais de quem ganha mais, devido à isenção de taxação sobre lucros e dividendos. Isso é um problema porque as pessoas mais ricas têm sua renda proveniente justamente de lucros e dividendos, e não de salários taxados na fonte como ocorre com a classe média e trabalhadores assalariados.

Reformar o sistema tributário brasileiro – tornando o mais progressivo, diminuindo os tributos sobre o consumo, aumentando os sobre a renda e o patrimônio, tornando o imposto de renda mais equânime entre as rendas do trabalho e do capital, distribuindo a carga tributária ao diminui-la para os pobres e classe média e aumentá-la para os super ricos –  permitiria inclusive uma ampliação da capacidade de consumo interna e de movimentação e fortalecimento da economia nacional. Ainda seria possível aumentar o volume da arrecadação, em decorrência da redistribuição, e não do aumento, da carga tributária. Em vez de vencer a crise com cortes na Previdência, é possível superá-la com medidas de justiça fiscal, como a redistribuição da carga tributária, e ainda promover justiça social, garantindo que não haja retrocessos nos direitos humanos, sociais, econômicos, culturais, ambientais.

Ainda na Reforma Tributária, existe uma iniciativa de algumas organizações da sociedade civil da qual o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) faz parte junto com o IJF (Instituto de Justiça Fiscal), chamada de Projeto Isonomia Já, que estima que com as devidas correções progressivas na cobrança do Imposto de Renda, seria possível ampliar a sua arrecadação em R$ 80 bilhões, além de aumentar a isenção desse imposto para até R$ 3.299 (salário mínimo calculado pelo DIEESE) e diminuir seu peso para quem recebe até 20 salários mínimos.

Já as receitas em potencial que o Brasil tem são decorrentes, principalmente, da sonegação fiscal (R$ 500 bilhões), dos fluxos financeiros ilícitos (R$ 90 bilhões), e da dívida ativa da União (R$ 1,5 trilhão). Do total da dívida ativa da União (DAU), R$ 150 bilhões já tiveram seus processos judiciais finalizados e podem ser cobrados imediatamente; outros R$ 913 bilhões estão sob discussão administrativa nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ) e no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Assim, com priorização de atividades e direcionamento de servidores da Receita Federal, a União poderia  atuar fortemente na análise e no processamento desses créditos. Para todos esses casos de Receitas em Potencial, medidas administrativas, a cargo do Executivo apenas, seriam capazes de fortalecer a capacidade arrecadatória e garantir pelo menos mais R$ 690 bilhões aos cofres públicos (sem contar a DAU que está sob contencioso administrativo).

Somente com as propostas aqui apresentadas seria possível ampliar o Orçamento da União em R$ 933 bilhões; então, por que discutir de forma apressada os tais R$ 85 bilhões de um dito déficit da Previdência Social? Às corporações, especialmente multinacionais e bancos, interessa manipular o discurso e dizer que a Previdência, os direitos trabalhistas, as proteções sociais, as políticas públicas e os direitos humanos são os culpados das crises econômicas, mas a verdade é outra, os culpados são os juros altos, as renúncias, a financeirização excessiva, a sonegação, os fluxos ilicítos, os paraísos fiscais e os devedores da União (no caso, as mesmas corporações – surpresa!) que não pagam sua parte, o justo.

Clima e desigualdade em Brasília

Durante a II Jornada sobre o Clima nas Cidades, ocorrido entre os dias 23 e 25 de fevereiro, em Fortaleza (Ceará), promovido pelo Iclei- Governos Locais pela Sustentabilidade, vários gestores públicos de diferentes municípios do Brasil apresentaram estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nas cidades. Afinal, junto com agropecuária e o desmatamento, os transportes e os resíduos também são grandes fatores de emissões de gases de efeito estufa.

De acordo com dados apresentados pelos palestrantes, cerca de 30% dos municípios brasileiros tiveram, em 2015, algum evento climático extremo ligado às mudanças climáticas. E isso precisa colocar todos os entes governamentais em estado de alerta. Em diálogo com a sociedade, devem pensar em formas de redução das emissões, além de proporem políticas que protejam as populações de eventos dessa natureza.

Uma tendência dos governos é pensar em reduzir emissões raciocinando a partir das consequências geradas pelos eventos, no entanto, a desigualdade social nunca é considerada, apesar de as populações de baixa renda serem mais vulneráveis aos efeitos climáticos, por terem dificuldades estruturais de adaptação. Além disso, ainda não discutimos os nossos padrões de consumo, apesar de a maior parte das emissões nas cidades serem oriundas das pessoas que auferem as maiores rendas, tanto com relação à geração de resíduos, quanto com relação à mobilidade.

Em Brasília isso é gritante, tendo em vista que a capital brasileira é o território mais desigual do país, com maior coeficiente de gini (0,57), acima do nacional, 0,49, que já é bastante alto. Apresenta desníveis de renda com enormes variações. Um exemplo disso é a comparação entre Cidade Estrutural e Plano Piloto, a primeira com renda per capita de R$ 378,00 e a segunda com R$ 5.188,00[1], ou seja, quase quatorze vezes maior. Enquanto a Estrutural abriga o maior lixão a céu aberto da América Latina e a maior população de catadores e catadoras de resíduos sólidos do DF, o Plano Piloto é um dos maiores geradores de resíduos da capital, apesar de praticamente não sofrer os impactos ambientais gerados pelos descartes em local não apropriado.

Com relação à mobilidade, os pesos são os mesmos, visto que as regiões mais ricas têm uma frota de veículos particulares muito maior. O Distrito Federal já está com cerca de um milhão e 600 mil veículos individuais e, segundo o IPEA, em Brasília acontece um fenômeno diferente com relação à maior parte das cidades: o crescimento populacional não é do centro para a periferia, mas da periferia para o centro, provocando baixa produtividade dos sistemas de transporte coletivo, que já é de baixíssima qualidade. As populações mais pobres sofrem com uma qualidade de transporte ruim e com um trânsito engarrafado com uma frota crescente de automóveis dividindo as ruas da cidade e emitindo gases de efeito estufa.

Portanto, quando se fala em discutir padrões de consumo é necessário começarmos pelas altas rendas e seus padrões exagerados e não fazer o que sempre se faz primeiro, ou seja, cortar na carne de quem já tem tão pouco.


[1] Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios- PDAD

PPA da crise: bonito no papel, inviável na prática

O novo Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal é mais uma notícia frustrante para quem olha para as políticas públicas, especialmente o orçamento, com a lente da promoção de direitos humanos. Ao lado da LOA 2016, o que já havia sido antecipado pelos contingenciamentos de 2015 (Decretos 8.456 e 8.580), e pela reforma ministerial, agora se materializa em um PPA bonito no papel, mas inviável na prática.

O Inesc alertou a sociedade com relação ao Decreto 8.456 publicado em maio de 2015, que retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total. Destacamos os cortes em algumas agendas estratégicas para a promoção de direitos, como Educação (23,7%), Igualdade Racial (56,3%), Direitos Humanos (56,3%), Desenvolvimento Agrário (49,4%) e Pesca(78,6%). Visando “preservar a meta fiscal”, o governo contingenciou novamente os recursos em novembro daquele ano: mais R$ 10,7 bilhões e mais R$ 500 milhões de emendas parlamentares.

Depois da tesourada orçamentária, algumas pastas foram extintas da estrutura federal com a MP 696/2015, como a Secretaria Geral da Presidência, justamente a instância responsável pela interlocução com a sociedade civil, que tanto clamou por diálogo nas ruas em junho de 2013. Outras tiveram importância diminuída, perdendo o status de Ministério, como a de direitos da população negra (SEPPIR) e mulheres (SPM), que passaram a pertencer a um só órgão, juntamente com a ex-Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH): todos agora estão reunidos no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) também passou a ser vinculado a este Ministério, bem como as funções da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), mas a mesma foi subsumida no processo de enxugamento da máquina, causando justificada indignação dos movimentos sociais ligados à agenda da juventude, especialmente aqueles que atuam no combate ao extermínio da juventude negra e na promoção do bem viver das jovens mulheres negras.

Agora, a cereja do bolo: o novo PPA – que define a estratégia e prioridades do Governo Federal para o período de 2016 a 2019 –, e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016. Se, por um lado, o PPA, batizado de Desenvolvimento, produtividade e inclusão social, apresenta diversos objetivos, iniciativas e metas para a promoção de direitos de mulheres, jovens, quilombolas, indígenas e outros grupos que necessitam de políticas específicas de inclusão social e promoção de direitos, por outro, a LOA 2016 torna inviável a execução destas políticas.

Por exemplo, em 2015, o orçamento da SEPPIR era de aproximadamente R$ 65 milhões e foi para R$ 27 milhões com o primeiro corte; com o segundo contingenciamento, foram ceifados outros R$ 17,5 milhões. Na LOA 2016, esta Secretaria conta com R$ 37,5 milhões de recurso inicial: uma redução de aproximadamente 40% em relação ao originalmente programado pelo Governo em 2015 (Site Siga Brasil, acesso em 12/02/2016). Imagine quando vier o decreto de contingenciamento previsto para março de 2016! Isso para articular toda a agenda de promoção da igualdade racial e superação do racismo no país em diversos órgãos.

Até o momento, há recursos para algumas ações importantes, como os R$ 120 milhões destinados às bolsas permanência no ensino superior (ação que teve boa execução em 2015, de aproximadamente 90%), que sabemos ser uma política voltada para graduandos do sistema de ações afirmativas, seja por raça/cor, seja por classe social (advindos de escolas públicas). Por outro lado, temos um exemplo dramático: em 2015, a ação 4324, de Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Amazônia, teve recurso autorizado de R$ 39 milhões, mas R$ 20 milhões não foram gastos, não por corte orçamentário, mas por ineficiência do pacto federativo. Este ano, a LOA prevê somente R$ 15 milhões para esta ação.

Com relação à questão fundiária, a ação 210Z, que visa o reconhecimento e titulação de territórios quilombolas, passou de cerca de R$ 30,4 milhões em 2014, para R$ 29,5 milhões em 2015, e R$ 8 milhões em 2016. Já quanto às políticas de desenvolvimento sustentável e assistência técnica, a ação 210Y, que pretende apoiar o desenvolvimento sustentável de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em todo o país, contará com somente R$ 1,6 milhão. Em 2015 o valor autorizado foi de R$ 1,7 milhão, já insuficiente para o desafio. Na prática, esta ação não sofreu corte no ano passado, mas apenas R$ 308 mil reais foram executados. Esta baixa execução tem sido denunciada pelo Inesc há anos, é um problema seríssimo que vem se acumulando e que agora poderá ser agravado: não há estrutura para execução destas políticas em nenhum nível (faltam servidores em número e capacidade técnica, integração com prefeituras, tecnologia e controle social do recurso que vai para os municípios). Ou seja, se a política pública já não chegava às populações-alvo mesmo em períodos de “vacas gordas”, agora mesmo é que se estará negando sua condição de existência e reprodução cultural.

E então, podemos nos perguntar: para que tanta energia gasta na elaboração de um “PPA Temático”, voltado para os direitos, se na prática não haverá recurso para executar nada do previsto? No ano passado, o Governo promoveu o evento “Dialoga Brasil PPA”, onde reuniu o Fórum Interconselhos para um debate sobre o Plano, e apresentar uma agenda para participação no orçamento em 2016. Na época, apontamos que não era possível chamar este momento de consulta pública, uma vez que não foi pensada uma metodologia de efetiva participação dos conselheiros. Também ressaltamos um aspecto positivo verbalizado pelo então responsável pela Secretaria Geral: a apresentação de uma nova agenda de participação que seria iniciada em agosto de 2015, até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).

Bom, não há mais Secretaria Geral e esta participação não foi efetivada na construção das leis orçamentárias de 2016. Está aberta uma consulta online para a LDO 2017, mas sabemos que, apesar de ser uma ferramenta válida, tem baixo alcance para a sociedade em geral. O Fórum Interconselhos se reunirá novamente em março, em nova edição do Dialoga Brasil PPA. Será importante pautar novamente a institucionalização do Fórum e buscar informações sobre a efetividade desta “agenda participativa” em relação ao orçamento, que no momento virou lenda.

O que temos de fato são cortes orçamentários em agendas fundamentais para a população brasileira e recursos garantidos para pagamento de juros a banqueiros. Nenhuma sinalização com relação à reforma tributária, à justiça fiscal, nada que incremente a arrecadação para execução de políticas públicas, seguimos na toada do capitalismo global, concentrando renda ao invés de tentar distribuí-la. Será que o Governo conseguirá combinar “crescimento econômico” com “inclusão social”, como preconiza o PPA, em um país onde os pobres (e a classe média) pagarão a conta do ajuste fiscal?

Para consultar o PPA, veja:

Anexo I – Programas Temáticos

Anexo II – Programas de Gestão, Manutenção e Serviço ao Estado

Anexo III – Empreendimentos Individualizados como Iniciativas

PPA da crise: bonito no papel, inviável na prática

O novo Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal é mais uma notícia frustrante para quem olha para as políticas públicas, especialmente o orçamento, com a lente da promoção de direitos humanos. Ao lado da LOA 2016, o que já havia sido antecipado pelos contingenciamentos de 2015 (Decretos 8.456 e 8.580), e pela reforma ministerial, agora se materializa em um PPA bonito no papel, mas inviável na prática.

O Inesc alertou a sociedade com relação ao Decreto 8.456 publicado em maio de 2015, que retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total. Destacamos os cortes em algumas agendas estratégicas para a promoção de direitos, como Educação (23,7%), Igualdade Racial (56,3%), Direitos Humanos (56,3%), Desenvolvimento Agrário (49,4%) e Pesca(78,6%). Visando “preservar a meta fiscal”, o governo contingenciou novamente os recursos em novembro daquele ano: mais R$ 10,7 bilhões e mais R$ 500 milhões de emendas parlamentares.

Depois da tesourada orçamentária, algumas pastas foram extintas da estrutura federal com a MP 696/2015, como a Secretaria Geral da Presidência, justamente a instância responsável pela interlocução com a sociedade civil, que tanto clamou por diálogo nas ruas em junho de 2013. Outras tiveram importância diminuída, perdendo o status de Ministério, como a de direitos da população negra (SEPPIR) e mulheres (SPM), que passaram a pertencer a um só órgão, juntamente com a ex-Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH): todos agora estão reunidos no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) também passou a ser vinculado a este Ministério, bem como as funções da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), mas a mesma foi subsumida no processo de enxugamento da máquina, causando justificada indignação dos movimentos sociais ligados à agenda da juventude, especialmente aqueles que atuam no combate ao extermínio da juventude negra e na promoção do bem viver das jovens mulheres negras.

Agora, a cereja do bolo: o novo PPA – que define a estratégia e prioridades do Governo Federal para o período de 2016 a 2019 –, e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016. Se, por um lado, o PPA, batizado de Desenvolvimento, produtividade e inclusão social, apresenta diversos objetivos, iniciativas e metas para a promoção de direitos de mulheres, jovens, quilombolas, indígenas e outros grupos que necessitam de políticas específicas de inclusão social e promoção de direitos, por outro, a LOA 2016 torna inviável a execução destas políticas.

Por exemplo, em 2015, o orçamento da SEPPIR era de aproximadamente R$ 65 milhões e foi para R$ 27 milhões com o primeiro corte; com o segundo contingenciamento, foram ceifados outros R$ 17,5 milhões. Na LOA 2016, esta Secretaria conta com R$ 37,5 milhões de recurso inicial: uma redução de aproximadamente 40% em relação ao originalmente programado pelo Governo em 2015 (Site Siga Brasil, acesso em 12/02/2016). Imagine quando vier o decreto de contingenciamento previsto para março de 2016! Isso para articular toda a agenda de promoção da igualdade racial e superação do racismo no país em diversos órgãos.

Até o momento, há recursos para algumas ações importantes, como os R$ 120 milhões destinados às bolsas permanência no ensino superior (ação que teve boa execução em 2015, de aproximadamente 90%), que sabemos ser uma política voltada para graduandos do sistema de ações afirmativas, seja por raça/cor, seja por classe social (advindos de escolas públicas). Por outro lado, temos um exemplo dramático: em 2015, a ação 4324, de Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Amazônia, teve recurso autorizado de R$ 39 milhões, mas R$ 20 milhões não foram gastos, não por corte orçamentário, mas por ineficiência do pacto federativo. Este ano, a LOA prevê somente R$ 15 milhões para esta ação.

Com relação à questão fundiária, a ação 210Z, que visa o reconhecimento e titulação de territórios quilombolas, passou de cerca de R$ 30,4 milhões em 2014, para R$ 29,5 milhões em 2015, e R$ 8 milhões em 2016. Já quanto às políticas de desenvolvimento sustentável e assistência técnica, a ação 210Y, que pretende apoiar o desenvolvimento sustentável de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em todo o país, contará com somente R$ 1,6 milhão. Em 2015 o valor autorizado foi de R$ 1,7 milhão, já insuficiente para o desafio. Na prática, esta ação não sofreu corte no ano passado, mas apenas R$ 308 mil reais foram executados. Esta baixa execução tem sido denunciada pelo Inesc há anos, é um problema seríssimo que vem se acumulando e que agora poderá ser agravado: não há estrutura para execução destas políticas em nenhum nível (faltam servidores em número e capacidade técnica, integração com prefeituras, tecnologia e controle social do recurso que vai para os municípios). Ou seja, se a política pública já não chegava às populações-alvo mesmo em períodos de “vacas gordas”, agora mesmo é que se estará negando sua condição de existência e reprodução cultural.

E então, podemos nos perguntar: para que tanta energia gasta na elaboração de um “PPA Temático”, voltado para os direitos, se na prática não haverá recurso para executar nada do previsto? No ano passado, o Governo promoveu o evento “Dialoga Brasil PPA”, onde reuniu o Fórum Interconselhos para um debate sobre o Plano, e apresentar uma agenda para participação no orçamento em 2016. Na época, apontamos que não era possível chamar este momento de consulta pública, uma vez que não foi pensada uma metodologia de efetiva participação dos conselheiros. Também ressaltamos um aspecto positivo verbalizado pelo então responsável pela Secretaria Geral: a apresentação de uma nova agenda de participação que seria iniciada em agosto de 2015, até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).

Bom, não há mais Secretaria Geral e esta participação não foi efetivada na construção das leis orçamentárias de 2016. Está aberta uma consulta online para a LDO 2017, mas sabemos que, apesar de ser uma ferramenta válida, tem baixo alcance para a sociedade em geral. O Fórum Interconselhos se reunirá novamente em março, em nova edição do Dialoga Brasil PPA. Será importante pautar novamente a institucionalização do Fórum e buscar informações sobre a efetividade desta “agenda participativa” em relação ao orçamento, que no momento virou lenda.

O que temos de fato são cortes orçamentários em agendas fundamentais para a população brasileira e recursos garantidos para pagamento de juros a banqueiros. Nenhuma sinalização com relação à reforma tributária, à justiça fiscal, nada que incremente a arrecadação para execução de políticas públicas, seguimos na toada do capitalismo global, concentrando renda ao invés de tentar distribuí-la. Será que o Governo conseguirá combinar “crescimento econômico” com “inclusão social”, como preconiza o PPA, em um país onde os pobres (e a classe média) pagarão a conta do ajuste fiscal?

Para consultar o PPA, veja:

Anexo I – Programas Temáticos

Anexo II – Programas de Gestão, Manutenção e Serviço ao Estado

Anexo III – Empreendimentos Individualizados como Iniciativas

Orçamento Temático da Mobilidade Urbana

O Orçamento Temático da Mobilidade Urbana é uma iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o Movimento Nossa Brasília, e seu objetivo é monitorar o orçamento do Governo do Distrito Federal relativo às políticas públicas de mobilidade urbana no DF, visando à promoção de maior transparência e a efetiva implementação do direito à mobilidade e do direito à cidade, com sustentabilidade ambiental e equidade.

Acesso o Orçamento Temático da Mobilidade Urbana.

Momentos finais de uma negociação que durou 21 anos – ainda assim sem solução

Quase finda a última semana de negociação da COP 21, em Paris. Do ponto de vista da negociação oficial, a novidade foi o aumento da oferta de dobrar o financiamento para adaptação por parte dos norte-americanos, anunciada pelo Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, expressando um desejo de ver um acordo em Paris. Uma das questões nestas negociações é manter os Estados Unidos no barco junto com todos os outros países. Esse jogo acaba que fazendo com que eles definam as regras e os limites do jogo. E assim será, uma vez que, no final da semana, aparecem oferecendo mais dinheiro e demonstrando uma aparente flexibilidade, acabando por dar o tom e os termos do acordo. É claro que o papel da Europa também conta, em especial os chamados países guarda-chuvas, do qual os próprios norte-americanos fazem parte, além da Nova Zelândia, Austrália e Noruega, entre outros.

O novo rascunho apresentado ontem (quarta-feira, dia 9 de dezembro) no meio da tarde, foi reduzido para 29 páginas, e ainda contém muitos temas não resolvidos em torno de perdas e danos, diferenciação, finanças e, evidentemente, a ambição desta negociação realizada na COP 21. É importante dizer que o Brasil vem tendo um papel proeminente nas negociações, sendo responsável por um dos grupos de trabalho que lidam com esses temas contenciosos. Temas que nos eram caros, como os relativos aos direitos humanos, estão mais no preâmbulo, sem força – e a inclusão de gênero, no artigo 2, foi cortado desta última versão.

A falsa polêmica – se o texto acabará colocando a meta ‘abaixo de 1,5º C’ ou ‘abaixo de 2º C’ – continua na negociação. A questão da temperatura é muito séria e será definida, na verdade, por uma ruptura rápida com esse modelo de desenvolvimento hegemônico. Pelo que parece, ninguém da parte dos governos, e muito menos das corporações ativas na COP 21, estão dispostos a romper. Então, falar se será um aumento de somente 1,5ºC ou menos de 2ºC parece ridículo para qualquer ser humano comum.

A continuidade das negociações a partir de hoje se dará em um formato de mesa redonda com todos os ministros juntos, como foi feito em Durban, em 2011 – a chamada Indaba -, além da presença de outros poucos negociadores. Segundo a imprensa, o clima das negociações é de insatisfação, mas não de rejeição ao acordo.

Do outro lado da cidade de Paris, no Centquatre (104) um fantástico centro cultural dentro de um bairro de migrantes, foi realizada a Assembleia dos Movimentos Sociais, na chamada Zona de Ação Climática (ZAC). Com uma grande presença da Via Campesina, que fez atos bem sucedidos de desobediência civil em frente à empresa Danone, colocando em seus muros uma faixa vermelha, as falas e histórias nos contavam das lutas nos territórios contra a invasão de suas terras, as situações de impacto ambiental produzido por ações de governo ou de empresas e grandes corporações. A palavra de ordem continua sendo para manter a luta em pé pelos direitos, pela dignidade de vida, por um ambiente saudável e pela soberania alimentar. Foi um momento bonito em mágico para todos que ali estavam.

No lado da sociedade civil, segue a conversa sobre como se dará a continuidade do movimento. Muitos encontros vem sendo realizados por redes, organizações da sociedade civil e movimentos sociais, no sentido de dar continuidade às lutas nos próximos anos. Grupos ligados a comércio e clima, sobre a captura corporativa e soberania alimentar vão construindo sua agenda e buscando convergência. Se isso vai se transformar em um movimento global ainda é uma incógnita.

Por fim, os planos de ações públicas para o dia 12 de dezembro seguem firme, com ações que ocorrerão em diferentes momentos e em diferentes partes da capital francesa. No entanto, a intenção de realizar um momento comum, para todos juntos apresentarem a última palavra, parece estar inviabilizada. Não há consenso sobre isso e também não há palavra de ordem comum para uma última palavra. O melhor é seguir marchando junto, até que esse ponto de encontro possa se realizar, ou simplesmente cada um seguir seu caminho? A questão está no ar.

Não se iluda: Cunha e seu grupo são a maior ameaça à democracia

Por que o país está sendo mantido em suspenso por parlamentares que atuam em causa própria, pouco se preocupando com os verdadeiros destinos do país? Tudo que importa para esses seres amorais é defender seus interesses pessoais e daqueles que financiam suas campanhas. O impedimento da Presidenta Dilma é um pretexto para tomar o poder e perpetuar o assalto aos cofres públicos que quotidianamente praticam. São eles que deveriam ser impedidos, pois contra eles há provas concretas de corrupção, tráfico de influência, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e outras tantas acusações.

Se houvesse genuína preocupação com as chamadas ‘pedaladas’ ou com o que alegam ser irresponsabilidade fiscal por parte do Executivo, por que recorrer a manobras obscuras e à votação secreta, a ponto de o Supremo Tribunal Federal suspender tudo até apreciar a matéria?

O que interessa exclusivamente a esses políticos é salvar a pele, e para isso estão dispostos a sacrificar a democracia brasileira. Vejamos alguns exemplos emblemáticos: Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, é presidente da Câmara dos Deputados e, nesta condição, o terceiro na linha de sucessão à Presidência da República. Tem ficha criminal corrida e milhões na Suíça, e provavelmente em outros paraísos fiscais. Suas falcatruas vêm de longa data, começando no governo Collor, quando presidia a Telerj, companhia telefônica do Rio de Janeiro. Na época, Cunha chegou a ser acusado de participar dos esquemas de corrupção de PC Farias, tesoureiro da campanha eleitoral de Collor e tido como mentor do esquema que derrubou o ex-presidente. Depois, Cunha se envolveu em outros escândalos com a Companhia Estadual de Habitação (Cehab) e Furnas. O deputado também seria investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por participar de uma negociação que prejudicou um fundo de pensão de funcionários públicos. Hoje é acusado pela Operação Lava Jato. Um personagem com esse perfil pode ter algum interesse público? É claro que suas estratégias e ações são exclusivamente voltadas para aumentar continuamente seu patrimônio pessoal e seu poder.

Outro com perfil semelhante, ainda que menos brilhante, é o deputado Leonardo Quintão, atual líder do PMDB na Câmara. Foi eleito por Minas Gerais, graças aos fartos recursos das grandes empresas de mineração. Com o apoio de Cunha, virou relator do novo Código da Mineração, projeto que está em discussão na Câmara dos Deputados atualmente. E, pasmem, o documento oficial do projeto de lei proposto para esse novo Código, que define as regras da mineração no país, foi criado e alterado em computadores do escritório de advocacia que tem como clientes mineradoras como Vale e BHP, duas das maiores empresas do setor no mundo. É, essas mesmas que são responsáveis pelo maior crime socioambiental do Brasil, a tragédia de Mariana!

E o Conselho de Ética que é integrado por parlamentares acusados de todo tipo de crimes? A situação é tão vergonhosa que depois de inúmeras manobras até hoje não se consegue dar andamento ao processo de investigação do Deputado Eduardo Cunha.

São personagens como esses que manobram, ameaçam, chantageiam e operam privatizando o Congresso Nacional, sem pudor e sem temor de minar a democracia brasileira e de macular a imagem do Brasil no cenário internacional. Essas atitudes irresponsáveis está nos levando  a tempos sombrios. O que acontecerá se o impedimento seguir seu curso, levando consigo o vice-presidente Temer, pois ele é ‘cúmplice’ das acusações feitas à presidenta Dilma? Serão convocadas novas eleições? No meio dessas tantas tensões, que beiram a irracionalidade e deixam o país partido ao meio?

Precisamos ir para as ruas denunciar os verdadeiros culpados e clamar por respeito ao Estado de Direito. Temos que proteger o que conquistamos nos últimos 30 anos e impedir que bandidos e fascistas mandem neste país.

Fora Cunha! Não Vai Ter Golpe!


O risco do não retorno nas negociações sobre Clima em Paris

A Conferência das Partes – COP 21, em Paris, diferentemente das anteriores, tem a pretensão de marcar um ponto de inflexão e os caminhos para uma “nova era”. As definições de objetivos passarão por novas ondas negociadoras, mas neste novo momento, tem a missão de implementar os acordos firmados.

Chegamos lá? Teremos um bom acordo? Não. Estamos bem longe de uma consciência planetária de auto-preservação, ou de compromisso com a natureza e a qualidade da vida. Os interesses do capital continuam falando mais alto. Em nome das soberanias nacionais, ações mais radicais de redução de emissões e de respeito às diferenciações históricas, e responsabilidades diferenciadas entre os países, estão fazendo todo o acordo ficar mais difícil.

Segundo sul coreano Hoesung Lee, novo presidente do Painel Intergovernamental de Especialistas em Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), em entrevista no último sábado, não sabemos quais são os limites, e nem o que ocorreria se fracassarmos em tomar as medidas necessárias para reduzir as emissões. O que é certo é que os riscos principais das mudanças climáticas se relacionam com o que ocorrer em um sistema planetário descontrolado. Diz ainda que a ciência está dizendo que não podemos chegar um ponto de não retorno, e que os impactos não serão lineares. Isso significa que temos que ‘cortar na carne’ as emissões, e mudar significativamente nosso modo de produzir e consumir.

Entretanto, o que temos até agora é um acordo fraco, onde uma parte poderá ter força vinculante, mas a parte mais significativa dos meios de implementação, no que se refere ao financiamento e às propostas nacionais para redução de emissões, parece que continuarão voluntárias. A postergação dessas decisões poderá nos levar ao arriscado ponto de não retorno citado pelo presidente do IPCC.

Esta semana, as negociações estarão nas mãos dos ministros de 195 países, que receberam na semana anterior um rascunho com 48 páginas, ainda cheio de colchetes (que significam termos e propostas que não tiveram consenso).  Diferenciação, financiamento e caráter vinculante do Acordo seguem sendo um grande desafio nas mãos dos representantes dos países.

Foram definidos quatro grupos de trabalho. O primeiro é o grupo de apoio: meios de implementação (financiamento, tecnologia, construção de capacidades), tendo como facilitadores Emmanuel Issozé Ngondet, ministro das Relações Exteriores do Gabão, e Jochen Flasbarth, secretário de Meio Ambiente da Alemanha. O segundo grupo: diferenciação, especialmente em relação à mitigação, financiamento e transparência, tendo como facilitadores a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, e o ministro das Relações Exteriores de Cingapura, Vivian Balakrishnan. Os outros dois grupos serão sobre a ambição, incluindo os objetivos de longo termo e as revisões periódicas, e ações de aceleração do pré-2020, workstream 2 respectivamente. Os facilitadores desses dois últimos grupos ainda não foram anunciados.

O último fim de semana foi dedicado aos encontros e debates ‘Alternativas’ e ‘Fórum Climático’, que deverão seguir ao longo desta semana até o dia 12 de dezembro, quando a sociedade civil espera poder fazer algum tipo de ação cidadã e pacífica nas ruas de Paris – algo que ainda depende de um acordo com o governo francês.

Vamos ver o que os últimos cinco dias de Conferência do Clima nos darão como perspectivas para nosso breve e incerto futuro.

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!