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Orçamento temático – orientações para implementação

Este guia contém as Orientações para a Implementação do Orçamento Temático, ferramenta do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) de monitoramento do orçamento público, que considera aspectos específicos na abordagem, como a perspectiva dos sujeitos de direitos, os direitos humanos e a interseção de políticas públicas.

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Política Socioambiental do BNDES: Presente e Futuro

O Inesc lançou nesta terça-feira (10/11) em Brasília (DF) o livro Política Socioambiental do BNDES: Presente e Futuro, em parceria com outras seis organizações da sociedade civil – International Rivers, Ibase, Instituto Socioambiental (ISA), Conectas, Ecoa e DAR – Peru -, que se propõe a oferecer subsídios para ampliar e aprofundar o debate público sobre o papel do banco no desenvolvimento que incorpore todas as dimensões sociais, ambientais e econômicas.

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Sistema agroalimentar que produz sociedades doentes precisa acabar

Começou hoje, em Brasília, a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Este evento, que se estende até o dia 06 de novembro, reúne mais de 2 mil participantes, oriundos de todas as partes do Brasil. São cerca de 1.600 delegados aos quais se somam em torno de 400 convidados. Os delegados, da sociedade civil e do governo, foram eleitos em conferências municipais, territoriais e estaduais que foram realizadas previamente, entre os meses de julho e outubro deste ano.

É importante destacar o reconhecimento da diversidade da população brasileira que o Consea promove. Com efeito, por meio do sistema de quotas, no mínimo 30% dos delegados e delegadas da sociedade civil são representantes de povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, povos tradicionais de matriz africana, povos de terreiro e negros. Essa diversidade, racial e étnica, bem como de gênero – a presença das mulheres é expressiva, senão majoritária – confere grande legitimidade as propostas que serão aprovadas ao longo dos quatro dias do encontro.

O lema da Conferência, “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”, sintetiza a maturidade das discussões que vêm ocorrendo desde a primeira Conferência realizada há mais de 20 anos, também em Brasília, em 1994. De lá para cá avançamos – e o Inesc faz parte desta história, pois estava presente naquela ocasião – na compreensão do que signifique a promoção da segurança alimentar e nutricional. Saímos de uma visão hegemônica do final dos anos de 1980 centrada na produção para uma compreensão mais holística, que incorporou as dimensões alimentar nutricional. Hoje entendemos que a soberania e a segurança alimentar, articuladas em torno do direito humano à alimentação adequada, resultam no consumo de alimentos saudáveis, variados, in natura ou minimamente processados, provenientes de sistemas de produção socioambientalmente sustentáveis porque agroecológicos e respeitadores das culturas e tradições alimentares dos diversos povos que habitam o Brasil e o mundo.

O que estamos dizendo com isso, é que não aceitamos mais um sistema alimentar que promove doenças que levam a morte como desnutrição, obesidade, diabetes, hipertensão, contaminações por veneno (1) e determinados tipos de cânceres, entre outras. Essas doenças decorrem de modelos agrícolas baseados em monocultura de larga escala, com uso intensivo de agrotóxicos, sementes transgênicas e antibióticos. Decorrem ainda de processos de transformação e comercialização de produtos, chamados de ultraprocessados (2), que pouco ou nada têm a ver com alimentos: são mercadorias com alta concentração de sais, açúcar e gorduras e substâncias químicas como conservantes, estabilizantes, flavorizantes e corantes que fazem mal a saúde das pessoas.

E mais: esse sistema perverso está na mão de algumas poucas transnacionais que controlam toda a cadeia global, da produção ao consumo. Seu poder econômico é tamanho que influencia governos, tanto Estados nacionais como o Sistema ONU, impedindo seu controle e regulação (3). Convence a maioria que só ele é capaz de produzir alimentos em quantidade suficiente para o planeta. O que é uma grande mentira, pois até hoje não somente não conseguimos eliminar a fome no mundo – 800 milhões de pessoas são desnutridas segundo a FAO – como agora o planeta convive com mais de dois bilhões de pessoas com sobrepeso e obesidade. Como se não bastasse, nossos recursos naturais estão se esgotando e a temperatura aumentando para níveis alarmantes. Esse sistema agroalimentar que produz sociedades doentes precisa acabar.

Daí que durante quatro dias iremos discutir coletivamente ideias e propostas que possam apresentar alternativas e subsidiar o governo federal para a elaboração do II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Propostas que promovam vida, que respeitem e realizem o direito humano a alimentação adequada, que possibilitem a transição para um modelo de produção agropecuária nos moldes agroecológicos inclusive nas cidades, que valorize nossa biodiversidade e nossas culturas alimentares e medicinais, que promova igualdade racial, étnica e de gênero e que resgate a criatividade dos nossos jovens. Muitos dirão que soa romântico e nós respondemos que é um apelo para a sobrevivência da nossa espécie!

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(1) O Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos, cabendo a cada brasileiro o consumo médio de 5,2 litros de veneno agrícola por ano.

(2) Exemplos de ultraprocessados: pães, biscoitos, bolos, sorvetes, chocolates, barras de cereal, refrigerantes, pratos pré-preparados (aqueles congelados de supermercado), hambúrgueres, produtos enlatados, sopas prontas, requeijão, margarina, embutidos e muitos outros. Eles passam por tantos processos químicos que perdem as características básicas de um alimento.

(3) Segundo a Oxfam, no mundo, pessoas bebem mais de 4 mil xícaras de Nescafé a cada segundo e consomem produtos da Coca-Cola 1,7 bilhão de vezes por dia. Três empresas controlam 40% do mercado mundial de cacau e a Nestlé declarou, em 2010, receita maior do que o PIB da Guatemala ou do Iêmen. As “10 Grandes” – Associated British Foods (ABF), Coca-Cola, Danone, General Mills, Kellogg, Mars, Mondelez International (antes Kraft Foods), Nestlé, PepsiCo e Unilever – geram receitas de mais de US$1,1 bilhão por dia e empregam milhões de pessoas direta ou indiretamente no cultivo, processamento, distribuição e venda de seus produtos. Hoje, essas empresas são parte de uma indústria avaliada em US$ 7 trilhões, maior até do que o setor energético e representando cerca de 10% da economia global. Para maiores informações, ver aqui.

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ONU deveria adotar como padrão o modelo inclusivo e participativo de seu Comitê de Segurança Alimentar

Las organizaciones y movilizaciones sociales – Informe sobre democracia y desarrollo en América Latina 2012-2013

La Asociación Latinoamericana de Organizaciones de Promoción al Desarrollo – ALOP presenta su Informe 2012-2013 sobre Democracia y Desarrollo en América Latina (IDD): Las organizaciones y movilizaciones sociales por la defensa de los recursos y bienes naturales. Un desafío para la democracia y el desarrollo en América Latina.

El IDD pretende contribuir a la producción de conocimientos, al análisis de la realidad y la formulación de propuestas, aportando así al fortalecimiento y articulación de actores colectivos comprometidos con la ampliación de la democracia y con la construcción de un desarrollo humano y sostenible1.

Con el tema que motiva este informe, ALOP busca contribuir a un mejor conocimiento y discusión pública sobre las demandas, acciones y propuestas de los movimientos y organizaciones sociales por la defensa de los recursos naturales en el marco de la democracia y el desarrollo en América Latina, identificando la agenda principal- común y las estrategias o mediaciones, en el contexto de la defensa de los derechos humanos en su perspectiva integral.

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ONU deveria adotar como padrão o modelo inclusivo e participativo de seu Comitê de Segurança Alimentar

Na semana de 12 de outubro foi realizada em Roma a 42ª reunião do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas – CSA/ONU. O Comitê existe desde os anos de 1970 mas, em 2009, em decorrência da severa crise mundial de alimentos que jogou para debaixo da linha de desnutrição milhões de pessoas no mundo, passou por um profundo processo de reforma. O Brasil teve papel de destaque nessa transformação e o Consea serviu de inspiração para o modelo inédito do Comitê da ONU.

A nova institucionalidade precisava ser mais efetiva e, para tal, era necessária que fosse inclusiva e participativa. O órgão máximo é o Pleno de governos – atualmente cerca de 130 países aderiram ao CSA – que se reúne uma vez por ano, em Roma, na semana em volta do Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro. O braço executivo do Pleno é o Bureau composto por 13 representantes governamentais que se apoia nas informações produzidas por dois órgãos: o Grupo Assessor integrado por agências das Nações Unidas, especialmente as chamadas três irmãs de Roma – FAO, PMA e FIDA que financiam grande parte das atividades do CSA –, instituições financeiras internacionais, órgãos de pesquisas, fundações filantrópicas, setor empresarial e organizações e movimentos sociais; e o Painel de Especialistas de Alto Nível (HLPE, na sua sigla em inglês). Até recentemente, Renato Maluf, Professor do CPDA/UFRRJ e ex-Presidente do Consea era membro do Comitê Executivo do Painel, o que revela os laços estreitos mantidos entre o Conselho brasileiro e o Comitê global desde sua reforma.

O mandato do CSA é o de: coordenar uma visão global da segurança alimentar e nutricional, promover convergência das ações em âmbitos nacional, regional e global, apoiar países e regiões, prestar contas e intercambiar boas práticas, desenvolver um marco estratégico que seja inclusivo e participativo.

Nesse contexto, foi criado como parte integrante do CSA o Mecanismo da Sociedade Civil (MSC/CSA), que tem poder de voz, que se faz representar no Grupo Assessor e que tem a palavra nas sessões plenárias. O Mecanismo é integrado por mais de 40 pessoas que representam organizações e movimentos das pessoas mais afetadas pela insegurança alimentar: camponeses, pescadores artesanais, trabalhadores da agricultura, consumidores, mulheres, jovens, pastorialistas, povos indígenas, pobres urbanos e sem terra, entre outros segmentos. Além desses grupos populacionais, chamados de constituencies, existe representação regional de modo que as vozes de todas as partes do planeta sejam ouvidas. Os integrantes do Comitê Coordenador do Mecanismo são eleitos pelas suas respectivas bases e regiões. Na nossa região, a institucionalidade interlocutora do Mecanismo é a Aliança pela Soberania Alimentar dos Povos da América Latina. O MSC é composto por distintos grupos de trabalho que se reúnem presencialmente e virtualmente ao longo do ano para elaborar seus conteúdos e construir suas estratégias de luta e incidência junto ao CSA.

Biraj Patnaik, da Campanha Contra a Fome da Índia

Além do MSC existe também órgão semelhante do Setor Privado que participa do Grupo Assessor e das Plenárias.

Desde a Reforma do CSA em 2009, vários temas foram abordados e merece destaque a elaboração participativa das Diretrizes Voluntárias para uma Gestão Responsável da Posse da Terra, Pescas e Florestas. Tais Diretrizes descrevem os princípios e práticas que os governos e outros atores podem implementar quanto à administração do direito sobre terras, pesca e florestas, de modo a servir melhor os interesses das populações e promover a segurança alimentar e nutricional e o desenvolvimento agrário. Outros assuntos vêm sendo abordados como princípios para investimentos responsáveis, segurança alimentar para proteção social, segurança alimentar e mudanças climáticas, perdas e desperdícios de alimentos, segurança alimentar em crises prolongadas, pesca e aquicultura, água e nutrição. Nesta 42ª Plenária foi eleita nova Presidente do CSA, Amira Gornass, do Sudão.

O Mecanismo da Sociedade Civil se reúne no final de semana anterior ao início das plenárias do Comitê para preparar suas intervenções bem como suas estratégias de incidência. Além dos integrantes do Mecanismo também participam desse evento organizações e movimentos interessados no tema. É o caso do Consea que vem atuando ativamente desde a reforma do Comitê. Este ano não foi diferente e, como em outras ocasiões, o Inesc representou o Conselho. Em 2015 participaram do Fórum da sociedade civil cerca de 250 organizações e movimentos sociais de todos os cantos do mundo.

Amira Gornass, do Sudão é a nova Presidente do CSA com mandato de dois anos.

Em geral há uma avaliação por parte das organizações e movimentos sociais de que o CSA é efetivamente um espaço inclusivo e participativo. Não se entende porque esse modelo legítimo e bem-sucedido não é implementado em outras negociações das Nações Unidas como clima, biodiversidade, sustentabilidade e, mais recentemente, a agenda Pós-2015 e o financiamento para o desenvolvimento, entre outras. No entanto, apesar desse reconhecimento, várias preocupações permeiam os debates. Entre elas pode-se mencionar o recuo em relação a agenda dos direitos humanos. A obrigação de os Estados respeitarem, protegerem e promoverem os direitos é substituída por uma linguagem mais neutra, como “empoderamento”, “parcerias”, “plataformas de múltiplas partes interessadas”, “acesso a mercados”, “necessidades das pessoas”. Esse esvaziamento da agenda de direitos é simultâneo, e não por acaso, ao progressivo crescimento do poder e da atuação do setor privado por meio de suas transnacionais, de redes empresariais e de fundações filantrópicas. A situação se agrava frente ao déficit orçamentário de CSA que, no momento, é da ordem de U$ 5 milhões. A Fundação Gates aportou recursos e com isso certamente acaba influenciando a agenda para o lado que lhe interessa, que é o da Revolução Verde e da “medicalização” da nutrição, entre outros temas. Esse poder cada vez maior das corporações e suas articulações (i.e, Scaling Up Nutrition, Climate Smart Agriculture, Agricultura Sensível à Nutrição) não somente dificulta a inserção na agenda do CSA de questões caras à sociedade como agroecologia, direitos das mulheres, direito à terra como despolitiza o debate sobre as reais causas da alimentação inadequada. Ademais, contribui para fortalecer a lógica de mercado e enfraquecer o papel do Estado.

O Mecanismo da Sociedade Civil do CSA é um espaço de resistência que precisa ser fortalecido por aqueles, governo e sociedade, que acreditam que um “outro mundo é possível”. E mais: esse modelo global de participação social institucionalizada deve ser levado para outros campos do multilateralismo, regionais e internacionais, porque vem mostrando que é inclusivo e legitimo. O Brasil tem papel importante a desempenhar nessa área. Ele esteve por detrás da reforma do Comité e continua sendo ator central nas negociações, na defesa dos direitos humanos. Além de aprofundar essa linha no CSA, tem obrigação de levar alhures esse mecanismo que permite por mais sociedade no Estado.

O interesse corporativo acima da vida das pessoas e dos bens comuns

qPublicado no site Carta Maior.

Na última intersseccional de Bonn, em setembro, os co-presidentes do Grupo de Trabalho Especial sobre a Plataforma de Durban para uma Ação Reforçada (ADP sigla em inglês) apresentaram uma proposta para tentar resolver o impasse nas negociações. Juntaram num primeiro grupo de questões os temas com grande potencial de acordo; num segundo grupo, umas tantas questões que ainda estão pendentes de decisão; e num terceiro grupo as questões que não entrarão no acordo porque exigirão mais negociação ao longo do tempo, e não serão sequer incluídas em nenhum outra parte do acordo, nem como anexo.

O que sobrou como temas passíveis de acordo é muito pouco. Cortes de emissões voluntárias e mecanismos de flexibilização se mantém dentro de uma visão de mercado de carbono e soluções calcadas em novas tecnologias. Muito aquém daquilo que se espera dos governos e empresas para a transição à um mundo sustentável.

Já esta em curso um documento não-oficial a ser apresentada na próxima intersseccional  que é o rascunho do possível texto de acordo de Paris. Além disso, já existe uma avaliação prévia das Contribuições Previstas e Determinadas Nacionalmente (INDCs sigla em inglês). Estas se referem às metas voluntárias de corte de emissão que os países farão até 2030.

O  Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC sigla em inglês) mostrou claramente sua apreensão. O quarto informe de 2007 nos alerta que se não houver mudanças drásticas nas emissões produzidas pela humanidade estaremos passando por sérios riscos de grandes impactos ambientais e humanos decorrentes da mudança climática. Daí a recomendação de cortes de emissão para manter o aquecimento do planeta abaixo dos 2º centígrados até o ano 2020. Essa avaliação foi reiterada em 2015 no quinto Informe do IPCC.

Apesar dos clamores do mundo científico, existe pouca vontade política e/ou pouca capacidade política dos governos em efetivar um acordo mais ambicioso. Na verdade, tudo aquilo que foi originalmente acordado na Rio 92, no Rio de Janeiro, foi suavizado e substituído por metas meramente voluntárias. E essa situação está diretamente vinculada ao fato de que quem está, de fato, decidindo neste âmbito são as grandes empresas orientadas por seus interesses corporativos.

A participação das grandes empresas extrativistas, entre outras dos setores produtivos e financeiros, acabaram moldando todos os conteúdos às suas necessidade empresariais.

Desta forma, o documento, em vez de apresentar medidas mais radicais para eliminação da matriz energética baseada em combustíveis fósseis, por exemplo, apresenta uma linguagem amenizada.  Os governos estão sendo chamados a  eliminar ou reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis, mas tudo muito fraco. Em recente fala pública, a presidente Dilma reafirmou o uso de hidrelétricas e combustíveis fósseis na matriz energética brasileira, que ao contrário do que se espera, aposta a realização de políticas públicas nas explorações do Pré-sal e nas grandes obras. 

Outro tema que deverá estar no menu do acordo se refere ao mecanismos de mercado, baseados na venda de carbono, como solução para redução de emissões de gases de efeito estufa. Esta visão acaba funcionando como um escape ao que tinha sido previamente acordado no Protocolo de Quioto. Os países ricos podem compensar suas emissões com estes mecanismos de mercado. O mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD ) é parte deste tipo de soluções. O governo brasileiro recentemente também declarou que poderá embarcar na integralidade nesta proposta, pois ainda que fosse um dos proponentes ainda defende a não participação do mercado. Mas, essa defesa original parece em risco.

O Banco Mundial e empresas transnacionais aliados à Aliança Global para Agricultura Inteligente estão jogando toda as suas fichas neste acordo exatamente porque, da maneira em que esta sendo desenhado, cabe perfeitamente na sua visão estratégica de crescimento do setor do agronegócio em todo mundo, que é obviamente a expansão de seus negócios e lucros numa roupagem “sustentável”. Fica assim bastante evidente o interesse do agronegócio brasileiro com o acordo dentro deste novo marco de propostas.

O que está por detrás disso são as sementes transgênicas, os monopólios das empresas produtoras de agrotóxicos, e um sistema de plantação extensiva que, prejudica a terra, expulsa os povos de seus territórios (indígenas, camponeses da agroecologia, povos da floresta), envenena o meio ambiente e não produz emprego, entre outros fatores. 

É interessante notar que o cenário que se desenha no âmbito da COP21 também está  se dando em outros espaços da governança global. Os debates e decisões tomadas na Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030 (ODSs) recém lançada pela ONU em Nova Iorque, e a fracassada Conferência sobre financiamento ao desenvolvimento, realizada em julho em Adis Abeba (Etiópia) estão interconectados. 

A captura corporativa destes espaços, formatando e desenhando as políticas conforme seus interesses, a dependência da ONU dos financiamentos privados ou de fundos específicos não públicos, acabam por delinear um outro tipo de governança e outras  prioridades. A idéia do interesse público, fundado na defesa dos bens comuns e no desenho de políticas públicas de efetivação dos direitos são contaminados por interesses meramente corporativos. O estados nacionais acabam abrindo mão de seu papel regular e mediador para ser um ator a mais numa nova configuração, longe de um aprofundamento democrático, aberto e participativo.

O Plano Plurianual do governo federal dialoga com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável?

O governo brasileiro diz ter participado ativamente da construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o qual resultou na definição de 17 Objetivos e 169 metas, envolvendo temáticas diversificadas, como erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura e industrialização, governança, e meios de implementação.

Mas em que medida esta participação influenciou a visão de médio prazo do governo por meio da sua proposta de Plano Plurianual (PPA 2016-2019) que acaba de ser enviada ao Congresso Nacional (PL nº 06/2015-CN)?

Se olharmos os objetivos e os indicadores dos ODSs, veremos que trazem compromissos e desafios que não encontram o devido respaldo na principal, e pouco efetiva, peça de planejamento de médio prazo do governo brasileiro que é o PPA que está agora em tramitação no Congresso Nacional (PL nº 06/2015-CN).

Em uma primeira leitura do PPA com a lente dos ODSs, pontuamos que tanto as propostas saídas dos ministérios setoriais do governo, quanto aquela formatada como posição de governo no âmbito do Ministério do Planejamento e da Secretaria Geral da Presidência, apenas indiretamente e muito tangencialmente dialogam com os objetivos e indicadores estabelecidos nos ODSs.

Ao que nos parece, estes dois processos seguiram cursos paralelos. Uma boa mostra disto é a ausência explícita do esforço de construção e implementação dos ODSs na estrutura no PPA. A visão estratégica do PPA que é parte da mensagem presidencial do Projeto de Lei enviado ao Congresso não faz referência alguma a este importante esforço internacional de construção dos ODSs que, para ser efetivado, dependerá da capacidade de planejamento e implementação de políticas de médio e longo prazo.

Além disto, infelizmente, sequer houve um esforço governamental significativo de promoção de diálogos e concertação de visões e interesses inter e intra setorial no governo o que seria essencial para que os ODS estivessem mais bem refletidos no PPA.

Por exemplo, o Ministério de Minas e Energia não dialogou com o Ministério do Meio Ambiente ou/e com a Funai para pensar como o planejamento da oferta de energia e a diversificação da matriz energética poderiam caminhar na direção de garantir um desenvolvimento de fato sustentável, o que não acontece hoje com a sobreposição de conflitos e violações derivadas do avanço de projetos hidrelétricas na Amazônia.

É claro que alguns dos objetivos e metas dos ODSs apresentam uma formulação próxima àquelas já utilizadas nas nossas políticas públicas e no PPA (por exemplo: acabar com a pobreza, com a fome, assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade). Mas esta correspondência parece ser fruto do trabalho do governo brasileiro de colocar lá nos ODS alguns dos esforços já em curso independente deste compromisso internacional.

Assim, a despeito de evidenciar alguns temas e desafios similares, o PPA não parece ter tido sua estrutura de prioridades, metas e indicadores influenciada pelo conjunto dos objetivos e indicadores dos ODSs. Além disto, a busca desta correspondência não nos parece ser uma tarefa fácil daqui para frente.

Vale lembrar que cogitou-se no espaço participativo da construção do PPA a construção de uma agenda temática do PPA que espelhasse os compromissos assumidos no âmbito do ODS. Mas é importante registrar que tanto esta possível agenda temática (com todos seus limites) quanto as demais agendas temáticas cogitadas padecerão de consistência se não houver um compromisso mais efetivo de diálogo e coordenação intersetorial dentro do governo, se o sistema de monitoramento e prestação de contas destas agendas e compromissos (que ainda não saiu do papel) sair do marco do discurso e ganhar concretude e, acima de tudo, se todo este esforço não for comprometido diante do atual quadro de crise econômica e política.

O único compromisso expresso pelo governo brasileiro foi lançado pela Ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, em Nova Iorque, durante a Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, no dia 25 de setembro. Está planejada uma Conferência Nacional sobre os ODS no segundo semestre de 2016, do corrente ano.

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Nova Agenda da ONU para desenvolvimento sustentável frustra sociedade civil

Por um Orçamento da Mobilidade Urbana transparente e acessível

Estamos abrindo a Semana da Mobilidade e temos mais um Dia Mundial Sem Carro, datas significativas que dão visibilidade a questões que vêm cada vez mais ganhando as ruas, especialmente a partir das manifestações de 2013 iniciadas pelo Movimento Passe Livre em defesa do direito ao transporte. Aproveitando o momento, estamos lançando para a população o Orçamento Temático da Mobilidade Urbana, uma parceria do Inesc com o Movimento Nossa Brasília.

Setembro é tempo de manifestação em favor da mobilidade e do direito à cidade, que segundo palavras de uma adolescente, que participou de oficina sobre educação de qualidade, “é o direito a ter direitos”. E, segundo David Harvey, geógrafo britânico: “O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. Além disso, é um direito comum antes de individual já que esta transformação depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização. A liberdade de construir e reconstruir a cidade e a nós mesmos é, como procuro argumentar, um dos mais preciosos e negligenciados direitos humanos.”

Direito coletivo de transformar as cidades em lugares também coletivos, onde desigualdades sejam combatidas. No entanto, os modelos de cidades que temos estão na contramão da realização dos direitos, pois são segregadoras e aprofundam desigualdades. Não precisamos dizer que as empreiteiras, empresas de lixo e de transporte coletivo financiam as campanhas eleitorais e pautam os governos e legislativos, isso já está cristalino, apesar de profundamente enraizado culturalmente.

Tão enraizado e essencializado a ponto de não haver manifestações de massa a favor da transparência dos orçamentos da mobilidade e da abertura das composições das planilhas do transporte coletivo. Em tempos de aumento, os gestores lançam um número “x” qualquer e temos de nos conformar com essa informação, pois não há disposição em  apresentar à população a composição, de fato, dos orçamentos. Dados que deveriam estar á disposição para entendimento de leigos, apresentam um alto grau de opacidade.

“Festa estranha com gente esquisita”, esta é a impressão dos tempos que estamos atravessando. Há uma tormenta e quase nunca os interesses do capital se colocaram tão evidentemente em contraposição aos direitos humanos. A ponto de legislação recém aprovada, promotora de direitos, não fazer o menor sentido.

Foi o que vimos com a aprovação da proposta de Emenda Constitucional que colocou o transporte público no mesmo patamar de outros direitos sociais como saúde e educação. Na mesma semana, o governo do Distrito Federal aumentou as tarifas de ônibus e metrô em até 50%, totalmente na contramão da legislação e, ainda por cima, sem que o serviço tenha melhorado uma vírgula. O metrô, por exemplo, tem apresentado problemas cotidianamente, deixando a população usuária a mercê da sorte.

O incrível é que durante os momentos de transição entre governos, há sempre a disposição de fazer diferente, pois ainda estão do lado de cá, da população, e entendem a necessidade de se dialogar para encontrar soluções que favoreçam a abertura dos “portais da cidade”, que democratize espaços públicos, que facilite o acesso aos equipamentos culturais não apenas para o centro, mas principalmente para a periferia. No entanto, basta que sentem nas cadeiras para perceberem que têm uma fatura para com os donos do capital que financiaram e elegeram os seus líderes e que essa fatura precisa ser “honrada”, portanto, o direito da população à participação na concepção das políticas e à transparência continuará negligenciado.  

Para promover o acesso a essas informações não disponibilizadas pelos governos em formato dados abertos, transparentes, o Inesc desenvolveu a metodologia Orçamento e Direitos, com a qual elabora orçamentos temáticos que facilitem aos usuários o acesso à informação. Isso em âmbito federal. Em Brasília, elaborou com o grupo de trabalho de mobilidade do Movimento Nossa Brasília  o orçamento temático da mobilidade do Distrito Federal. Não foram poucas as dificuldades, por não haver informações disponíveis. Mesmo recorrendo a gestores públicos para obter os dados necessários, ficamos ainda com várias lacunas.

Esse é, entretanto, um pontapé inicial importante para abrirmos o diálogo com a população e o poder público, no sentido de ampliar o acesso à informação e entender como é composto esse mosaico que financia o transporte coletivo da cidade. Abrir o orçamento é fundamental também para que as políticas relacionadas ao direito à cidade sejam dialogadas com a população como um todo, e não apenas com aqueles que julgam ser os donos das cidades por terem poder econômico, muitas vezes adquirido às custas de velhos privilégios junto aos governos,  ou mesmo corrompendo agentes públicos.

Baixe o Orçamento Temático da Mobilidade Urbana (em PDF).

Confira a planilha aberta do Orçamento Temático de Mobilidade Urbana do Distrito Federal – Execução 2014 e 2015 (em arquivo Excel)

Sem reforma política, estamos perdidas!

Em 2014, num cenário de muitas reivindicações políticas e em pleno processo eleitoral, o Instituto de Estudos Socioeconômicos monitorou as declarações sobre cor/raça enviadas pelos candidatos a cargos políticos ao Tribunal Superior Eleitoral, obtendo assim um perfil racial do parlamento brasileiro. Os resultados mostraram que, no Brasil, a falta de equidade e representatividade na política é alarmante. A sub-representação de negros, mulheres, jovens e indígenas deve se perpetuar pelos próximos quatro anos, mesmo tendo os partidos conseguido cumprir pela primeira vez, desde a criação da Lei 9.504/97, a cota de equidade de gênero – no entanto, esses candidatos não conseguiram se eleger.

Leia a íntegra da pesquisa do Inesc “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia”, que traz informações raça/cor, sexo, partidos políticos, Unidade de Federação e cargos de todos os candidatos das eleições de 2014 do Brasil.

Essa preponderância do homem branco no Congresso Nacional impermeabiliza os processos democráticos no país, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, em artigo publicado na edição julho-setembro da revista Novamerica.

Segundo Carmela, o parlamento brasileiro é mais sexista do que o de países mais conservadores como o Irã ou Afeganistão. Por isso, se torna imprescendível uma reforma política ampla e democrática, para promover a inserção de negros, mulheres, jovens e indígenas no processo decisório parlamentar.

Não é de hoje que os movimentos sociais falam de reforma política. A aprovação do financiamento privado nas campanhas políticas e a derrota da emenda que garantiria 10% das vagas a cargos políticos para mulheres – ambas este ano – revela a necessidade urgente de reestruturação do sistema político brasileiro para promover a inclusão efetiva das mulheres na política, com paridade de sexo e igualdade racial. O país avançou pouco na representatividade e na sensibilidade para uma agenda feminista na política. “Precisamos de mulheres que sejam comprometidas com o viés dos direitos humanos, e de reforma política democrática”, afirma Carmela Zigoni no artigo.

Leia a íntegra do artigo publicado na revista Novamerica.

BRICS e Cooperação para o Desenvolvimento Internacional

A cooperação entre os Brics vem se intensificando a cada ano e abrange uma ampla gama de temas e modalidades. Este texto apresenta apenas duas dimensões desta vasta agenda: os acordos assinados pelos Brics por ocasião de sua VI Cúpula, realizada em Fortaleza (CE), e um perfil da cooperação de cada país membro do bloco. Por Fátima Mello, com a colaboração de Lys Ribeiro. 1a. Edição – Brasília 2015.

Acesse o PDF.

Novo PPA do governo Dilma: avanços e desafios do processo de participação social

Nos dias 27, 28 e 29 de julho, o governo realizou mais um Fórum Interconselhos para discussão do novo Plano Plurianual (PPA) 2016-2019. Além de conselheiros nacionais e de diversos Estados, o evento “Dialoga Brasil PPA” contou com a participação de organizações e movimentos interessados em monitoramento de políticas públicas e do ciclo orçamentário para o próximo período.

O primeiro avanço do processo de consultas é, sem dúvida, a realização de escutas regionais e temáticas: foram realizadas reuniões com conselhos e movimentos sociais nas cinco regiões do país e também sobre temas específicos como políticas para as mulheres e juventude, nas quais participaram 1089 entidades e 4 mil pessoas, além da participação digital. Também foram realizadas conversas com sindicatos de trabalhadores e empresários. No Dialoga Brasil PPA, o Governo apresentou a devolutiva para a sociedade, respondendo às mais de mil demandas apresentadas nos últimos meses, uma iniciativa muito positiva, que contou com um detalhado documento de pouco mais de 200 páginas. Porém, a devolutiva pecou pelo pouco tempo para avaliação pelos representantes da sociedade civil (uma manhã), além de conter lacunas com relação a Metas importantes a serem monitoradas nos próximos anos.

O discurso do Governo é de que devemos estar atentos aos Objetivos do PPA, mas na prática, nos deparamos com muitas metas não mensuráveis, o que irá dificultar a realização do acompanhamento, e isso poderá afetar inclusive as áreas de monitoramento da própria gestão pública (a não ser que estejam dispostos a gastar vultosos recursos em pesquisas de impacto para medir alcance dos objetivos). Existem, sim, metas quantitativas previstas, mas no âmbito do tema “Direitos”, por exemplo, que contempla os Programas de promoção da igualdade racial, políticas para as mulheres, juventude, pessoas com deficiência, direitos humanos e povos indígenas, diversas Ações não contém, ainda, metas previstas. Quando as metas estão presentes, exceto por algumas exceções, são “metas qualitativas”, ou seja, imensuráveis (“apoio”, “fomento”, “estímulo”, “ampliar diálogo”), e, portanto complexas para definição de recursos orçamentários e difíceis de monitorar. Exemplificando, a Ação “Fortalecimento do Plano de Políticas para as Mulheres” não possui meta, apenas objetivos; outro exemplo é a Ação “Garantir a efetivação do Estatuto da Igualdade Racial”, que possui oito objetivos, e nenhuma iniciativa ou meta até agora.

Para deixar claro o que estamos tentando pontuar, um exemplo de meta mensurável presente no documento da devolutiva é 04BO “Construir e implementar a Casa da Mulher Brasileira em todas as capitais estatuais e no Distrito Federal”: ponto para o PPA, e nesse caso, é preciso então que estejamos atentíssimas ao recurso orçamentário que será destinado para alcançá-la, já que é bastante concreta. O desafio é, portanto, saber onde estará o recurso para a realização das iniciativas e alcance das metas, o que só poderá ver visto na Lei Orgânica Anual (LOA) de 2016. É preciso aguardar, então, a última versão do documento que será entregue ao Congresso Nacional em 31 de agosto para então avaliar o real comprometimento em termos de “entregas” do Governo para os próximos 4 anos –, mas já tendo em mente que itens importantes do PPA não fizeram parte do debate com a sociedade realizado até agora.

Outro aspecto que incomodou a sociedade civil presente no evento é o debate restrito sobre o planejamento governamental: “Queremos discutir o modelo de desenvolvimento”, afirmavam as organizações do campo, indígenas e quilombolas. Neste sentido, em recente Nota Técnica, o Inesc alertou para o problema dessa “cultura de consultas”, em que a sociedade não delibera – ou seja, não decide –, nem pode palpitar sobre temas que ultrapassem políticas sociais, como a política externa, econômica, energética, e as próprias contradições de políticas públicas contrastantes que impactam os territórios (a exemplo da política de agricultura familiar que conta com muito menos recursos do que o previsto para o agronegócio). A “sensação de participação” ressaltada por Rafael Georges da Cruz na citada NT, em lugar de uma participação de fato, pôde ser novamente observada na medida em que o Dialoga Brasil PPA propôs um dia para debate sobre o desenho da participação social no monitoramento do novo PPA, mas não preparou os participantes previamente para adensar o debate. Após uma apresentação técnica no período da manhã do dia 30 de julho, em que os gestores dissertaram sobre estrutura do ciclo orçamentário e apresentaram as plataformas digitais do governo para acesso livre dos dados orçamentários, como o SIOP etc, os conselheiros tiveram apenas uma tarde para apontar, a partir de trabalho em grupos, quais seriam as “agendas prioritárias” de monitoramento e ainda discuti-las em Plenária.

Podemos citar ainda um aspecto positivo deste processo que seria a apresentação de uma nova agenda de participação que inicia em agosto desse ano e vai até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Esperamos então que o desenho e a metodologia do conjunto dessas atividades de participação sejam rediscutidos internamente ao Governo, uma vez que há diferentes acúmulos e conhecimentos por parte dos conselheiros, e ainda a necessidade de respeitar a diversidade cultural dos sujeitos de direitos em debates públicos importantes como estes. É preciso, portanto, construir ferramentas para tornar o diálogo menos assimétrico, e isso inclui repensar as apresentações burocráticas e investir em formatos amigáveis para interação digital. Importante ressaltar que uma das propostas da sociedade civil no Dialoga Brasil PPA foi a institucionalização do Fórum Interconselhos – o Inesc avalia essa proposta como fundamental para obrigar o Estado a promover a participação social no ciclo das políticas públicas.

Seguem ainda questões em aberto que devem ser olhadas pela sociedade com atenção, como a desconexão temporal entre o planejamento do PPA e as resoluções por vir das 14 Conferências Nacionais previstas para acontecer até 2016 e o impacto do ajuste fiscal no orçamento das políticas públicas. O Inesc avaliou recentemente estes cortes para o ano de 2015, considerando especialmente áreas promotoras de direitos humanos, educação, igualdade racial e promoção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Por outro lado, o Governo está demorando em se posicionar quanto a questões relevantes como a reforma tributária: sem colocar a evasão e elisão fiscal na agenda e sem discutir justiça fiscal, pouco avançará na composição orçamentária voltada para a diminuição das desigualdades. E este também é um tema a ser amplamente debatido com a sociedade por meio de políticas de participação social.

Artigo: Reforma política: ampla, democrática e participativa

Publicado por Gazeta de Alagoas.

Muito se tem falado – e não é de hoje – em reformas no Brasil. Mas pouco se fala sobre a natureza dessas reformas. Geralmente as reformas são apresentadas como a solução de todos os problemas e mazelas do país. Foi assim com a reforma da previdência, é assim com a reforma tributária. Não é diferente com a chamada reforma política. Ficamos com a sensação de que se a reforma que “está na moda” não for feita, o Brasil corre o risco de acabar na próxima semana.

Antes de mais nada precisamos analisar a natureza de cada reforma. Por exemplo, na reforma da previdência não houve a preocupação em como incluir os milhões de brasileiros e brasileiras que estão fora do sistema previdenciário e sim em uma reforma para tirar direitos conquistados pela luta dos/as trabalhadores/as, desmontar o conceito de seguridade social da Constituição de 1988 (saúde, previdência e assistência social) e, principalmente, em como desmontar o sistema público de previdência e incluir as regras de mercado numa política de proteção social. A reforma tributária não é pensada com o objetivo de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e sim equalizar as disputas das três esferas de governo pelos recursos. O sistema tributário brasileiro está entre os mais injustos do mundo, pois faz com que quem ganha menos contribua mais e quem ganha mais contribua menos, ferindo o princípio constitucional da progressividade das tributações (quem mais ganha, contribui mais).

Com a reforma política não é diferente. Ela é vista como uma forma de equalizar as disputas de poder pelos grandes partidos. Por isso, tem um caráter apenas da reforma do sistema eleitoral e não a reforma de quem exerce o poder, de como se exerce o poder, em nome de quem se exerce o poder e quais os mecanismos que se tem de controlar o poder. Enfim, a reforma política deve ser a reforma do poder e não apenas do sistema eleitoral (que é consequência do sistema político que ai temos).

Tradicionalmente, no Brasil, a reforma política entra na pauta do Congresso e do Executivo em momentos de escândalos, crises políticas ou de fragilidade da hegemonia do grupo que está no poder.

Foi assim na ditadura militar quando o poder da Arena foi ameaçado pelo MDB que podia ter a maioria parlamentar. O poder de plantão resolveu a questão conseguindo novos deputados e senadores arenistas, através da criação de novos estados, seja por desmembramento dos existentes ou transformação dos territórios em estados. Sem falar nos senadores biônicos.

Na verdade o que está sendo chamado de reforma política não passa de uma reforma do sistema eleitoral, num momento de forte questionamento e desgaste da vida e da atuação política partidária.

A verdadeira reforma política não se reduz a reforma do voto, dos partidos ou da representação, mas sim a reforma das instituições políticas e do Estado, criando uma nova forma de se exercer o poder e com mecanismos de controle público do Estado. A verdadeira reforma política devia partir da necessidade da ampliação dos espaços de participação cidadã e dos sujeitos políticos, isso é, deveríamos estar discutindo a democracia representativa, combinado com a democracia participativa e direta. Enfim um novo modelo de democracia, que reconheça as diferentes formas de se fazer política e os seus diferentes sujeitos.

25 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente: temos o que comemorar?

Foi aprovado na terça-feira (14/7) pelo Senado Federal o aumento do tempo de internação de adolescentes em conflito com a lei para 10 anos. Uma perda de direitos para os adolescentes, mais um elemento para refletirmos: que sociedade é essa que prefere encarcerar sua juventude a investir em seus direitos? Por que respondemos com uma legislação do castigo e da vingança ao fracasso coletivo de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?

O Estatuto nasceu em 13 de julho de 1990, fruto direto da abertura política e de uma sociedade cansada das desigualdades do autoritarismo e da violência. Havia uma grande reação contra o Estado autoritário e um movimento incontrolável pela democracia. Foi neste contexto que milhares de pessoas se mobilizaram pela elaboração de uma lei que de fato protegesse crianças e adolescentes.

A mudança foi radical. A essência do Código de Menores, sancionado em 1927, era a criminalização de crianças e adolescentes que perambulavam pelas ruas, em sua maioria pobres e negras, enquanto o Estatuto responsabiliza o poder público, a família e a sociedade em geral pela vida digna e pelo desenvolvimento saudável e feliz de todas as crianças e adolescentes.

O que passa a valer com a substituição do Código de Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é a preocupação com a universalização dos direitos. O ECA trouxe um novo olhar sobre a infância e a adolescência, e por consequência, sobre a juventude também.

O novo instrumento jurídico reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não mais como meros objetos de tutela. Palavras como respeito, dignidade, cultura, liberdade, lazer, educação, saúde formam o novo ideário para a infância. O país então é provocado para se organizar com o objetivo de materializar os direitos. Apesar dos esforços, muitos operadores de direitos continuaram ancorados na lei anterior.

A onda conservadora que assola o país atiçou a visão do Código de Menores, provocando a sociedade a considerar menino pobre e negro como a grande ameaça. O extermínio da juventude negra, que nunca teve trégua, assume uma dimensão escandalosa.

Segundo pesquisa do Unicef, o Brasil é o sexto país no mundo que mais mata adolescentes: “Em números absolutos, no entanto, o País teve mais de 11 mil homicídios de pessoas de 0 a 19 anos em 2012, atrás apenas da Nigéria, que tem quase 13 mil. Adolescentes negros têm risco três vezes maior de serem assassinados que brancos da mesma idade.”

A responsabilidade da mídia e o escândalo das redes de ódio na internet

Programas de televisão como telejornais e novelas diariamente citam os ‘dimenor’ quando se trata de violência urbana, induzindo a população a acreditar no perigo que eles e elas representam. Observamos perplexos uma onda de linchamentos públicos após a apresentadora Rachel Sherazade deliberadamente incentivar o justiçamento na televisão, em 2014: a “jornalista” foi afastada da TV e agora atua no rádio, militando diariamente a favor da redução da idade penal.

Seus argumentos são tão vazios que os próprios colegas da rádio Jovem Pam a criticaram no ar este ano. O rebaixamento da idade penal emerge como solução mágica, e adolescentes e jovens negros são criminalizados e literalmente caçados como presas de um sistema sanguinário. Voltamos à estaca zero.

Sherazade não está só. Ao lado dela, uma enorme rede de incitação ao ódio na internet promove ataques aos ativistas de direitos humanos e dos direitos das crianças e adolescentes.

Além dos chamados “haters”, que atuam individual ou coletivamente, artistas famosos parecem usar o ódio e o preconceito para alcançar audiência: é o caso da página “Desumaniza Redes”, de Danilo Gentili, que se propõe a ridicularizar a iniciativa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, “Humaniza Redes”.

Apesar das diversas denúncias, a página de Gentili continua no ar, e serve como catalizador de todo tipo de discriminação, misoginia, homofobia e racismo presentes em nossa sociedade.

Aos casos conhecidos de racismo e misoginia, como o anúncio da “venda de negros no site Mercado Livre, em 2014; o “pornô de vingança”, que tem vitimado diversas adolescentes, não só no Brasil, mas no mundo; as ameaças a feministas, inclusive de estupro (ver aqui, aqui e aqui, um caso nos EUA); se somam casos mais recentes como o racismo contra apresentadora Maju, do Jornal Nacional; e a perseguição pessoal na internet e ameaças de violência real, como a nadadora Joana Maranhão, que defendeu o ECA antes da ida para o PanAmericano, e tem sofrido com intimidações violentas nas redes sociais. Embora a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) e outros órgãos competentes busquem reprimir estas ações, o dia a dia das redes sociais pode ser bastante cruel para os defensores dos direitos humanos.

Quando os adolescentes, especialmente de periferia, se percebem como sujeitos de direitos com poder de atuar sobre o mundo, colocam seus rostos e suas vozes a serviço da justiça social. As redes sociais são lócus importantes para as suas lutas e suas mobilizações. Se por um lado as redes sociais são espaços privilegiados de luta por um mundo melhor, são também espaços de manifestações inescrupulosas de intolerância, ódio, racismo, machismo que tanto violentam e constrangem, configurando como crimes de internet.

Na semana em que o ECA faz um quarto de século, vivemos um período de forte ameaça, mesmo sem ter sido o Estatuto implementado na íntegra. Apesar dos ganhos, hoje prevalece um sentimento de indignação que nos convoca a seguir na luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes com mais energia e determinação.

Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Artigo: Quanto vale a igualdade racial?

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Não se iluda: reduzir idade penal aumenta a violência

O Congresso Nacional está prestes a conseguir a façanha de burlar uma cláusula pétrea da Constituição Federal com a redução da idade penal. Os parlamentares que defendem tal medida argumentam que os atos infracionais cometidos por adolescentes aumentam cotidianamente e que a redução pura e simples resolverá a violência. Assim, querem criminalizar os jovens, especialmente aqueles que são vítimas das desigualdades raciais, educacionais, sociais e regionais.

Reflitamos então sobre a “pátria educadora”. Ela pressupõe uma sociedade preocupada com sua sustentabilidade social, uma terra de direitos sem distinção de cor, classe, gênero. Os adultos dessa sociedade deveriam compreender que a educação é o bem maior a se ofertar, que sua força está para além de políticas armamentistas, coercitivas, extensões territoriais e riquezas naturais, pois sem ela, desfrutar de tais riquezas é loucura e auto- extermínio.

Políticas públicas têm de ser elaboradas apoiando-se  em dados produzidos por pesquisas de órgãos especializados. No entanto, o que presenciamos no  Parlamento brasileiro são projetos e leis baseadas em convicções pessoais, que tornam-se preconceituosas na medida em que não são corroboradas com dados da realidade.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), dados da PNAD 2013 indicam que, mesmo que a adolescência seja a fase da vida a ser dedicada à escola,  mais de 1 milhão dos 10,6 milhões de adolescentes brasileiros entre 15 a 17 anos não estudam nem trabalham, 584 mil só trabalham e 1,8 milhão trabalham e estudam. E muitas vezes, aqueles que trabalham não o fazem na condição de aprendizes, conforme previsto na Constituição Federal− se o adolescente tem entre 14 e 16, só pode trabalhar nessa condição. É o caso dos que estão em situação de trabalho doméstico, por exemplo, visto que sequer há fiscalização.
Outro dado importante é que entre os que não estudam e não trabalham 64,87% são negros, 58% são mulheres e 83,5% vivem em famílias com renda per capita inferior a um salário mínimo. Há muita semelhança entre esse grupo e o grupo daqueles que só trabalham,  que também são negros, maioria de mulheres, com baixa renda. E para completar, os que conciliam trabalho e estudo são 59,8% negros, 63,03% pobres e 60,75% do sexo masculino.

Com base nesses dados, poderíamos imaginar que nossos parlamentares estivessem pensando em oferecer condições para que esses adolescentes que estão em distorção idade-série, ou os que estão fora da escola, ou os que só trabalham, ou aqueles que nem estudam, nem trabalham, pudessem voltar e permanecer na escola, e receber educação de qualidade, além do acesso a todas as políticas necessárias ao bem viver.

Não obstante fazem o contrário: negam acesso e inclusão aos adolescentes reforçando comportamentos racistas historicamente construídos no país, que favorecem a exploração da população negra, usurpando sua infância submetendo-a ao trabalho infantil.

Argumentos tais como:  mais direitos e menos punição, ou vamos deixar o Estatuto da Criança e do Adolescente acontecer e de fato ser praticado, visto que ele estabelece as devidas punições aos adolescentes que cometem atos infracionais e, acima de tudo, prevê os direitos aos quais eles deveriam ter acesso,  parecem não fazer eco, visto que estão expostos à exaustão por parte da sociedade que não admite retirada de direitos, por isso, vamos utilizar de outros argumentos.

O sistema carcerário brasileiro está superlotado e não reabilita. Um adolescente que colocar os pés em um desses lugares desumanos terá sua humanidade sugada. Sem contar que para sobreviver entre os já sugados, certamente se submeterá a um dos grupos de poder, que em geral é do tráfico de drogas. E quando sair, talvez seja realmente um problema de segurança.

É isso, a redução da idade penal significa, além de tragédia que afetará parte da  juventude já criminalizada, em médio prazo, aumento da criminalidade e da tão propalada violência.

Arrocho fiscal detona direitos dos que mais precisam

O governo federal anunciou na última sexta-feira (22/5) o maior corte orçamentário da sua história. O decreto 8.456 retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total.

O corte “na carne” penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte, que foi de 22% do total. Isso vai na contramão não só das promessas de campanha do governo Dilma, mas também do cumprimento de metas de realização de políticas públicas estabelecidas legalmente no seu Plano Plurianual e até dos compromissos históricos do PT.

Os dados não deixam dúvidas:

  • Ministério da Educação teve um corte de 23,7% dos recursos discricionários, o que representa R$ 9,25 bilhões em valores absolutos, sobrando R$ 39,4 bilhões. Isso poderá afetar programas importantes tais como o Prouni, Programa Nacional do Livro Didático ou bibliotecas nas escolas.
  • Secretaria de Promoção da Igualdade Racial teve um corte de 56,3% dos recursos discricionários. Com isso terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais.
  • Secretaria de Direitos Humanos teve um corte de 56,3% dos recursos e com isso terá apenas R$ 131,9 milhões para executar ações de promoção e defesa dos direitos da pessoa com deficiência, de idosos, de crianças e adolescentes, entre outras que cabem ao órgão.
  • Ministério do Desenvolvimento Agrário teve um corte de 49,4% dos recursos e com isso terá apenas R$ 1,8 bilhão para executar políticas públicas estratégicas para a agricultura familiar e a segurança alimentar, como a Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER e a reforma agrária.
  • Ministério da Pesca e Aquicultura teve um corte de 78,6% dos recursos. Com isso terá apenas R$ 154,5 milhões para executar ações como o “Fomento à Produção Pesqueira e Aquícola” que implementa planos como o de apoio à renovação da frota artesanal.

Além desses cortes, também sofrerão redução, em montantes não especificados, os recursos financeiros estratégicos para a reforma agrária e agricultura familiar que são: i) Concessão de Crédito para Aquisição de Imóveis Rurais ; ii) Investimentos Básicos – Fundo de Terras e Concessão de Crédito-Instalação às Famílias Assentadas.

Para tornar o arrocho ainda mais dramático, ressaltamos que o que sobra para ser executado ainda estará em parte comprometido com o pagamento de despesas anteriormente assumidas pelo governo, que são os restos a pagar. Com esses cortes, a implementação de políticas públicas essenciais para garantir direitos para quem mais deles precisa está obviamente comprometida.

É essencial que o governo tenha capacidade de dialogar com a sociedade sobre o significado prático dos cortes orçamentários na vida das pessoas. Para isso, é urgente que os dirigentes das pastas ministeriais explicitem como os cortes serão processados internamente em cada órgão. Quais programas, ações e compromissos deixarão de ser cumpridos?

Veja aqui tabela com a totalidade dos cortes.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: flagrante de rebaixamento dos Direitos Humanos

Ainda que fragilizada e desacreditada, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem sido palco de dezenas de importantes debates da agenda internacional. Não é para menos, na medida em que as crises de guerra e paz aniquilam enormes contingentes humanos e impactam uma variedade de territórios. E também as crises ambiental e climática, que destroem povos, culturas e biodiversidade, alterando os ciclos das chuvas, intensidade das águas e rios, aquecimento dos mares, poluição dos fundos dos mares e outros. Sem falar da crise de financiamento ao desenvolvimento e a negligência geral que recai sobre os países mais ricos. Todos estes temas, sem exceção, são tratados na ONU em suas diversas conferências e infindáveis negociações, e têm relação direta com a vida de cada habitante deste planeta.

Neste contexto queria ater-me a uma pequena parte desse debate, que é o processo de elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos durante a Conferência Rio+20, em 2012. As Nações Unidas propuseram um conjunto de Objetivos e metas, e esses indicadores estão sendo construídos no âmbito de uma Comissão especialmente criada para tal. Esses indicadores deverão orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos quinze anos, sucedendo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Chegou-se a uma proposta que contém 17 Objetivos e 169 metas. As temáticas são diversas, coerentemente com a diversidade de problemas que devem ser enfrentados por todos os países. Confira a íntegra da proposta de ODS.

Mas não há tempo para ingenuidade. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como foram os do Milênio, são uma redução grosseira de todo o marco dos Direitos Humanos. Os Objetivos do Milênio inauguraram essa lógica. Além disso, o que vemos hoje são objetivos e metas entranhados por uma lógica que fere ao princípio interdependência e não hierarquização dos direitos. Que fere também o Art. 2 da Convenção dos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais (DHESC), que obriga os países aplicarem o máximo de recursos disponíveis, progressivamente e sem discriminação, na realização dos direitos. A realização e efetivação dos direitos por parte dos poderes públicos deve ser escrita em suas políticas públicas e contar com financiamento interno e externo para essa efetivação. Para tanto, o debate para o financiamento ao desenvolvimento é fundamental e essencial para responder o quanto os objetivos, serão críveis. Isso é verdade também para o debate de mudança climática, no âmbito da COP 21.

Ninguém questiona a importância de se estabelecer Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Entretanto, existe uma tendência de super estimá-los, e assim concentrar-nos demasiadamente sobre os mesmos. Isso acaba obstruindo a capacidade de construir um avaliação mais ampla da realidade. Muitas vezes acabamos vítimas de nossa própria maneira de agir, aceitando agenda que nos é apresentada e aceitando as regras estabelecidas de participação. Existe uma certa domesticação das organizações que orbitam em torno destes debates.

Infelizmente temos hoje uma crença de que só o mercado e o sistema financeiro em parceria com os Estados, via Parceria Público Privada (PPP) poderão resolver o desafio da sustentabilidade. O que temos, na verdade, é o triste reconhecimento da falência dos Estados na promoção e realização dos direitos humanos e dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais, sociais, ambientais e sexuais. Em outras palavras, estamos assistindo ao rebaixamento total do marco dos direitos humanos no mundo, com o consentimento e promoção da ONU.

Outro ponto importante que deve ser observado pela sociedade civil organizada e movimentos sociais são as horas intermináveis de acompanhamento dos debates de plenário, conversas em grupos de trabalho, bilaterais, permissão para falas breves (três minutos no plenário) que muitas vezes não são sequer ouvidas ou, as vezes, nem incluídas ao documentos oficial. Vozes que pairam no ar sem eco ou escuta. Existe um problema sério de reconhecimento das vozes da sociedade civil organizada dentro da ONU, e isso é sério porque questiona a estrutura democrática da instituição.

O Co-Coordenador de Negociações Intergovernamental concordou, após esforço concentrado das organizações da sociedade civil organizada, em mandar uma carta para a Comissão de Estatística da ONU pedindo maior abertura para a participação das mesmas neste processo. Não existe ainda nenhuma certeza se isso acontecerá, mas se aceito, haverá um espaço importante para influenciar as decisões desta Comissão. Com isso, a sociedade civil deverá discutir como vai acompanhar, se de forma mais ativa, se como observadora ou por meio de documentos para serem considerados pela referida comissão. Cada uma destas hipóteses terá consequências reais na qualidade da participação. Para sociedade civil a implicação será trabalhar mais qualitativamente e em um espaço mais assertivo, dentro do processo.

Esse parece ser o momento mais difícil e crucial da agenda dos ODS. Sabemos que a Comissão de Estatística da ONU usa critérios técnicos e científicos para argumentar que somente 1/3 das metas propostas será passível de mensuração e que indicadores falhos do ponto de vista do teste científico não terão valor. Isso, deverá ser, de fato, um grande tema do debate e já existem propostas de ampliação dos prazos diante das dificuldades. Por isso é importante que a sociedade civil organizada se habilite para apresentar propostas de indicadores e questionar algumas das atuais opções técnicas, pois as dimensões da questão social e cultural são difíceis de comporem indicadores quantitativos.

Temos vários problemas neste universo dos debates da ONU, em especial dos ODS: falta de transparência, processos pouco democráticos (ainda que sejamos entupidos de consultas digitais), pífia participação dos reais impactados e uma sociedade civil relegada à periferia do debate, sem conseguir ter o peso e a voz necessária para alterar a correlação de forças. Mas não temos medo de encarar o tamanho do problema, porque estamos num cenário de crescente perda de direitos e de avanço conservador no mundo.

Professores para quem precisa, professores para quem precisa de educação

É inacreditável o que vimos acontecer no Paraná no dia 29 de abril de 2015. Pelo menos uma hora e meia de ataques da polícia contra professores que exerciam o direito democrático à manifestação pública.

As imagens e vídeos mostram como os manifestantes foram atacados durante mais de uma hora e meia com bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta, jatos d’água, tiros de balas de borracha, prédios sendo ocupados por atiradores de elite e cachorros (coitados, nem sabem para o que foram treinados!). A cena de guerra se completou com helicópteros lançando bombas de efeito moral e o uso de uma nova tecnologia de repressão que consiste em atordoar as pessoas com um aparelho que produz um som insuportável para o ser humano. Todos vimos – e ouvimos.

Para completar nosso estado de estarrecimento, uma gravação de vídeo mostra o governador Beto Richa (PSDB/PR) e assessores, da sacada do Palácio Iguaçu, comemorando o massacre contra os professores.

As ruas nunca deixaram de ser palco para manifestações e festas populares. Lugar para agregar pessoas e dar visibilidade às causas, espaço público para fortalecer as lutas políticas. As ruas são espaços de celebrações e fortalecimento de laços entre pessoas que comungam de um mesmo ideal, ou causa. As ruas educam. Agregam ideias e posições colorindo a cidade com a diversidade de opiniões. Assim, o uso da força para silenciar uma categoria, é traço de covardia política. O abuso da força rima somente com estados totalitários. O uso da força desproporcional é inadmissível, inaceitável e revela a verdadeira posição do governador. Para completar, policiais que se negaram a participar da ação brutal e injustificável foram presos.

Como saldo de uma manifestação de docentes temos mais de 150 pessoas feridas, entre as quais algumas em estado grave. Jornalistas foram atingidos, impedidos de cumprirem seu papel histórico de registro e divulgação dos fatos.

Educação não se faz sem um projeto sério, sem investimentos, sem valorizar os profissionais, sem diálogo com as comunidades, sem diversidade, sem cultura e muito menos com violência.

Moral da história: uma pátria educadora se faz com muito respeito e valorização de professores e professoras, se faz com diálogo e com determinação política.

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