Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Artigo: Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Não se iluda: reduzir idade penal aumenta a violência

O Congresso Nacional está prestes a conseguir a façanha de burlar uma cláusula pétrea da Constituição Federal com a redução da idade penal. Os parlamentares que defendem tal medida argumentam que os atos infracionais cometidos por adolescentes aumentam cotidianamente e que a redução pura e simples resolverá a violência. Assim, querem criminalizar os jovens, especialmente aqueles que são vítimas das desigualdades raciais, educacionais, sociais e regionais.

Reflitamos então sobre a “pátria educadora”. Ela pressupõe uma sociedade preocupada com sua sustentabilidade social, uma terra de direitos sem distinção de cor, classe, gênero. Os adultos dessa sociedade deveriam compreender que a educação é o bem maior a se ofertar, que sua força está para além de políticas armamentistas, coercitivas, extensões territoriais e riquezas naturais, pois sem ela, desfrutar de tais riquezas é loucura e auto- extermínio.

Políticas públicas têm de ser elaboradas apoiando-se  em dados produzidos por pesquisas de órgãos especializados. No entanto, o que presenciamos no  Parlamento brasileiro são projetos e leis baseadas em convicções pessoais, que tornam-se preconceituosas na medida em que não são corroboradas com dados da realidade.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), dados da PNAD 2013 indicam que, mesmo que a adolescência seja a fase da vida a ser dedicada à escola,  mais de 1 milhão dos 10,6 milhões de adolescentes brasileiros entre 15 a 17 anos não estudam nem trabalham, 584 mil só trabalham e 1,8 milhão trabalham e estudam. E muitas vezes, aqueles que trabalham não o fazem na condição de aprendizes, conforme previsto na Constituição Federal− se o adolescente tem entre 14 e 16, só pode trabalhar nessa condição. É o caso dos que estão em situação de trabalho doméstico, por exemplo, visto que sequer há fiscalização.
Outro dado importante é que entre os que não estudam e não trabalham 64,87% são negros, 58% são mulheres e 83,5% vivem em famílias com renda per capita inferior a um salário mínimo. Há muita semelhança entre esse grupo e o grupo daqueles que só trabalham,  que também são negros, maioria de mulheres, com baixa renda. E para completar, os que conciliam trabalho e estudo são 59,8% negros, 63,03% pobres e 60,75% do sexo masculino.

Com base nesses dados, poderíamos imaginar que nossos parlamentares estivessem pensando em oferecer condições para que esses adolescentes que estão em distorção idade-série, ou os que estão fora da escola, ou os que só trabalham, ou aqueles que nem estudam, nem trabalham, pudessem voltar e permanecer na escola, e receber educação de qualidade, além do acesso a todas as políticas necessárias ao bem viver.

Não obstante fazem o contrário: negam acesso e inclusão aos adolescentes reforçando comportamentos racistas historicamente construídos no país, que favorecem a exploração da população negra, usurpando sua infância submetendo-a ao trabalho infantil.

Argumentos tais como:  mais direitos e menos punição, ou vamos deixar o Estatuto da Criança e do Adolescente acontecer e de fato ser praticado, visto que ele estabelece as devidas punições aos adolescentes que cometem atos infracionais e, acima de tudo, prevê os direitos aos quais eles deveriam ter acesso,  parecem não fazer eco, visto que estão expostos à exaustão por parte da sociedade que não admite retirada de direitos, por isso, vamos utilizar de outros argumentos.

O sistema carcerário brasileiro está superlotado e não reabilita. Um adolescente que colocar os pés em um desses lugares desumanos terá sua humanidade sugada. Sem contar que para sobreviver entre os já sugados, certamente se submeterá a um dos grupos de poder, que em geral é do tráfico de drogas. E quando sair, talvez seja realmente um problema de segurança.

É isso, a redução da idade penal significa, além de tragédia que afetará parte da  juventude já criminalizada, em médio prazo, aumento da criminalidade e da tão propalada violência.

Arrocho fiscal detona direitos dos que mais precisam

O governo federal anunciou na última sexta-feira (22/5) o maior corte orçamentário da sua história. O decreto 8.456 retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total.

O corte “na carne” penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte, que foi de 22% do total. Isso vai na contramão não só das promessas de campanha do governo Dilma, mas também do cumprimento de metas de realização de políticas públicas estabelecidas legalmente no seu Plano Plurianual e até dos compromissos históricos do PT.

Os dados não deixam dúvidas:

  • Ministério da Educação teve um corte de 23,7% dos recursos discricionários, o que representa R$ 9,25 bilhões em valores absolutos, sobrando R$ 39,4 bilhões. Isso poderá afetar programas importantes tais como o Prouni, Programa Nacional do Livro Didático ou bibliotecas nas escolas.
  • Secretaria de Promoção da Igualdade Racial teve um corte de 56,3% dos recursos discricionários. Com isso terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais.
  • Secretaria de Direitos Humanos teve um corte de 56,3% dos recursos e com isso terá apenas R$ 131,9 milhões para executar ações de promoção e defesa dos direitos da pessoa com deficiência, de idosos, de crianças e adolescentes, entre outras que cabem ao órgão.
  • Ministério do Desenvolvimento Agrário teve um corte de 49,4% dos recursos e com isso terá apenas R$ 1,8 bilhão para executar políticas públicas estratégicas para a agricultura familiar e a segurança alimentar, como a Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER e a reforma agrária.
  • Ministério da Pesca e Aquicultura teve um corte de 78,6% dos recursos. Com isso terá apenas R$ 154,5 milhões para executar ações como o “Fomento à Produção Pesqueira e Aquícola” que implementa planos como o de apoio à renovação da frota artesanal.

Além desses cortes, também sofrerão redução, em montantes não especificados, os recursos financeiros estratégicos para a reforma agrária e agricultura familiar que são: i) Concessão de Crédito para Aquisição de Imóveis Rurais ; ii) Investimentos Básicos – Fundo de Terras e Concessão de Crédito-Instalação às Famílias Assentadas.

Para tornar o arrocho ainda mais dramático, ressaltamos que o que sobra para ser executado ainda estará em parte comprometido com o pagamento de despesas anteriormente assumidas pelo governo, que são os restos a pagar. Com esses cortes, a implementação de políticas públicas essenciais para garantir direitos para quem mais deles precisa está obviamente comprometida.

É essencial que o governo tenha capacidade de dialogar com a sociedade sobre o significado prático dos cortes orçamentários na vida das pessoas. Para isso, é urgente que os dirigentes das pastas ministeriais explicitem como os cortes serão processados internamente em cada órgão. Quais programas, ações e compromissos deixarão de ser cumpridos?

Veja aqui tabela com a totalidade dos cortes.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: flagrante de rebaixamento dos Direitos Humanos

Ainda que fragilizada e desacreditada, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem sido palco de dezenas de importantes debates da agenda internacional. Não é para menos, na medida em que as crises de guerra e paz aniquilam enormes contingentes humanos e impactam uma variedade de territórios. E também as crises ambiental e climática, que destroem povos, culturas e biodiversidade, alterando os ciclos das chuvas, intensidade das águas e rios, aquecimento dos mares, poluição dos fundos dos mares e outros. Sem falar da crise de financiamento ao desenvolvimento e a negligência geral que recai sobre os países mais ricos. Todos estes temas, sem exceção, são tratados na ONU em suas diversas conferências e infindáveis negociações, e têm relação direta com a vida de cada habitante deste planeta.

Neste contexto queria ater-me a uma pequena parte desse debate, que é o processo de elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos durante a Conferência Rio+20, em 2012. As Nações Unidas propuseram um conjunto de Objetivos e metas, e esses indicadores estão sendo construídos no âmbito de uma Comissão especialmente criada para tal. Esses indicadores deverão orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos quinze anos, sucedendo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Chegou-se a uma proposta que contém 17 Objetivos e 169 metas. As temáticas são diversas, coerentemente com a diversidade de problemas que devem ser enfrentados por todos os países. Confira a íntegra da proposta de ODS.

Mas não há tempo para ingenuidade. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como foram os do Milênio, são uma redução grosseira de todo o marco dos Direitos Humanos. Os Objetivos do Milênio inauguraram essa lógica. Além disso, o que vemos hoje são objetivos e metas entranhados por uma lógica que fere ao princípio interdependência e não hierarquização dos direitos. Que fere também o Art. 2 da Convenção dos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais (DHESC), que obriga os países aplicarem o máximo de recursos disponíveis, progressivamente e sem discriminação, na realização dos direitos. A realização e efetivação dos direitos por parte dos poderes públicos deve ser escrita em suas políticas públicas e contar com financiamento interno e externo para essa efetivação. Para tanto, o debate para o financiamento ao desenvolvimento é fundamental e essencial para responder o quanto os objetivos, serão críveis. Isso é verdade também para o debate de mudança climática, no âmbito da COP 21.

Ninguém questiona a importância de se estabelecer Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Entretanto, existe uma tendência de super estimá-los, e assim concentrar-nos demasiadamente sobre os mesmos. Isso acaba obstruindo a capacidade de construir um avaliação mais ampla da realidade. Muitas vezes acabamos vítimas de nossa própria maneira de agir, aceitando agenda que nos é apresentada e aceitando as regras estabelecidas de participação. Existe uma certa domesticação das organizações que orbitam em torno destes debates.

Infelizmente temos hoje uma crença de que só o mercado e o sistema financeiro em parceria com os Estados, via Parceria Público Privada (PPP) poderão resolver o desafio da sustentabilidade. O que temos, na verdade, é o triste reconhecimento da falência dos Estados na promoção e realização dos direitos humanos e dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais, sociais, ambientais e sexuais. Em outras palavras, estamos assistindo ao rebaixamento total do marco dos direitos humanos no mundo, com o consentimento e promoção da ONU.

Outro ponto importante que deve ser observado pela sociedade civil organizada e movimentos sociais são as horas intermináveis de acompanhamento dos debates de plenário, conversas em grupos de trabalho, bilaterais, permissão para falas breves (três minutos no plenário) que muitas vezes não são sequer ouvidas ou, as vezes, nem incluídas ao documentos oficial. Vozes que pairam no ar sem eco ou escuta. Existe um problema sério de reconhecimento das vozes da sociedade civil organizada dentro da ONU, e isso é sério porque questiona a estrutura democrática da instituição.

O Co-Coordenador de Negociações Intergovernamental concordou, após esforço concentrado das organizações da sociedade civil organizada, em mandar uma carta para a Comissão de Estatística da ONU pedindo maior abertura para a participação das mesmas neste processo. Não existe ainda nenhuma certeza se isso acontecerá, mas se aceito, haverá um espaço importante para influenciar as decisões desta Comissão. Com isso, a sociedade civil deverá discutir como vai acompanhar, se de forma mais ativa, se como observadora ou por meio de documentos para serem considerados pela referida comissão. Cada uma destas hipóteses terá consequências reais na qualidade da participação. Para sociedade civil a implicação será trabalhar mais qualitativamente e em um espaço mais assertivo, dentro do processo.

Esse parece ser o momento mais difícil e crucial da agenda dos ODS. Sabemos que a Comissão de Estatística da ONU usa critérios técnicos e científicos para argumentar que somente 1/3 das metas propostas será passível de mensuração e que indicadores falhos do ponto de vista do teste científico não terão valor. Isso, deverá ser, de fato, um grande tema do debate e já existem propostas de ampliação dos prazos diante das dificuldades. Por isso é importante que a sociedade civil organizada se habilite para apresentar propostas de indicadores e questionar algumas das atuais opções técnicas, pois as dimensões da questão social e cultural são difíceis de comporem indicadores quantitativos.

Temos vários problemas neste universo dos debates da ONU, em especial dos ODS: falta de transparência, processos pouco democráticos (ainda que sejamos entupidos de consultas digitais), pífia participação dos reais impactados e uma sociedade civil relegada à periferia do debate, sem conseguir ter o peso e a voz necessária para alterar a correlação de forças. Mas não temos medo de encarar o tamanho do problema, porque estamos num cenário de crescente perda de direitos e de avanço conservador no mundo.

Professores para quem precisa, professores para quem precisa de educação

É inacreditável o que vimos acontecer no Paraná no dia 29 de abril de 2015. Pelo menos uma hora e meia de ataques da polícia contra professores que exerciam o direito democrático à manifestação pública.

As imagens e vídeos mostram como os manifestantes foram atacados durante mais de uma hora e meia com bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta, jatos d’água, tiros de balas de borracha, prédios sendo ocupados por atiradores de elite e cachorros (coitados, nem sabem para o que foram treinados!). A cena de guerra se completou com helicópteros lançando bombas de efeito moral e o uso de uma nova tecnologia de repressão que consiste em atordoar as pessoas com um aparelho que produz um som insuportável para o ser humano. Todos vimos – e ouvimos.

Para completar nosso estado de estarrecimento, uma gravação de vídeo mostra o governador Beto Richa (PSDB/PR) e assessores, da sacada do Palácio Iguaçu, comemorando o massacre contra os professores.

As ruas nunca deixaram de ser palco para manifestações e festas populares. Lugar para agregar pessoas e dar visibilidade às causas, espaço público para fortalecer as lutas políticas. As ruas são espaços de celebrações e fortalecimento de laços entre pessoas que comungam de um mesmo ideal, ou causa. As ruas educam. Agregam ideias e posições colorindo a cidade com a diversidade de opiniões. Assim, o uso da força para silenciar uma categoria, é traço de covardia política. O abuso da força rima somente com estados totalitários. O uso da força desproporcional é inadmissível, inaceitável e revela a verdadeira posição do governador. Para completar, policiais que se negaram a participar da ação brutal e injustificável foram presos.

Como saldo de uma manifestação de docentes temos mais de 150 pessoas feridas, entre as quais algumas em estado grave. Jornalistas foram atingidos, impedidos de cumprirem seu papel histórico de registro e divulgação dos fatos.

Educação não se faz sem um projeto sério, sem investimentos, sem valorizar os profissionais, sem diálogo com as comunidades, sem diversidade, sem cultura e muito menos com violência.

Moral da história: uma pátria educadora se faz com muito respeito e valorização de professores e professoras, se faz com diálogo e com determinação política.

Os gritos das periferias

Márcia Acioli, assessora política do Inesc.

São muitos os gritos que vêm da periferia. Múltiplas vozes que brotam das mais diversas circunstâncias e espaços. Tem o grito da violência e da dor, mas também da esperança e a que clama por justiça e direitos.

Um grito gutural ecoa enquanto um vídeo nos conduz a um corpo caído. As mulheres histéricas somam suas vozes à da mãe que, desesperada, não tem o que fazer além de expor sua desmedida dor. Naquele instante, Eduardo de Jesus, 10 anos, deixa de ser criança e se torna uma fria estatística. É mais um entre 30 mil jovens brasileiros que não chegará à idade adulta.

A ação que resultou na morte de Eduardo não pegou os moradores do Morro do Alemão de surpresa. Eles estão acostumados com os gritos dos policiais invadindo as ruas da comunidade, com seus “berros” (gíria carioca para as armas) impondo uma ordem torta e ameaçadora. Na operação policial que resultou na morte do menino Eduardo de Jesus, outros três moradores morreram. A comunidade reagiu contaminada pela dor e pelo desejo de viver sem a permanente ameaça de morte. Quando saiu à rua para gritar pela vida e contra a violência, a polícia berrou de volta, com mais violência.

Uma semana antes da morte de Eduardo no Rio, o jovem Bruno Alves, 26 anos, negro e morador da cidade de Planaltina, na periferia de Brasília, também foi assassinado. A roda da violência não para de girar. Mas outros gritos podem ser ouvidos e apontam soluções.

No mesmo dia do assassinato de Bruno, jovens de todo o Distrito Federal se reuniram na Cidade Estrutural, também periferia da capital federal, para o sarau Grito das Periferias organizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o Coletivo da Cidade, Art’sam, Cedeca-DF, Família Hip-Hop, Renajoc e Casa das Rdes, com apoio da Embaixada da Holanda.

O objetivo do encontro foi discutir violências contra as juventudes das comunidades populares. Os gritos foram poéticos, estéticos e carregados de sentido fraterno, mesmo retratando realidades duras nas quais perder um amigo ou irmão é comum, e meninas e mulheres serem estupradas são cenas cotidianas.

No Grito das Periferias, jovens do projeto Onda, organizado pelo Inesc, expuseram pesquisa realizada na Cidade Estrutural na qual todos os jovens negros falam da violência policial, enquanto nenhum jovem branco a cita, refletindo assim, nítidos sinais de violência institucional fundamentada pelo racismo. O dado não causou estranhamento aos jovens presentes.

Homicídios de jovens e de adolescentes são tratados em estudos como o Mapa da Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Índice de Homicídio na Adolescência, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ambos revelam fatores que aumentam a probabilidade de um jovem ser morto. Raça, gênero, idade e territórios são fatores que elevam as chances de um adolescente ser vítima de homicídio. A probabilidade de um jovem negro ser morto é quase três vezes superior em comparação com um jovem branco.

O Mapa da Violência 2014 mostra uma acentuada tendência de queda no número de homicídios da população branca e de aumento no número de vítimas na população negra. De fato, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui na proporção de 24,8%, sendo que entre os negros observa-se um crescimento de 38,7%.

Contraditoriamente, meninos negros, pobres e moradores de periferia ainda são apontados como principais autores da violência urbana. Setores conservadores da sociedade brasileira difundem a exceção como regra. Investem pesado na formação de uma opinião pública pelo rebaixamento da idade penal, contrariando todos os estudos e vozes de especialistas que comprovam que mais cadeia não resolve o complexo problema da violência.

A periferia sabe gritar outros gritos, a plenos pulmões, que ecoam em uníssono por justiça, dignidade e direitos. A periferia grita: mais educação, menos prisão!

Direitos humanos universais, indivisíveis, interdependentes

Cleomar Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Nossos valores são da Casa Grande. Não questionamos quando um garoto branco, rico, com sua Mercedes-Benz atropela e mata um senhor, ciclista e pobre. Não pedimos para que seja punido com rigor. A mídia não massacra sua audiência por dias mostrando e repetindo o caso. Mas essa mesma mídia é capaz de mostrar, por anos, o caso de um menino pobre que cometeu um crime hediondo. Um único, pois são poucos os casos semelhantes e é preciso repetir à exaustão até que o público se convença da necessidade de punição com rigor, mesmo que os dados não corroborem a sede de vingança.

Dia 31 de março, depois de anos de disputa, foi aprovada a admissibilidade da proposta de emenda constitucional que reduz a idade penal. A conquista de direitos requer constantes batalhas para que o conjunto da sociedade perceba a pertinência dos três princípios destacados no título desta reflexão. Infelizmente, estamos perdendo a guerra da informação, visto que a maior parte dos meios de comunicação de massa defende a medida como forma de combater a violência.

Vamos entregar os dedos, uma vez que não nos desapegamos dos anéis. Ou vamos jogar a água da bacia com o bebê dentro. Ditos populares que nos ajudam a refletir sobre este momento sombrio, quando a ignorância tende a prevalecer sobre a razão. A Constituição diz, em seu artigo 227, que crianças, adolescentes e jovens são públicos com prioridade absoluta nas políticas públicas. No entanto, desde a vigência da atual Carta Magna, o que estamos presenciando não são prioridades universais para todos, mas especialmente para brancos, homens, ricos, que vivem em regiões abastadas etc. Somos, sim, um país ainda escravocrata e monarquista. Vejam, por exemplo, a rainha dos baixinhos, o rei do futebol, o rei da Música Popular Brasileira.

Os formadores de opinião usam as vítimas para que o sentimento de vingança se confunda com justiça. É isso o que estamos vendo, sede de vingança. De quem? De que? Por quê? Contra a favela que teima em descer para o asfalto, pois o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para China e Estados Unidos, países muito mais populosos. E como são nossos presídios? Superlotados de presos, de preconceitos, de armas, de drogas, de tortura. Estima-se que a reincidência dos egressos seja de cerca de 70%. Já no sistema socioeducativo, mesmo quando não está de acordo com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, esse índice é de cerca de 20%.

Além disso, a maior parte dos delitos praticados por adolescentes é contra o patrimônio. Apenas uma pequena parte é contra a vida (0,5% do total de homicídios). Portanto, esta panaceia em torno da redução da idade penal não se justifica, a não ser como vingança ou ataque da casa grande contra a senzala.

O que queremos é mais educação e menos punição. A batalha é pela liberdade e não pelo encarceramento. Em todos os sentidos: liberdade de ideias, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade de interagir. O que estamos presenciando nos últimos tempos é o fomento ao ódio, ao medo, à segregação, ao encarceramento.

A violência precisa ser combatida na raiz das suas causas, parafraseando uma campanha promovida pela Rede Nossa São Paulo. E uma das mais contundentes é o tráfico de drogas, que coloca, cotidianamente, um número incalculável de armas ilegais em circulação, que alicia crianças e adolescentes nos morros. A população usuária, que é bastante numerosa, faz vistas grossas às graves consequências geradas. E o Congresso se nega a discutir a descriminalização para derrocada do tráfico, pois trabalha na lógica do proibido, do encarceramento.

Combater desigualdades não é pauta, mas destruir diferenças, sim. Por isso, a lista de aberrações do nosso Parlamento só cresce. Portanto, nunca é ocioso dizer que os direitos são universais, interdependes e indivisíveis. E que, acima de tudo, não aceitamos retrocessos, pois o país está comprometido com tratados internacionais que sinalizam que é necessária a realização progressiva de direitos.

A cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional: o desafio da institucionalidade

Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc.

Nos últimos anos o Brasil tem se firmado no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. O país vive uma situação sui generis, pois é ao mesmo tempo receptor de ajuda externa e promotor de parcerias com outras nações do Sul. Tal posição lhe dá destaque como global player.

Ainda que o país apresente desempenho inferior em relação a outras nações emergentes em termos de alocação de recursos para a área, como China e Arábia Saudita, sua atuação gera interesse, em grande parte, devido às conquistas obtidas nos últimos anos: a consolidação da democracia desde a promulgação da Constituição de 1988, batizada de Constituição Cidadã; os avanços obtidos no campo da inclusão social; e o dinamismo da política externa, alicerçada na priorização das relações Sul-Sul e no fortalecimento do multilateralismo.

Tais fatores contribuem para tornar o país atrativo e “com moral” para celebrar parcerias com outros na promoção do progresso da humanidade. Internamente interessa ao governo investir nesse campo, pois o ajuda a consolidar-se como ator global. Também contribui para intensificar as relações multilaterais e bilaterais, para influir em fóruns internacionais e para reforçar blocos de países, especialmente do Sul, que buscam um novo equilíbrio das relações de poder no cenário internacional. Outros elementos relevantes desse recente protagonismo dizem respeito à necessidade de abrir novos mercados e de buscar oportunidades de investimento para o setor produtivo nacional.

Entretanto, apesar da atuação no Brasil nesse campo ser apreciada e cobiçada, o governo vem sofrendo críticas, tais como: falta de informações e ausência de transparência, descoordenação das ações, alcance limitado dos projetos de cooperação, exportação das contradições nacionais (como, por exemplo, a promoção da agricultura familiar e o estímulo à expansão do agronegócio), associação com agendas de interesses econômicos e comerciais em detrimento do efetivo desenvolvimento sustentável; baixa capacidade de ajustar-se às reais condições dos países parceiros, entre outras queixas.

Diante de tais fragilidades, urge avançar em propostas que possam progressivamente contribuir para desenhar uma política pública de cooperação para o desenvolvimento. Trata-se de tarefa difícil, pois não existem referências conhecidas. As que temos fazem parte do velho modelo de “ajuda” ou “assistência” cuja criação provém dos países do Norte após a Segunda Guerra Mundial, modelo este que se quer justamente mudar.

Mas, por ser algo novo, a tarefa é desafiante e instigante, uma vez que tudo está por ser construído. No nosso entendimento é preciso investir em três dimensões: uma inserção internacional pautada pela coerência, daí a importância de definir um conceito de cooperação que expresse a forma como o Brasil articula sua intervenção nos espaços bilaterais, plurilaterais e multilaterais; uma institucionalidade empoderada e flexível, isto é que conte com recursos adequados (humanos, financeiros, administrativos, entre outros) e que seja capaz de promover as múltiplas e inovadoras estratégias de cooperação existentes no Brasil; e uma política de cooperação para o desenvolvimento internacional transparente e participativa, ancorada no marco dos direitos humanos e contando com a ativa participação de organizações e movimentos da sociedade civil, tanto no desenho como no monitoramento e avaliação.

Este começo de governo é momento propício para por em marcha um processo de construção da política, inclusivo e participativo. Um primeiro passo seria a criação do Conselho Nacional de Política Externa (Conpeb), demanda antiga de organizações como a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e o Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), articulações das quais o Inesc é membro. Espera-se que a Presidenta Dilma Rousseff tenha a coragem e a ousadia necessárias para dar estatura à cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.

O Conselho de Transparência e controle social de Brasília

Cleomar Manhas, assessora política do Inesc

Em 2013, a partir de deliberação da Conferência sobre Transparência e Controle Social (CONSOCIAL), foi instalado o Conselho de Transparência e Controle Social do DF, com composição paritária, governo e sociedade, que atuou até final de 2014.

Durante o processo eleitoral, o então candidato, agora governador eleito, Rodrigo Rollemberg, afirmou em diversos fóruns que um de seus compromissos era instalar o Conselho de Transparência formado apenas por membros da sociedade civil. E mesmo sendo informado que o Conselho já existia e que um colegiado de políticas públicas paritário cumpre melhor o seu papel, o reinstalou da forma anunciada.

O que está registrado com relação ao fato de ser formado apenas por membros da sociedade é que o governo não fará ingerências, no entanto, é de competência exclusiva do governador indicar os integrantes do colegiado. Qual o debate que se estabelecerá em um espaço representado apenas por um lado? Se o espaço não se propõe a ser de mediação, qual o seu papel de fato?

Conselhos de políticas públicas, inspirados em conselhos populares formados pelo movimento social, passaram a ser realidade a partir da aprovação da Constituição de 1988, transformando-se em importantes espaços de trocas e deliberações acerca de políticas públicas sociais.

Entende-se que os conselhos são “espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais”[1]. O fato de serem espaços de compartilhamento entre representantes governamentais e representantes de organizações e movimentos da sociedade garante que o diálogo seja estabelecido e as decisões partilhadas.

A efetiva participação e influência dos conselhos nas decisões governamentais depende, para além da mobilização da sociedade, da vontade dos gestores em de fato valorizar a participação e respeitar as decisões dessas instâncias. Quanto mais democrática é a forma de escolha dos representantes e a construção do regimento interno dos conselhos, maior o poder de influenciar as decisões. Do contrário, quando o poder de escolha fica nas mãos do governante, ele pode indicar as instituições de acordo com convicções pessoais e não devido ao potencial de representatividade.

Os conselhos de políticas públicas no Brasil foram pensados como mecanismos de reconfiguração das relações entre Estado e sociedade. Ampliaram o poder de interação na esfera pública, sendo um espaço de interlocução, com poder decisório e poder de agenda.

Para que influenciem nas decisões políticas precisam ser constituídos com transparência, democraticamente. Especialmente neste caso, quando vão executar o controle social sobre a transparência das políticas governamentais. Precisam de autonomia, o que não é possível quando os critérios de escolha ficam a cargo apenas dos governantes em exercício.

É a interação entre os diversos atores que possibilita o debate que gerará medidas de interesse coletivo. Por isso, lamentamos: i) a descontinuidade de uma experiência ainda inicial, mas que teve um bom começo; ii) a implementação de um novo espaço que impossibilita o diálogo Estado/sociedade, já que é constituído apenas por um dos lados; iii) a escolha discricionária de seus membros.



[1] Aqui incorporando o pensamento de: TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

A Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional na Área de SAN

Manual de Formação em Orçamento e Direitos: Orçamento público para a promoção dos direitos humanos

Manual de Formação em Orçamento e Direitos

MPs 664 e 665 violam direitos humanos e ameaçam a coesão social

Por Nathalie Beghin, Coordenadora da Assessoria do Inesc.

 

 

A partir de 01 de março de 2015 entram em vigor três mecanismos implementados pelas medidas provisórias 664 e 665 – restrição do acesso ao seguro desemprego, às pensões e ao auxilio doença – que, mais uma vez, solapam, sem pudores, os direitos dos trabalhadores, especialmente daqueles que se encontram na base da pirâmide. Os demais mecanismos foram ou serão implementados em outras datas: a redução do abono salarial passou a vigorar em dezembro do ano passado e as restrições ao seguro defeso dos pescadores artesanais, em abril próximo[1].

O Inesc desenvolveu metodologia de análise de políticas públicas na perspectiva da realização dos direitos humanos[2], principio basilar da nossa constituição em vigor. Tal metodologia ancora-se em cinco pilares: (i) financiamento do Estado com justiça social; (ii) máximo dos recursos disponíveis, isto é, a obrigação do poder público em aplicar o máximo de verbas arrecadadas em políticas que promovam direitos humanos; (iii) realização progressiva dos direitos humanos, no sentido de que os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais devem, ano a ano, ser progressivamente realizados por meio de políticas universais e inclusivas; (iv) não discriminação, com ênfase nas desigualdades de gênero e étnico-raciais. As desigualdades e as discriminações existentes em nossas sociedades possibilitam que determinados grupos e populações historicamente discriminadas tenham mais dificuldades de acesso aos seus direitos; e, (v) a participação, que deve estar presente no desenho de todas as políticas, por ser antídoto contra a falta de transparência e por facilitar processos de controle social e maior democratização do processo de construção das políticas públicas.

O presente artigo busca mostrar, brevemente, que as medidas tomadas pelo governo federal não passam no teste, resultando em profundas violações de direitos, especialmente trabalhistas, mas também de gênero e raça.

Vejamos: no que se refere ao primeiro pilar, de financiamento do Estado com justiça social, as MPs em questão aprofundam a injustiça fiscal reinante no Brasil, pois buscam ajustar as contas públicas, num valor anunciado de R$ 18 bilhões, nas costas dos trabalhadores, mais uma vez. Nada é feito para que os ricos, cada vez mais ricos neste país[3], façam sua parte. Ao contrário, as pesquisas recentes mostram que as benesses fiscais concedidas ao setor empresarial têm crescido substancialmente, aprofundando a regressividade da carga tributária. Nos próximos dias, o Inesc lançará estudo que revela que as renuncias fiscais, conhecidas como gastos tributários, vêm subindo de forma considerável nos últimos anos. Cresceram cerca de duas vezes mais do que o orçamento da União entre os anos de 2011 e 2014. Com efeito, no referido período, o orçamento fiscal e da seguridade social aumentou, em termos reais, em 18%, enquanto os gastos tributários elevaram-se em 32%[4].

O segundo pilar, o de máximo de recursos disponíveis é igualmente fortemente violado, uma vez que ao invés de aumentá-los as medidas governamentais os diminui, em R$ 18 bilhões. Esses recursos, segundo o governo, procuram realizar economias que se destinam ao superávit primário, que por seu turno, irão encher os bolsos dos rentistas aumentando a desigualdade neste país, que já é uma das mais altas do mundo.

O terceiro pilar, o de realização progressiva dos direitos humanos, no sentido de que os mesmos devem, ano a ano, ser progressivamente expandidos por meio de políticas universais e inclusivas também não é atendido. Pior: sequer os direitos assegurados até então são mantidos, uma vez que os trabalhadores perdem, pois as novas regras resultam em retrocessos em termos de acesso a pensões, seguro-desemprego e abono salarial, entre outros[5]. Novamente, são os menos favorecidos os mais afetados, pois grande parte desses cortes irão atingir os trabalhadores da base da pirâmide.

As medidas provisórias 664 e 665 também não passam no teste do quarto pilar, o da não discriminação, especialmente de gênero e raça/etnia. Com efeito, é sabido que os salários mais baixos e os empregos mais precários[6], portanto, mais sujeitos a rotatividade no mercado de trabalho, são os de mulheres e negros. Assim, esses grupos populacionais serão os mais prejudicados por essas medidas, reproduzindo o sexismo e o racismo e, dessa feita, incrementando as desigualdades de gênero e raça.

Por fim, o quinto pilar, o da participação social, não foi atendido. O governo baixou as medidas sem ter efetuado qualquer consulta à sociedade e, principalmente, aos principais interessados, os sindicatos de trabalhadores. Não é por outra razão, que os mesmos se manifestaram publicamente, em janeiro de 2015, por meio de nota conjunta[7] repudiando as medidas. Também estão previstas manifestações em defesa dos direitos dos trabalhadores.

Não há nada que justifique tais medidas, que expressam enorme retrocesso social e violação de princípios constitucionais. E mais: as experiências internacionais têm mostrado que o ajuste fiscal apresenta resultados pífios. Recuperando a parábola do economista Paul Krugman, essas medidas se assemelham aos médicos que tratam seus doentes com uma sangria; depois, quando o paciente piora, por causa da sangria, eles sangram-no mais um pouco, e o doente piora ainda mais[8]. A culpa é dos doentes, claro, jamais dos médicos! As elites globalizantes conseguiram transformar a austeridade num credo e numa questão moral que agora chega ao Brasil, depois do país ter conseguido blindar por um bom tempo esse perverso tratamento. Concordando novamente com Paul Krugman, a austeridade é uma “ideia zumbi” ou uma “ideia barata”, que volta sempre, quando se julga que está morta. Tais medidas, além de ineficientes, contribuem para quebrar a coesão social, a confiança na democracia e minar os alicerces do futuro. Não foi neste projeto que a maior parte da população brasileira votou em outubro de 2014.



[1] No dia 30 de dezembro de 2014, o Governo Federal anunciou duas Medidas Provisórias (MPs), 664 e 665, que estipulam uma série de alterações nas regras do Seguro-Desemprego, Abono Salarial, Seguro-Defeso, Pensão por Morte, Auxílio-Doença e Auxílio-Reclusão. Tais medidas passam a entrar em vigor em 01 de março de 2015. Para uma análise mais detalhada das mesmas, ver nota do Dieese. Considerações sobre as medidas provisórias 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014. Dieese, Janeiro de 2015. Acesso em: http://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2015/subsidiosConsideracoesMPs664665.pdf

[2] A esse respeito ver: Inesc. Manual de Formação em Orçamento e Direitos. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2013. Disponível em: https://inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/metodologia-do-inesc/manual-de-formacao-em-orcamento-e-direitos-orcamento-publico-para-a-promocao-dos-direitos-humanos

[3] A este respeito ver os estudos de Medeiros et al, de 2014, que mostram que a desigualdade no Brasil é mais alta do que se imaginava e permanece estável desde, pelo menos, 2006. Estes estudos mostram, ainda, que os mais ricos se apropriam da maior parte do crescimento brasileiro. Ver, por exemplo: Medeiros et al. A estabilidade da desigualdade renda no Brasil, 2006 a 2012. Disponível em: http://iepecdg.com.br/uploads/artigos/SSRN-id2479685.pdf

[4] A esse respeito ver Evilásio Salvador. Os impactos das renuncias tributárias no financiamento das políticas sociais no Brasil. Inesc, fevereiro de 2015 (No prelo).

[5] A esse respeito ver excelente análise do Dieese. Considerações sobre as medidas provisórias 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014. Dieese, Janeiro de 2015. Acesso em: http://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2015/subsidiosConsideracoesMPs664665.pdf

[6] A esse respeito, ver estudos como:

[7] A esse respeito, ver Nota Unificada das Centrais Sindicais: Em defesa dos direitos e do emprego. Acesso em: http://www.cut.org.br/noticias/nota-unificada-das-centrais-sindicais-em-defesa-dos-direitos-e-do-emprego-bc04/

[8] A esse respeito, ver artigo de Paul Krugman. O sangramento enfraquece o paciente. 29/09/2011. Acesso em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/17341/o+sangramento+enfraquece+o+paciente.shtml

Catálogo “Eu te desafio a me amar”

Democracia em disputa: como a Casa Grande se renovou nas Eleições 2014

As Eleições 2014 foram emblemáticas: alguns dizem ser a mais disputada desde 1989, outros que se elegeu o Congresso mais conservador desde 1964. O fato é que foram eleições que sucederam importantes processos políticos e mudanças sociais: se, por um lado, o Brasil tem os melhores indicadores sociais de toda sua história, por outro, diversos setores da sociedade que já vinham reivindicando melhorias em serviços públicos e na qualidade de vida, mais transparência das instituições e respeito aos direitos humanos no campo e na cidade, foram às ruas em protestos no ano de 2013. Os movimentos por direitos dividiram as ruas com novas agendas e formas de organização, entidades de classes, e também com grupos neoconservadores.

O fato é que todos os interesses se organizaram durante o processo eleitoral, como ouvi nas palavras de uma ativista: “Julho estava em disputa”. Marina Silva não foi capaz de criar uma terceira via, e a polarização entre PSDB e PT se efetivou de maneira inédita, com rachas no PSB e no protopartido Rede Sustentabilidade. O candidato tucano buscou catalisar insatisfeitos, mas acabou trazendo consigo grupos da sociedade brasileira que se encontravam “dentro do armário”: aqueles que não suportam os direitos das domésticas, a transferência de renda para os pobres, a juventude negra nos shoppings, a democratização das universidades, o acesso generalizado aos aeroportos. A resposta foi uma mobilização social em rede, que se concentrou em disseminar os avanços dos governos petistas, mas salientando o “voto crítico” e a necessidade de abertura urgente de diálogo com a sociedade civil. A velha e hegemônica mídia se superou mais uma vez na postura “dois pesos, duas medidas”, cumprindo seu projeto de esvaziamento do debate público. O Brasil do Pré-Sal e dos BRICS virou o centro das atenções, e os interesses em jogo tornaram o cenário tenso e imprevisível.

Dilma ganhou as eleições. Mas o recado das forças econômicas e conservadoras se deu nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (“bancada da bala”) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988. Estamos em meados de novembro, e nenhum dos grupos ativos durante o período eleitoral se desmobilizou, muito antes pelo contrário – seguem realizando caminhadas, reuniões e articulações nas redes sociais.

Diversos institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil monitoraram o processo eleitoral, analisando diferentes aspectos. O Inesc, integrante da “comissão de frente” da Reforma Política, analisou o perfil das candidaturas com relação às variáveis sexo, raça/cor e idade, a fim de jogar luz sobre as desigualdades no Parlamento – principalmente considerando que pela primeira vez na história os candidatos tiveram que se auto-declarar quanto a sua raça/cor.

Abaixo, seguem os resultados deste estudo, bem como outras reflexões que sugerem como a democracia no Brasil ainda carrega o fantasma do colonialismo e suas relações de exploração, e como devemos compreender a “Eleição das Eleições” como um marco de disputa em torno de modelos civilizatórios, disputa esta que os partidos deixaram a reboque nos últimos anos.

Perfil do Poder

Em setembro deste ano, o Inesc apresentou análises sobre o perfil das candidaturas às Eleições 2014, no Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político. O evento contou com a participação de pesquisadores e de representantes de organizações e movimentos sociais (Ipea, Cfemea, Apib, AMNB, SOS Corpo, FNDC, LBL, OAB, e outros), onde foi discutido o perfil dos candidatos e candidatas no que se refere ao sexo, raça/cor e faixa etária, e como este perfil variou segundo estados e regiões do Brasil, bem como em relação aos partidos políticos. Entende-se que a representatividade é importante por diversos fatores: para garantir a participação dos diferentes segmentos da população nos espaços de poder, para combater o racismo e as desigualdades de gênero, e também para que todos os grupos se vejamnestes espaços e se sintam capazes de transformá-los.

Algumas previsões feitas naquele momento se cumpriram: as candidaturas de mulheres, negr@s, indígenas e jovens, quantitativamente menores, não tiveram sucesso na corrida eleitoral, revelando sub-representação em todos os níveis e cargos. Como apontado em recente artigo, para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%) do total de 513 deputados(as) eleito(as), ao passo que se elegeram 462 homens (90,1%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%) e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37%. Das mulheres eleitas, 11 se declararam negras  – 10 na Câmara e 1 no Senado –, o que representa apenas 2% do total.

Importante ressaltar que em setembro, antes do deferimento de todas as candidaturas, os partidos estavam cumprindo a cota de 30% de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97: porém, analisando agora a base de dados com as candidaturas válidas, os partidos chegaram a 28,7%, e além disso, estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral. Seguindo a tendência observada nas Eleições 2010, em que as mulheres candidatas representaram 22% e as eleitas 9,2% de um total de 567 cargos, houve corte entre as candidatas (28,7%) e o número efetivo de mulheres eleitas (10,37%).

A novidade é que o mesmo ocorreu com os negros e negras: como inferimos no momento da análise das candidaturas, a maioria das candidaturas destes segmentos não se elegeu. Dos 43,7% de candidaturas deferidas para todos os cargos até o dia das eleições, somente 24% se elegeram. Isso ocorre devido ao racismo, tanto institucional – no caso dos partidos não investirem nestas candidaturas, em detrimento de candidaturas de homens brancos –, quanto entre grupos ou indivíduos, uma vez que pode ocorrer discriminação racial no ato de escolha do candidato, ou seja, no voto.

No que diz respeito às candidaturas de jovens, eles representavam somente 6,8% do total de candidaturas para os cargos de Deputado Estadual e Federal (para Governo, Senado e Presidência, a idade mínima obrigatória é superior a 29 anos). Somente 3,9% se elegeram – embora representem 35,5% da população.

O resultado observado no Congresso Nacional se reflete nos Estados: nas candidaturas a governador somente 1 mulher foi eleita – 20 mulheres concorreram, contra 169 homens. Foram eleitas, ainda, 7 vice-governadoras.

No caso do cargo a deputado estadual, foram 73,43% brancos e 26,18% negros; indígenas e amarelos somaram 0,39%. As deputadas estaduais eleitas foram 11,1%. Das mulheres negras que se candidataram ao cargo de deputada estadual (2011), 35 se elegeram. Os estados que mais elegeram mulheres negras foram o Amapá (8), e a Bahia (5). O partido que mais elegeu negros em termos proporcionais foi o PCdoB (46,16% das candidaturas do PCdoB), mas em termos absolutos foi o PT (56 deputados estaduais negros eleitos). Elegeram-se, ainda, 2 indígenas para o cargo de deputado estadual – 83 se candidataram, 75 tiveram a candidatura deferida até a data da eleição.

Homens brancos, com idade entre 30 e 59 anos, seguem sendo a maioria esmagadora em todos os cargos e partidos políticos.

Burlando a ficha limpa e a Lei de Cotas de Gênero

Outro fator que revela esta persistência das forças tradicionais em permanecer no poder são as formas de burlar avanços na legislação eleitoral. Vejamos como dois artifícios identificados nestes pleitos expressam a força do patriarcado. O primeiro deles, com relação à ficha limpa, em que os candidatos “ficha suja” utilizaram familiares para “burlar” a lei e manter seus grupos no poder, lançando candidaturas de irmãos, filhos e esposas. O caso mais emblemático é o de Suely Campos (PP), única governadora eleita nestas eleições e primeira mulher eleita para este cargo em Roraima – ela teria se candidatado no lugar do marido ficha suja, Neudo Campos. No DF, José Roberto Arruda (PV), que teve a candidatura impugnada em setembro pelo TSE-DF, lançou Flávia Arruda, sua esposa, como vice da chapa de Frejat.

Outro exemplo do sexismo/machismo presente nos partidos são as candidaturas previamente impugnáveis de mulheres: na primeira parte da análise feita pelo Inesc, identificamos que 62 delas (0,8%) não tinham idade para concorrer aos cargos pleiteados, ou, seja, teriam suas candidaturas indeferidas em algum momento. Entre setembro e o dia das eleições, o número de mulheres candidatas caiu de 7598 para 6572 em outubro. Há relatos, também, de candidatas que não receberam nenhum voto, ou seja, não teriam recebido o próprio voto nas urnas. Estas situações podem revelar um artifício dos partidos para cumprir a cota de gênero, mas sem de fato empoderar as mulheres e garantir o acesso aos espaços de poder.

Democracia e pós-colonialismo à brasileira

Relações de parentesco contaminando a esfera pública, hegemonia de poder do homem branco em espaços de tomada de decisão e racismo institucional: as Eleições 2014 revelaram o potencial da “Casa Grande” em se renovar – não só como símbolo ou metáfora, mas como concretude das relações centro/margem, perpetuando privilégios de uns em detrimento da violação de direitos de outros. Essa “pós-colonialidade” à brasileira é caracterizada pela impermeabilidade das instituições públicas aos processos democráticos de fato.

O Brasil precisa promover profundas reformas – a do sistema político, mas também do judiciário e tributária: não podemos aceitar que em nosso país a justiça seja seletiva, contribuindo para a violação de direitos de indígenas, jovens negros e comunidade LGBT; nem tampouco que os pobres paguem mais impostos que os ricos. Precisamos, urgentemente, regular anossa mídia, para que as pessoas tenham informação de qualidade. Os mecanismos de participação social devem ser aperfeiçoados, efetivos. As ruas, ou ao menos uma grande parte das pessoas que ali estavam, pedem mais direitos, mais equidade social. Nossa democracia carece, portanto, de libertar-se.

Democracia em disputa: como a Casa Grande se renovou nas Eleições 2014

As Eleições 2014 foram emblemáticas: alguns dizem ser a mais disputada desde 1989, outros que se elegeu o Congresso mais conservador desde 1964. O fato é que foram eleições que sucederam importantes processos políticos e mudanças sociais: se, por um lado, o Brasil tem os melhores indicadores sociais de toda sua história, por outro, diversos setores da sociedade que já vinham reivindicando melhorias em serviços públicos e na qualidade de vida, mais transparência das instituições e respeito aos direitos humanos no campo e na cidade, foram às ruas em protestos no ano de 2013. Os movimentos por direitos dividiram as ruas com novas agendas e formas de organização, entidades de classes, e também com grupos neoconservadores.

O fato é que todos os interesses se organizaram durante o processo eleitoral, como ouvi nas palavras de uma ativista: “Julho estava em disputa”. Marina Silva não foi capaz de criar uma terceira via, e a polarização entre PSDB e PT se efetivou de maneira inédita, com rachas no PSB e no protopartido Rede Sustentabilidade. O candidato tucano buscou catalisar insatisfeitos, mas acabou trazendo consigo grupos da sociedade brasileira que se encontravam “dentro do armário”: aqueles que não suportam os direitos das domésticas, a transferência de renda para os pobres, a juventude negra nos shoppings, a democratização das universidades, o acesso generalizado aos aeroportos. A resposta foi uma mobilização social em rede, que se concentrou em disseminar os avanços dos governos petistas, mas salientando o “voto crítico” e a necessidade de abertura urgente de diálogo com a sociedade civil. A velha e hegemônica mídia se superou mais uma vez na postura “dois pesos, duas medidas”, cumprindo seu projeto de esvaziamento do debate público. O Brasil do Pré-Sal e dos BRICS virou o centro das atenções, e os interesses em jogo tornaram o cenário tenso e imprevisível.

Dilma ganhou as eleições. Mas o recado das forças econômicas e conservadoras se deu nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (“bancada da bala”) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988. Estamos em meados de novembro, e nenhum dos grupos ativos durante o período eleitoral se desmobilizou, muito antes pelo contrário – seguem realizando caminhadas, reuniões e articulações nas redes sociais.

Diversos institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil monitoraram o processo eleitoral, analisando diferentes aspectos. O Inesc, integrante da “comissão de frente” da Reforma Política, analisou o perfil das candidaturas com relação às variáveis sexo, raça/cor e idade, a fim de jogar luz sobre as desigualdades no Parlamento – principalmente considerando que pela primeira vez na história os candidatos tiveram que se auto-declarar quanto a sua raça/cor.

Abaixo, seguem os resultados deste estudo, bem como outras reflexões que sugerem como a democracia no Brasil ainda carrega o fantasma do colonialismo e suas relações de exploração, e como devemos compreender a “Eleição das Eleições” como um marco de disputa em torno de modelos civilizatórios, disputa esta que os partidos deixaram a reboque nos últimos anos.

Perfil do Poder

Em setembro deste ano, o Inesc apresentou análises sobre o perfil das candidaturas às Eleições 2014, no Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político. O evento contou com a participação de pesquisadores e de representantes de organizações e movimentos sociais (Ipea, Cfemea, Apib, AMNB, SOS Corpo, FNDC, LBL, OAB, e outros), onde foi discutido o perfil dos candidatos e candidatas no que se refere ao sexo, raça/cor e faixa etária, e como este perfil variou segundo estados e regiões do Brasil, bem como em relação aos partidos políticos. Entende-se que a representatividade é importante por diversos fatores: para garantir a participação dos diferentes segmentos da população nos espaços de poder, para combater o racismo e as desigualdades de gênero, e também para que todos os grupos se vejamnestes espaços e se sintam capazes de transformá-los.

Algumas previsões feitas naquele momento se cumpriram: as candidaturas de mulheres, negr@s, indígenas e jovens, quantitativamente menores, não tiveram sucesso na corrida eleitoral, revelando sub-representação em todos os níveis e cargos. Como apontado em recente artigo, para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%) do total de 513 deputados(as) eleito(as), ao passo que se elegeram 462 homens (90,1%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%) e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37%. Das mulheres eleitas, 11 se declararam negras  – 10 na Câmara e 1 no Senado –, o que representa apenas 2% do total.

Importante ressaltar que em setembro, antes do deferimento de todas as candidaturas, os partidos estavam cumprindo a cota de 30% de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97: porém, analisando agora a base de dados com as candidaturas válidas, os partidos chegaram a 28,7%, e além disso, estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral. Seguindo a tendência observada nas Eleições 2010, em que as mulheres candidatas representaram 22% e as eleitas 9,2% de um total de 567 cargos, houve corte entre as candidatas (28,7%) e o número efetivo de mulheres eleitas (10,37%).

A novidade é que o mesmo ocorreu com os negros e negras: como inferimos no momento da análise das candidaturas, a maioria das candidaturas destes segmentos não se elegeu. Dos 43,7% de candidaturas deferidas para todos os cargos até o dia das eleições, somente 24% se elegeram. Isso ocorre devido ao racismo, tanto institucional – no caso dos partidos não investirem nestas candidaturas, em detrimento de candidaturas de homens brancos –, quanto entre grupos ou indivíduos, uma vez que pode ocorrer discriminação racial no ato de escolha do candidato, ou seja, no voto.

No que diz respeito às candidaturas de jovens, eles representavam somente 6,8% do total de candidaturas para os cargos de Deputado Estadual e Federal (para Governo, Senado e Presidência, a idade mínima obrigatória é superior a 29 anos). Somente 3,9% se elegeram – embora representem 35,5% da população.

O resultado observado no Congresso Nacional se reflete nos Estados: nas candidaturas a governador somente 1 mulher foi eleita – 20 mulheres concorreram, contra 169 homens. Foram eleitas, ainda, 7 vice-governadoras.

No caso do cargo a deputado estadual, foram 73,43% brancos e 26,18% negros; indígenas e amarelos somaram 0,39%. As deputadas estaduais eleitas foram 11,1%. Das mulheres negras que se candidataram ao cargo de deputada estadual (2011), 35 se elegeram. Os estados que mais elegeram mulheres negras foram o Amapá (8), e a Bahia (5). O partido que mais elegeu negros em termos proporcionais foi o PCdoB (46,16% das candidaturas do PCdoB), mas em termos absolutos foi o PT (56 deputados estaduais negros eleitos). Elegeram-se, ainda, 2 indígenas para o cargo de deputado estadual – 83 se candidataram, 75 tiveram a candidatura deferida até a data da eleição.

Homens brancos, com idade entre 30 e 59 anos, seguem sendo a maioria esmagadora em todos os cargos e partidos políticos.

Burlando a ficha limpa e a Lei de Cotas de Gênero

Outro fator que revela esta persistência das forças tradicionais em permanecer no poder são as formas de burlar avanços na legislação eleitoral. Vejamos como dois artifícios identificados nestes pleitos expressam a força do patriarcado. O primeiro deles, com relação à ficha limpa, em que os candidatos “ficha suja” utilizaram familiares para “burlar” a lei e manter seus grupos no poder, lançando candidaturas de irmãos, filhos e esposas. O caso mais emblemático é o de Suely Campos (PP), única governadora eleita nestas eleições e primeira mulher eleita para este cargo em Roraima – ela teria se candidatado no lugar do marido ficha suja, Neudo Campos. No DF, José Roberto Arruda (PV), que teve a candidatura impugnada em setembro pelo TSE-DF, lançou Flávia Arruda, sua esposa, como vice da chapa de Frejat.

Outro exemplo do sexismo/machismo presente nos partidos são as candidaturas previamente impugnáveis de mulheres: na primeira parte da análise feita pelo Inesc, identificamos que 62 delas (0,8%) não tinham idade para concorrer aos cargos pleiteados, ou, seja, teriam suas candidaturas indeferidas em algum momento. Entre setembro e o dia das eleições, o número de mulheres candidatas caiu de 7598 para 6572 em outubro. Há relatos, também, de candidatas que não receberam nenhum voto, ou seja, não teriam recebido o próprio voto nas urnas. Estas situações podem revelar um artifício dos partidos para cumprir a cota de gênero, mas sem de fato empoderar as mulheres e garantir o acesso aos espaços de poder.

Democracia e pós-colonialismo à brasileira

Relações de parentesco contaminando a esfera pública, hegemonia de poder do homem branco em espaços de tomada de decisão e racismo institucional: as Eleições 2014 revelaram o potencial da “Casa Grande” em se renovar – não só como símbolo ou metáfora, mas como concretude das relações centro/margem, perpetuando privilégios de uns em detrimento da violação de direitos de outros. Essa “pós-colonialidade” à brasileira é caracterizada pela impermeabilidade das instituições públicas aos processos democráticos de fato.

O Brasil precisa promover profundas reformas – a do sistema político, mas também do judiciário e tributária: não podemos aceitar que em nosso país a justiça seja seletiva, contribuindo para a violação de direitos de indígenas, jovens negros e comunidade LGBT; nem tampouco que os pobres paguem mais impostos que os ricos. Precisamos, urgentemente, regular anossa mídia, para que as pessoas tenham informação de qualidade. Os mecanismos de participação social devem ser aperfeiçoados, efetivos. As ruas, ou ao menos uma grande parte das pessoas que ali estavam, pedem mais direitos, mais equidade social. Nossa democracia carece, portanto, de libertar-se.

Percepção na Estrutural: violência contra crianças, adolescentes e jovens

As eleições, o orçamento e a Redução da Idade Penal

Há eleitos que se dizem representantes das manifestações de junho, do anseio por mudanças, no entanto, são porta-vozes de políticas conservadoras, que, caso aprovadas, representarão graves retrocessos de direitos.

 

Em uma análise preliminar, já apresentada por outras organizações tal como o Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (DIAP), o novo (velho) Congresso Nacional eleito para a Legislatura 2015/2018 é um dos mais conservadores dos últimos tempos, apesar desse discurso de mudança e “inspirado” nas jornadas de junho de 2013. O que não se sabe é qual leitura fizeram dessas mobilizações e se há apenas uma leitura possível para isso.

 

 

 

A  segurança pública foi  uma das questões mais debatidas pelos/as diferentes candidatos/as, seja aos legislativos estaduais, seja à Presidência da República. No entanto, há algo digno de nota: vários desses candidatos elegeram a “idade penal” como  panaceia que resolverá todos os problemas de violência. Aproveitaram da falta de informação geral sobre o tema para angariar votos. E angariaram bastante, pois em vários e populosos estados os campeões de votos utilizaram a redução da idade penal como principal pauta de campanha. Com relação ao Congresso Nacional, não apenas eleitos para a Câmara Federal, mas ao Senado também. Destacam-se parlamentares mais votados de São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Santa Catarina, Roraima, dentre outros.

 

 

 

 

Mesmo jovens candidatos, agora  parlamentares, como é o caso dos senadores eleitos pelo Acre e pelo Distrito Federal, defendem esta pauta retrógrada, com base em dados não corroborados pelas pesquisas. A massificação de matérias veiculadas na grande mídia, defendendo a redução da idade penal, criou uma sensação de que a maior parte dos crimes é praticada por adolescentes. No entanto,  considerando a população total de adolescentes no Brasil, o percentual de adolescentes infratores é de 0,09% e se considerar a população como um todo esse percentual é de 0,01%. Computados todos os que estão em cumprimento de medidas socioeducativas, sejam de privação de liberdade, semiliberdade ou meio aberto. E a maioria dos atos é contra o patrimônio e não contra a vida, que representa um percentual mínimo entre os adolescentes infratores.

 

 

 

 

É preciso repetir que a inimputabilidade penal não significa impunidade, pois o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) faz dos/as adolescentes sujeitos de direitos e de responsabilidades, prevendo medidas socioeducativas até mesmo de privação de liberdade. No entanto, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) propõe que as medidas estejam adequadas à etapa de desenvolvimento de cada um/a e que seja de caráter educativo, para que esse/a adolescente possa ser ressocializado/a.  É necessário tratar as causas, e não os efeitos conforme apresentado ao debate nestas eleições, até mesmo por candidatos ao executivo federal.

 

 

 

Orçamento

O Sinase precisa ser fortalecido para que as medidas socioeducativas sejam aplicadas conforme estabelecido no ECA e respeitando os diretos humanos dos/as adolescentes. Para isso, o monitoramento de execução orçamentária é tarefa que o Sistema de Garantia de Direitos não pode deixar de realizar.

 

No Orçamento Federal, o Sinase está dentro do Programa 2062, Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, ação 14UF – Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes, que está inserida em três Planos Orçamentários (PO):

 

  • 0000- Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes – Despesas Diversas.
  • 0001- Brasil Protege – Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei.
  • 0003- Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Instalações de Conselhos Tutelares

 

 

 

Sua execução é efetivada tanto de forma direta (pela União) quanto descentralizada (Estados e Municípios). E o que foi liquidado até agora diz respeito às ações nacionais, no âmbito do Brasil Protege, e significa aproximadamente 20% do previsto. No entanto, dentro dos três PO, tanto o que é execução direta, quanto descentralizada, o total empenhado é de cerca de 60% do total previsto. O que significa que o processo foi iniciado, que há conveniamento, mas não se sabe se será liquidado ou se ficará como resto a pagar. Mas não podemos dizer que a execução é baixa.

 

 

 

De acordo com informação do órgão gestor, quase todo o recurso já esta comprometido, porém, estão aguardando o final do processo eleitoral para procederem aos devidos repasses, já que a legislação eleitoral impede que sejam assinados novos convênios no período. A informação é que do total de recursos, apenas 480 mil ainda não estavam comprometidos, mas acabam de sê-lo, pois são recursos destinados à formação de agentes do Sistema de Garantia de Direitos e serão destinados às organizações que se submeteram aos editais da Secretaria.

 

 

 

No entanto, vale lembrar que, com relação aos 40% ainda não empenhados, as informação de que estão comprometidos não estão disponíveis no Siga ou Siop[2], mas por informação do órgão gestor. No Distrito Federal, por exemplo, o previsto foi 100% empenhado, mas ainda não liquidado,  e é sabido que novas unidades de internação foram construídas.

 

 

O desafio não e a criação de mais vagas no sistema de internação, mas sim priorizar a universalização das medidas em meio aberto, com a qualificação dos responsáveis. Além da regulamentação por parte dos estados e da União da carreira socioeducativa. Hoje existe um projeto de lei em tramitação no Congresso sobre isso. A realidade atual é que cada ente federado trata esses profissionais de uma forma diferente, sendo que muitos têm perfil policial, o que não está de acordo com o Sinase. Ademais, a legislação ainda é nova, foi aprovada em 2012,  e não provocou mudanças culturais necessárias ao seu bom desenvolvimento, visto que o Sistema precisa ser reordenado de acordo com o previsto na Lei.

 

 

 

Além da desinformação acerca das estatísticas sobre adolescentes infratores, que conforme já dito são em pequeno número, é necessário que se diga que, ao contrário, o número de adolescentes e jovens, especialmente negros, assassinados, até mesmo pelas polícias, é uma enormidade, a ser verificado pelo Mapa da Violência,  e a grita contra essa terrível injustiça é infinitamente menor que a grita pela redução da idade penal. Alguém deve estar lucrando com isso.

 

 

Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), lançado no último sábado na Cidade Estrutural, inicia campanha “Seradolescente não pode ser crime no Brasil: Diga não a redução da maioridade penal”.


[1] Assessora política do Inesc.

[2] Siga Brasil é sistema de acompanhamento do Orçamento Federal disponibilizado pelo Senado Federal e SIOP é o sistema disponibilizado pelo Governo Federal, Ministério do Planejamento.

Congresso Nacional permanecerá desigual nos próximos 4 anos

Os resultados do 1º turno das Eleições 2014 infelizmente demonstram que o Brasil não avançou na equidade e representatividade na política. Negros(as), mulheres, indígenas e jovens continuarão sub-representados nos próximos 4 anos no Congresso Nacional. Importante ressaltar que, pela primeira vez na história, o Brasil tem o dado oficial do perfil racial do Parlamento, informação que pode passar a impactar o debate sobre democratização do processo eleitoral e acesso aos espaços de poder de grupos historicamente excluídos da vida política.

Os dados são desanimadores: para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%), ao passo que se elegeram 462 homens (90,10%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%)  e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37% – em 2010 foram 9,2% de um total de 567 cargos. Das mulheres eleitas, 12 se declararam negras, 11 na Câmara e 1 no Senado. Importante ressaltar que pela primeira vez na história os partidos conseguiram cumprir a cota de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97, mas os dados demonstram que estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral.

Os Estados que tiveram maior número de mulheres eleitas foram São Paulo e Rio de Janeiro, que elegeram 6 mulheres cada, seguidos de Minas Gerais, com 5 mulheres eleitas. Espírito Santo, Paraíba, Mato Grosso e Rio Grande do Sul não elegeram nenhuma mulher para a Câmara dos Deputados federal. Quanto aos partidos políticos, os que mais elegeram mulheres foram o PT (8 Deputadas Federais e 1 Senadora) e o PMDB (7 Deputadas Federais e 3 Senadoras), seguidos do PSB e PSDB com 5 Deputadas Federais cada.

No que diz respeito à questão da auto-declaração quanto ao quesito raça/cor, nenhum indígena foi eleito para o Parlamento Federal. Quanto aos negros, foram eleitos para a Câmara 106 candidatos que se auto-declararam negros (somatória de pretos+pardos), representando 20,7% do total: os brancos foram 407 (79,3%). No Senado, foram eleitos 5 negros e 22 brancos. A composição total do Congresso Nacional, portanto, é de 20,5% de negros e 79,5% de brancos. Considerando que a população negra no Brasil representa 52% da população, podemos dizer que o Legislativo não reflete, mais uma vez, a composição étnico-racial da sociedade. O partido político que elegeu mais negros foi o PT (18 Deputados), seguido do PSB (10) e PRB (10). No Senado, os 5 negros eleitos pertencem aos partidos PT, PSB, PP, PDT e DEM.

Quanto à idade dos candidatos eleitos, 4,3% tem menos de 29 anos, significando que os jovens também seguiram sub-representados, já que entre as candidaturas representavam 6,8% do total (considerando todos os cargos), e 6,4% concorrendo para Câmara e Senado.

Em outubro de 2014, o Inesc realizou o Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político, onde apresentou os dados com relação ao perfil dos candidatos e candidatas às Eleições 2014, considerando as variáveis sexo, raça/cor e idade, em relação com a distribuição regional e partidos políticos. À época, os dados demonstraram que as candidaturas continuavam a refletir desigualdades intrínsecas da sociedade brasileira com relação às relações de gênero e étnico-raciais, assim como geracional. O resultado das eleições demonstra que, na corrida eleitoral, isso se agrava, e equidade ficou comprometida.

Isso pode ser explicado por um conjunto de fatores que interferem no voto: desde o financiamento privado de campanhas, que geralmente são canalizados para candidatos homens, brancos, com maior poder aquisitivo e que acabam por ter mais tempo de exposição na mídia; até a própria discriminação do eleitor em relação a determinados perfis, dado que ainda não superamos o racismo e o sexismo em nossa sociedade.

Os dados quanto ao perfil das candidaturas devem ser alvo de reflexão pela sociedade. Um primeiro passo, deve ser pensado como realizar um ajuste imediato no processo eleitoral, visando a promoção da equidade de gênero e raça, por exemplo estabelecendo cotas para negros e negras nos partidos. A longo prazo, a Reforma do Sistema Político deve ser discutida de forma ampla e democrática, a fim de que a própria estrutura do sistema político seja aperfeiçoada, alterando critérios para composição partidária, o formato das campanhas e as regras para votação: destaca-se o urgente e necessário fim do financiamento privado de campanha, hoje, o fator que mais promove desigualdades no Parlamento, e que também é um aspecto que gera a corrupção generalizada nos partidos.

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