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Os gritos das periferias

Márcia Acioli, assessora política do Inesc.

São muitos os gritos que vêm da periferia. Múltiplas vozes que brotam das mais diversas circunstâncias e espaços. Tem o grito da violência e da dor, mas também da esperança e a que clama por justiça e direitos.

Um grito gutural ecoa enquanto um vídeo nos conduz a um corpo caído. As mulheres histéricas somam suas vozes à da mãe que, desesperada, não tem o que fazer além de expor sua desmedida dor. Naquele instante, Eduardo de Jesus, 10 anos, deixa de ser criança e se torna uma fria estatística. É mais um entre 30 mil jovens brasileiros que não chegará à idade adulta.

A ação que resultou na morte de Eduardo não pegou os moradores do Morro do Alemão de surpresa. Eles estão acostumados com os gritos dos policiais invadindo as ruas da comunidade, com seus “berros” (gíria carioca para as armas) impondo uma ordem torta e ameaçadora. Na operação policial que resultou na morte do menino Eduardo de Jesus, outros três moradores morreram. A comunidade reagiu contaminada pela dor e pelo desejo de viver sem a permanente ameaça de morte. Quando saiu à rua para gritar pela vida e contra a violência, a polícia berrou de volta, com mais violência.

Uma semana antes da morte de Eduardo no Rio, o jovem Bruno Alves, 26 anos, negro e morador da cidade de Planaltina, na periferia de Brasília, também foi assassinado. A roda da violência não para de girar. Mas outros gritos podem ser ouvidos e apontam soluções.

No mesmo dia do assassinato de Bruno, jovens de todo o Distrito Federal se reuniram na Cidade Estrutural, também periferia da capital federal, para o sarau Grito das Periferias organizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o Coletivo da Cidade, Art’sam, Cedeca-DF, Família Hip-Hop, Renajoc e Casa das Rdes, com apoio da Embaixada da Holanda.

O objetivo do encontro foi discutir violências contra as juventudes das comunidades populares. Os gritos foram poéticos, estéticos e carregados de sentido fraterno, mesmo retratando realidades duras nas quais perder um amigo ou irmão é comum, e meninas e mulheres serem estupradas são cenas cotidianas.

No Grito das Periferias, jovens do projeto Onda, organizado pelo Inesc, expuseram pesquisa realizada na Cidade Estrutural na qual todos os jovens negros falam da violência policial, enquanto nenhum jovem branco a cita, refletindo assim, nítidos sinais de violência institucional fundamentada pelo racismo. O dado não causou estranhamento aos jovens presentes.

Homicídios de jovens e de adolescentes são tratados em estudos como o Mapa da Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Índice de Homicídio na Adolescência, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ambos revelam fatores que aumentam a probabilidade de um jovem ser morto. Raça, gênero, idade e territórios são fatores que elevam as chances de um adolescente ser vítima de homicídio. A probabilidade de um jovem negro ser morto é quase três vezes superior em comparação com um jovem branco.

O Mapa da Violência 2014 mostra uma acentuada tendência de queda no número de homicídios da população branca e de aumento no número de vítimas na população negra. De fato, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui na proporção de 24,8%, sendo que entre os negros observa-se um crescimento de 38,7%.

Contraditoriamente, meninos negros, pobres e moradores de periferia ainda são apontados como principais autores da violência urbana. Setores conservadores da sociedade brasileira difundem a exceção como regra. Investem pesado na formação de uma opinião pública pelo rebaixamento da idade penal, contrariando todos os estudos e vozes de especialistas que comprovam que mais cadeia não resolve o complexo problema da violência.

A periferia sabe gritar outros gritos, a plenos pulmões, que ecoam em uníssono por justiça, dignidade e direitos. A periferia grita: mais educação, menos prisão!

Direitos humanos universais, indivisíveis, interdependentes

Cleomar Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Nossos valores são da Casa Grande. Não questionamos quando um garoto branco, rico, com sua Mercedes-Benz atropela e mata um senhor, ciclista e pobre. Não pedimos para que seja punido com rigor. A mídia não massacra sua audiência por dias mostrando e repetindo o caso. Mas essa mesma mídia é capaz de mostrar, por anos, o caso de um menino pobre que cometeu um crime hediondo. Um único, pois são poucos os casos semelhantes e é preciso repetir à exaustão até que o público se convença da necessidade de punição com rigor, mesmo que os dados não corroborem a sede de vingança.

Dia 31 de março, depois de anos de disputa, foi aprovada a admissibilidade da proposta de emenda constitucional que reduz a idade penal. A conquista de direitos requer constantes batalhas para que o conjunto da sociedade perceba a pertinência dos três princípios destacados no título desta reflexão. Infelizmente, estamos perdendo a guerra da informação, visto que a maior parte dos meios de comunicação de massa defende a medida como forma de combater a violência.

Vamos entregar os dedos, uma vez que não nos desapegamos dos anéis. Ou vamos jogar a água da bacia com o bebê dentro. Ditos populares que nos ajudam a refletir sobre este momento sombrio, quando a ignorância tende a prevalecer sobre a razão. A Constituição diz, em seu artigo 227, que crianças, adolescentes e jovens são públicos com prioridade absoluta nas políticas públicas. No entanto, desde a vigência da atual Carta Magna, o que estamos presenciando não são prioridades universais para todos, mas especialmente para brancos, homens, ricos, que vivem em regiões abastadas etc. Somos, sim, um país ainda escravocrata e monarquista. Vejam, por exemplo, a rainha dos baixinhos, o rei do futebol, o rei da Música Popular Brasileira.

Os formadores de opinião usam as vítimas para que o sentimento de vingança se confunda com justiça. É isso o que estamos vendo, sede de vingança. De quem? De que? Por quê? Contra a favela que teima em descer para o asfalto, pois o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para China e Estados Unidos, países muito mais populosos. E como são nossos presídios? Superlotados de presos, de preconceitos, de armas, de drogas, de tortura. Estima-se que a reincidência dos egressos seja de cerca de 70%. Já no sistema socioeducativo, mesmo quando não está de acordo com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, esse índice é de cerca de 20%.

Além disso, a maior parte dos delitos praticados por adolescentes é contra o patrimônio. Apenas uma pequena parte é contra a vida (0,5% do total de homicídios). Portanto, esta panaceia em torno da redução da idade penal não se justifica, a não ser como vingança ou ataque da casa grande contra a senzala.

O que queremos é mais educação e menos punição. A batalha é pela liberdade e não pelo encarceramento. Em todos os sentidos: liberdade de ideias, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade de interagir. O que estamos presenciando nos últimos tempos é o fomento ao ódio, ao medo, à segregação, ao encarceramento.

A violência precisa ser combatida na raiz das suas causas, parafraseando uma campanha promovida pela Rede Nossa São Paulo. E uma das mais contundentes é o tráfico de drogas, que coloca, cotidianamente, um número incalculável de armas ilegais em circulação, que alicia crianças e adolescentes nos morros. A população usuária, que é bastante numerosa, faz vistas grossas às graves consequências geradas. E o Congresso se nega a discutir a descriminalização para derrocada do tráfico, pois trabalha na lógica do proibido, do encarceramento.

Combater desigualdades não é pauta, mas destruir diferenças, sim. Por isso, a lista de aberrações do nosso Parlamento só cresce. Portanto, nunca é ocioso dizer que os direitos são universais, interdependes e indivisíveis. E que, acima de tudo, não aceitamos retrocessos, pois o país está comprometido com tratados internacionais que sinalizam que é necessária a realização progressiva de direitos.

A cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional: o desafio da institucionalidade

Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc.

Nos últimos anos o Brasil tem se firmado no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. O país vive uma situação sui generis, pois é ao mesmo tempo receptor de ajuda externa e promotor de parcerias com outras nações do Sul. Tal posição lhe dá destaque como global player.

Ainda que o país apresente desempenho inferior em relação a outras nações emergentes em termos de alocação de recursos para a área, como China e Arábia Saudita, sua atuação gera interesse, em grande parte, devido às conquistas obtidas nos últimos anos: a consolidação da democracia desde a promulgação da Constituição de 1988, batizada de Constituição Cidadã; os avanços obtidos no campo da inclusão social; e o dinamismo da política externa, alicerçada na priorização das relações Sul-Sul e no fortalecimento do multilateralismo.

Tais fatores contribuem para tornar o país atrativo e “com moral” para celebrar parcerias com outros na promoção do progresso da humanidade. Internamente interessa ao governo investir nesse campo, pois o ajuda a consolidar-se como ator global. Também contribui para intensificar as relações multilaterais e bilaterais, para influir em fóruns internacionais e para reforçar blocos de países, especialmente do Sul, que buscam um novo equilíbrio das relações de poder no cenário internacional. Outros elementos relevantes desse recente protagonismo dizem respeito à necessidade de abrir novos mercados e de buscar oportunidades de investimento para o setor produtivo nacional.

Entretanto, apesar da atuação no Brasil nesse campo ser apreciada e cobiçada, o governo vem sofrendo críticas, tais como: falta de informações e ausência de transparência, descoordenação das ações, alcance limitado dos projetos de cooperação, exportação das contradições nacionais (como, por exemplo, a promoção da agricultura familiar e o estímulo à expansão do agronegócio), associação com agendas de interesses econômicos e comerciais em detrimento do efetivo desenvolvimento sustentável; baixa capacidade de ajustar-se às reais condições dos países parceiros, entre outras queixas.

Diante de tais fragilidades, urge avançar em propostas que possam progressivamente contribuir para desenhar uma política pública de cooperação para o desenvolvimento. Trata-se de tarefa difícil, pois não existem referências conhecidas. As que temos fazem parte do velho modelo de “ajuda” ou “assistência” cuja criação provém dos países do Norte após a Segunda Guerra Mundial, modelo este que se quer justamente mudar.

Mas, por ser algo novo, a tarefa é desafiante e instigante, uma vez que tudo está por ser construído. No nosso entendimento é preciso investir em três dimensões: uma inserção internacional pautada pela coerência, daí a importância de definir um conceito de cooperação que expresse a forma como o Brasil articula sua intervenção nos espaços bilaterais, plurilaterais e multilaterais; uma institucionalidade empoderada e flexível, isto é que conte com recursos adequados (humanos, financeiros, administrativos, entre outros) e que seja capaz de promover as múltiplas e inovadoras estratégias de cooperação existentes no Brasil; e uma política de cooperação para o desenvolvimento internacional transparente e participativa, ancorada no marco dos direitos humanos e contando com a ativa participação de organizações e movimentos da sociedade civil, tanto no desenho como no monitoramento e avaliação.

Este começo de governo é momento propício para por em marcha um processo de construção da política, inclusivo e participativo. Um primeiro passo seria a criação do Conselho Nacional de Política Externa (Conpeb), demanda antiga de organizações como a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e o Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), articulações das quais o Inesc é membro. Espera-se que a Presidenta Dilma Rousseff tenha a coragem e a ousadia necessárias para dar estatura à cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.

O Conselho de Transparência e controle social de Brasília

Cleomar Manhas, assessora política do Inesc

Em 2013, a partir de deliberação da Conferência sobre Transparência e Controle Social (CONSOCIAL), foi instalado o Conselho de Transparência e Controle Social do DF, com composição paritária, governo e sociedade, que atuou até final de 2014.

Durante o processo eleitoral, o então candidato, agora governador eleito, Rodrigo Rollemberg, afirmou em diversos fóruns que um de seus compromissos era instalar o Conselho de Transparência formado apenas por membros da sociedade civil. E mesmo sendo informado que o Conselho já existia e que um colegiado de políticas públicas paritário cumpre melhor o seu papel, o reinstalou da forma anunciada.

O que está registrado com relação ao fato de ser formado apenas por membros da sociedade é que o governo não fará ingerências, no entanto, é de competência exclusiva do governador indicar os integrantes do colegiado. Qual o debate que se estabelecerá em um espaço representado apenas por um lado? Se o espaço não se propõe a ser de mediação, qual o seu papel de fato?

Conselhos de políticas públicas, inspirados em conselhos populares formados pelo movimento social, passaram a ser realidade a partir da aprovação da Constituição de 1988, transformando-se em importantes espaços de trocas e deliberações acerca de políticas públicas sociais.

Entende-se que os conselhos são “espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais”[1]. O fato de serem espaços de compartilhamento entre representantes governamentais e representantes de organizações e movimentos da sociedade garante que o diálogo seja estabelecido e as decisões partilhadas.

A efetiva participação e influência dos conselhos nas decisões governamentais depende, para além da mobilização da sociedade, da vontade dos gestores em de fato valorizar a participação e respeitar as decisões dessas instâncias. Quanto mais democrática é a forma de escolha dos representantes e a construção do regimento interno dos conselhos, maior o poder de influenciar as decisões. Do contrário, quando o poder de escolha fica nas mãos do governante, ele pode indicar as instituições de acordo com convicções pessoais e não devido ao potencial de representatividade.

Os conselhos de políticas públicas no Brasil foram pensados como mecanismos de reconfiguração das relações entre Estado e sociedade. Ampliaram o poder de interação na esfera pública, sendo um espaço de interlocução, com poder decisório e poder de agenda.

Para que influenciem nas decisões políticas precisam ser constituídos com transparência, democraticamente. Especialmente neste caso, quando vão executar o controle social sobre a transparência das políticas governamentais. Precisam de autonomia, o que não é possível quando os critérios de escolha ficam a cargo apenas dos governantes em exercício.

É a interação entre os diversos atores que possibilita o debate que gerará medidas de interesse coletivo. Por isso, lamentamos: i) a descontinuidade de uma experiência ainda inicial, mas que teve um bom começo; ii) a implementação de um novo espaço que impossibilita o diálogo Estado/sociedade, já que é constituído apenas por um dos lados; iii) a escolha discricionária de seus membros.



[1] Aqui incorporando o pensamento de: TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

A Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional na Área de SAN

Manual de Formação em Orçamento e Direitos: Orçamento público para a promoção dos direitos humanos

Manual de Formação em Orçamento e Direitos

MPs 664 e 665 violam direitos humanos e ameaçam a coesão social

Por Nathalie Beghin, Coordenadora da Assessoria do Inesc.

 

 

A partir de 01 de março de 2015 entram em vigor três mecanismos implementados pelas medidas provisórias 664 e 665 – restrição do acesso ao seguro desemprego, às pensões e ao auxilio doença – que, mais uma vez, solapam, sem pudores, os direitos dos trabalhadores, especialmente daqueles que se encontram na base da pirâmide. Os demais mecanismos foram ou serão implementados em outras datas: a redução do abono salarial passou a vigorar em dezembro do ano passado e as restrições ao seguro defeso dos pescadores artesanais, em abril próximo[1].

O Inesc desenvolveu metodologia de análise de políticas públicas na perspectiva da realização dos direitos humanos[2], principio basilar da nossa constituição em vigor. Tal metodologia ancora-se em cinco pilares: (i) financiamento do Estado com justiça social; (ii) máximo dos recursos disponíveis, isto é, a obrigação do poder público em aplicar o máximo de verbas arrecadadas em políticas que promovam direitos humanos; (iii) realização progressiva dos direitos humanos, no sentido de que os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais devem, ano a ano, ser progressivamente realizados por meio de políticas universais e inclusivas; (iv) não discriminação, com ênfase nas desigualdades de gênero e étnico-raciais. As desigualdades e as discriminações existentes em nossas sociedades possibilitam que determinados grupos e populações historicamente discriminadas tenham mais dificuldades de acesso aos seus direitos; e, (v) a participação, que deve estar presente no desenho de todas as políticas, por ser antídoto contra a falta de transparência e por facilitar processos de controle social e maior democratização do processo de construção das políticas públicas.

O presente artigo busca mostrar, brevemente, que as medidas tomadas pelo governo federal não passam no teste, resultando em profundas violações de direitos, especialmente trabalhistas, mas também de gênero e raça.

Vejamos: no que se refere ao primeiro pilar, de financiamento do Estado com justiça social, as MPs em questão aprofundam a injustiça fiscal reinante no Brasil, pois buscam ajustar as contas públicas, num valor anunciado de R$ 18 bilhões, nas costas dos trabalhadores, mais uma vez. Nada é feito para que os ricos, cada vez mais ricos neste país[3], façam sua parte. Ao contrário, as pesquisas recentes mostram que as benesses fiscais concedidas ao setor empresarial têm crescido substancialmente, aprofundando a regressividade da carga tributária. Nos próximos dias, o Inesc lançará estudo que revela que as renuncias fiscais, conhecidas como gastos tributários, vêm subindo de forma considerável nos últimos anos. Cresceram cerca de duas vezes mais do que o orçamento da União entre os anos de 2011 e 2014. Com efeito, no referido período, o orçamento fiscal e da seguridade social aumentou, em termos reais, em 18%, enquanto os gastos tributários elevaram-se em 32%[4].

O segundo pilar, o de máximo de recursos disponíveis é igualmente fortemente violado, uma vez que ao invés de aumentá-los as medidas governamentais os diminui, em R$ 18 bilhões. Esses recursos, segundo o governo, procuram realizar economias que se destinam ao superávit primário, que por seu turno, irão encher os bolsos dos rentistas aumentando a desigualdade neste país, que já é uma das mais altas do mundo.

O terceiro pilar, o de realização progressiva dos direitos humanos, no sentido de que os mesmos devem, ano a ano, ser progressivamente expandidos por meio de políticas universais e inclusivas também não é atendido. Pior: sequer os direitos assegurados até então são mantidos, uma vez que os trabalhadores perdem, pois as novas regras resultam em retrocessos em termos de acesso a pensões, seguro-desemprego e abono salarial, entre outros[5]. Novamente, são os menos favorecidos os mais afetados, pois grande parte desses cortes irão atingir os trabalhadores da base da pirâmide.

As medidas provisórias 664 e 665 também não passam no teste do quarto pilar, o da não discriminação, especialmente de gênero e raça/etnia. Com efeito, é sabido que os salários mais baixos e os empregos mais precários[6], portanto, mais sujeitos a rotatividade no mercado de trabalho, são os de mulheres e negros. Assim, esses grupos populacionais serão os mais prejudicados por essas medidas, reproduzindo o sexismo e o racismo e, dessa feita, incrementando as desigualdades de gênero e raça.

Por fim, o quinto pilar, o da participação social, não foi atendido. O governo baixou as medidas sem ter efetuado qualquer consulta à sociedade e, principalmente, aos principais interessados, os sindicatos de trabalhadores. Não é por outra razão, que os mesmos se manifestaram publicamente, em janeiro de 2015, por meio de nota conjunta[7] repudiando as medidas. Também estão previstas manifestações em defesa dos direitos dos trabalhadores.

Não há nada que justifique tais medidas, que expressam enorme retrocesso social e violação de princípios constitucionais. E mais: as experiências internacionais têm mostrado que o ajuste fiscal apresenta resultados pífios. Recuperando a parábola do economista Paul Krugman, essas medidas se assemelham aos médicos que tratam seus doentes com uma sangria; depois, quando o paciente piora, por causa da sangria, eles sangram-no mais um pouco, e o doente piora ainda mais[8]. A culpa é dos doentes, claro, jamais dos médicos! As elites globalizantes conseguiram transformar a austeridade num credo e numa questão moral que agora chega ao Brasil, depois do país ter conseguido blindar por um bom tempo esse perverso tratamento. Concordando novamente com Paul Krugman, a austeridade é uma “ideia zumbi” ou uma “ideia barata”, que volta sempre, quando se julga que está morta. Tais medidas, além de ineficientes, contribuem para quebrar a coesão social, a confiança na democracia e minar os alicerces do futuro. Não foi neste projeto que a maior parte da população brasileira votou em outubro de 2014.



[1] No dia 30 de dezembro de 2014, o Governo Federal anunciou duas Medidas Provisórias (MPs), 664 e 665, que estipulam uma série de alterações nas regras do Seguro-Desemprego, Abono Salarial, Seguro-Defeso, Pensão por Morte, Auxílio-Doença e Auxílio-Reclusão. Tais medidas passam a entrar em vigor em 01 de março de 2015. Para uma análise mais detalhada das mesmas, ver nota do Dieese. Considerações sobre as medidas provisórias 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014. Dieese, Janeiro de 2015. Acesso em: http://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2015/subsidiosConsideracoesMPs664665.pdf

[2] A esse respeito ver: Inesc. Manual de Formação em Orçamento e Direitos. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2013. Disponível em: https://inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/metodologia-do-inesc/manual-de-formacao-em-orcamento-e-direitos-orcamento-publico-para-a-promocao-dos-direitos-humanos

[3] A este respeito ver os estudos de Medeiros et al, de 2014, que mostram que a desigualdade no Brasil é mais alta do que se imaginava e permanece estável desde, pelo menos, 2006. Estes estudos mostram, ainda, que os mais ricos se apropriam da maior parte do crescimento brasileiro. Ver, por exemplo: Medeiros et al. A estabilidade da desigualdade renda no Brasil, 2006 a 2012. Disponível em: http://iepecdg.com.br/uploads/artigos/SSRN-id2479685.pdf

[4] A esse respeito ver Evilásio Salvador. Os impactos das renuncias tributárias no financiamento das políticas sociais no Brasil. Inesc, fevereiro de 2015 (No prelo).

[5] A esse respeito ver excelente análise do Dieese. Considerações sobre as medidas provisórias 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014. Dieese, Janeiro de 2015. Acesso em: http://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2015/subsidiosConsideracoesMPs664665.pdf

[6] A esse respeito, ver estudos como:

[7] A esse respeito, ver Nota Unificada das Centrais Sindicais: Em defesa dos direitos e do emprego. Acesso em: http://www.cut.org.br/noticias/nota-unificada-das-centrais-sindicais-em-defesa-dos-direitos-e-do-emprego-bc04/

[8] A esse respeito, ver artigo de Paul Krugman. O sangramento enfraquece o paciente. 29/09/2011. Acesso em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/17341/o+sangramento+enfraquece+o+paciente.shtml

Catálogo “Eu te desafio a me amar”

Democracia em disputa: como a Casa Grande se renovou nas Eleições 2014

As Eleições 2014 foram emblemáticas: alguns dizem ser a mais disputada desde 1989, outros que se elegeu o Congresso mais conservador desde 1964. O fato é que foram eleições que sucederam importantes processos políticos e mudanças sociais: se, por um lado, o Brasil tem os melhores indicadores sociais de toda sua história, por outro, diversos setores da sociedade que já vinham reivindicando melhorias em serviços públicos e na qualidade de vida, mais transparência das instituições e respeito aos direitos humanos no campo e na cidade, foram às ruas em protestos no ano de 2013. Os movimentos por direitos dividiram as ruas com novas agendas e formas de organização, entidades de classes, e também com grupos neoconservadores.

O fato é que todos os interesses se organizaram durante o processo eleitoral, como ouvi nas palavras de uma ativista: “Julho estava em disputa”. Marina Silva não foi capaz de criar uma terceira via, e a polarização entre PSDB e PT se efetivou de maneira inédita, com rachas no PSB e no protopartido Rede Sustentabilidade. O candidato tucano buscou catalisar insatisfeitos, mas acabou trazendo consigo grupos da sociedade brasileira que se encontravam “dentro do armário”: aqueles que não suportam os direitos das domésticas, a transferência de renda para os pobres, a juventude negra nos shoppings, a democratização das universidades, o acesso generalizado aos aeroportos. A resposta foi uma mobilização social em rede, que se concentrou em disseminar os avanços dos governos petistas, mas salientando o “voto crítico” e a necessidade de abertura urgente de diálogo com a sociedade civil. A velha e hegemônica mídia se superou mais uma vez na postura “dois pesos, duas medidas”, cumprindo seu projeto de esvaziamento do debate público. O Brasil do Pré-Sal e dos BRICS virou o centro das atenções, e os interesses em jogo tornaram o cenário tenso e imprevisível.

Dilma ganhou as eleições. Mas o recado das forças econômicas e conservadoras se deu nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (“bancada da bala”) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988. Estamos em meados de novembro, e nenhum dos grupos ativos durante o período eleitoral se desmobilizou, muito antes pelo contrário – seguem realizando caminhadas, reuniões e articulações nas redes sociais.

Diversos institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil monitoraram o processo eleitoral, analisando diferentes aspectos. O Inesc, integrante da “comissão de frente” da Reforma Política, analisou o perfil das candidaturas com relação às variáveis sexo, raça/cor e idade, a fim de jogar luz sobre as desigualdades no Parlamento – principalmente considerando que pela primeira vez na história os candidatos tiveram que se auto-declarar quanto a sua raça/cor.

Abaixo, seguem os resultados deste estudo, bem como outras reflexões que sugerem como a democracia no Brasil ainda carrega o fantasma do colonialismo e suas relações de exploração, e como devemos compreender a “Eleição das Eleições” como um marco de disputa em torno de modelos civilizatórios, disputa esta que os partidos deixaram a reboque nos últimos anos.

Perfil do Poder

Em setembro deste ano, o Inesc apresentou análises sobre o perfil das candidaturas às Eleições 2014, no Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político. O evento contou com a participação de pesquisadores e de representantes de organizações e movimentos sociais (Ipea, Cfemea, Apib, AMNB, SOS Corpo, FNDC, LBL, OAB, e outros), onde foi discutido o perfil dos candidatos e candidatas no que se refere ao sexo, raça/cor e faixa etária, e como este perfil variou segundo estados e regiões do Brasil, bem como em relação aos partidos políticos. Entende-se que a representatividade é importante por diversos fatores: para garantir a participação dos diferentes segmentos da população nos espaços de poder, para combater o racismo e as desigualdades de gênero, e também para que todos os grupos se vejamnestes espaços e se sintam capazes de transformá-los.

Algumas previsões feitas naquele momento se cumpriram: as candidaturas de mulheres, negr@s, indígenas e jovens, quantitativamente menores, não tiveram sucesso na corrida eleitoral, revelando sub-representação em todos os níveis e cargos. Como apontado em recente artigo, para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%) do total de 513 deputados(as) eleito(as), ao passo que se elegeram 462 homens (90,1%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%) e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37%. Das mulheres eleitas, 11 se declararam negras  – 10 na Câmara e 1 no Senado –, o que representa apenas 2% do total.

Importante ressaltar que em setembro, antes do deferimento de todas as candidaturas, os partidos estavam cumprindo a cota de 30% de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97: porém, analisando agora a base de dados com as candidaturas válidas, os partidos chegaram a 28,7%, e além disso, estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral. Seguindo a tendência observada nas Eleições 2010, em que as mulheres candidatas representaram 22% e as eleitas 9,2% de um total de 567 cargos, houve corte entre as candidatas (28,7%) e o número efetivo de mulheres eleitas (10,37%).

A novidade é que o mesmo ocorreu com os negros e negras: como inferimos no momento da análise das candidaturas, a maioria das candidaturas destes segmentos não se elegeu. Dos 43,7% de candidaturas deferidas para todos os cargos até o dia das eleições, somente 24% se elegeram. Isso ocorre devido ao racismo, tanto institucional – no caso dos partidos não investirem nestas candidaturas, em detrimento de candidaturas de homens brancos –, quanto entre grupos ou indivíduos, uma vez que pode ocorrer discriminação racial no ato de escolha do candidato, ou seja, no voto.

No que diz respeito às candidaturas de jovens, eles representavam somente 6,8% do total de candidaturas para os cargos de Deputado Estadual e Federal (para Governo, Senado e Presidência, a idade mínima obrigatória é superior a 29 anos). Somente 3,9% se elegeram – embora representem 35,5% da população.

O resultado observado no Congresso Nacional se reflete nos Estados: nas candidaturas a governador somente 1 mulher foi eleita – 20 mulheres concorreram, contra 169 homens. Foram eleitas, ainda, 7 vice-governadoras.

No caso do cargo a deputado estadual, foram 73,43% brancos e 26,18% negros; indígenas e amarelos somaram 0,39%. As deputadas estaduais eleitas foram 11,1%. Das mulheres negras que se candidataram ao cargo de deputada estadual (2011), 35 se elegeram. Os estados que mais elegeram mulheres negras foram o Amapá (8), e a Bahia (5). O partido que mais elegeu negros em termos proporcionais foi o PCdoB (46,16% das candidaturas do PCdoB), mas em termos absolutos foi o PT (56 deputados estaduais negros eleitos). Elegeram-se, ainda, 2 indígenas para o cargo de deputado estadual – 83 se candidataram, 75 tiveram a candidatura deferida até a data da eleição.

Homens brancos, com idade entre 30 e 59 anos, seguem sendo a maioria esmagadora em todos os cargos e partidos políticos.

Burlando a ficha limpa e a Lei de Cotas de Gênero

Outro fator que revela esta persistência das forças tradicionais em permanecer no poder são as formas de burlar avanços na legislação eleitoral. Vejamos como dois artifícios identificados nestes pleitos expressam a força do patriarcado. O primeiro deles, com relação à ficha limpa, em que os candidatos “ficha suja” utilizaram familiares para “burlar” a lei e manter seus grupos no poder, lançando candidaturas de irmãos, filhos e esposas. O caso mais emblemático é o de Suely Campos (PP), única governadora eleita nestas eleições e primeira mulher eleita para este cargo em Roraima – ela teria se candidatado no lugar do marido ficha suja, Neudo Campos. No DF, José Roberto Arruda (PV), que teve a candidatura impugnada em setembro pelo TSE-DF, lançou Flávia Arruda, sua esposa, como vice da chapa de Frejat.

Outro exemplo do sexismo/machismo presente nos partidos são as candidaturas previamente impugnáveis de mulheres: na primeira parte da análise feita pelo Inesc, identificamos que 62 delas (0,8%) não tinham idade para concorrer aos cargos pleiteados, ou, seja, teriam suas candidaturas indeferidas em algum momento. Entre setembro e o dia das eleições, o número de mulheres candidatas caiu de 7598 para 6572 em outubro. Há relatos, também, de candidatas que não receberam nenhum voto, ou seja, não teriam recebido o próprio voto nas urnas. Estas situações podem revelar um artifício dos partidos para cumprir a cota de gênero, mas sem de fato empoderar as mulheres e garantir o acesso aos espaços de poder.

Democracia e pós-colonialismo à brasileira

Relações de parentesco contaminando a esfera pública, hegemonia de poder do homem branco em espaços de tomada de decisão e racismo institucional: as Eleições 2014 revelaram o potencial da “Casa Grande” em se renovar – não só como símbolo ou metáfora, mas como concretude das relações centro/margem, perpetuando privilégios de uns em detrimento da violação de direitos de outros. Essa “pós-colonialidade” à brasileira é caracterizada pela impermeabilidade das instituições públicas aos processos democráticos de fato.

O Brasil precisa promover profundas reformas – a do sistema político, mas também do judiciário e tributária: não podemos aceitar que em nosso país a justiça seja seletiva, contribuindo para a violação de direitos de indígenas, jovens negros e comunidade LGBT; nem tampouco que os pobres paguem mais impostos que os ricos. Precisamos, urgentemente, regular anossa mídia, para que as pessoas tenham informação de qualidade. Os mecanismos de participação social devem ser aperfeiçoados, efetivos. As ruas, ou ao menos uma grande parte das pessoas que ali estavam, pedem mais direitos, mais equidade social. Nossa democracia carece, portanto, de libertar-se.

Democracia em disputa: como a Casa Grande se renovou nas Eleições 2014

As Eleições 2014 foram emblemáticas: alguns dizem ser a mais disputada desde 1989, outros que se elegeu o Congresso mais conservador desde 1964. O fato é que foram eleições que sucederam importantes processos políticos e mudanças sociais: se, por um lado, o Brasil tem os melhores indicadores sociais de toda sua história, por outro, diversos setores da sociedade que já vinham reivindicando melhorias em serviços públicos e na qualidade de vida, mais transparência das instituições e respeito aos direitos humanos no campo e na cidade, foram às ruas em protestos no ano de 2013. Os movimentos por direitos dividiram as ruas com novas agendas e formas de organização, entidades de classes, e também com grupos neoconservadores.

O fato é que todos os interesses se organizaram durante o processo eleitoral, como ouvi nas palavras de uma ativista: “Julho estava em disputa”. Marina Silva não foi capaz de criar uma terceira via, e a polarização entre PSDB e PT se efetivou de maneira inédita, com rachas no PSB e no protopartido Rede Sustentabilidade. O candidato tucano buscou catalisar insatisfeitos, mas acabou trazendo consigo grupos da sociedade brasileira que se encontravam “dentro do armário”: aqueles que não suportam os direitos das domésticas, a transferência de renda para os pobres, a juventude negra nos shoppings, a democratização das universidades, o acesso generalizado aos aeroportos. A resposta foi uma mobilização social em rede, que se concentrou em disseminar os avanços dos governos petistas, mas salientando o “voto crítico” e a necessidade de abertura urgente de diálogo com a sociedade civil. A velha e hegemônica mídia se superou mais uma vez na postura “dois pesos, duas medidas”, cumprindo seu projeto de esvaziamento do debate público. O Brasil do Pré-Sal e dos BRICS virou o centro das atenções, e os interesses em jogo tornaram o cenário tenso e imprevisível.

Dilma ganhou as eleições. Mas o recado das forças econômicas e conservadoras se deu nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (“bancada da bala”) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988. Estamos em meados de novembro, e nenhum dos grupos ativos durante o período eleitoral se desmobilizou, muito antes pelo contrário – seguem realizando caminhadas, reuniões e articulações nas redes sociais.

Diversos institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil monitoraram o processo eleitoral, analisando diferentes aspectos. O Inesc, integrante da “comissão de frente” da Reforma Política, analisou o perfil das candidaturas com relação às variáveis sexo, raça/cor e idade, a fim de jogar luz sobre as desigualdades no Parlamento – principalmente considerando que pela primeira vez na história os candidatos tiveram que se auto-declarar quanto a sua raça/cor.

Abaixo, seguem os resultados deste estudo, bem como outras reflexões que sugerem como a democracia no Brasil ainda carrega o fantasma do colonialismo e suas relações de exploração, e como devemos compreender a “Eleição das Eleições” como um marco de disputa em torno de modelos civilizatórios, disputa esta que os partidos deixaram a reboque nos últimos anos.

Perfil do Poder

Em setembro deste ano, o Inesc apresentou análises sobre o perfil das candidaturas às Eleições 2014, no Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político. O evento contou com a participação de pesquisadores e de representantes de organizações e movimentos sociais (Ipea, Cfemea, Apib, AMNB, SOS Corpo, FNDC, LBL, OAB, e outros), onde foi discutido o perfil dos candidatos e candidatas no que se refere ao sexo, raça/cor e faixa etária, e como este perfil variou segundo estados e regiões do Brasil, bem como em relação aos partidos políticos. Entende-se que a representatividade é importante por diversos fatores: para garantir a participação dos diferentes segmentos da população nos espaços de poder, para combater o racismo e as desigualdades de gênero, e também para que todos os grupos se vejamnestes espaços e se sintam capazes de transformá-los.

Algumas previsões feitas naquele momento se cumpriram: as candidaturas de mulheres, negr@s, indígenas e jovens, quantitativamente menores, não tiveram sucesso na corrida eleitoral, revelando sub-representação em todos os níveis e cargos. Como apontado em recente artigo, para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%) do total de 513 deputados(as) eleito(as), ao passo que se elegeram 462 homens (90,1%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%) e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37%. Das mulheres eleitas, 11 se declararam negras  – 10 na Câmara e 1 no Senado –, o que representa apenas 2% do total.

Importante ressaltar que em setembro, antes do deferimento de todas as candidaturas, os partidos estavam cumprindo a cota de 30% de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97: porém, analisando agora a base de dados com as candidaturas válidas, os partidos chegaram a 28,7%, e além disso, estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral. Seguindo a tendência observada nas Eleições 2010, em que as mulheres candidatas representaram 22% e as eleitas 9,2% de um total de 567 cargos, houve corte entre as candidatas (28,7%) e o número efetivo de mulheres eleitas (10,37%).

A novidade é que o mesmo ocorreu com os negros e negras: como inferimos no momento da análise das candidaturas, a maioria das candidaturas destes segmentos não se elegeu. Dos 43,7% de candidaturas deferidas para todos os cargos até o dia das eleições, somente 24% se elegeram. Isso ocorre devido ao racismo, tanto institucional – no caso dos partidos não investirem nestas candidaturas, em detrimento de candidaturas de homens brancos –, quanto entre grupos ou indivíduos, uma vez que pode ocorrer discriminação racial no ato de escolha do candidato, ou seja, no voto.

No que diz respeito às candidaturas de jovens, eles representavam somente 6,8% do total de candidaturas para os cargos de Deputado Estadual e Federal (para Governo, Senado e Presidência, a idade mínima obrigatória é superior a 29 anos). Somente 3,9% se elegeram – embora representem 35,5% da população.

O resultado observado no Congresso Nacional se reflete nos Estados: nas candidaturas a governador somente 1 mulher foi eleita – 20 mulheres concorreram, contra 169 homens. Foram eleitas, ainda, 7 vice-governadoras.

No caso do cargo a deputado estadual, foram 73,43% brancos e 26,18% negros; indígenas e amarelos somaram 0,39%. As deputadas estaduais eleitas foram 11,1%. Das mulheres negras que se candidataram ao cargo de deputada estadual (2011), 35 se elegeram. Os estados que mais elegeram mulheres negras foram o Amapá (8), e a Bahia (5). O partido que mais elegeu negros em termos proporcionais foi o PCdoB (46,16% das candidaturas do PCdoB), mas em termos absolutos foi o PT (56 deputados estaduais negros eleitos). Elegeram-se, ainda, 2 indígenas para o cargo de deputado estadual – 83 se candidataram, 75 tiveram a candidatura deferida até a data da eleição.

Homens brancos, com idade entre 30 e 59 anos, seguem sendo a maioria esmagadora em todos os cargos e partidos políticos.

Burlando a ficha limpa e a Lei de Cotas de Gênero

Outro fator que revela esta persistência das forças tradicionais em permanecer no poder são as formas de burlar avanços na legislação eleitoral. Vejamos como dois artifícios identificados nestes pleitos expressam a força do patriarcado. O primeiro deles, com relação à ficha limpa, em que os candidatos “ficha suja” utilizaram familiares para “burlar” a lei e manter seus grupos no poder, lançando candidaturas de irmãos, filhos e esposas. O caso mais emblemático é o de Suely Campos (PP), única governadora eleita nestas eleições e primeira mulher eleita para este cargo em Roraima – ela teria se candidatado no lugar do marido ficha suja, Neudo Campos. No DF, José Roberto Arruda (PV), que teve a candidatura impugnada em setembro pelo TSE-DF, lançou Flávia Arruda, sua esposa, como vice da chapa de Frejat.

Outro exemplo do sexismo/machismo presente nos partidos são as candidaturas previamente impugnáveis de mulheres: na primeira parte da análise feita pelo Inesc, identificamos que 62 delas (0,8%) não tinham idade para concorrer aos cargos pleiteados, ou, seja, teriam suas candidaturas indeferidas em algum momento. Entre setembro e o dia das eleições, o número de mulheres candidatas caiu de 7598 para 6572 em outubro. Há relatos, também, de candidatas que não receberam nenhum voto, ou seja, não teriam recebido o próprio voto nas urnas. Estas situações podem revelar um artifício dos partidos para cumprir a cota de gênero, mas sem de fato empoderar as mulheres e garantir o acesso aos espaços de poder.

Democracia e pós-colonialismo à brasileira

Relações de parentesco contaminando a esfera pública, hegemonia de poder do homem branco em espaços de tomada de decisão e racismo institucional: as Eleições 2014 revelaram o potencial da “Casa Grande” em se renovar – não só como símbolo ou metáfora, mas como concretude das relações centro/margem, perpetuando privilégios de uns em detrimento da violação de direitos de outros. Essa “pós-colonialidade” à brasileira é caracterizada pela impermeabilidade das instituições públicas aos processos democráticos de fato.

O Brasil precisa promover profundas reformas – a do sistema político, mas também do judiciário e tributária: não podemos aceitar que em nosso país a justiça seja seletiva, contribuindo para a violação de direitos de indígenas, jovens negros e comunidade LGBT; nem tampouco que os pobres paguem mais impostos que os ricos. Precisamos, urgentemente, regular anossa mídia, para que as pessoas tenham informação de qualidade. Os mecanismos de participação social devem ser aperfeiçoados, efetivos. As ruas, ou ao menos uma grande parte das pessoas que ali estavam, pedem mais direitos, mais equidade social. Nossa democracia carece, portanto, de libertar-se.

Percepção na Estrutural: violência contra crianças, adolescentes e jovens

As eleições, o orçamento e a Redução da Idade Penal

Há eleitos que se dizem representantes das manifestações de junho, do anseio por mudanças, no entanto, são porta-vozes de políticas conservadoras, que, caso aprovadas, representarão graves retrocessos de direitos.

 

Em uma análise preliminar, já apresentada por outras organizações tal como o Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (DIAP), o novo (velho) Congresso Nacional eleito para a Legislatura 2015/2018 é um dos mais conservadores dos últimos tempos, apesar desse discurso de mudança e “inspirado” nas jornadas de junho de 2013. O que não se sabe é qual leitura fizeram dessas mobilizações e se há apenas uma leitura possível para isso.

 

 

 

A  segurança pública foi  uma das questões mais debatidas pelos/as diferentes candidatos/as, seja aos legislativos estaduais, seja à Presidência da República. No entanto, há algo digno de nota: vários desses candidatos elegeram a “idade penal” como  panaceia que resolverá todos os problemas de violência. Aproveitaram da falta de informação geral sobre o tema para angariar votos. E angariaram bastante, pois em vários e populosos estados os campeões de votos utilizaram a redução da idade penal como principal pauta de campanha. Com relação ao Congresso Nacional, não apenas eleitos para a Câmara Federal, mas ao Senado também. Destacam-se parlamentares mais votados de São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Santa Catarina, Roraima, dentre outros.

 

 

 

 

Mesmo jovens candidatos, agora  parlamentares, como é o caso dos senadores eleitos pelo Acre e pelo Distrito Federal, defendem esta pauta retrógrada, com base em dados não corroborados pelas pesquisas. A massificação de matérias veiculadas na grande mídia, defendendo a redução da idade penal, criou uma sensação de que a maior parte dos crimes é praticada por adolescentes. No entanto,  considerando a população total de adolescentes no Brasil, o percentual de adolescentes infratores é de 0,09% e se considerar a população como um todo esse percentual é de 0,01%. Computados todos os que estão em cumprimento de medidas socioeducativas, sejam de privação de liberdade, semiliberdade ou meio aberto. E a maioria dos atos é contra o patrimônio e não contra a vida, que representa um percentual mínimo entre os adolescentes infratores.

 

 

 

 

É preciso repetir que a inimputabilidade penal não significa impunidade, pois o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) faz dos/as adolescentes sujeitos de direitos e de responsabilidades, prevendo medidas socioeducativas até mesmo de privação de liberdade. No entanto, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) propõe que as medidas estejam adequadas à etapa de desenvolvimento de cada um/a e que seja de caráter educativo, para que esse/a adolescente possa ser ressocializado/a.  É necessário tratar as causas, e não os efeitos conforme apresentado ao debate nestas eleições, até mesmo por candidatos ao executivo federal.

 

 

 

Orçamento

O Sinase precisa ser fortalecido para que as medidas socioeducativas sejam aplicadas conforme estabelecido no ECA e respeitando os diretos humanos dos/as adolescentes. Para isso, o monitoramento de execução orçamentária é tarefa que o Sistema de Garantia de Direitos não pode deixar de realizar.

 

No Orçamento Federal, o Sinase está dentro do Programa 2062, Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, ação 14UF – Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes, que está inserida em três Planos Orçamentários (PO):

 

  • 0000- Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes – Despesas Diversas.
  • 0001- Brasil Protege – Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei.
  • 0003- Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Instalações de Conselhos Tutelares

 

 

 

Sua execução é efetivada tanto de forma direta (pela União) quanto descentralizada (Estados e Municípios). E o que foi liquidado até agora diz respeito às ações nacionais, no âmbito do Brasil Protege, e significa aproximadamente 20% do previsto. No entanto, dentro dos três PO, tanto o que é execução direta, quanto descentralizada, o total empenhado é de cerca de 60% do total previsto. O que significa que o processo foi iniciado, que há conveniamento, mas não se sabe se será liquidado ou se ficará como resto a pagar. Mas não podemos dizer que a execução é baixa.

 

 

 

De acordo com informação do órgão gestor, quase todo o recurso já esta comprometido, porém, estão aguardando o final do processo eleitoral para procederem aos devidos repasses, já que a legislação eleitoral impede que sejam assinados novos convênios no período. A informação é que do total de recursos, apenas 480 mil ainda não estavam comprometidos, mas acabam de sê-lo, pois são recursos destinados à formação de agentes do Sistema de Garantia de Direitos e serão destinados às organizações que se submeteram aos editais da Secretaria.

 

 

 

No entanto, vale lembrar que, com relação aos 40% ainda não empenhados, as informação de que estão comprometidos não estão disponíveis no Siga ou Siop[2], mas por informação do órgão gestor. No Distrito Federal, por exemplo, o previsto foi 100% empenhado, mas ainda não liquidado,  e é sabido que novas unidades de internação foram construídas.

 

 

O desafio não e a criação de mais vagas no sistema de internação, mas sim priorizar a universalização das medidas em meio aberto, com a qualificação dos responsáveis. Além da regulamentação por parte dos estados e da União da carreira socioeducativa. Hoje existe um projeto de lei em tramitação no Congresso sobre isso. A realidade atual é que cada ente federado trata esses profissionais de uma forma diferente, sendo que muitos têm perfil policial, o que não está de acordo com o Sinase. Ademais, a legislação ainda é nova, foi aprovada em 2012,  e não provocou mudanças culturais necessárias ao seu bom desenvolvimento, visto que o Sistema precisa ser reordenado de acordo com o previsto na Lei.

 

 

 

Além da desinformação acerca das estatísticas sobre adolescentes infratores, que conforme já dito são em pequeno número, é necessário que se diga que, ao contrário, o número de adolescentes e jovens, especialmente negros, assassinados, até mesmo pelas polícias, é uma enormidade, a ser verificado pelo Mapa da Violência,  e a grita contra essa terrível injustiça é infinitamente menor que a grita pela redução da idade penal. Alguém deve estar lucrando com isso.

 

 

Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), lançado no último sábado na Cidade Estrutural, inicia campanha “Seradolescente não pode ser crime no Brasil: Diga não a redução da maioridade penal”.


[1] Assessora política do Inesc.

[2] Siga Brasil é sistema de acompanhamento do Orçamento Federal disponibilizado pelo Senado Federal e SIOP é o sistema disponibilizado pelo Governo Federal, Ministério do Planejamento.

Congresso Nacional permanecerá desigual nos próximos 4 anos

Os resultados do 1º turno das Eleições 2014 infelizmente demonstram que o Brasil não avançou na equidade e representatividade na política. Negros(as), mulheres, indígenas e jovens continuarão sub-representados nos próximos 4 anos no Congresso Nacional. Importante ressaltar que, pela primeira vez na história, o Brasil tem o dado oficial do perfil racial do Parlamento, informação que pode passar a impactar o debate sobre democratização do processo eleitoral e acesso aos espaços de poder de grupos historicamente excluídos da vida política.

Os dados são desanimadores: para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%), ao passo que se elegeram 462 homens (90,10%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%)  e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37% – em 2010 foram 9,2% de um total de 567 cargos. Das mulheres eleitas, 12 se declararam negras, 11 na Câmara e 1 no Senado. Importante ressaltar que pela primeira vez na história os partidos conseguiram cumprir a cota de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97, mas os dados demonstram que estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral.

Os Estados que tiveram maior número de mulheres eleitas foram São Paulo e Rio de Janeiro, que elegeram 6 mulheres cada, seguidos de Minas Gerais, com 5 mulheres eleitas. Espírito Santo, Paraíba, Mato Grosso e Rio Grande do Sul não elegeram nenhuma mulher para a Câmara dos Deputados federal. Quanto aos partidos políticos, os que mais elegeram mulheres foram o PT (8 Deputadas Federais e 1 Senadora) e o PMDB (7 Deputadas Federais e 3 Senadoras), seguidos do PSB e PSDB com 5 Deputadas Federais cada.

No que diz respeito à questão da auto-declaração quanto ao quesito raça/cor, nenhum indígena foi eleito para o Parlamento Federal. Quanto aos negros, foram eleitos para a Câmara 106 candidatos que se auto-declararam negros (somatória de pretos+pardos), representando 20,7% do total: os brancos foram 407 (79,3%). No Senado, foram eleitos 5 negros e 22 brancos. A composição total do Congresso Nacional, portanto, é de 20,5% de negros e 79,5% de brancos. Considerando que a população negra no Brasil representa 52% da população, podemos dizer que o Legislativo não reflete, mais uma vez, a composição étnico-racial da sociedade. O partido político que elegeu mais negros foi o PT (18 Deputados), seguido do PSB (10) e PRB (10). No Senado, os 5 negros eleitos pertencem aos partidos PT, PSB, PP, PDT e DEM.

Quanto à idade dos candidatos eleitos, 4,3% tem menos de 29 anos, significando que os jovens também seguiram sub-representados, já que entre as candidaturas representavam 6,8% do total (considerando todos os cargos), e 6,4% concorrendo para Câmara e Senado.

Em outubro de 2014, o Inesc realizou o Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político, onde apresentou os dados com relação ao perfil dos candidatos e candidatas às Eleições 2014, considerando as variáveis sexo, raça/cor e idade, em relação com a distribuição regional e partidos políticos. À época, os dados demonstraram que as candidaturas continuavam a refletir desigualdades intrínsecas da sociedade brasileira com relação às relações de gênero e étnico-raciais, assim como geracional. O resultado das eleições demonstra que, na corrida eleitoral, isso se agrava, e equidade ficou comprometida.

Isso pode ser explicado por um conjunto de fatores que interferem no voto: desde o financiamento privado de campanhas, que geralmente são canalizados para candidatos homens, brancos, com maior poder aquisitivo e que acabam por ter mais tempo de exposição na mídia; até a própria discriminação do eleitor em relação a determinados perfis, dado que ainda não superamos o racismo e o sexismo em nossa sociedade.

Os dados quanto ao perfil das candidaturas devem ser alvo de reflexão pela sociedade. Um primeiro passo, deve ser pensado como realizar um ajuste imediato no processo eleitoral, visando a promoção da equidade de gênero e raça, por exemplo estabelecendo cotas para negros e negras nos partidos. A longo prazo, a Reforma do Sistema Político deve ser discutida de forma ampla e democrática, a fim de que a própria estrutura do sistema político seja aperfeiçoada, alterando critérios para composição partidária, o formato das campanhas e as regras para votação: destaca-se o urgente e necessário fim do financiamento privado de campanha, hoje, o fator que mais promove desigualdades no Parlamento, e que também é um aspecto que gera a corrupção generalizada nos partidos.

Educação, alegres estatísticas e impasses reais

A política de educação no Brasil avançou significativamente, nas duas últimas décadas. O acesso à escola foi praticamente universalizado, na faixa etária compreendida entre 6 e 14  anos (ensino fundamental). Ampliou-se, também, entre 15 e 17 anos a partir da vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento  da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2006. E com a aprovação da Emenda Constitucional 59, de 2009, que torna obrigatória a etapa da educação infantil intitulada de pré-escola, a demanda por matrículas entre 4 e 5 anos de idade terá de ser integralmente atendidas até 2016.

 

 

 

 

Apesar de ainda termos cerca de 3% de crianças fora da escola, na faixa etária compreendida entre 6 e 14 anos e um número maior entre 4 e  6 e entre 15 e 17 anos, pode-se dizer que o direito à educação tem sido contemplado, mas também é preciso perguntar como este direito é atendido.

 

 

Precisa-se, então, qualificar o direito à educação, para atingir o que se denomina por educação de qualidade, que, de acordo com estudantes de ensino médio do Distrito Federal significa: “Aquela que fortalece a identidade e estima dos/das estudantes; que é participativa e coletiva; com pluralismo étnico-racial e combate às discriminações; que estimula a diversidade de corpos, amores, solidariedade; que ao invés de conservar, liberta”.

 

 

E disseram mais, que para se ter educação de qualidade necessita-se de “direito à cidade”; ataque aos preconceitos; “educação para além das escolas”; “ser direito e não ser comercializada”; “estímulo à cidadania”; “consciência ambiental”. E que educação de qualidade não existe hoje. Apesar de avanços educacionais, precisa-se de uma reforma ampla nas formas de ensino e aprendizagem para que se possa atingir este objetivo.

 

 

 

Para entender os motivos que levam cerca de 50% dos estudantes que ingressam na escola não acessarem o ensino médio ou abandonarem esta etapa antes de concluída, o Inesc — Instituto de Estudos Sócio-Econômicos — realizou, em parceria com o Unicef, oficinas em quatro escolas de Brasília com o intuito de escutar os próprios adolescentes. E o que se ouve o tempo todo é que se faz necessária uma reforma do ensino, outras metodologias, outros currículos, outras abordagens, pois a escola está ficando na estrada. Há novas maneiras de ver e fazer coisas, novas visões de mundo e a instituição escola se dá ao direito de não percebê-las.

 

 

 

Nas oficinas, foram utilizados materiais produzidos pela campanha realizada pelo Unicef, em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “Fora da Escola Não Pode e na Escola sem Aprender Também Não”. Com base em dados do IBGE, constatou que o perfil de quem está excluído ou com risco de abandonar a escola é formado majoritariamente por jovens do sexo masculino, negros, que  vivem em famílias de baixa renda e tem pais ou responsáveis com pouca escolaridade.

 

 

O mais curioso, ou corroborador desse relatório, é que as pesquisas realizadas nas quatro escolas de ensino médio do DF encontraram dados semelhantes, com base na percepção de parte da comunidade escolar das quatro diferentes regiões de Brasília: Plano Piloto, Gama, Guará (que atende em maioria alunos da Cidade Estrutural) e Paranoá.

 

 

E como se pode verificar, os achados de pesquisa dialogam com as desigualdades brasileiras, de renda, de raça/cor, de escolaridade, sem falar que quando se olha mais detidamente veem-se estampadas também as desigualdades regionais. Seja com relação às diferentes regiões do Brasil, seja nas diferentes regiões das áreas metropolitanas. Por exemplo, na pequena amostra brasiliense percebe-se as maiores dificuldades de aprendizagem entre os estudantes da Estrutural, por ser a região que abriga o lixão do Distrito Federal e sua população ser formada por maioria de catadores de materiais recicláveis, quase todos negros, com baixíssima ou nenhuma escolaridade e renda.

 

 

 

Portanto, sem medo das generalizações, o que ficou claro no processo de formação e pesquisa com os adolescentes, constatado no relatório gerado, é que o necessário para promover uma revolução na educação pública, além dos recursos pelos quais se mobilizou durante o processo de votação do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, é leveza de alma para mudar. Propor novos currículos, repensar o que se acredita ser disciplina e a que e a quem ela serve, perceber as mudanças culturais que estão acontecendo em velocidade máxima e discuti-las no âmbito das mudanças curriculares.

 

 

 

Além de dialogar com a sociedade sobre as desigualdades. Ou, assumir as desigualdades para resolvê-las. Para isso, não bastam ações governamentais, mas algo no âmbito da própria educação e da cultura. Já há várias iniciativas em curso, como as cotas raciais, a proposta de criminalização da homofobia (que ainda não se conseguiu), as cotas universitárias para alunos de escolas públicas, programas como Prouni, por exemplo. No entanto, isso não basta, é preciso, acima de tudo, que governos e sociedade, como um todo, revejam princípios e saiam para além de suas cercanias. Reflitam sobre anos de violações de direitos e queiram outros modelos e outras práticas.

 

 

 

É preciso tirar o véu que encobre fatores promotores e reforçadores de novas e velhas formas de desigualdades, que passam pela manutenção de privilégios para poucos iluminados, que continuam resolvendo processos eleitorais por meio de financiamento de campanhas políticas, por exemplo. Ou a coleção de impostos regressivos, que faz com que aqueles que ganham até três salários mínimos comprometam 50% da renda com tributação indireta. Com opções de políticas culturais que continuam a favorecer os mesmos em detrimento das manifestações locais. Ou quando pensam em dar acesso à cultura  propõem levar cultura até a favela e não em contribuir para que a cultura da favela se mantenha viva.

 

 

 

Para que a educação se realize como educação de qualidade é preciso, de fato e não apenas no discurso, que parte da sociedade que perpetua preconceitos e agudiza desigualdades, se conscientize de que direitos são para todas as pessoas e não apenas para os “humanos direitos”.

 

Em duas décadas, Brasil multiplicou acesso ao ensino e recursos para financiá-lo. De nada adiantará, se não enfrentarmos desafios da inovação e qualidade

 

 


Guia Siga Brasil

Perfil dos candidatos às eleições 2014

Carga tributária brasileira reforça as desigualdades, diz estudo

Caminhos percorridos da Rio 92 à Pós-2015

Iara Pietricovsky, membro do Colegiado de Gestão do INESC.

A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente-Eco-92 foi uma importante inflexão dos governos sobre a política ambiental e revelou uma agenda política internacional fundamental para as próximas décadas que estavam por acontecer. Foi o maior evento organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) até então. Reuniu 179 países e trouxe 108 Chefes de Estado e de Governo à cidade do Rio de Janeiro. O evento também foi considerado um sucesso pela diplomacia brasileira e mundial. Dela surgiram acordos fundamentais, como a Agenda 21, as Conferências das Partes sobre Biodiversidade e Clima. Desta última, o Protocolo de Quioto e um plano de implementação. Outros eventos tão fundamentais quanto esse ocorreram nos anos posteriores.

A partir deste marcante evento uma série de Conferências Globais foram realizadas com objetivo de aprofundar e comprometer os países e povos com um novo marco de direitos e uma nova lógica sobre o sentido do desenvolvimento. É por isso que a palavra desenvolvimento esteve dialogando com praticamente todos os temas das Cúpulas promovidas pela ONU.

Era um período que a ONU gozava de confiança política global de fato e permitiu que a mesma convocasse, com legitimidade, vários encontros internacionais de alto nível, sucedâneos à Rio 92 e que tiveram o marco dos direitos humanos como base da abordagem das mesmas. Desta forma, foram realizadas as Conferências de direitos humanos, em Viena; de desenvolvimento social, em Copenhague; das questões de população e desenvolvimento, no Cairo; da condição da mulher, em Pequim e, dos problemas urbanos e o desenvolvimento, em Istambul. No início dos anos 2000 temas como o racismo, intolerância e discriminação entram na agenda, em Durban e também o tema estruturante do financiamento ao desenvolvimento, em Monterrey. A este ciclo nos referimos como o Ciclo Social das Nações Unidas.

Existia um ambiente político favorável desde que não estivesse na mesa o debate sobre quem pagaria pela transição de modelo de desenvolvimento. Aliás, é um dos temas que vem travando todas as negociações, reestruturando as instituições e redefinindo os atores que decidem nas instâncias internacionais, ou seja, hoje o poder se deslocou ainda que as instituições sejam as mesmas.

No ano 2000, com o lançamento das  Metas do Milênio, ODM e depois de iniciado um novo ciclo de revisão das conferências cinco anos após (+5, +10 e +20) ficou evidente os sinais de “fadiga”[1] do sistema das Conferências. A ONU como instituição, começou a perder seu poder e legitimidade política.  Isso ficou claro, ao longo do tempo, pelo baixo nível de comprometimento dos governos, pela ausência de investimento por parte do próprio sistema para fazer com que as negociações tivessem resultados efetivos dos pontos já negociados sem que se reabrissem as questões já acordadas. E por fim, a própria crise financeira do sistema de governança mais tradicional.

Desse tempo para os dias atuais foi um enfraquecimento paulatino do sistema ONU e também dos próprios  Estados  nacionais ali representados, de forma que os Acordos e Tratados ficaram mais no discurso do que efetivamente implementados. Essa, chamada “fadiga das Cúpulas” acabou colocando em risco todo um processo e que se refletiu na apresentação das Metas do Milênio, no ano 2000.

Os Objetivos do Milênio (ODMs) foram compreendidos pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil global[2] como uma redução radical de tudo que se havia alcançado em termos de Acordos e consensos dentro das Cúpulas. O debate realizado por quase uma década se reduzia a oito metas[3], cheias de problemas éticos, de implementação e de definição de responsabilidades. A falta de consenso sobre quem iria pagar a conta, as crises  de legitimidade e financeira impediram qualquer avanço sobre o que já se havia debatido, negociado e acordado.

Dai para frente enfrentamos mais crises econômicas de todos os tipos começando com a crise do Sudeste Asiático e as economias em transição na América Latina (México, Brasil, Argentina), mais recentemente a crise dos países desenvolvidos. Os movimentos sociais e muitos analistas da sociedade civil, dentre eles a rede Social Watch, sinalizavam desde o início destas conferências sobre a urgência de uma nova arquitetura financeira internacional, uma nova governança e mais responsabilidade social das instituições de Bretton Woods e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Alertavam sobre a necessidade de uma avaliação dos impactos sociais e ambientais da liberalização dos investimentos em todos os lugares do Planeta. Que era fundamental buscar novos modelos de desenvolvimento fundados na sustentabilidade, numa mudança da visão econômica neoliberal e enfrentamento das questões socioambientais e alimentares do Planeta.

Temas como pobreza, desigualdade dívida externa, apoio ao Desenvolvimento (ODA), nova arquitetura financeira, desenvolvimento sustentável e nova governança, que eram presentes em nosso vocabulário desde então, não tiveram eco efetivo assim como a ONU não teve força política para reverter decisões econômicas e financeiras no âmbito internacional. Políticas públicas globais passaram a ser  definidas no G8 e pelo Fórum Econômico Global e depois elaboradas e implementadas pelas IFIs e pela OMC. Com a crise econômica nos países do G8 o sistema de governança sofre alterações e os países em desenvolvimento são chamados ao grupo seleto, constituindo-se assim o G20, entre muitas novas configurações que estão se formando no mundo. Nenhuma delas passa pelo fortalecimento do sistema multilateral capitaneado pela ONU. Esse movimento apresenta definitivamente uma nova governança e novos atores no exercício do poder.

O enfraquecimento da ONU e dos Estados nacionais, impactados pela chamada crise tripla (econômica, ambiental, alimentar) fez com que estes começassem a buscar nas grandes corporações transnacionais a resposta para suas dificuldades econômicas e vice versa, as Corporações Transnacionais (TNCs) buscaram os Estados (e muitas foram salvas com o dinheiro público na crise dos países ricos).  As instituições multilaterais fragilizadas, em especial o FMI, são reerguidas para operar como formuladores dessa nova  era do capitalismo financeiro estimulando, o que parece ser a chave de uma nova governança global, as parcerias público/privada. Se materializa definitivamente a visão ensaiada tantas vezes no passado. A globalização deu uma posição de destaque às grandes corporações financeiras e industriais valorizando uma visão de mercado, por onde, para estes, as soluções às crises podem ser resolvidas.

No entanto, para garantir hegemonia deste processo de privatização do sistema multilateral e dos Estados nacionais era necessário, também, alterar o marco regulatório de direitos constituídos.  Desde a Segunda Grande Guerra Mundial, avançou-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com os Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESC) e, em especial, nestas Conferências do Ciclo Social da ONU que definiram essas novas gerações de direito. Não era só o direito individual que estava garantido, mas o coletivo também. Por isso, para as corporações e transnacionais era crucial que novos instrumentos fossem criados para que pudessem influenciar e mudar, com efetividade, as decisões e processos globais fundamentados neste enorme avanço sobre o direito humano.

Cria-se o Global Compact[4] que passa a ter um papel assessor tanto na era Kofi Anan, como na atual era Ban Ki Moon e, para tal objetivo, abraçam a agenda ambiental retomada na Rio+20 e todo o debate do Pós-2015. Apresentam-se como a solução dos problemas globais de combate a pobreza, à crise climática, ao uso de novas tecnologias e de financiamento.

O setor privado passa a dirigir estes processos, redefine conceitos acordados e os modifica. Na Rio+20 ficou evidente a introdução do conceito de economia verde entre outros. A  tentativa de acabar com o conceito de CBDR (Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas), fundamental para garantir diferentes níveis de responsabilidades dos países frente ao combate dos desequilíbrios ambiental, climático e social, entre outros, demonstra que a visão de mercado sairia vitoriosa na disputa sobre o que significa o “desenvolvimento” seus possíveis caminhos e mecanismos. Mesmo o mecanismo CBDR sai com uma perna quebrada nesse novo momento do cenário internacional, onde corremos o risco de penalizar exatamente os menos os que têm menos responsabilidade sobre a profunda crise global.

Os que comandam hoje, o nosso mundo, são o Fórum Econômico Mundial, a Organização Mundial do Comércio, as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), tendo tanto os Estados Nacionais, como a ONU capturada pelos interesses destas  corporações transnacionais, ainda que reste uma certa legitimidade e independência política, nas frágeis democracias de nosso tempo.

Reconhecemos, portanto, que a agenda global está capturada majoritariamente pelos conglomerados privados, ainda que a mesma seja crucial para equacionar a grave crise civilizatória e ambiental que vivemos. Todos os processos desencadeados, desde a Rio 92, até a última grande Conferência que foi a Rio+20, de onde também saíram os Objetivos do Milênio (ODMs), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), as Conferências  das Partes de Biodiversidade de Mudança Climática, desembocam no chamado Pós-2015.

Em 2015 acaba o prazo definido pelos ODMs pela Assembleia da ONU. Desta forma tornam-se necessários novos indicadores e novas metas para a agenda global ao enfrentamento da pobreza e das desigualdades e da crise ambiental. Surge então, na Rio+20 o novo conceito que tenta articular as questões sociais, econômicas e ambientais, expressos em objetivos, ODSs. Este processo, que parece gigantesco e que parece envolver todo o Planeta, na verdade não será decidido na ONU e muito menos nas deliberações sobre a implementação no Pós-2015, ainda que este processo tenha seu valor de ampliar o debate.

Apesar de todo apelo que esta agenda nos remete e da ONU, e alguns governos, tentarem ampliar a discussão por meio de participação da sociedade global, via tecnologias de comunicação e dados abertos para trazer organizações e cidadãos e cidadãs para o debate, o que ocorre é um afunilamento no qual, as decisões finais, excluem todos os que foram convidados ao debate global e o texto final não reflete as principais demandas e preocupações expressas por aqueles convidados a opinarem.

Ademais os ODS são genéricos e sem clareza dos mecanismos de financiamento para a solução das questões. E, cada vez mais, as resoluções estão sendo colocadas nas mãos do setor privado, que privilegia uma visão de mercado requentando uma lógica que já demonstrou ser a causa do desastre global.

O relatório do Fórum Econômico Global, escrito antes da Rio+20 diz que o sistema de governança no futuro, será melhor administrado por coalizões de corporações multinacionais, Estados-nação (incluindo a ONU) e um seleto grupo de organizações não governamentais. E esta tem sido a diretriz. Segundo o Banco Mundial e a Revista Fortune, 110 entre as 175 maiores economias globais, em 2011, são corporações, sendo o setor corporativo a uma maioria com 60% sobre os países. A entrada das megacorporações tais como Royal Dutch Shell, Exxon Mobil e Wal-Mart produzem desequilíbrio total no sistema de poder global, pois, essas três somente, são maiores que 110 economias nacionais, mais da metade dos membros da ONU[5].  Portanto, o poder destas corporações no mundo e nos espaços políticos de decisão é inquestionável.

Diante desse contexto um dos principais desafios que permeia a elaboração dos ODS e a construção da agenda Pós-2015 diz respeito ao enfraquecimento do poder público, seja nacionalmente, seja no marco do multilateralismo. Uma das expressões desse enfraquecimento é a proposta de Parcerias Público/Privada (PPPs). Tal proposta carrega uma visão estrita de crescimento econômico e soluções baseadas no mercado para o tema do desenvolvimento sustentável, despolitizando as causas da pobreza, do desequilíbrio ambiental e da crise climática.

Além do mais, as PPPs abrem caminho para negócios das corporações que detêm poder no cenário global. São elas: indústrias extrativistas, de tecnologia de ponta, do setor químico, farmacêutica e de alimentação e bebidas. Essas empresas não atuam em favor do desenvolvimento sustentável, ao contrário, são contra o mesmo, pois visam o lucro e não a sustentabilidade em curto prazo e não a sobrevivência do Planeta no longo prazo. O poder de mediação do Estado fica prejudicado e sua legitimidade atacada, tendo o campo dos direitos enormes prejuízos, pois reside no estado o poder e legitimidade para que esses direitos sejam efetivados na vida dos/das cidadãos/cidadãs.

O processo de formulação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) está crivado de problemas[6]. São eles:

1)  Do ponto de vista do processo de participação foi um tiro no pé, na medida em que, abriu para a participação formalmente, mas efetivamente quando se fechou o texto final das organizações da sociedade civil e movimentos sociais que participaram não tiveram direito de estarem presentes. É fundamental pensar a participação como um direito humano e desta forma, reformatar os mecanismos de tomada de decisão;

2)  Os ODS não preenchem plenamente o objetivo de proteger e realizar os direitos humanos  para todos e todas. Olhando na perspectiva do Ciclo Social das Nações Unidas e os Direitos Humanos, estamos caminhando a largo passo para a redução do que foi conquistado. A necessidade de reduzir custos e uma visão conservadora vem corroborando para este retrocesso;

3)  Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres ainda não são suficientes. Continuam não escutando as demandas do movimento de mulheres global nas suas reivindicações;

4)  A concentração de poder e riqueza entre países e internamente aos países, que produzem pobreza e desigualdades não estão sendo atacados suficientemente e a agenda não tem metas claras para reverter esse quadro;

5)  Falta real reconhecimento das mulheres rurais, povos da floresta,  povos indígenas, pescadores que são grupos chaves para soluções de manejo de recursos naturais;

6)   A Tecnologia está toda concentrada no comércio e no do setor privado. Precisamos pensar a tecnologia com a ideia de acesso livre e equitativo e acabar com as barreiras de proteção dos direitos de propriedade intelectual;

7)  As questões de financiamento ainda estão obscuras e não existe concretamente nenhuma proposta que mostre a entrada de dinheiro novo para que se iniciem programas e projetos que visem a efetivação dos Objetivos;

8)  Os países ricos acabaram vitoriosos em se livrar da responsabilidade maior na resolução dos desequilíbrios ambientais e climáticos. Ainda que se encontre o conceito de CBDR, a realidade é que as responsabilidades acabaram recaindo sobre os países em desenvolvimento e pobres na mesma trilha do que ocorreu com os malfadados Objetivos do Milênio. O que define, em última instância, é quem te poder de se impor, não importa os compromissos assumidos no âmbito multilateral. Temos uma crise de governança séria;

9)  Outro aspecto fundamental é que os Orçamentos dos países não estão construídos para implementarem as ODS, ou seja, os orçamentos não são sustentáveis  e nem objetivam metas de desenvolvimento sustentáveis. Também as estruturas tributárias, em grande parte dos países são injustas e priorizam o interesse do capital flexibilizando, reduzindo impostos e mantendo mecanismos de livre fuga de capital, além dos paraísos fiscais;

10)       Por fim, mais uma vez, olhando na perspectiva dos direitos humanos, as ODS caem na mesma armadilha das ODMs, reduzem o marco dos direitos humanos, que deveriam ser os princípios norteadores de qualquer política pública socioambiental, pois o exercício deveria ser ao revés, quais são os direitos e como eu os realizo. O que temos hoje é o direito de poucos donos do capital em detrimento do mundo político, social e cultural e toda a sustentabilidade do Planeta.


[1] Roque , Átila e Corrêa , Sonia: Das Cúpulas as bases:cenário internacional. In Social Watch, Observatório da Cidadania nº 4 –  2000 –  Ultimo acesso em 05 de agosto de 2014 –  http://www.socialwatch.org/nod11315

[2] a esse respeito ler a coleção de Relatórios produzidos pelo Social Watch: página http:/www.socialwatch.org/

[3] As oito metas: redução da pobreza, atingir o ensino básico universal, igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhora da saúde materna, combater o HIV/Aids a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para  o desenvolvimento. para maiores informações, acessar a página do PNUD no Brasil http://www.pnud.org.br/ODM.aspx

[4]para maiores informações acessar: http://unglobalcompact.org/Languages/portuguese/

[5] PINGEOT, LOU – Corporate Influence in POST 2015 process – Working Paper – January 2014 -Misereor, GPF e BROT fur die Welt

[6] ler o sobre o assunto em: Pingeot, Lou – Corporate influence in Post-2015 process – January – 2014.

– 2014.

Reforma do sistema político: esta luta deve ser nossa!

Publicado por Abong

Não é de hoje que o povo tem um profundo mal estar com o poder, com as formas tradicionais de se fazer política, com as instituições e com os processos eleitorais que, na maioria dos casos, escolhe quem não representa a maioria da população.

O nosso sistema político é herdeiro e, ao mesmo tempo, alimentador das nossas mazelas como país: profunda desigualdade (de gênero, de raça/etnia, de classe), machismo, racismo, homofobia, não reconhecimento dos/as indígenas como povos. Este sistema político foi montado para favorecer e manter as oligarquias no poder. Oligarquia que, ao longo do tempo, foi se modificando e hoje é a “moderna oligarquia do mercado financeiro”.  Ele é herdeiro do autoritarismo e, principalmente, da ditadura militar.

A Constituinte de 1986/1988 não conseguiu enfrentar estas mazelas, primeiro pelo próprio formato que teve – foi o congresso que fez e não uma assembleia constituinte exclusiva e soberana. Este formato definiu a composição e o conteúdo da nova constituição: avançada nas questões sociais e conservadora na questão da propriedade, da economia, do mercado financeiro, do sistema político, das forças armadas e das polícias e, principalmente, das instituições. Continuamos com um poder todo centrado na representação, no poder das instituições, e não na soberania popular. Praticamente, a única forma de expressão da soberania popular é o voto, com todos os limites e, o pior, todos os vícios do nosso sistema eleitoral, que possui dois grandes problemas: a dominância do poder econômico e a sub-representação de vários segmentos nos espaços de poder.

 

Hoje, quem financia as campanhas são grandes empresas que, depois, cobram a conta através da corrupção e/ou da implementação de projetos/políticas públicas de seus interesses. Temos um parlamento formado por homens, urbanos, brancos, ricos, proprietários, heterossexuais e cristãos.  Por exemplo, temos menos de 9% de deputadas, menos de 8% de parlamentares negros/as, nenhum indígena. Isso não representa a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira. Esta mesma disparidade está presente em todas as instâncias do Estado, não esquecendo aqui de nomear o judiciário.

Para mudar isso precisamos de um processo político na sociedade, com força social e política, organização de base, debates, acúmulo de forças, mobilização e formulação de um novo projeto de nação e de sociedade que passa, necessariamente, pela construção de outro sistema político.

Ao longo dos últimos anos, movimentos sociais, organizações, articulações da sociedade e igrejas construíram duas grandes estratégias: a iniciativa popular da reforma política democrática e eleições limpas e o plebiscito popular pela convocação de uma assembleia constituinte exclusiva e soberana do sistema político.

A iniciativa popular é organizada pela Coalizão pela Reforma Política, que promoveu um processo de diálogo e unificou a proposta da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e a do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). A iniciativa popular é um instrumento da democracia direta previsto na Constituição e tem uma série de exigências, como por exemplo, obter perto de 1.500.000 assinaturas, não apresentar propostas de mudança constitucional, ter o número do titulo eleitoral, etc. No entanto, ela consegue, mesmo com estes limites, enfrentar questões importantes e estruturais do nosso sistema político, como o peso do poder econômico nas eleições, a sub-representação de vários segmentos no parlamento, a necessidade de fortalecer os instrumentos da democracia direta, de resgatar a importância dos partidos e criar mecanismos democráticos de controle e fiscalização do processo eleitoral.

A iniciativa popular é uma estratégia que se propõe atuar em um tempo político mais curto, isso é, mobilizar a sociedade para forçar que este Congresso aprove uma reforma política que responda aos anseios de amplos segmentos da sociedade. Como a iniciativa popular faz isso? Na questão do financiamento, propõe mecanismos democráticos proibindo o aporte de recursos por parte das empresas. As eleições passariam a ser financiadas com recursos do orçamento público e de contribuições de pessoas físicas. Tudo isso com limites e como estratégia para democratizar o processo, combater a corrupção e limitar e baratear os custos das campanhas. Propõe um sistema de escolha dos/as representantes em dois turnos. Os partidos elaboram de forma democrática listas partidárias com alternância de sexo e critérios de inclusão dos demais segmentos sub-representados. O primeiro turno visa a definir quantas cadeiras no parlamento o partido vai ter. No segundo turno, participa o dobro de candidatos/as e o/a eleitor/a vota no nome de seu/sua representante.

Para fortalecer a democracia direta, a iniciativa popular propõe que determinados temas só possam ser decididos por plebiscitos e referendos, como por exemplo, grandes projetos com grandes impactos socioambientais, privatizações, concessões de bens públicos, megaeventos com recursos públicos, entre outros. Para conhecer na integra a proposta da Iniciativa Popular, acesse aqui.

Já o Plebiscito Popular abarca três estratégias: trabalho de base, formação política e discussão ampla com a sociedade. Busca-se debater a institucionalidade que temos e a que queremos (sistema político) e o lócus político para se fazer esse debate é a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana. O horizonte político do Plebiscito Popular é de longo prazo, é o de acumular forças na sociedade para poder provocar as rupturas que precisamos. Neste sentido, é fundamental o processo de conquista de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana.

Esta mesma demanda por uma Constituinte Exclusiva e Soberana esteve presente em 1985. Mas, não tivemos força política suficiente para torná-la realidade na ocasião e tivemos uma Constituinte Congressual (o Congresso que fez), sem soberania (pois estava subordinada à vontade do executivo, dos militares e do poder judiciário). Em outras palavras, para provocar as rupturas que precisamos, urge criar novas institucionalidades onde o alicerce do poder é a soberania popular, onde o poder constituinte seja o próprio poder popular.

O instrumento que temos para fazer isso é a convocação de um plebiscito popular com a seguinte pergunta “Você é favorável à convocação de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político?”

Como o próprio nome diz, plebiscito popular quem organiza é o povo. Portanto, ele não tem valor legal, mas tem peso político na correlação de forças.  A grande tarefa, no momento, é a organização de comitês populares amplos em todos os lugares possíveis para organizar a campanha de votação do Plebiscito e a coleta de assinaturas da iniciativa popular de 01 a 07 de setembro. Precisamos ter milhões de votos e coletar milhões de assinaturas. Para ter acesso ao debate do Plebiscito Popular acesse aqui.

Entretanto, não podemos nos organizar para setembro e parar por aí. O processo de luta pela reforma do sistema político precisa continuar após setembro, precisa ser pauta na disputa eleitoral, precisa organizar a sociedade, precisa ganhar amplos setores e pautar a necessidade de o Brasil realizar as grandes mudanças estruturais, que passam pelo fortalecimento do poder soberano do povo e de um novo sistema político. Sem isso, não vamos conseguir avançar nas reformas estruturais e muito menos enfrentar as questões que a Constituinte de 1988 não enfrentou ou mesmo cristalizou como, por exemplo, a supremacia do capital e da propriedade privada diante dos direitos dos povos.

Esta luta pela reforma do sistema política tem que ser nossa!

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