Educação, alegres estatísticas e impasses reais

A política de educação no Brasil avançou significativamente, nas duas últimas décadas. O acesso à escola foi praticamente universalizado, na faixa etária compreendida entre 6 e 14  anos (ensino fundamental). Ampliou-se, também, entre 15 e 17 anos a partir da vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento  da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2006. E com a aprovação da Emenda Constitucional 59, de 2009, que torna obrigatória a etapa da educação infantil intitulada de pré-escola, a demanda por matrículas entre 4 e 5 anos de idade terá de ser integralmente atendidas até 2016.

 

 

 

 

Apesar de ainda termos cerca de 3% de crianças fora da escola, na faixa etária compreendida entre 6 e 14 anos e um número maior entre 4 e  6 e entre 15 e 17 anos, pode-se dizer que o direito à educação tem sido contemplado, mas também é preciso perguntar como este direito é atendido.

 

 

Precisa-se, então, qualificar o direito à educação, para atingir o que se denomina por educação de qualidade, que, de acordo com estudantes de ensino médio do Distrito Federal significa: “Aquela que fortalece a identidade e estima dos/das estudantes; que é participativa e coletiva; com pluralismo étnico-racial e combate às discriminações; que estimula a diversidade de corpos, amores, solidariedade; que ao invés de conservar, liberta”.

 

 

E disseram mais, que para se ter educação de qualidade necessita-se de “direito à cidade”; ataque aos preconceitos; “educação para além das escolas”; “ser direito e não ser comercializada”; “estímulo à cidadania”; “consciência ambiental”. E que educação de qualidade não existe hoje. Apesar de avanços educacionais, precisa-se de uma reforma ampla nas formas de ensino e aprendizagem para que se possa atingir este objetivo.

 

 

 

Para entender os motivos que levam cerca de 50% dos estudantes que ingressam na escola não acessarem o ensino médio ou abandonarem esta etapa antes de concluída, o Inesc — Instituto de Estudos Sócio-Econômicos — realizou, em parceria com o Unicef, oficinas em quatro escolas de Brasília com o intuito de escutar os próprios adolescentes. E o que se ouve o tempo todo é que se faz necessária uma reforma do ensino, outras metodologias, outros currículos, outras abordagens, pois a escola está ficando na estrada. Há novas maneiras de ver e fazer coisas, novas visões de mundo e a instituição escola se dá ao direito de não percebê-las.

 

 

 

Nas oficinas, foram utilizados materiais produzidos pela campanha realizada pelo Unicef, em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “Fora da Escola Não Pode e na Escola sem Aprender Também Não”. Com base em dados do IBGE, constatou que o perfil de quem está excluído ou com risco de abandonar a escola é formado majoritariamente por jovens do sexo masculino, negros, que  vivem em famílias de baixa renda e tem pais ou responsáveis com pouca escolaridade.

 

 

O mais curioso, ou corroborador desse relatório, é que as pesquisas realizadas nas quatro escolas de ensino médio do DF encontraram dados semelhantes, com base na percepção de parte da comunidade escolar das quatro diferentes regiões de Brasília: Plano Piloto, Gama, Guará (que atende em maioria alunos da Cidade Estrutural) e Paranoá.

 

 

E como se pode verificar, os achados de pesquisa dialogam com as desigualdades brasileiras, de renda, de raça/cor, de escolaridade, sem falar que quando se olha mais detidamente veem-se estampadas também as desigualdades regionais. Seja com relação às diferentes regiões do Brasil, seja nas diferentes regiões das áreas metropolitanas. Por exemplo, na pequena amostra brasiliense percebe-se as maiores dificuldades de aprendizagem entre os estudantes da Estrutural, por ser a região que abriga o lixão do Distrito Federal e sua população ser formada por maioria de catadores de materiais recicláveis, quase todos negros, com baixíssima ou nenhuma escolaridade e renda.

 

 

 

Portanto, sem medo das generalizações, o que ficou claro no processo de formação e pesquisa com os adolescentes, constatado no relatório gerado, é que o necessário para promover uma revolução na educação pública, além dos recursos pelos quais se mobilizou durante o processo de votação do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, é leveza de alma para mudar. Propor novos currículos, repensar o que se acredita ser disciplina e a que e a quem ela serve, perceber as mudanças culturais que estão acontecendo em velocidade máxima e discuti-las no âmbito das mudanças curriculares.

 

 

 

Além de dialogar com a sociedade sobre as desigualdades. Ou, assumir as desigualdades para resolvê-las. Para isso, não bastam ações governamentais, mas algo no âmbito da própria educação e da cultura. Já há várias iniciativas em curso, como as cotas raciais, a proposta de criminalização da homofobia (que ainda não se conseguiu), as cotas universitárias para alunos de escolas públicas, programas como Prouni, por exemplo. No entanto, isso não basta, é preciso, acima de tudo, que governos e sociedade, como um todo, revejam princípios e saiam para além de suas cercanias. Reflitam sobre anos de violações de direitos e queiram outros modelos e outras práticas.

 

 

 

É preciso tirar o véu que encobre fatores promotores e reforçadores de novas e velhas formas de desigualdades, que passam pela manutenção de privilégios para poucos iluminados, que continuam resolvendo processos eleitorais por meio de financiamento de campanhas políticas, por exemplo. Ou a coleção de impostos regressivos, que faz com que aqueles que ganham até três salários mínimos comprometam 50% da renda com tributação indireta. Com opções de políticas culturais que continuam a favorecer os mesmos em detrimento das manifestações locais. Ou quando pensam em dar acesso à cultura  propõem levar cultura até a favela e não em contribuir para que a cultura da favela se mantenha viva.

 

 

 

Para que a educação se realize como educação de qualidade é preciso, de fato e não apenas no discurso, que parte da sociedade que perpetua preconceitos e agudiza desigualdades, se conscientize de que direitos são para todas as pessoas e não apenas para os “humanos direitos”.

 

Em duas décadas, Brasil multiplicou acesso ao ensino e recursos para financiá-lo. De nada adiantará, se não enfrentarmos desafios da inovação e qualidade

 

 


Guia Siga Brasil

Perfil dos candidatos às eleições 2014

Carga tributária brasileira reforça as desigualdades, diz estudo

Caminhos percorridos da Rio 92 à Pós-2015

Iara Pietricovsky, membro do Colegiado de Gestão do INESC.

A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente-Eco-92 foi uma importante inflexão dos governos sobre a política ambiental e revelou uma agenda política internacional fundamental para as próximas décadas que estavam por acontecer. Foi o maior evento organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) até então. Reuniu 179 países e trouxe 108 Chefes de Estado e de Governo à cidade do Rio de Janeiro. O evento também foi considerado um sucesso pela diplomacia brasileira e mundial. Dela surgiram acordos fundamentais, como a Agenda 21, as Conferências das Partes sobre Biodiversidade e Clima. Desta última, o Protocolo de Quioto e um plano de implementação. Outros eventos tão fundamentais quanto esse ocorreram nos anos posteriores.

A partir deste marcante evento uma série de Conferências Globais foram realizadas com objetivo de aprofundar e comprometer os países e povos com um novo marco de direitos e uma nova lógica sobre o sentido do desenvolvimento. É por isso que a palavra desenvolvimento esteve dialogando com praticamente todos os temas das Cúpulas promovidas pela ONU.

Era um período que a ONU gozava de confiança política global de fato e permitiu que a mesma convocasse, com legitimidade, vários encontros internacionais de alto nível, sucedâneos à Rio 92 e que tiveram o marco dos direitos humanos como base da abordagem das mesmas. Desta forma, foram realizadas as Conferências de direitos humanos, em Viena; de desenvolvimento social, em Copenhague; das questões de população e desenvolvimento, no Cairo; da condição da mulher, em Pequim e, dos problemas urbanos e o desenvolvimento, em Istambul. No início dos anos 2000 temas como o racismo, intolerância e discriminação entram na agenda, em Durban e também o tema estruturante do financiamento ao desenvolvimento, em Monterrey. A este ciclo nos referimos como o Ciclo Social das Nações Unidas.

Existia um ambiente político favorável desde que não estivesse na mesa o debate sobre quem pagaria pela transição de modelo de desenvolvimento. Aliás, é um dos temas que vem travando todas as negociações, reestruturando as instituições e redefinindo os atores que decidem nas instâncias internacionais, ou seja, hoje o poder se deslocou ainda que as instituições sejam as mesmas.

No ano 2000, com o lançamento das  Metas do Milênio, ODM e depois de iniciado um novo ciclo de revisão das conferências cinco anos após (+5, +10 e +20) ficou evidente os sinais de “fadiga”[1] do sistema das Conferências. A ONU como instituição, começou a perder seu poder e legitimidade política.  Isso ficou claro, ao longo do tempo, pelo baixo nível de comprometimento dos governos, pela ausência de investimento por parte do próprio sistema para fazer com que as negociações tivessem resultados efetivos dos pontos já negociados sem que se reabrissem as questões já acordadas. E por fim, a própria crise financeira do sistema de governança mais tradicional.

Desse tempo para os dias atuais foi um enfraquecimento paulatino do sistema ONU e também dos próprios  Estados  nacionais ali representados, de forma que os Acordos e Tratados ficaram mais no discurso do que efetivamente implementados. Essa, chamada “fadiga das Cúpulas” acabou colocando em risco todo um processo e que se refletiu na apresentação das Metas do Milênio, no ano 2000.

Os Objetivos do Milênio (ODMs) foram compreendidos pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil global[2] como uma redução radical de tudo que se havia alcançado em termos de Acordos e consensos dentro das Cúpulas. O debate realizado por quase uma década se reduzia a oito metas[3], cheias de problemas éticos, de implementação e de definição de responsabilidades. A falta de consenso sobre quem iria pagar a conta, as crises  de legitimidade e financeira impediram qualquer avanço sobre o que já se havia debatido, negociado e acordado.

Dai para frente enfrentamos mais crises econômicas de todos os tipos começando com a crise do Sudeste Asiático e as economias em transição na América Latina (México, Brasil, Argentina), mais recentemente a crise dos países desenvolvidos. Os movimentos sociais e muitos analistas da sociedade civil, dentre eles a rede Social Watch, sinalizavam desde o início destas conferências sobre a urgência de uma nova arquitetura financeira internacional, uma nova governança e mais responsabilidade social das instituições de Bretton Woods e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Alertavam sobre a necessidade de uma avaliação dos impactos sociais e ambientais da liberalização dos investimentos em todos os lugares do Planeta. Que era fundamental buscar novos modelos de desenvolvimento fundados na sustentabilidade, numa mudança da visão econômica neoliberal e enfrentamento das questões socioambientais e alimentares do Planeta.

Temas como pobreza, desigualdade dívida externa, apoio ao Desenvolvimento (ODA), nova arquitetura financeira, desenvolvimento sustentável e nova governança, que eram presentes em nosso vocabulário desde então, não tiveram eco efetivo assim como a ONU não teve força política para reverter decisões econômicas e financeiras no âmbito internacional. Políticas públicas globais passaram a ser  definidas no G8 e pelo Fórum Econômico Global e depois elaboradas e implementadas pelas IFIs e pela OMC. Com a crise econômica nos países do G8 o sistema de governança sofre alterações e os países em desenvolvimento são chamados ao grupo seleto, constituindo-se assim o G20, entre muitas novas configurações que estão se formando no mundo. Nenhuma delas passa pelo fortalecimento do sistema multilateral capitaneado pela ONU. Esse movimento apresenta definitivamente uma nova governança e novos atores no exercício do poder.

O enfraquecimento da ONU e dos Estados nacionais, impactados pela chamada crise tripla (econômica, ambiental, alimentar) fez com que estes começassem a buscar nas grandes corporações transnacionais a resposta para suas dificuldades econômicas e vice versa, as Corporações Transnacionais (TNCs) buscaram os Estados (e muitas foram salvas com o dinheiro público na crise dos países ricos).  As instituições multilaterais fragilizadas, em especial o FMI, são reerguidas para operar como formuladores dessa nova  era do capitalismo financeiro estimulando, o que parece ser a chave de uma nova governança global, as parcerias público/privada. Se materializa definitivamente a visão ensaiada tantas vezes no passado. A globalização deu uma posição de destaque às grandes corporações financeiras e industriais valorizando uma visão de mercado, por onde, para estes, as soluções às crises podem ser resolvidas.

No entanto, para garantir hegemonia deste processo de privatização do sistema multilateral e dos Estados nacionais era necessário, também, alterar o marco regulatório de direitos constituídos.  Desde a Segunda Grande Guerra Mundial, avançou-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com os Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESC) e, em especial, nestas Conferências do Ciclo Social da ONU que definiram essas novas gerações de direito. Não era só o direito individual que estava garantido, mas o coletivo também. Por isso, para as corporações e transnacionais era crucial que novos instrumentos fossem criados para que pudessem influenciar e mudar, com efetividade, as decisões e processos globais fundamentados neste enorme avanço sobre o direito humano.

Cria-se o Global Compact[4] que passa a ter um papel assessor tanto na era Kofi Anan, como na atual era Ban Ki Moon e, para tal objetivo, abraçam a agenda ambiental retomada na Rio+20 e todo o debate do Pós-2015. Apresentam-se como a solução dos problemas globais de combate a pobreza, à crise climática, ao uso de novas tecnologias e de financiamento.

O setor privado passa a dirigir estes processos, redefine conceitos acordados e os modifica. Na Rio+20 ficou evidente a introdução do conceito de economia verde entre outros. A  tentativa de acabar com o conceito de CBDR (Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas), fundamental para garantir diferentes níveis de responsabilidades dos países frente ao combate dos desequilíbrios ambiental, climático e social, entre outros, demonstra que a visão de mercado sairia vitoriosa na disputa sobre o que significa o “desenvolvimento” seus possíveis caminhos e mecanismos. Mesmo o mecanismo CBDR sai com uma perna quebrada nesse novo momento do cenário internacional, onde corremos o risco de penalizar exatamente os menos os que têm menos responsabilidade sobre a profunda crise global.

Os que comandam hoje, o nosso mundo, são o Fórum Econômico Mundial, a Organização Mundial do Comércio, as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), tendo tanto os Estados Nacionais, como a ONU capturada pelos interesses destas  corporações transnacionais, ainda que reste uma certa legitimidade e independência política, nas frágeis democracias de nosso tempo.

Reconhecemos, portanto, que a agenda global está capturada majoritariamente pelos conglomerados privados, ainda que a mesma seja crucial para equacionar a grave crise civilizatória e ambiental que vivemos. Todos os processos desencadeados, desde a Rio 92, até a última grande Conferência que foi a Rio+20, de onde também saíram os Objetivos do Milênio (ODMs), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), as Conferências  das Partes de Biodiversidade de Mudança Climática, desembocam no chamado Pós-2015.

Em 2015 acaba o prazo definido pelos ODMs pela Assembleia da ONU. Desta forma tornam-se necessários novos indicadores e novas metas para a agenda global ao enfrentamento da pobreza e das desigualdades e da crise ambiental. Surge então, na Rio+20 o novo conceito que tenta articular as questões sociais, econômicas e ambientais, expressos em objetivos, ODSs. Este processo, que parece gigantesco e que parece envolver todo o Planeta, na verdade não será decidido na ONU e muito menos nas deliberações sobre a implementação no Pós-2015, ainda que este processo tenha seu valor de ampliar o debate.

Apesar de todo apelo que esta agenda nos remete e da ONU, e alguns governos, tentarem ampliar a discussão por meio de participação da sociedade global, via tecnologias de comunicação e dados abertos para trazer organizações e cidadãos e cidadãs para o debate, o que ocorre é um afunilamento no qual, as decisões finais, excluem todos os que foram convidados ao debate global e o texto final não reflete as principais demandas e preocupações expressas por aqueles convidados a opinarem.

Ademais os ODS são genéricos e sem clareza dos mecanismos de financiamento para a solução das questões. E, cada vez mais, as resoluções estão sendo colocadas nas mãos do setor privado, que privilegia uma visão de mercado requentando uma lógica que já demonstrou ser a causa do desastre global.

O relatório do Fórum Econômico Global, escrito antes da Rio+20 diz que o sistema de governança no futuro, será melhor administrado por coalizões de corporações multinacionais, Estados-nação (incluindo a ONU) e um seleto grupo de organizações não governamentais. E esta tem sido a diretriz. Segundo o Banco Mundial e a Revista Fortune, 110 entre as 175 maiores economias globais, em 2011, são corporações, sendo o setor corporativo a uma maioria com 60% sobre os países. A entrada das megacorporações tais como Royal Dutch Shell, Exxon Mobil e Wal-Mart produzem desequilíbrio total no sistema de poder global, pois, essas três somente, são maiores que 110 economias nacionais, mais da metade dos membros da ONU[5].  Portanto, o poder destas corporações no mundo e nos espaços políticos de decisão é inquestionável.

Diante desse contexto um dos principais desafios que permeia a elaboração dos ODS e a construção da agenda Pós-2015 diz respeito ao enfraquecimento do poder público, seja nacionalmente, seja no marco do multilateralismo. Uma das expressões desse enfraquecimento é a proposta de Parcerias Público/Privada (PPPs). Tal proposta carrega uma visão estrita de crescimento econômico e soluções baseadas no mercado para o tema do desenvolvimento sustentável, despolitizando as causas da pobreza, do desequilíbrio ambiental e da crise climática.

Além do mais, as PPPs abrem caminho para negócios das corporações que detêm poder no cenário global. São elas: indústrias extrativistas, de tecnologia de ponta, do setor químico, farmacêutica e de alimentação e bebidas. Essas empresas não atuam em favor do desenvolvimento sustentável, ao contrário, são contra o mesmo, pois visam o lucro e não a sustentabilidade em curto prazo e não a sobrevivência do Planeta no longo prazo. O poder de mediação do Estado fica prejudicado e sua legitimidade atacada, tendo o campo dos direitos enormes prejuízos, pois reside no estado o poder e legitimidade para que esses direitos sejam efetivados na vida dos/das cidadãos/cidadãs.

O processo de formulação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) está crivado de problemas[6]. São eles:

1)  Do ponto de vista do processo de participação foi um tiro no pé, na medida em que, abriu para a participação formalmente, mas efetivamente quando se fechou o texto final das organizações da sociedade civil e movimentos sociais que participaram não tiveram direito de estarem presentes. É fundamental pensar a participação como um direito humano e desta forma, reformatar os mecanismos de tomada de decisão;

2)  Os ODS não preenchem plenamente o objetivo de proteger e realizar os direitos humanos  para todos e todas. Olhando na perspectiva do Ciclo Social das Nações Unidas e os Direitos Humanos, estamos caminhando a largo passo para a redução do que foi conquistado. A necessidade de reduzir custos e uma visão conservadora vem corroborando para este retrocesso;

3)  Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres ainda não são suficientes. Continuam não escutando as demandas do movimento de mulheres global nas suas reivindicações;

4)  A concentração de poder e riqueza entre países e internamente aos países, que produzem pobreza e desigualdades não estão sendo atacados suficientemente e a agenda não tem metas claras para reverter esse quadro;

5)  Falta real reconhecimento das mulheres rurais, povos da floresta,  povos indígenas, pescadores que são grupos chaves para soluções de manejo de recursos naturais;

6)   A Tecnologia está toda concentrada no comércio e no do setor privado. Precisamos pensar a tecnologia com a ideia de acesso livre e equitativo e acabar com as barreiras de proteção dos direitos de propriedade intelectual;

7)  As questões de financiamento ainda estão obscuras e não existe concretamente nenhuma proposta que mostre a entrada de dinheiro novo para que se iniciem programas e projetos que visem a efetivação dos Objetivos;

8)  Os países ricos acabaram vitoriosos em se livrar da responsabilidade maior na resolução dos desequilíbrios ambientais e climáticos. Ainda que se encontre o conceito de CBDR, a realidade é que as responsabilidades acabaram recaindo sobre os países em desenvolvimento e pobres na mesma trilha do que ocorreu com os malfadados Objetivos do Milênio. O que define, em última instância, é quem te poder de se impor, não importa os compromissos assumidos no âmbito multilateral. Temos uma crise de governança séria;

9)  Outro aspecto fundamental é que os Orçamentos dos países não estão construídos para implementarem as ODS, ou seja, os orçamentos não são sustentáveis  e nem objetivam metas de desenvolvimento sustentáveis. Também as estruturas tributárias, em grande parte dos países são injustas e priorizam o interesse do capital flexibilizando, reduzindo impostos e mantendo mecanismos de livre fuga de capital, além dos paraísos fiscais;

10)       Por fim, mais uma vez, olhando na perspectiva dos direitos humanos, as ODS caem na mesma armadilha das ODMs, reduzem o marco dos direitos humanos, que deveriam ser os princípios norteadores de qualquer política pública socioambiental, pois o exercício deveria ser ao revés, quais são os direitos e como eu os realizo. O que temos hoje é o direito de poucos donos do capital em detrimento do mundo político, social e cultural e toda a sustentabilidade do Planeta.


[1] Roque , Átila e Corrêa , Sonia: Das Cúpulas as bases:cenário internacional. In Social Watch, Observatório da Cidadania nº 4 –  2000 –  Ultimo acesso em 05 de agosto de 2014 –  http://www.socialwatch.org/nod11315

[2] a esse respeito ler a coleção de Relatórios produzidos pelo Social Watch: página http:/www.socialwatch.org/

[3] As oito metas: redução da pobreza, atingir o ensino básico universal, igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhora da saúde materna, combater o HIV/Aids a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para  o desenvolvimento. para maiores informações, acessar a página do PNUD no Brasil http://www.pnud.org.br/ODM.aspx

[4]para maiores informações acessar: http://unglobalcompact.org/Languages/portuguese/

[5] PINGEOT, LOU – Corporate Influence in POST 2015 process – Working Paper – January 2014 -Misereor, GPF e BROT fur die Welt

[6] ler o sobre o assunto em: Pingeot, Lou – Corporate influence in Post-2015 process – January – 2014.

– 2014.

Reforma do sistema político: esta luta deve ser nossa!

Publicado por Abong

Não é de hoje que o povo tem um profundo mal estar com o poder, com as formas tradicionais de se fazer política, com as instituições e com os processos eleitorais que, na maioria dos casos, escolhe quem não representa a maioria da população.

O nosso sistema político é herdeiro e, ao mesmo tempo, alimentador das nossas mazelas como país: profunda desigualdade (de gênero, de raça/etnia, de classe), machismo, racismo, homofobia, não reconhecimento dos/as indígenas como povos. Este sistema político foi montado para favorecer e manter as oligarquias no poder. Oligarquia que, ao longo do tempo, foi se modificando e hoje é a “moderna oligarquia do mercado financeiro”.  Ele é herdeiro do autoritarismo e, principalmente, da ditadura militar.

A Constituinte de 1986/1988 não conseguiu enfrentar estas mazelas, primeiro pelo próprio formato que teve – foi o congresso que fez e não uma assembleia constituinte exclusiva e soberana. Este formato definiu a composição e o conteúdo da nova constituição: avançada nas questões sociais e conservadora na questão da propriedade, da economia, do mercado financeiro, do sistema político, das forças armadas e das polícias e, principalmente, das instituições. Continuamos com um poder todo centrado na representação, no poder das instituições, e não na soberania popular. Praticamente, a única forma de expressão da soberania popular é o voto, com todos os limites e, o pior, todos os vícios do nosso sistema eleitoral, que possui dois grandes problemas: a dominância do poder econômico e a sub-representação de vários segmentos nos espaços de poder.

 

Hoje, quem financia as campanhas são grandes empresas que, depois, cobram a conta através da corrupção e/ou da implementação de projetos/políticas públicas de seus interesses. Temos um parlamento formado por homens, urbanos, brancos, ricos, proprietários, heterossexuais e cristãos.  Por exemplo, temos menos de 9% de deputadas, menos de 8% de parlamentares negros/as, nenhum indígena. Isso não representa a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira. Esta mesma disparidade está presente em todas as instâncias do Estado, não esquecendo aqui de nomear o judiciário.

Para mudar isso precisamos de um processo político na sociedade, com força social e política, organização de base, debates, acúmulo de forças, mobilização e formulação de um novo projeto de nação e de sociedade que passa, necessariamente, pela construção de outro sistema político.

Ao longo dos últimos anos, movimentos sociais, organizações, articulações da sociedade e igrejas construíram duas grandes estratégias: a iniciativa popular da reforma política democrática e eleições limpas e o plebiscito popular pela convocação de uma assembleia constituinte exclusiva e soberana do sistema político.

A iniciativa popular é organizada pela Coalizão pela Reforma Política, que promoveu um processo de diálogo e unificou a proposta da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e a do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). A iniciativa popular é um instrumento da democracia direta previsto na Constituição e tem uma série de exigências, como por exemplo, obter perto de 1.500.000 assinaturas, não apresentar propostas de mudança constitucional, ter o número do titulo eleitoral, etc. No entanto, ela consegue, mesmo com estes limites, enfrentar questões importantes e estruturais do nosso sistema político, como o peso do poder econômico nas eleições, a sub-representação de vários segmentos no parlamento, a necessidade de fortalecer os instrumentos da democracia direta, de resgatar a importância dos partidos e criar mecanismos democráticos de controle e fiscalização do processo eleitoral.

A iniciativa popular é uma estratégia que se propõe atuar em um tempo político mais curto, isso é, mobilizar a sociedade para forçar que este Congresso aprove uma reforma política que responda aos anseios de amplos segmentos da sociedade. Como a iniciativa popular faz isso? Na questão do financiamento, propõe mecanismos democráticos proibindo o aporte de recursos por parte das empresas. As eleições passariam a ser financiadas com recursos do orçamento público e de contribuições de pessoas físicas. Tudo isso com limites e como estratégia para democratizar o processo, combater a corrupção e limitar e baratear os custos das campanhas. Propõe um sistema de escolha dos/as representantes em dois turnos. Os partidos elaboram de forma democrática listas partidárias com alternância de sexo e critérios de inclusão dos demais segmentos sub-representados. O primeiro turno visa a definir quantas cadeiras no parlamento o partido vai ter. No segundo turno, participa o dobro de candidatos/as e o/a eleitor/a vota no nome de seu/sua representante.

Para fortalecer a democracia direta, a iniciativa popular propõe que determinados temas só possam ser decididos por plebiscitos e referendos, como por exemplo, grandes projetos com grandes impactos socioambientais, privatizações, concessões de bens públicos, megaeventos com recursos públicos, entre outros. Para conhecer na integra a proposta da Iniciativa Popular, acesse aqui.

Já o Plebiscito Popular abarca três estratégias: trabalho de base, formação política e discussão ampla com a sociedade. Busca-se debater a institucionalidade que temos e a que queremos (sistema político) e o lócus político para se fazer esse debate é a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana. O horizonte político do Plebiscito Popular é de longo prazo, é o de acumular forças na sociedade para poder provocar as rupturas que precisamos. Neste sentido, é fundamental o processo de conquista de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana.

Esta mesma demanda por uma Constituinte Exclusiva e Soberana esteve presente em 1985. Mas, não tivemos força política suficiente para torná-la realidade na ocasião e tivemos uma Constituinte Congressual (o Congresso que fez), sem soberania (pois estava subordinada à vontade do executivo, dos militares e do poder judiciário). Em outras palavras, para provocar as rupturas que precisamos, urge criar novas institucionalidades onde o alicerce do poder é a soberania popular, onde o poder constituinte seja o próprio poder popular.

O instrumento que temos para fazer isso é a convocação de um plebiscito popular com a seguinte pergunta “Você é favorável à convocação de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político?”

Como o próprio nome diz, plebiscito popular quem organiza é o povo. Portanto, ele não tem valor legal, mas tem peso político na correlação de forças.  A grande tarefa, no momento, é a organização de comitês populares amplos em todos os lugares possíveis para organizar a campanha de votação do Plebiscito e a coleta de assinaturas da iniciativa popular de 01 a 07 de setembro. Precisamos ter milhões de votos e coletar milhões de assinaturas. Para ter acesso ao debate do Plebiscito Popular acesse aqui.

Entretanto, não podemos nos organizar para setembro e parar por aí. O processo de luta pela reforma do sistema político precisa continuar após setembro, precisa ser pauta na disputa eleitoral, precisa organizar a sociedade, precisa ganhar amplos setores e pautar a necessidade de o Brasil realizar as grandes mudanças estruturais, que passam pelo fortalecimento do poder soberano do povo e de um novo sistema político. Sem isso, não vamos conseguir avançar nas reformas estruturais e muito menos enfrentar as questões que a Constituinte de 1988 não enfrentou ou mesmo cristalizou como, por exemplo, a supremacia do capital e da propriedade privada diante dos direitos dos povos.

Esta luta pela reforma do sistema política tem que ser nossa!

Folder da pesquisa sobre dados abertos 2014

Measuring open data´s impact of Brazilian National and Sub-National budget transparency websites and its impacts on people´s rights

See PDF


 

Measuring open data’s impact of Brazilian national and sub-national budget transparency websites and its impacts on people’s rights by INESC-Institute for Socioeconomic Studies (Brazil) is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

A resistência da mídia aos conselhos populares

Publicado Por  Adital

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, reza o parágrafo único do Art. 1º da Constituição Federal de 1988 (CF88). Por outro lado, o Título VIII, “Da Ordem Social”, estabelece várias formas de participação, sendo que o Art. 204, ao tratar da assistência social, define especificamente diretrizes para a descentralização político-administrativa e a participação popular na formulação de políticas públicas setoriais.

 

 

 

 

Na CF88, estão previstos a instalação de 15 tipos de conselhos, diferenciados por sua inserção normativa, vinculação, atuação, composição, competência e natureza. Regulamentados por lei complementar, inúmeros funcionam rotineiramente e este funcionamento passou a ser condição legal para o repasse de recursos financeiros da União e dos estados. Outros cumprem funções relativas à avaliação de instituições públicas.

 

 

 

A diretriz constitucional da descentralização político-administrativa e da participação popular tem sido diretamente responsável por resultados positivos na formulação e avaliação de políticas públicas de setores de direitos fundamentais, há anos.

 

 

Apesar de tudo isso, o Decreto nº 8.243 de 23 de maio, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS), tem provocado uma irritada reação das forças conservadoras. Na Câmara dos Deputados, a oposição faz obstrução da pauta e ameaça impedir a votação de qualquer Projeto de Lei até que o decreto seja revogado. Além de líderes partidários, editoriais e colunistas de jornais tradicionais têm atacado o PNPS.

 

 

 

 

É interessante observar que os oligopólios de mídia lideram a reação conservadora: “golpe contra a democracia”, “devastadora desconstrução da democracia”, “decreto suspeito”, “bolivarismo” e “chavismo” são algumas das acusações ao decreto.

 

 

O porta-voz do tradicionalismo paulista, por exemplo, afirma que a presidente “tenta por decreto mudar a ordem constitucional”, que o decreto “é um conjunto de barbaridades jurídicas” e “mais um ato inconstitucional”. Por fim, conclama o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal a declararem “a inconstitucionalidade do decreto” [cf. “Mudança de regime por decreto”, O Estado de São Paulo, 29/5/2014].

 

 

 

Não há novidade na reação da grande mídia. O liberalismo, que sempre afirma defender, só é democrático no papel e ela tem apoiado sofismas historicamente utilizados para justificar a exclusão e a marginalização de importantes segmentos da população brasileira do exercício republicano da democracia.

 

 

Mas há, sim, uma especificidade que une a mídia e as diretrizes constitucionais da descentralização político-administrativa e da participação popular. Desde a CF88, elas têm sido interditadas no campo da comunicação social.

 

 

Em dezembro de 1991, foi sancionada a lei nº 8.389 que regulamentou o Art. 224 da CF88 e instituiu o Conselho de Comunicação Social (CCS). Apesar de ser apenas um órgão auxiliar do Congresso, a instalação do CCS foi postergada por mais de 11 anos, até 2002. Instalado, funcionou durante quatro anos e ficou inativo de dezembro de 2006 até julho de 2012, quando foi reinstalado de forma polêmica e uma composição distorcida, favorecendo a representação empresarial.

 

 

 

Por outro lado, desde a promulgação da CF88, obedecendo ao princípio constitucional da simetria, 9 das 26 constituições estaduais – Amazonas, Pará, Alagoas, Bahia, Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – e a Lei Orgânica do Distrito Federal incluíram em seus textos a criação dos Conselhos Estaduais de Comunicação Social (CECS).

 

 

Apesar de várias iniciativas tomadas nestas 10 unidades da federação para regulamentar o que está previsto em suas respectivas constituições, até hoje os CECS somente funcionam nos estados da Bahia e de Alagoas, sendo que, neste, de maneira precária e limitada.

 

 

A formidável resistência histórica dos oligopólios de mídia impede, há mais de 25 anos, que normas da CF88 e de constituições estaduais sejam cumpridas no campo da comunicação social.

 

Não é de surpreender, portanto, que esses mesmos oligopólios liderem a reação conservadora. Autodenominados defensores da democracia, rejeitam qualquer interferência popular direta na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas referentes às concessões do serviço público de radiodifusão. Temem que o Decreto nº 8.243 faça a prática da democracia participativa chegar até a comunicação social, o que, até hoje, têm conseguido interditar.

 

A sociedade civil numa democracia em transformação

Publicado por Abong

O mundo tem experimentado, nestas primeiras décadas do século 21, mudanças importantes de paradigmas. A interatividade proporcionada pela internet e pelas redes sociais transformou a maneira como as pessoas se relacionam com a informação. Na economia, os duros abalos sentidos a partir de 2008 provocaram questionamentos sobre o capitalismo, com debates acirrados sobre os caminhos para a reformulação do sistema. Mas talvez seja na democracia que estejamos presenciando uma das mais profundas mudanças de conceitos e práticas.

Durante sua evolução, o sistema democrático foi marcado pelo desenvolvimento de estruturas hierárquicas e representativas que por muito tempo foram as únicas formas de realizar a intermediação entre os interesses da sociedade e as ações dos governantes. Mas o que estamos testemunhando é o surgimento de caminhos alternativos, em que os indivíduos também têm buscado maneiras próprias de se manifestar, interagir e influenciar os poderes.

No entanto, ao mesmo tempo que a interação mais direta das pessoas significa uma renovação importante na forma de se praticar a democracia no dia a dia, ela traz consigo enorme responsabilidade. Isso porque há a disseminação da falsa ilusão de que os indivíduos, sem a ajuda de organizações, são capazes de realizar as transformações profundas pelas quais tanto lutam.

Os acontecimentos recentes no Egito, na Tailândia e na Ucrânia são demonstrações de que os indivíduos têm forças suficientes para confrontar o status quo. Porém, quando chamados a aprofundar e concretizar as mudanças, não avançam, pois não contam com as bases para construir alternativas, nem com canais de interlocução para novos acordos sociais. As consequências, infelizmente, têm sido o retrocesso, com atitudes de desconstrução democrática.

O grande desafio das organizações da sociedade civil é exatamente o de ser capaz de mediar e interagir com os indivíduos que desejam participar desse processo, servindo como base de conhecimento e de ideias e, ao mesmo tempo, de conseguir ter influência nos círculos de decisão.

No Brasil, a sociedade civil organizada tem procurado entender e atuar de acordo com essa nova realidade. Recentemente, representantes do setor se reuniram para pensar o futuro da atuação social no país e desenharam quatro possíveis cenários para a próxima década.

O projeto, chamado de Sociedade Civil 2023, foi um exercício desafiador, que ofereceu elementos para compreender os riscos e as oportunidades presentes no diálogo entre Estado e sociedade. A mensagem principal extraída foi a necessidade de reforçar as alianças e o diálogo como medida para prevenir eventual acirramento da intolerância e para garantir desenvolvimento social sustentável a longo prazo.
O ambiente para a concretização dessas tarefas é dos mais favoráveis. O Brasil vive momento no qual a sociedade passou a cobrar novo patamar de qualidade nas políticas públicas, com mais ênfase em valores de justiça social e sustentabilidade.

Trata-se de oportunidade singular, na qual todos os agentes têm um papel a desenvolver. Dos entes políticos, esperam-se reformas estruturais que tornem o sistema mais representativo e permeável à participação da sociedade. Dos movimentos sociais, requer-se maior valorização dos caminhos da negociação no sentido de construir um projeto de país que seja coletivo e inclusivo, e, da iniciativa privada, a expectativa é de que haja um engajamento mais amplo e efetivo em políticas de responsabilidade social.

Outra condição essencial é o fortalecimento da sociedade civil organizada brasileira. Nesse sentido, um passo importante foi dado no início de julho, com a aprovação, no Congresso, do Projeto de Lei nº 3.877. A nova legislação reformula princípios e regras que vão trazer segurança jurídica à atuação da sociedade civil, garantindo a sustentabilidade do setor e, com isso, a manutenção desse trabalho fundamental de mediação entre os anseios da sociedade e a atuação de todas as esferas de governo.

Os desafios impostos pelas mudanças de contexto no qual vivemos são enormes. E, para superá-los dentro da nova realidade democrática que ora se apresenta, o aperfeiçoamento da atuação das organizações da sociedade civil é imperativo.

Fonte: Correio Braziliense

Uma Agenda propositiva Para Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional

Protagonismo Juvenil

Confira o PDF

 

Sistematização do “Projeto Onda: adolescentes em movimento pelos direitos”

Conselhos populares e democracia participativa

Publicado Por Plenalto.com.br

O decreto presidencial nº 8.243, de 23 de maio de 2014, criando Conselhos Populares, objetivando o aperfeiçoamento do instrumental de apoio ao Poder Executivo para a implementação de uma Política Nacional de Participação Social, e para tanto criando um Sistema Nacional de Participação Social, é um passo importante, altamente positivo, no sentido de ampliar as práticas de democracia participativa na sociedade brasileira. Na realidade, essa iniciativa deverá contribuir significativamente para que se dê efetividade ao disposto no parágrafo único do artigo 1º da Constituição, segundo o qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Numa rápida visão retrospectiva, é oportuno lembrar que no século dezoito, como resultado das revoluções burguesas, foi proclamado o objetivo da implantação de sistemas democráticos, com sistemas governamentais em que o povo é o titular do poder político. Esse foi o primeiro passo para dar ao po vo um papel positivo nas decisões fundamentais de seu governo.

Pela impossibilidade prática de obter a participação direta e imediata do povo em grande número de decisões de seu governo acabou prevalecendo a democracia representativa, na qual a vontade popular deveria ser manifestada por meio de representantes eleitos. Entretanto, ocorreu uma importante evolução, criando-se novos instrumentos de participação popular nas decisões governamentais, consagrando-se o plebiscito e o referendo como veículos de expressão da vontade do povo, convivendo com as instituições representativas. Mais recentemente, com a criação e o aperfeiçoamento de novos meios para a obtenção da vontade do povo surgiu a democracia participativa. E quanto a essa importante inovação a Constituição brasileira de 1988 é das mais avançadas do mundo, como tem sido reconhecido e proclamado por constitucionalistas e defensores da sociedade democrática em diferentes países.

O decreto presidencial número 8.243, criando instrumentos para a efetivação de uma Política Nacional de Participação Social, tem sólido embasamento constitucional, a partir do já referido parágrafo único do artigo 1º da Constituição, segundo o qual deve ser dado ao povo um papel ativo no exercício do poder. Relativamente à competência da Presidenta da República para decretar a criação dos novos instrumentos de participação popular, para colaborar com o governo e influir sobre as decisões relativas à definição, aos objetivos e aos meios de implantação da Política Nacional de Participação Social, existe disposição expressa no artigo 84 da Constituição, que estabelece as competências privativas do Presidente da República, entre as quais está expressamente referida, no inciso VI, dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal. Os Conselhos Sociais, previstos no decreto 8243, atuarão junto a órgãos da administração federal, colaboran do para a melhor definição de objetivos e a maior eficácia em seu desempenho.

Contrapondo-se a essa iniciativa presidencial, foram divulgadas pela imprensa as opiniões de alguns juristas tentando sustentar a inconstitucionalidade dessa iniciativa presidencial, mas com argumentos absolutamente inconsistentes, que podem ser facilmente rejeitados com a simples referência a disposições expressas da Constituição. A par disso, é oportuno assinalar que foram publicadas com grande ênfase críticas da grande imprensa, que pretende ser reconhecida como o veículo de expressão da vontade de todo o povo. Assim é que, a par da insinuação de que os conselhos poderão ser instrumentalizados, foi referida na imprensa como negativa a intenção da Presidenta Dilma Roussef de dar voz a uma tal sociedade civil, esquecendo-se esses críticos de que os conselhos terão apenas a natureza consultiva, não participando da tomada de decisões. Para os juristas opositores dessa inovação, ela seria inconstitucional porque os meios de participação política do povo seriam apenas aqueles enumerados no artigo 14 da Constituição, ou seja, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, não havendo aí referência a outras formas de participação popular. Na realidade, quem fez essa afirmativa parece não ter conhecimento do total dos dispositivos constitucionais. Com efeito, basta lembrar alguns artigos da Constituição nos quais há referência expressa à participação popular, por meios não constantes da enumeração do referido artigo 14. Assim, no artigo 198, que trata das ações e dos serviços públicos de saúde existe a determinação de que sejam observadas algumas diretrizes, entre as quais consta, expressamente, no inciso III, participação da comunidade. Nessa mesma linha, no artigo 205, que trata do direito de todos à educação, está expresso que esta será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. No artigo 29, que dispõe sobre a organização e a atuação do Município na ordem política brasileira, dispõe-se que deverão ser observados os pr eceitos a seguir enumerados, entre os quais consta, no inciso XII, a cooperação das associações representativas no planejamento municipal.

Como fica mais do que evidente, um dos preceitos básicos da Constituição é justamente a criação de meios para que o povo participe efetivamente do exercício do pode, como está expresso no parágrafo único do artigo 1º. Seguindo essa diretriz podem e dever ser criados novos meios de participação social na definição de políticas e na busca de sua implantação. A par disso, é muito importante lembrar a grande importância que já assumiu no Brasil a prática das audiências públicas, instrumento de participação popular não referido no artigo 14 da Constituição, que vem exercendo influência no desempenho do Legislativo, do Executivo e do Judiciário e cuja constitucionalidade ninguém jamais contestou.

Por último, é importante e oportuno assinalar que os Conselhos criados pelo decreto número 8243 têm caráter consultivo, não afetando de qualquer modo os direitos e poderes dos membros do Legislativo nem restringindo as atribuições e competências de qualquer órgão público brasileiro. As restrições a essa importante e louvável iniciativa só podem ser explicadas pela persistência de uma mentalidade formalista e elitista, ancorada nos argumentos e nas práticas do século dezenove. Além disso, várias manifestações deixaram evidente a resistência de parlamentares que pretendem preservar para si a exclusividade e o privilégio de serem os únicos veículos de expressão da vontade do povo, que formalmente representam, povo que muitas vezes tem sido prejudicado por decisões de representantes que privilegiam os interesses de segmentos sociais ou econômicos a que se vinculam.

Em conclusão, bem ao contrário das críticas negativas e das tentativas de questionamento da constitucionalidade, o decreto número 8243 é rigorosamente fiel à Constituição e dá importante contribuição para a prática da democracia participativa, ou seja, para que tenha efetividade à proclamação constitucional do Brasil como Estado Democrático de Direito.

O artigo foi publicado no site Migalhas no dia 24 de junho de 2014.

A sombra do povo e a insônia dos grã-finos

Publicado Por Carta Maior

Não bate! O clamor que tomou conta dos arraiais do conservadorismo brasileiro desde o anúncio do Programa Nacional de Participação Social, há alguns dias, decididamente não combina com a empáfia impostada de seus representantes políticos.

Como é que é? Aposentadoria antecipada para Dilma, seis meses antes do pronunciamento das urnas? De que vale o sarcasmo de Aécio e assemelhados, quando ele é desmentido cotidianamente por seu patente nervosismo?

Fernando Henrique Cardoso falava ao país em cadeia nacional, e estava tudo muito bem. Por que a cólera? Por que o afã em punir com os rigores de uma lei reinventada para esse propósito, toda vez que Dilma Roussef faz isso?

A mesma pergunta vale para o decreto 8.243. Mal publicado no Diário Oficial,  ele foi denunciada pelos porta-vozes acreditados do conservadorismo pátrio como peça axial do programa insidioso do PT de transformar em ditadura popular disfarçada nossa ainda frágil democracia. 

Mas a incongruência entre o objetivo suposto e o instrumento empregado salta à vista. Um decreto não tem o condão de alterar a ordem constitucional do país. Exercício unilateral de poder do chefe do executivo, ele pode ser modificado — ou simplesmente revogado  —  por outro decreto, em qualquer instante.

Ora, ninguém em sã consciência imagina que o governo venha a se lançar em obras de complexa engenharia institucional nos próximos meses. Terminada a Copa, a campanha eleitoral nas ruas, todos os esforços do PT estarão concentrados na tarefa de conquistar os votos necessários para manter os postos que detém no presente e conquistar outros novos.

Como essa é uma tarefa inglória, posto que o país rejeita o PT  — assim nos garantem  — e tudo que a ele se associa   não há porque perder o sono. A revogação do malfadado decreto será o primeiro ato do próximo Presidente da República.

Seria essa a atitude dos opositores se estivessem tranqüilos. Mas eles não estão tranqüilos. A ansiedade perturba-lhes o sono, e nas noites mal dormidas tomam sombras por seres reais assustadores, aos quais reagem com alarde como se verdadeiramente perseguidos. 

Melhor assim. Ao expressar em palavras o sentimento de ameaça que os aflige esses personagens se descobrem e ao fazer isso se expõem à crítica. Se nenhum outro mérito tivesse, o decreto em questão mereceria aplausos por isso. 

O que os seus detratores vêem de tão nocivo nele?  Um abuso de poder, um atentado à Constituição, uma tentativa perversa de manietar o Congresso, submetendo-o  à vontade de grupos orquestrados, parcamente representativos.

Não bate! O clamor que tomou conta dos arraiais do conservadorismo brasileiro desde o anúncio do Programa Nacional de Participação Social, há alguns dias, decididamente não combina com a empáfia impostada de seus representantes políticos. 

Como é que é? Aposentadoria antecipada para Dilma, seis meses antes do pronunciamento das urnas? De que vale o sarcasmo de Aécio e assemelhados, quando ele é desmentido cotidianamente por seu patente nervosismo? 

Fernando Henrique Cardoso falava ao país em cadeia nacional, e estava tudo muito bem. Por que a cólera? Por que o afã em punir com os rigores de uma lei reinventada para esse propósito, toda vez que Dilma Roussef faz isso?

A mesma pergunta vale para o decreto 8.243. Mal publicado no Diário Oficial,  ele foi denunciada pelos porta-vozes acreditados do conservadorismo pátrio como peça axial do programa insidioso do PT de transformar em ditadura popular disfarçada nossa ainda frágil democracia. 

Mas a incongruência entre o objetivo suposto e o instrumento empregado salta à vista. Um decreto não tem o condão de alterar a ordem constitucional do país. Exercício unilateral de poder do chefe do executivo, ele pode ser modificado — ou simplesmente revogado  —  por outro decreto, em qualquer instante.

Ora, ninguém em sã consciência imagina que o governo venha a se lançar em obras de complexa engenharia institucional nos próximos meses. Terminada a Copa, a campanha eleitoral nas ruas, todos os esforços do PT estarão concentrados na tarefa de conquistar os votos necessários para manter os postos que detém no presente e conquistar outros novos.

Como essa é uma tarefa inglória, posto que o país rejeita o PT  — assim nos garantem  — e tudo que a ele se associa   não há porque perder o sono. A revogação do malfadado decreto será o primeiro ato do próximo Presidente da República.

Seria essa a atitude dos opositores se estivessem tranqüilos. Mas eles não estão tranqüilos. A ansiedade perturba-lhes o sono, e nas noites mal dormidas tomam sombras por seres reais assustadores, aos quais reagem com alarde como se verdadeiramente perseguidos. 

Melhor assim. Ao expressar em palavras o sentimento de ameaça que os aflige esses personagens se descobrem e ao fazer isso se expõem à crítica. Se nenhum outro mérito tivesse, o decreto em questão mereceria aplausos por isso. 

O que os seus detratores vêem de tão nocivo nele?  Um abuso de poder, um atentado à Constituição, uma tentativa perversa de manietar o Congresso, submetendo-o  à vontade de grupos orquestrados, parcamente representativos.

Contra a sordidez desse propósito, que vem embalado na retórica enganosa da democracia participativa, os opositores defendem-se tirando do baú idéias arcaicas sobre o governo representativo. De acordo com estas, a vontade do povo se expressa na livre escolha de seus governantes. No intervalo entre uma eleição e outra, cabe aos cidadãos perseguir seus interesses privados, nos limites da lei, atentos tanto quanto possível à gestão da coisa pública.  Mas isso eles não podem fazer solitariamente. Para tanto, necessitam de fontes críveis de informação e da possibilidade de trocar idéias sobre os problemas em pauta. A liberdade de expressão é inerente, pois, a essa forma de governo, que tem na opinião pública a sua contrapartida. É esta que faz a ponte entre representantes e representados no curso rotineiro da vida política.

O problema com essa concepção, que passou a salpicar as páginas dos jornais nos últimos dias, é que ela tem muito pouco a ver com a maneira como funcionam as democracias contemporâneas. E muito menos ela tem com a operação real de nossa organização política.

Ao dizer isso não penso apenas na existência consolidada de Conselhos, Fóruns e outros mecanismos de diálogo e aconselhamento, que vêm se multiplicando nos mais diversos ramos da administração pública brasileira já há muito tempo. Nem nas relações simbióticas entre o Banco Central e o mercado financeiro, que constituem um elemento estrutural publicamente reconhecido da política de metas inflacionárias em vigor no País desde o final da década de 1990.  

Refiro-me à posição estruturalmente privilegiada que os detentores do poder econômico desfrutam em qualquer sociedade capitalista, e do franco acesso aos centros decisórios que tal condição lhes faculta. Situação geral que se vê reforçada no Brasil pelos índices escandalosos de concentração de renda e riqueza, e pela qualidade deplorável, com as exceções de praxe, da grande imprensa falada e escrita, quase inteiramente controlada entre nós por um punhado de famílias. 

A Política Nacional de Participação Social assusta porque encerra a promessa de corrigir parcialmente esse viés  —  para o bem da gestão das políticas públicas e a qualidade de nossa tão imperfeita democracia. E assusta tanto mais porquanto dentro de alguns meses a promessa pode começar a ser cumprida. 

A ofensiva contra os Conselhos tem, portanto, caráter eminentemente defensivo. Com ela os conservadores pretendem levar o governo a recuar desse projeto, antes mesmo que a batalha das urnas seja ferida. 

Mas por isso mesmo a resposta a ela não pode ser tímida. Não se trata de defender o decreto 8.243, e com ele todos os mecanismos de representação social que hoje existem. É preciso aproveitar a oportunidade do debate para questionar o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e a concentração da propriedade na mídia. Em uma palavra, diante do ataque a reação correta é partir para cima.

Mas não se atormentem, senhores e senhoras. Para cima na luta de idéias. Para cima, no bom sentido.

Ocupando espaços proibidos: o significado da aprovação das cotas raciais no Poder Executivo

No último dia 20 de maio, o Senado aprovou a o PL 6738/2013 que destina 20% das vagas em concursos públicos para negros. De autoria do Poder Executivo, o texto, já aprovado na Câmara, será encaminhado à sanção da presidente Dilma Rousseff. O projeto garantirá, por 10 anos, que candidatos pretos e pardos tenham cotas em concursos de órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações, empresas públicas, e sociedades de economia mista controladas pela União.

O caminho entre a elaboração e a aprovação deste projeto foi, em comparação com outras propostas que tramitam no Parlamento, bastante rápido: simbolicamente anunciado no dia 20 de novembro de 2013, na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, seis meses depois já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, sem polêmicas públicas relevantes. A “Associação Nacional de Concurseiros”, localizada no DF, até ensaiou uma mobilização contra, mas voltou atrás.

Fazendo um resgate histórico, há 10 anos, quando da aprovação das cotas na Universidade de Brasília, houve conflitos e debates públicos intensos, o lançamento do fatídico livro de Ali Kamel “Não somos racistas”, e acusações por parte de alguns acadêmicos, de que estar-se-ia criando um “apartheid brasileiro”, como se o racismo inexistisse em nossa sociedade.

A aprovação do PL de cotas representa avanços da política reparatória, em tornar todos os espaços mais diversos racialmente e promover a real mobilidade econômica da população negra. Mas também representa, considerando nosso momento histórico, a progressiva superação da “fábula das três raças”, ou, a ideia de democracia racial. Nunca houve democracia racial no Brasil, ao contrário, mecanismos de exclusão foram entranhados em todas as esferas sociais visando dar continuidade a relações de poder e privilégios existentes no período colonial. A mudança cultural na reação da sociedade a este PL, refletida na aprovação rápida e indolor pelos parlamentares, deve ser, portanto celebrada.

Como apontou o IPEA em Nota Técnica apresentada no Seminário sobre o PL 6738/2013, os negros estão concentrados em carreiras de remuneração mais baixa no serviço público, e mesmo quando muito qualificados do ponto de vista educacional, não chegam a ocupar os cargos de maior poder de decisão e melhor remunerados. Com a reserva de vagas, em 10 anos, este quadro poderá ser revertido.

Além da diminuição imediata das desigualdades encontradas no serviço público, as cotas no executivo apresentam mais uma vantagem, a da composição de uma política integrada: ora, se temos cotas nas universidades públicas, é preciso diminuir a desigualdade no acesso também ao mercado de trabalho formal, e bem remunerado.

O outro extremo do racismo (e machismo) no mercado de trabalho no Brasil

Temos observado resistências às mudanças na sociedade brasileira, setores conservadores insatisfeitos com a inclusão social e racial por meio de políticas públicas em diversos níveis. Tais setores não são uma abstração, são compostos por pessoas, essas mesmas que acreditam que o problema do racismo se resolve com uma campanha publicitária envolvendo bananas, que são

contra as políticas transferência de renda (em especial o Bolsa Família), e creem que jovens negros não podem frequentar o shopping e exercer o poder de consumo.  Outro exemplo é a oposição à regulamentação do trabalho doméstico: os argumentos contra esta importante legislação trabalhista se baseiam, na grande maioria dos casos, em racismo.

Considerando espaços sociais, podemos observar como nossa arquitetura física é reflexo do modelo social patriarcal e sexista: o setor imobiliário continua a construir residências com “dependência de empregada”, uma pequena senzala que pode ser encontrada na esmagadora maioria dos lares brasileiros, mesmo que não o utilizem como dormitório para aquelas que trabalham nesses lares.   O espaço, concreto e social, da memória da escravidão, continua ali, territorializando relações privadas que devem ser públicas, tornadas relações de trabalho, e não de dependência e subordinação.

Tatiana Dias, pesquisadora do Ipea, ressalta que estudos demonstram que as cotas raciais nas universidades públicas geraram impactos para além do acesso às vagas pelos estudantes. Também aumentaram os projetos de pesquisa sobre a temática racial, os espaços de convivência para debate dos estudantes sobre a negritude, enfim, a própria instituição universitária passa a ter que se repensar, deixando de ser um espaço essencialmente branco e masculino. Esperamos que o mesmo aconteça no serviço público federal, ou seja, que as intuições se transformem a partir da presença dos servidores negros e que o Governo crie ações de formação e de gestão voltadas para a superação do racismo institucional.

Destruir espaços de opressão, ocupar espaços de poder e buscar transformá-los – este é o significado da luta dos movimentos negros no Brasil. A institucionalização dessas demandas, por meio de políticas públicas e legislações específicas, é fundamental para a superação das desigualdades raciais em nosso País.

O Plano Nacional de Educação em disputa

Por Nina Madsen*

Está em disputa, no Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação. De um lado da contenda estamos nós, movimentos sociais do campo dos direitos humanos, lutando pela manutenção do texto enviado ao Congresso em 2010, um texto que avança em relação ao PNE anterior e que tenta responder a demandas históricas desses movimentos. Do outro lado, os grupos fundamentalistas conservadores que, há algum tempo, declararam guerra aos direitos das mulheres e da população LGBTT no país. As bancadas evangélica e ruralista, junto com as lideranças católicas conservadoras do Parlamento, estão unidas para tentar conter o que tem chamado de “avanço da ideologia de gênero”.

O texto do PNE não é exatamente revolucionário. Muito menos propagador de uma suposta “ideologia de gênero” – seja lá o que isso venha a significar. O texto simplesmente define como uma das diretrizes, “a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” (item III, Artigo 2º). O que os conservadores propõem em substituição, é uma redação genérica (com o perdão do trocadilho), que determina a ênfase da superação das desigualdades educacionais “na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.

O investimento dos grupos religiosos brasileiros no campo da educação não é novidade. Para lembrar dois exemplos recentes: o Acordo Brasil-Vaticano, firmado em 2009 pelo então Presidente Lula, que, atentando contra os princípios de nosso Estado Laico, recuperou a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas; e, em 2010, o arbitrário cancelamento da distribuição do material didático elaborado no âmbito do Projeto Escola Sem Homofobia.

Há algum tempo que nossa caminhada rumo a qualquer tipo de avanço no que diz respeito à garantia dos direitos humanos e do Estado Laico no país tem sido dificultada. Com o PNE, o caso não é diferente.

O que perdemos, caso ganhem os grupos religiosos conservadores? Perdemos a possibilidade de avançar em direção a uma educação fundada em princípios de igualdade, de direitos humanos e de cidadania para todxs, que garanta a diversidade sexual e a liberdade religiosa neste país multirracial e pluriétnico. Perdemos a possibilidade de avançar na desconstrução da cultura machista, racista e homofóbica que predomina em nossa sociedade. Uma cultura de violência que tem autorizado Estado e sociedade a produzirem números inaceitáveis de casos de violência contra as mulheres, de assassinatos de jovens negros e da população LGBTT no país.

De quantas mortes precisamos para convencer nossos ilustres parlamentares de que educar para a igualdade de gênero e para a igualdade racial e étnica é uma necessidade absolutamente urgente em nossa sociedade? De quantos estupros, de quantos assassinatos de mulheres, de jovens negros, de indígenas, de gays, lésbicas e pessoas trans precisamos?

Quantos casos e dados são necessários para convencê-los da gravidade do problema? Servem os dados do IPEA, lançados no dia 27 de março, sobre violência contra as mulheres e estupro? Essas pesquisas apontam números estarrecedores: 65,1% de concordância, total ou parcial, com a afirmação “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. 58,5% concordaram com a afirmação de que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros” . O relatório da pesquisa destaca ainda, a respeito destes dados, que “chama atenção o fato de que católicos têm chance 1,4 vez maior de concordarem total ou parcialmente com essa afirmação, e evangélicos 1,5 vez maior”.

Na pesquisa sobre estupros, uma estimativa assustadora de mais de 500 mil estupros por ano no país, dos quais apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia; 97,5% são praticados contra mulheres; 70% são praticados contra menores de 18 anos; e 15% são casos de estupro coletivo .

Educação para a igualdade e para a liberdade não é pregação de ideologia, é garantia de direitos e é estratégia de construção de uma sociedade menos violenta e mais justa. O Estado brasileiro não pode, nem por um segundo, enganar-se quanto à sua obrigação e quanto ao seu compromisso com essa construção. Não permitiremos nada menos.

*Nina Madsen é socióloga e integrante do Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 02/04/2014

PNE corre o risco de ficar para 2015

No dia 11 de fevereiro foi retomada a tramitação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) na Câmara dos Deputados, após um difícil período de análise da matéria no Senado Federal.

Embora a Câmara estivesse vazia, o Plenário 11 do Anexo 2 estava cheio. Na reunião da Comissão Especial dedicada ao tema estavam presentes: deputados e deputadas, assessores e consultores legislativos, ativistas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, representantes de entidades de gestores municipais e estaduais, professores, líderes sindicais, jornalistas, evangélicos, servidores do MEC (Ministério da Educação), entre outros. Poucas matérias recebem tanta atenção.

Nessa etapa de tramitação osdeputados têm três opções: optar pela sua versão de PNE, aprovada em junho de 2012; escolher a versão do Senado Federal, finalizada em dezembro de 2013; ou eleger trechos de cada uma, compondo um novo texto, desde que nele não conste qualquer dispositivo novo que altere o mérito do que foi aprovado anteriormente pelo Senado ou pela Câmara.

Embora pareça ser um simples exercício de escolha, essa etapa exigirá sensibilidade e forte capacidade de negociação por parte dos parlamentares. O PNE tramita no Congresso Nacional desde dezembro de 2010 e sua construção não tem sido fácil.

Colaboração

Segundo o Art. 214 da Constituição Federal, o objetivo do PNE é “articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração”. Obrigatoriamente, ele deve “definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades”. Para dar conta dessa tarefa, a Carta Magna determina que é necessário empreender “ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas”. E é precisamente nesse trecho final que reside essencialmente o problema.

Boa parte da demora na aprovação do PNE pode ser explicada precisamente pela dificuldade dos governos federal, distrital, estaduais e municipais de trabalharem em conjunto, articulando ações entre si e cumprindo com suas responsabilidades constitucionais.

PAPEL DO GOVERNO FEDERAL ESTÁ CLARO NA CONSTITUIÇÃO

Como a colaboração é desejável, mas nem sempre é espontânea, a Constituição Federal no Art. 211 vai asseverar que os governos federal – o que mais arrecada –, distrital, estaduais e municipais “organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”.

Ou seja, devem trabalhar juntos.

Logo em seguida, no primeiro parágrafo deste mesmo artigo, determina que a União, além de organizar o sistema federal de ensino e financiar as instituições públicas sob sua responsabilidade, “exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”.

Mais para frente é determinado que estes entes subnacionais são responsáveis, prioritária e respectivamente, pelo ensino médio (Estados), ensino fundamental (ambos) e a educação infantil (municípios).

No Brasil, a trajetória das políticas sociais em geral, e a da educação em específico, pode ser narrada como uma história de descontinuidades e dissonâncias. Embora alguns esforços recentes em contrário, cada governo tem a sua política, fala a sua língua e tenta acertar um alvo específico, sempre querendo deixar a sua marca.

Nesse jogo quase exclusivamente dedicado à ambição eleitoral, quem sai perdendo é o cidadão. Por exemplo, para um adolescente que está nos anos finais do ensino fundamental, pouco importa se sua escola é federal, estadual ou municipal, ele tem o direito de estudar em uma boa escola.

Custo mínimo, com qualidade, por aluno

Em relação à proposta aprovada na Câmara dos Deputados, um dos principais retrocessos do texto do Senado Federal de PNE foi precisamente o de desobrigar a União de colaborar com os entes subnacionais no alcance dos valores do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial).

O CAQi é um índice que reúne os custos da educação pública por aluno ao ano, considerando salário inicial condigno, política de carreira e formação continuada aos profissionais da educação, número adequado de alunos por turma, além de insumos infraestruturais como: brinquedotecas, bibliotecas, quadra poliesportiva coberta, laboratórios de informática e laboratórios de ciências, etc.

Criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o mecanismo do CAQipretende proporcionar equidade no acesso à educação e, para isso, materializa justamente o padrão mínimo de qualidade exigido pelo parágrafo primeiro do Art. 211 da Constituição. Ou seja, oferece uma solução prática para colaboração da União com os entes subnacionais ao determinar que nenhum cidadão pode estudar em uma escola pública sem aqueles insumos listados.

Sendo um mecanismo justo, por que ele foi tirado do PNE no Senado Federal?

Primeiro porque as escolas brasileiras estão muito abaixo do padrão mínimo de qualidade. Uma pesquisa aponta que menos de 1% das escolas brasileiras têm infraestrutura mínima, segundo os critérios do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial). Segundo porque, o governo federal deveria repassar a Estados e municípios cerca de R$ 37 bilhões de reais por ano apenas para as matrículas atuais conforme estudo da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca). Como o PNE exigirá a expansão de matrículas, esse valor subirá — e muito. E isso explica parte significativa da necessidade de investimento de um patamar equivalente a 10% do PIB para a educação pública.

Divergências entre Câmara e Senado

Além do CAQi, os textos da Câmara e do Senado divergem em outros temas importantes. Pelo Senado, o Estado brasileiro, e principalmente a União, fica desresponsabilizado de criar matrículas públicas no ensino técnico de nível médio e na educação superior, curiosamente uma das marcas do ex-presidente Lula, patrocinador político da presidenta Dilma Rousseff.

destinação de investimento público exclusivamente em educação pública também foi extraída do texto.

O PNE do Senado também traz outras mudanças negativas. E o aspecto mais dramático é que a versão aprovada pelos senadores em dezembro do ano passado foi construída por meio de forte interlocução deles com o MEC.

Nesse cenário, em que pese o fato de que na primeira reunião dedicada ao PNE todos os deputados tenham discursado em favor do texto da Câmara dos Deputados, dificilmente a matéria será resolvida com celeridade em sua etapa terminativa de tramitação.

Dificilmente o Governo Federal abrirá mão do texto do Senado Federal, pois ele é mais omisso quanto às suas responsabilidades. E é impossível que a sociedade civil aceite um PNE que desobriga o Poder Público de expandir matrículas com padrão de qualidade, tanto na educação básica, quanto na educação superior. O ano de 2014 reserva fortes emoções. E será lamentável, mas não uma surpresa, se ele se encerrar sem o Brasil ter um bom PNE aprovado.

Fonte: Uol Educação

Fora da escola não pode

Cleomar Manhas[1]

Realizou-se, no Senado Federal, audiência pública com o tema “Fora da Escola não Pode”, para apresentar pesquisa realizada pelo UNICEF e Campanha Nacional pelo Direito à Educação, como parte da Campanha Global Out of School.

O relatório elaborado no âmbito desta Campanha apresenta dados sobre quem são as crianças e adolescentes fora da escola, que em termos relativos significa pouco mais que 2% desse público, mas como se está falando de um país com mais de 200 milhões de habitantes, estes meros 2% viram multidões e representam grave violação de direitos. São 535 mil crianças entre 7 e 14 anos que estão fora da escola. E as pesquisas mostram que os mais afetados são negros, indígenas, quilombolas, pobres, sob risco de exploração e violência e com deficiência.

Além disso, apesar de o ensino fundamental estar quase universalizado, com exceção dos 2% citados, quando se fala em educação infantil e ensino médio a situação muda bastante. De acordo com o IBGE/CENSO 2010, há 1.154.572 crianças entre 4 e 5 anos e 1.725.232 adolescentes entre 15 e 17 anos em situação de exclusão escolar. Não computados aqui a demanda por creche não atendida, que se sabe ser número bastante significativo.

Kailash Satyarthi, criador da Marcha Global contra o Trabalho Infantil, alertou que um dos motivos de as crianças e adolescentes estarem fora da escola é em decorrência do trabalho precoce. E que não se pode falar de trabalho infantil separado do tema da educação. Os governos não devem tratá-los como questões díspares e a sociedade civil também não. E o que se vê é exatamente isso, tanto as políticas públicas, quanto os movimentos da sociedade organizada trabalham de maneira fragmentada e não dialogam entre si, desagregando temas e os enfraquecendo.

É plausível afirmar que trabalho infantil, analfabetismo e pobreza são três vértices de um mesmo triângulo, que se fortalecem mutuamente e precisam ser enfrentados conjuntamente. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/2012) apresentou dado preocupante, o índice de analfabetismo que vinha, mesmo que devagar, em descenso nas duas últimas décadas, parou de decrescer. E mesmo tendo demonstrado que não aumentou entre as populações mais jovens, manteve-se entre os mais velhos. Além disso, há regiões com números elevados, especialmente em municípios mais distantes e com população rural numerosa. A preocupação deve-se ao fato de que em famílias com pouca ou nenhuma escolaridade, as crianças são menos estimuladas a estar na escola, o que promove um círculo vicioso.

A educação é um direito humano indiscutível, mas também é possível inverter a lógica e dizer que tanto o desenvolvimento, quanto os direitos humanos ligam-se à educação, que os promove. Pois é evidente que nos países onde a população tem acesso à educação de qualidade, por maior tempo, o desenvolvimento humano e econômico é mais vigoroso e o acesso aos demais direitos mais factível, até por se ter uma sociedade mais mobilizada e crítica, conhecedora de seus direitos.

Portanto, garantir educação de qualidade da Creche à Universidade significa realizar direitos humanos com a redução das diversas manifestações de desigualdades e a possibilidade de se ter desenvolvimento com sustentabilidade.



[1] Educadora e assessora política do Inesc.

Estupro na TV – por Márcia Acioli

Por Márcia Acioli

Um fato impensável invade lares de milhares de cearenses pela TV. Desavisadas, as pessoas em plena luz do dia assistem ao estupro de uma menina de 9 anos no dia 7 de janeiro de 2014 pela TV Cidade, de Fortaleza, afiliada da Rede Record. Como se não bastassem os dezessete minutos de exibição do estupro incluindo imagens do rosto da criança, a emissora ainda mostra a casa da vítima, violando o Estatuto da Criança e do Adolescente que preconiza no seu artigo 17 “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

O grau extremo de violência e de dor daquelas imagens é consenso. Não há quem conteste a ocorrência de injustificado ato de desprezo pela vida humana. No entanto, a violência não se restringe ao estupro. A exibição tem um efeito mortal sobre uma menina que certamente não quer reviver a cena, que não quer que outras pessoas a vejam naquela situação. Ela foi violada em sua intimidade, exposta no seu sofrimento máximo; naquele que, possivelmente será um dos maiores e mais marcantes de sua vida. Além de banalizar o estupro, a veiculação do ato na televisão viola o direito inalienável à privacidade. Portanto, a menina é violada inúmeras vezes. Uma pelo agressor direto, outras pelo agressor camuflado. Os efeitos da conjunção violência / exibição são devastadores. A publicação dessas imagens em nada difere das pornográficas. Ambas são exploração da imagem da criança na relação de exploração cruel de sua sexualidade.

Por outro lado uma audiência que, acostumada às cenas de terror e apresentadores histéricos incitando ao ódio, assiste com crescente desejo por vingança. A bola de neve da violência cresce descontroladamente. Linchamento público acaba sendo a única perspectiva para se conter a violência sexual.

A exibição o vídeo tem o único propósito de fazer da violência um espetáculo para uma audiência educada para o sangue. Não é preciso ver um estupro para saber que ele é violento. Este tipo de imagem importa somente a um grupo restrito de profissionais que tem como responsabilidade o trato direto ou indireto com a questão.

Para prestar um importante serviço à sociedade as TVs deveriam discutir profundamente a violência sexual, considerando a complexidade desta modalidade de violência contra crianças e adolescentes. É preciso discutir as perspectivas da idade, da identidade de gênero, das motivações de estupro, dos agressores e muito mais.

Por mais monstruosa que seja a violência sexual, o agressor também é humano e é justamente a sua dimensão humana que a praticou (ou pratica). É essencial que se compreenda, portanto, o nascedouro da motivação. O problema, embora pessoal, é também social e atinge a milhares de crianças pelo país inteiro, de múltiplas formas. Assim, a única justificativa para tratar de estupro na TV seria problematizá-lo para que todos os segmentos da sociedade fossem provocados a mudar, a eliminar, a coibir, a intimidar os valores e gestos que permitem que tal violência seja praticada.

Considerando que a TV aberta é uma concessão de um serviço público, submetida à decisão do Congresso Nacional regulamentada pelo Ministério das Comunicações, há responsabilidade do estado perante o fato e o estado deve uma resposta à sociedade brasileira. Multa, fim da concessão, responsabilização dos dirigentes da emissora é o mínimo que se espera. É importante recuperar aqui o debate nacional para um novo marco regulatório da comunicação que visa “garantir a estrita observação dos princípios constitucionais da igualdade; prevalência dos direitos humanos; livre manifestação do pensamento e expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, sendo proibida a censura prévia, estatal (inclusive judicial) ou privada; inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra e imagem das pessoas; e laicidade do Estado”. (Vale acessar o site da campanha para Expressar a Liberdade )

Enquanto isso todo o esforço do mundo dificilmente devolverá à menina a alegria de sua infância.

*Assessora política do Inesc e mestre em educação pela UnB

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!