O Deboche, a Palhaçada e o Jogo de Interesses – a Câmara dos Deputados e os Direitos Humanos: uma análise crítica

Publicado originalmente em ABGLT.

Testemunhei pessoalmente o troca-troca na Câmara dos Deputados na semana passada (6 e 7 de março) para eleger o presidente e indicar integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, criada há 18 anos para institucionalizar a luta pela igualdade e contra a discriminação. Foi escandaloso, vergonhoso e inaceitável. Vi com meus próprios olhos a manipulação e o jogo de interesses. Vi o machismo e autoritarismo desrespeitosos do líder do PSC para com a deputada Antônia Lúcia (PSC/AC). Tive a infelicidade de ouvir Jair Bolsanaro (PP/RJ) falar que foi o melhor presente de aniversário e natal que já teve de todos os tempos.

Oito deputados do mesmo partido numa só Comissão não é coincidência, é trampa, e a maioria é ligada ao fundamentalismo religioso evangélico. Ao total, agora 13 dos 18 titulares da Comissão são pastores. Estuprar a proporcionalidade da representação partidária na Comissão está equivocado e fere o Regimento Interno da Câmara: as Comissões devem ser plurais.

Com essa eleição, a Câmara dos Deputados rasgou a Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tornou-se, mais uma vez, uma vergonha para o Brasil e para o mundo. O Parlamento Brasileiro retornou à idade das trevas. É preciso que os(as) parlamentares relembrem e ajam de acordo com o princípio (e a lei) de que o Brasil é um Estado Laico. Com a ascendência do fundamentalismo religioso no Congresso Nacional, assiste-se a um espetáculo que relembra o surgimento da tomada do poder pelos nazistas na Alemanha dos anos 1930.

O episódio foi especialmente vergonhoso pela conivência do PMDB, PSDB, PR, PTB e PP em cederem vagas na Comissão para o PSC, além da incabível indicação de Jair Bolsonaro (PP/RJ) para integrá-la, bem como o PSB, o PSD e o PV indicando pastores em detrimento de pessoas historicamente atuantes no campo dos direitos humanos.

As origens de alguns desses partidos simbolizam a luta pela democracia e o rechaço ao autoritarismo no Brasil da Abertura. Quem diria?! Das 20 Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados, a de Direitos Humanos foi a penúltima a ser escolhida, mostrando uma falta de prioridade generalizada.

Não é de se surpreender a estimativa de que uma pessoa é assassinada a cada 10 minutos no Brasil (Instituto Sangari, 2011) e que em 2011, segundo o UNODC, o país estava em primeiro lugar no ranking do mundo neste quesito. O exemplo vem de cima, o Congresso Nacional não está preocupado com os direitos humanos e as consequências que este descaso traz.

Decepcionou também a falta de prioridade dada pelo PT e pelo PCdoB. Uma pergunta que ficou no ar é por que o PT priorizou a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional em detrimento da Comissão de Direitos Humanos e Minorias?

Repetiu-se mais uma vez a imperdoável negociação dos direitos humanos em troca de interesses políticos e do projeto de manutenção do poder, o que – no caso da população LGBT, negra, mulheres, indígenas – tem se tornado corriqueiro na atual legislatura. Estamos cansados(as) de ser moeda de troca.

É uma aberração eleger para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias uma pessoa que é objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal, acusada de estelionato, racismo e homofobia.

Não faltam exemplos nas redes sociais comprovando algumas dessas alegações contra o Pastor Marco Feliciano (PSC/SP), eleito presidente da Comissão em 07 de março:

• Em 30 de março de 2011 afirmou em sua página no Twitter, que os africanos são descendentes de um “ancestral amaldiçoado por Noé” e que “sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids, fome…”;

• no seguinte link http://portugues.christianpost.com/news/marco-feliciano-denuncia-o-ativismo-gay-conexoes-com-hitler-e-a-aids-video-12838/
consta vídeo no qual afirmou que “A Aids é uma doença gay”; que existe um ativismo gay promovido por satanás que está “infiltrado” no governo brasileiro; que “enquanto crentes não saem para evangelizar… satanás levantou o seu ativismo [das pessoas LGBT] neste país. Ação de satanás contra a família brasileira”; que “O problema é o ativismo gay, o problema são pessoas que têm na sua cabeça o engendramento de satanás”; “São homens e mulheres que usam dos mesmos mecanismos que Stanley usou no seu comunismo nazista, usam a mesma linguagem de Hitler… uma mentira contada várias vezes com muita ênfase se torna verdade”.

Da mesma forma, no caso da censura presidencial ao vídeo da campanha do Ministério da Saúde de combate a DST/AIDS no carnaval de 2012, com personagens gays, o deputado Marco Feliciano não só comemorou a retirada do vídeo da campanha com o casal gay do ar como também creditou à Frente Evangélica o “feito”. Em seu Twitter, o deputado postou o link de uma matéria sobre a censura do material e sentenciou: “Pressão nossa”, numa clara demonstração da interferência religiosa na laicidade do Estado.

Em outra ocasião afirmou que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime e à rejeição”.

Pastor Marco Feliciano, que diz não ser homofóbico, também é autor das seguintes proposições, entre outras, que visam a negar a igualdade de direitos à população LGBT:

Projeto de Decreto Legislativo 637/2012 – Ementa: Susta a aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconhece como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo.

Projeto de Decreto Legislativo 521 e 495/2011 – Ementa: convoca plebiscito sobre o reconhecimento legal da união homossexual como entidade familiar.

Também apoia o Projeto de Decreto Legislativo 234/2011 – Ementa: Susta a aplicação do Parágrafo Único do Artigo 3º e Artigo 4º da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1, de 23 de março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.

A cruzada anti-LGBT promovida por Feliciano e outros fundamentalistas no Parlamento Brasileiro vai contra a maré internacional, tanto dos países vizinhos como Argentina e Uruguai, quanto a França e a Inglaterra, todos se esforçando para garantir o alcance da plena igualdade de direitos pelas pessoas LGBT. No nosso continente também o presidente Obama não tem medo de expressar essa convicção publicamente, como fez no discurso da posse em janeiro deste ano: “Nossa jornada não será completa até que nossos irmãos e irmãs LGBT sejam tratados como qualquer outro perante a lei – pois se somos verdadeiramente criados iguais, então certamente o amor que dedicamos um ao outro deve ser igual também.” Não queremos privilégios, queremos tão somente direitos iguais, nem menos, nem mais.

Assim com Feliciano, os correligionários eleitos na mesma ocasião na semana passada também atuam na contramão da plenitude e universalidade dos direitos humanos em outras questões também, como as terras indígenas, os direitos sexuais e os direitos reprodutivos das mulheres, as políticas afirmativas de acesso da população negra às universidades, e assim por diante. Com sua nova composição, como bem disse a deputada Luiza Erundina (PSB/SP) “esta Comissão não é mais de direitos humanos”.

Entendemos que o fundamentalismo e a intolerância religiosos manifestados pelo Pastor Marco Feliciano e seus asseclas não são representativos da maioria das pessoas evangélicas e somos defensores intransigentes da liberdade de opinião e crença, desde que não se tornem apologia de preconceitos, discriminação, violência e crimes, como o racismo e a homofobia.

Que a Câmara prime pelo bom senso e que realize uma nova eleição da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, uma vez que a maneira como a eleição foi realizada a portas fechadas no dia 7 de março de 2013 contrariou o artigo 48 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Isto faz lembrar os idos de 1964.

Perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra. Todo apoio à criação da Frente Parlamentar dos Direitos Humanos e nossos agradecimentos pelos esforços expendidos pelos/as seguintes parlamentares, entre outros(as), na tentativa de reverter a desastrosa eleição: Janete Pietá (PT/SP), Domingos Dutra (PT/MA), Jean Wyllys (PSOL/RJ), Érika Kokay (PT/DF), Ivan Valente (PSOL/SP), Chico Alencar (PSOL/RJ), Padre Ton (PT/RO), Nilmário Miranda (PT/MG), Luiza Erundina (PSB/SP), Dr. Rosinha (PT/PR), Janete Capiberibe (PSB/AP), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Luiz Couto (PT/PB), Paulão (PT/AL) e Arnaldo Jordy (PPS/PA).

Que o ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal conclua a análise do inquérito sobre o Pastor Marco Feliciano e que seja realizado o julgamento o mais brevemente possível.

No sábado, 9 de março de 2013, em todo o Brasil milhares pessoas que ficaram revoltadas com a imoralidade da eleição da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados saíram às ruas para protestar e exigir a correção deste erro. Em Curitiba as palavras de ordem incluíam: “Nem podridão, nem maldição, queremos igualdade na nação.” “Pelos direitos humanos, fora Feliciano”.

O paralelo com as manifestações Fora Collor ficou evidente. Agora tem-se o movimento Fora Feliciano. Que continue havendo protestos até que sejam reinstaladas a democracia e a ética na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Que as organizações de classe, sindicatos e todas as pessoas e instituições ligadas à promoção e defesa dos direitos humanos se juntem às manifestações de repúdio ao acontecido e reforcem a mobilização em prol da anulação dessa eleição indigna.

Não aceitamos e não acataremos este estupro coletivo da Comissão de Direitos Humanos. De forma que está, ela está acabada. Não existe mais. Se continuar assim, sugerimos que os partidos aliados dos direitos humanos não indiquem membros para esta Comissão.

A luta tem que continuar:

“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles,
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

A vida de uma mulher equivale a uma lata de manteiga?

Em 2006, o noticiário divulgou o julgamento de uma jovem de 19 anos, empregada doméstica, por ter tentado roubar um pote de manteiga num comércio em São Paulo. O roubo foi evitado pelo dono do estabelecimento. A jovem foi condenada a 4 anos de prisão, em regime semi-aberto.
Em fevereiro de 2008, Antonio Francisco Araújo da Silva cometeu um grave crime no interior do Ceará, na cidade de Ubajara. Espancou todo o corpo e deu marteladas na cabeça de Francisca das Chagas Oliveira (conhecida como Fran), mulher com quem era casado. Fran, depois de muito machucada, inclusive com afundamento da caixa craniana, desmaiou em meio a tamanha agressividade. O desmaio fez o agressor acreditar que ela havia morrido e por isso ele parou com seu ataque de fúria. Fran sobreviveu, mas em decorrência desse crime brutal, até hoje tem seqüelas que alteraram radicalmente a sua vida: toma medicamentos, vive submetida a tratamento psicológico, perdeu 50% da audição e sofre com dores no braço direito, entre outras. A dor e o transtorno na família de Fran também não podem ser esquecidos.

Diante da impossibilidade de apagar esse crime na história de sua vida, ao longo desses 5 anos, familiares e amigas/os da Fran, movimentos feministas – em especial o Movimento Ibiapabano de Mulheres – MIM, vem clamando por justiça, na tentativa desse crime não ficar impune. Esse sentimento foi alimentado ainda mais pelo fato do acusado não ter ficado preso um dia sequer pelo crime cometido.
Ontem, 27/02, finalmente Antonio Silva foi julgado no Fórum Clóvis Bevilaqua, em Fortaleza. Ao final do julgamento, veio a sentença: 4 anos de condenação em regime aberto. O argumento absurdo de que o agressor não tem antecedentes criminais, funcionou mais uma vez para abrandar a pena.

A condenação do Antonio Francisco Araujo da Silva foi mais amena do que a da jovem mulher que tentou roubar uma lata de manteiga, alegadamente para ajudar aliviar a fome do seu filho. Isso nos faz concluir que a vida de uma mulher vale menos do que uma lata de manteiga. Como pode haver uma mesma punição para dois casos tão díspares, quando o primeiro relaciona-se com a possível violação de uma mercadoria e o outro caso, tem relação com a violação efetiva da vida de uma mulher?


Enquanto ainda estamos inconformadas com a sentença, permanecem em nós os sentimentos ruins provocado durante o julgamento, ao rememorar os fatos da violência e tocar novamente nas feridas. Tudo isso diante do agressor, frio, calculista. Há quem o classifique como “monstro”, mas queremos considerá-lo na sua condição humana e por isso mesmo, tem a consciência de que a sua presença no mundo tem uma dimensão ética, que o torna capaz de tomar decisões, de fazer escolhas, de prever as conseqüências dos seus atos, de viver em relação com suas/seus semelhantes.
Não, ele não é monstro! É um homem, adulto, machista, que certamente aprendeu a acreditar ser o dono da vida das mulheres com quem se relaciona, que usa da força e da violência contra as mulheres para impor suas vontades e interesses, que estabelece uma relação desigual com uma mulher e se acha no direito de maltratá-la, de espancá-la e de tentar tirar sua vida covardemente, que usa a violência como recurso para resolução de conflitos. Temos que reconhecer que esse comportamento é tipicamente humano. Somente o considerando humano, é que podemos querer que ele assuma a conseqüência dos seus atos, que ele seja punido por ter cometido um grave crime de violência contra a mulher, que podemos pressionar a justiça para retirar do criminoso o direito de ir e vir livremente. Mas se um crime desta gravidade não é devidamente punido, fica um péssimo exemplo para outros homens que são ou que poderão ser violentos com as mulheres que estão em volta deles.

E o que tudo isso tem a ver com cada uma/um de nós? Qual a nossa responsabilidade em desconstruir as bases de uma sociedade marcadamente machista? Quando ousaremos educar nossas crianças para a igualdade e o respeito entre mulheres e homens? Que mudanças no cotidiano podemos fazer para que outros Antônios não sejam formados e outras Franciscas não sejam vítimas de violência sexista? Quando teremos a ousadia de semear outros valores para nossos meninos em formação? Quando deixaremos de presentear nossos filhos com revólveres e espadas de brinquedo, para que eles aprendam desde cedo a exercitar a violência? Quando exigiremos que a justiça brasileira não amenize os crimes de violência contra as mulheres, sob o pífio argumento de que o homem não tem antecedentes criminais? Até quando a violência contra as mulheres?

A violência sofrida pela Fran nos enche de indignação! E nossa indignação é porque esta sentença deixa em nós o sabor de impunidade; porque certamente este homem não cumprirá nem metade desta pena; porque ele permanecerá solto representando uma ameaça à vida de Fran, de sua família e também de outras mulheres que se aproximarem dele; porque a justiça é cega para os crimes cometidos contra as mulheres; porque esse crime não é isolado, mas engrossa as estatísticas da marca de 1 bilhão de mulheres que sofre com a violência em todo o mundo.

Mas esta indignação, aliada ao desejo de justiça, também nos mobiliza. Em nome delas continuaremos a ir pras ruas, a levantar nossas bandeiras, a lutar pelo fim da violência contra as mulheres, a tocar tambores denunciando as opressões e, sobretudo, a continuar lutando pela defesa, efetivação e ampliação dos direitos das mulheres.
Enquanto houver injustiça, sempre haverá luta!!!

Francisca Sena – militante do Instituto Negra do Ceará e do Fórum Cearense de Mulheres


1ª série “Orçamento Socioambiental”

Veja o PDF aqui

Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual

Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?

Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos  a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e  da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.

Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.

O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos o sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.

Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade.

O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos libertos. A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.

O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de “Igreja” às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.

O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e  de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de  aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e  da essência do  sonho de Jesus.

O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.

O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão.

Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos), a espiritualidade,  a falta de transparencia (roubo de documentos secretos e outros problemas graves  no Banco do Vaticano), e a perda de fieis, sobretudo entre a juventude.

Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã  no interior de uma crise ecológica e social  de gravíssimas consequências. O problema central do mundo não é a Igreja (cada vez mais européia e branca)mas o  futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.

 

 

Leonardo Boff é autor de Igreja: carisma e poder, livro ajuizado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger.

Orçamentos sensíveis a gêneros: Experiências

Confira aqui.

Orçamentos sensíveis a gêneros: Conceitos

Confira aqui.

III Relatório Periódico de DH no Brasil

Veja em PDF.

Decisão Democrática e Sensata

Marcelo Zero*

O imbróglio jurídico-político causado pela doença do presidente Hugo Chávez provocou um verdadeiro febeapá constitucionalista em parte da nossa mídia.

Com efeito, alguns articulistas e “formadores de opinião”, que já haviam se especializado na interpretação da nossa constituição, distribuindo conselhos e advertências aos juízes do STF, no episódio da Ação Penal 470, tornaram-se, subitamente, profundos conhecedores da ordem constitucional venezuelana. Julgam conhecer tão bem a Carta Magna do país vizinho que, do alto de sua intempestiva sapiência, obtida provavelmente num curso relâmpago do Google, se dão ao desplante de criticar pesadamente a decisão da “Corte chavista”, a qual manteve o mandato popular do atual presidente. Não bastasse, os críticos do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela condenam o governo brasileiro por ter dado apoio ao imaginário “golpe” ocorrido nas terras de Simón Bolívar.

Pois bem, a decisão do TSJ venezuelano foi suscitada por iniciativa da oposição, que demandou daquele tribunal uma interpretação do alcance e da letra do artigo 231 da Constituição de 1999. Especificamente, a oposição inquiriu à Corte da Venezuela se o juramento previsto constitui uma formalidade sine qua non para que o Presidente reeleito continue a exercer suas funções e se tal formalidade pode se dar em data posterior.

Ao contrário do que muitos supunham, a Corte venezuelana, em sua sentença, considerou que o juramento não é mera formalidade prescindível. Com efeito, ela faz parte da tradição política venezuelana. Entretanto, tal tradição se modificou, após a Constituição de 1999.

Na antiga Constituição de 1961, a transição política era regulada pelo artigo 186, o qual previa explicitamente que, ante a impossibilidade do eleito assumir o cargo no prazo estipulado, era declarada sua falta absoluta, o presidente em exercício renunciava, e o poder era entregue ao Presidente do Congresso, que convocava novas eleições. Isso tinha uma razão de ser. A Carta Magna de 1961 proibia, em seu artigo 185, a reeleição. Elaborada no quadro político do Pacto de Punto Fijo, que previa um programa mínimo comum e a restrita alternância no poder entre os dois maiores partidos conservadores da Venezuela, o Partido Socialcristiano (COPEI) e a Acción Democrática (AD), essa constituição pressupunha que todo novo período constitucional contaria com novo mandatário.

A Constituição de 1999, ao prever a reeleição, rompeu parcialmente com essa tradição. Por isso, a Corte venezuelana concluiu que, no caso de uma autoridade reeleita e relegitimada pela vontade popular, seria um “contrassenso maiúsculo” considerar que existe uma prorrogação indevida de um mandato, em prejuízo do sucessor, pois a pessoa com o mandato que se extingue é a mesma que conquistou, nas urnas, o novo mandato. Observe-se que essa interpretação da Constituição da Venezuela não é casuística. Na realidade, o TSJ venezuelano já havia se manifestado, de forma semelhante, nas seguintes sentenças: 471/2001, 759/2001 e 1680/2007. Diga-se de passagem, o artigo 231 prevê explicitamente a possibilidade do novo presidente tomar posse em data posterior, ante o TSJ, por qualquer motivo sobrevindo que impeça o juramento, perante a Assembleia, no prazo estipulado.

O argumento central da Corte, porém, não foi esse. O TSJ considerou que qualquer pretensão de anular uma eleição ou não proclamar um candidato legitimamente reeleito, sem uma determinação constitucional expressa, seria subordinar a vontade popular a uma “técnica operativa” e provocar um trauma político e institucional. Em suma: na sua interpretação axiológica da Carta de 1999, o TSJ reafirmou a primazia do voto popular, fundamento último de qualquer democracia digna desse nome.

O mesmo fez o governo brasileiro. Tanto no episódio de ex-presidente Lugo, quanto agora, na Venezuela, o Brasil defendeu a vontade popular expressa no voto. Portanto, defendeu, nas duas ocasiões, o princípio basilar da democracia. Nos dois casos, foi acompanhado por todas as outras nações da América do Sul.

Mas a decisão da Corte venezuelana, além de ser a mais acertada, do ponto de vista jurídico, é também a mais sensata, do ponto de vista político. Chávez foi reeleito em pleito limpo e seu partido, o PSUV, ganhou em 20 dos 23 estados, nas eleições regionais. Foi uma verdadeira surra. Nesse quadro, querer tirar Chávez do poder, enquanto, sob intensa comoção popular, ele ainda tenta se recuperar de uma cirurgia, é pretender imergir a Venezuela numa guerra civil. Até o mais beócio dos conservadores entende isso. Capriles, que não é bobo, vem recomendando aos seus correligionários que reconheçam a sentença do TSJ.

O Brasil fez a coisa certa: defendeu a democracia e a paz interna da Venezuela, em estrito respeito aos princípios inscritos no Protocolo de Ushuaia, na Carta Democrática da OEA e no Protocolo Democrático da Unasul.  O resto é bobagem. Bobagem de quem parece ter tão poucos neurônios quanto votos.

*Marcelo Zero, sociólogo, é assessor da bancada do PT no Senado Federal

 

 

 

Lições retiradas do debate sobre o código florestal. Por que até hoje ele gera polêmicas?

16/1/2013 Por Marilza de Melo Foucher – de Paris

No verde, verde de medo, entre ciladas E nos cipós ardentes das queimadas, Enforca-se o uirapuru Na clave de seu canto (do poeta paraense Paes Loureiro)

Breve introdução

Quem já viajou pelas diferentes regiões do Brasil, pode constatar o quanto o Brasil é diverso e único. Diverso, por ser multicultural e pela sua biodiversidade, único pelo jeito do ser brasileiro em qualquer região, um povo alegre, hospitaleiro e o povo mais mestiço do planeta. Durante muitos anos, tive a chance de viajar pelos vários Brasis que formam a geografia deste país de dimensão continental. Ou seja, o Brasil da Amazônia, o Brasil Centro-Oeste, O Brasil do Nordeste, o Brasil do Sudeste, o Brasil do Sul.

Durante muitos anos, atuando na cooperação internacional ao desenvolvimento, encontrei muitos atores locais que lutaram pela democratização do Brasil e que até hoje travam um combate por outro modelo de desenvolvimento. Estes atores sociais estão no terreno da ação, estão presentes nos centros de pesquisas, nas universidades, nas ONGs, nos movimentos sociais, nas pastorais comprometidas.

Foram eles que deram uma cara nova à chamada sociedade civil brasileira. Eles são testemunhos do Brasil que não deu certo. Por isso, eles tentam, ao longo de muitos anos, alertar aos políticos, aos gestores do poder executivo, para que abandonem a visão economicista do desenvolvimento e se deem conta da realidade diversa e complexa que é o Brasil. Isto exige dos governantes um tratamento mais global desta questão e uma visão mais sistêmica do desenvolvimento.

Foi com estes atores que aprendi a conhecer melhor o Brasil (que eu deixei na minha tenra idade) e, até hoje, eles alimentam minha sede de aprendizado. Graças a eles, mesmo vivendo na França, mantenho-me atualizada sobre a situação sócio-econômica, política, cultural e ambiental do Brasil. Hoje, considero-me uma cidadã franco-brasileira sem fronteiras. Viajo, via internet, sem precisar de passaporte. Guardo, todavia, dentre de mim, a identidade tropical de cabocla amazônica, nascida à beira do Rio Acre. Daí meu combate incessante pela defesa de um desenvolvimento territorial integrado que seja compatível com a diversidade ecológica, cultural, onde o econômico não seja o único fator predominante, tendo em vista que a economia deve estar a serviço do ser humano e do progresso social.

Sem a prática de desenvolvimento territorial integrado e solidário, o código florestal brasileiro é inaplicável. Antes de legislar sobre o Código Florestal, os parlamentares brasileiros e o governo da presidente Dilma Rousseff deveria ter ocupado mais tempo para aprofundar e repensar um novo modo de desenvolvimento e o ordenamento territorial do Brasil. A discussão poderia ter tido um envolvimento maior da sociedade brasileira. A grande questão que nossos governantes deveriam ter abordado antes de legislar sobre o código florestal seria: Somos nós capazes de organizar, a tempo e de modo participativo, a mutação para um novo modo de vida? Ou vamos passivamente assistir à destruição silenciosa da grande riqueza do Brasil, que é a sua biodiversidade? Este é o maior desafio a ser enfrentado pelo atual governo, diante da crise planetária econômico-ambiental.

Em síntese, cabe ao Estado brasileiro, republicano e democrático, instaurar uma governabilidade que esteja a serviço do desenvolvimento economicamente eficiente, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável. Este tipo de desenvolvimento se funda na busca pela integração e coerência das políticas setoriais. Melhorar por exemplo, a legislação do código florestal, ultrapassa o jogo político partidário, tendo em vista que está em jogo a proteção da biodiversidade brasileira, associada a um novo modo de progresso. O Brasil não pode ter um código florestal, ditado por uma concepção produtivista, que hoje se encontra ultrapassada, questionada no mundo inteiro, dado aos grandes danos que causou ao planeta Terra. O Brasil é, hoje, respeitado e considerado como grande potência por esta razão. Não pode perder a oportunidade, neste momento de crise do modelo neoliberal, de traçar os seus próprios caminhos.

A ocasião é propicia para transformar a crise em oportunidade. Torna-se urgente que o governo federal, articulado com os governos estaduais e municipais, decida sobre um grande projeto de sociedade, um projeto de civilização, distinto do modelo produtivista baseado exclusivamente no crescimento econômico. Sua incompatibilidade com a preservação dos recursos naturais é, hoje, comprovada. Por que então persistir no erro? Não negamos os esforços do governo brasileiro na tentativa de diminuir o desmatamento das florestas, entretanto, ainda há muito que se fazer na aplicação da legislação existente, embora permaneça o sentimento de que as conquistas no campo da preservação dos ecossistemas e da regulamentação do uso da floresta nem sempre são realizadas.

O Brasil, enquanto signatário da convenção sobre a diversidade biológica de 1992, deve conciliar preservação ambiental com desenvolvimento. Não podemos nos esquecer dos herdeiros de Ajuri Caba, líder indígena na resistência aos portugueses, e dos Cabanos. As populações indígenas são os maiores defensores das riquezas naturais da Amazônia, de sua biodiversidade e da preservação de suas fronteiras. Afinal, os índios continuam sendo os guardiões naturais desse espaço de esperança! Temos que levar em conta a riqueza da biodiversidade presente nas diferentes regiões brasileiras. Em cada região, existem ecossistemas naturais com alta diversidade de espécies vegetais e animais.

Os debates sobre a reforma do código florestal, não fez mais do que acentuar as divergências com a sociedade civil e suas correntes representativas. O que se assistiu, até hoje, foram polêmicas intermináveis. De um lado, as discussões entre os representantes da corrente hegemônica, formada pelos defensores do agronegócio, pela direita ruralista que sempre defendeu o desenvolvimento produtivista e, de outro, os ambientalistas fundamentalistas, que não integram a dimensão global do desenvolvimento e por vezes são ultra-sectários.

O campo ambientalista é diverso e existe no Brasil uma maioria que defende a ecologia política, a proteção do meio ambiente associado à concepção não compartimentada do desenvolvimento, ou seja, todos os setores se interagem na busca pela sustentabilidade, que não somente a econômica. Viu-se, também, o posicionamento de alguns cientistas que tentaram abrir um espaço de reflexão. Muitos dizem, com toda razão, que esta discussão deveria ter sido mais pluridisciplinar. Logicamente, não se pode exigir que todo parlamentar detenha um super conhecimento, e legisle sobre qualquer sujeito. Por esta razão, antes de legislar, os políticos devem escutar os principais atores implicados e solicitar assessoramento de cientistas de várias áreas do conhecimentos.

O Brasil sempre teve a reputação de ser um país que possui excelentes quadros de pesquisadores, basta para isto verificar os acordos internacionais existentes com universidades brasileiras e com os centros de pesquisas. Temos grandes especialistas em todas as áreas do conhecimento que poderiam ter fornecido subsídios científicos e tecnológicos, capazes de permitir o embasamento necessário para que o código florestal se adapte à nova realidade brasileira.

O Brasil tem a chance de dispor sobre uma intelectualidade engajada não somente no campo acadêmico e nos centros de pesquisas, parte dela está comprometida no campo da ação política transformadora. Além disso, eles asseguram uma produção cientifica permanente. A complexidade da elaboração de um novo código florestal, além do rigor cientifico, exigiria um tempo maior de escuta, de intercâmbios de informações. A soma de saberes e sua socialização junto aos deputados e senadores poderiam ter contribuído para que o debate fosse além da modificação do Código Florestal.

Ou seja, um debate prolongado, mesmo se 11 meses de audiências públicas fossem considerados suficientes para muitos. Entretanto, se levamos em conta as polêmicas geradas até hoje, é porque, talvez, muitas questões fundamentais não foram abordadas preliminarmente. Entre elas, a necessidade de formular uma estratégia de planejamento para um melhor ordenamento territorial, atada a uma concepção mais integrada do desenvolvimento territorial brasileiro. Um modo de intervir compatível com a diversidade ecológica e cultural, onde o econômico não seja somente o único fator predominante, tendo em vista que a economia deve estar a serviço do ser humano e do progresso social. Esta seria a condição sine quoi non para modificar, em seguida, o código florestal, adaptando-o a uma nova realidade.

Marilza de Melo Foucher é doutora em Economia, especializada em desenvolvimento territorial integral e solidário, jornalista e correspondente do Correio do Brasil, em Paris.

Conselhos e Conferências: quem participa e como chegam nesses espaços?

Ana Claudia Chaves Teixeira

Clóvis Henrique Leite de Souza

Paula Pompeu Fiuza de Lima[1]

Se olharmos para o conjunto dos conselhos nacionais, encontraremosem torno de2.800 vagas disponíveis para a sociedade civil e 2.700 vagas disponíveis para pessoasdos governos (federal, estaduais ou municipais). São mais de5 mil e quinhentos participantes no total. Nas conferências nacionais estima-se que participaram entre 2003 e 2010 cerca de 5 milhões de pessoas. Mas como todo este contingente de pessoas chega a ocupar os conselhos nacionais? E qual é o percurso para se chegar às conferências nacionais?

É importante lembrar que tanto nos conselhos quanto nas conferências há o suposto de que exista uma representação, ou seja, as pessoas que ocupam este lugar não estariam falando em seu próprio nome, mas falariam em nome de setores ou segmentos sociais, com seus interesses e perspectivas diferenciadas.

Neste artigo queremos destacar, primeiro,a multiplicidade de composições e de representações nestes dois espaços. Segundo, destacamos que, ao invés de encontrarmos neles predominantemente setores ou segmentos sub-representadospoliticamente – como era de se esperar levando em conta as demandas dos movimentos sociais na criação de canais de interlocução com o Estado -, o que encontramos foi a presença forte de muitos outros segmentos (como os empresários) a depender do tipo de conselho.  Quais os significados destas distintas representações? Sobre isso trataremos daqui em diante. [2]

 

Como é a composição dos conselhos e conferências? Que segmentos estão representados? Há variações importantes dependendo do tipo de conselho?

 

No caso dos conselhos, boa parte dos espaços é paritária, ou seja, possui metade de conselheiros da sociedade civil e a outra metade de conselheiros governamentais. Mas isso é a média, há conselhos como o de saúde em que os representantes do governo são minoria, ou o de Meio Ambienteem que os conselheiros da sociedade civil são minoria.

Esta proporção é boa ou ruim? O que ela implica? Ela deveria ser diferente? Esta proporção indica o grau de distribuição de poder dentro do espaço do conselho. Em conselhos onde a maioria é feita de setores de governo a tendência é que a minoria da sociedade civil tenha dificuldades de fazer valer suas opiniões, e o espaço funcione mais como uma forma de articulação entre os próprios setores de governo (que nem sempre têm a mesma opinião).

No que se refere às conferências,em geral se destinam muito mais vagas para a sociedade civil do que para os governos. Entre aquelas conferências em que foi possível descobrir a composição, em média, são 70% de vagas para sociedade civil e 30% para os governos.

Algumas conferências sugerem em seus regimentosque as delegações governamentais sejam compostas por representantes dos três poderes. Mas o mais comum é osrepresentantes do Executivo participarem mais. Se imaginarmos que muitas das propostas formuladas dependem do Legislativo e também do Judiciário para a implementação, é possível dizer que o envolvimento desses poderes é baixo.

No caso da representação da sociedade nas conferências, a distribuição de vagas é específica em cada espaço, a depender dos segmentos reconhecidos naquela área temática. De maneira geral, são cinco categorias presentes: usuários, trabalhadores, movimentos sociais, empresários e sindicatos. Além desses, podem estar presentes prestadores de serviço ou concessionários de serviços públicos, ONGs, entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa. A depender da forma como está organizada a sociedade naquela área temática, varia a quantidade de vagas destinadas a cada segmento.

De maneira geral, o que se verifica na representação da sociedade civil nos conselhos é a presença significativa dos movimentos sociais, mas não predominante em todos os conselhos.Pudemos notar que de acordo com os objetivos dos conselhos, mais representantes de um ou outro tipo de organização se fazem presentes. Em conselhos de fundos, como o FGTS ou do Fundo de Amparo ao Trabalhador,a presença maior é de confederações empresariais, bem como de sindicatos.

Em conselhos com forte atribuição de assessoria técnica, como a Comissão Técnica de Biossegurança, prevalecem organizações ligadas à pesquisa e a grupos empresariais. A presença de organizações ligadas à pesquisa nesse tipo de conselho parece óbvia, visto que o objetivo do espaço é dar subsídios técnicos às decisões do órgão. Contudo, é intrigante perceber que os empresários, que a princípio não seriam detentores de um saber técnico, têm presença significativa nesses espaços.

Quando os conselhos têm como atribuição fomentar a participação e defender direitos é que os movimentos sociais estão mais presentes. O que podemos perceber é que há maior participação de movimentos sociais em espaços que tradicionalmente já são “ocupados” por movimentos sociais. É importante eles estarem lá, mas o que mais chama atenção é que em outros conselhos, de fundos ou com perfil mais técnico, eles praticamente não estejam presentes, e predominem “velhos” atores, ligados aos empresários ou aos tradicionais detentores de “saber”. Podemos concluir que de fato há pequena garantia da presença de múltiplas vozes no debate, em especial pela ausência de grupos comumente excluídos dos espaços decisórios.

 

A desigualdade permanece ou ela foi alterada nestes espaços? Os espaços estão abertos a novos sujeitos?

 

Se observarmos a proporção de homens e mulheres no total de conselhos veremos que quase 60% são homens. Esta proporção é melhor do que o do Congresso Nacional, que só possui 8% de mulheres, mas é óbvio que ainda há uma grande desigualdade.  Infelizmente não obtivemos dados sobre a raça ou etnia dos participantes para aferir se a desigualdade neste caso permanece.

Sobre as conferências, é possível perceber que para garantir a presença de certos públicos na etapa nacional, algumas conferências estabeleceram cotas para a composição das delegações a serem eleitas nas etapas estaduais. Entre as conferências, ⅓ apresentou alguma ação para garantir a inclusão de sujeitos marginalizados do sistema político nesses processos participativos. Os critérios utilizados foram gênero (em 7 conferências), idade (em 4 conferências), raça, cor ou etnia (em 5 conferências), condição socioeconômica (nas conferências de segurança alimentar). Embora a destinação de vagas oportunize que beneficiários de políticas se vejam como sujeitos de direitos e com a inclusão no processo participativo possam reivindicar seus direitos e apresentar suas perspectivas das questões em pauta, é importante ponderar que a ação inclusiva aconteceu mais em conferências que de alguma forma lidam com questões do cotidiano dessas pessoas. Isso pode indicar uma tendência à escuta de demandas de beneficiários das políticas e não à inclusão de sujeitos marginalizados dos espaços de formulação de políticas públicas a fim dequestionarr os consensos formados nas diferentes áreas.

Por fim, vale uma reflexão sobre o desafio da inclusão de representantes “denominados” nacionais em detrimento das representações locais. Os conselhos não possuem nenhuma vinculação de representação que vai do local para o nacional. Em alguns espaços, representantes de conselhos subnacionais são chamados a participar, mas esses casos são exceção e não a regra.[3]Comumente, se estabelece que as organizações devam ser de abrangência nacional, atuando em um número mínimo de estados da federação para serem habilitadas a falar no espaço participativo nacional.

O fato de somente organizações de abrangência nacional poder participar dificulta o acesso de organizações que tem a atuação restrita a certos estados ou que trabalham em municípios menores. Ainda assim, decisões dos conselhos nacionais em muitas situações afetam as dinâmicas locais de formulação de políticas públicas.  Vemos que ao mesmo tempo em que os regimentos internos dos conselhos restringem a inserção de determinados atores mais ligados às dinâmicas regionais e locais, os conselhos são imbuídos do poder de interferir nas dinâmicas locais. Considerando que as políticas públicas são, de fato, concretizadas no âmbito local, e que por isso, é nesse âmbito que se encontram os representados das políticas, a restrição de os representantes possuírem abrangência nacional é um entrave a maior aproximação entre representante e representado.

Somente nas conferências é que podemos notar a participação mais ativa dos atores locais. Em geral, as etapas preparatórias das conferências correspondem aos níveis da federação (73% das conferências foram realizadas em estados e municípios) e, sendo um processo escalonado, as conferências municipais são seguidas de etapas estaduais e posteriormente de uma nacional. As conferências que não realizaram etapas municipais e estaduais tiveram nas etapas regionais a preparação para a nacional. Ainda na dimensão geográfica, outra modalidade de etapa preparatória existente foi a conferência intermunicipal que facilitou a mobilização e a discussão de base territorial.

Como se chega nestes espaços? Há eleições, de que forma?

Nos conselhos, há pouca eleição para a escolha de representantes. Isso não deixa de ser surpreendente. Em um terço dos casos as vagas são ocupadas por organizações já previamente mencionadas nos atos normativos do conselho e em outro um terço por indicação feita pelo ministro ou por uma comissão.

Somente em 21% dos conselhos mapeados há eleições para a escolha de representantes. O uso de eleições seria o método mais inclusivo dentre os existentes, pois permite tanto que as organizações autonomamente escolham quem vai falar por elas quanto possibilita que novas entidades se insiram nos espaços de partilha de poder, por mais que a participação em um espaço por um novo ator seja sempre mais difícil do que por um ator que já está inserido no debate. Os conselhos de direitos são os que, proporcionalmente, mais utilizam esse tipo de método de escolha de representante.

As conferências, por sua vez, são constituídas por etapas concatenadas. Nesse caso, a sociedade se envolve na escolha dos representantes. A princípio, os representantes das conferências são eleitos em espaços abertos a toda a população. Contudo, observando o conjunto de conferências, percebe-se que há nas etapas nacionais três tipos de representantes com direito a voz e voto. Além dos representantes eleitos em etapas preparatórias, existem também os natos e os indicados. Os representantes natos são aqueles que integram a comissão organizadora da conferência ou o respectivo conselho nacional.

Os representantes indicados são aquelas organizações consideradas relevantes para o debate, à semelhança do que ocorre nos conselhos.Esta modalidade de representação esteve presente em 42% das conferências. Nestes casos, as organizações não foram eleitas em etapas preparatórias, mas sim indicadas pela comissão organizadora, da mesma forma como acontece nos conselhos nacionais. A representação por indicação pode ser uma maneira de garantir a presença de um público que, sem esse estímulo, não participaria desse fórum de discussão. Cabe apenas se perguntar se a ausência ocorreria por incapacidade de articulação para a eleição nas etapas preparatórias ou por desinteresse com a conferência, pois em alguns casos organizações de abrangência nacional podem ter acesso a outros foros em que a mesma pauta se coloca.

Nesse caso, o que parece acontecer é que organizações já reconhecidas como importantes não necessitam se articular com aqueles que dizem representar. Afinal, é na capilaridade dos municípios que se encontram os representados, os afetados pelas políticas que ajudam a formular. Se essas organizações conseguem estar presentes nos conselhos, espaços mais restritos e permanentes, sem a necessidade de consultar os representados, por que precisariam fazê-lo na conferência? Há, nesse caso, a legitimação por parte do governo e das organizações que fazem parte dos espaços participativos da representação sem vinculação com as bases.

Cabe, então, repensarmos o funcionamento de conselhos e conferências para que esses espaços possam, de fato, contribuir com a inclusão de grupos historicamente excluídos e também para que haja um processo representativo mais consistente. Ou seja, pelo que se observa em conselhos e conferências é necessário rever critérios de escolha de representantes, além de implementar instrumentos que qualifiquem o exercício da representação. Afinal, a representação é inerente a processos participativos em grande escala. Desta forma, para se evitar vícios já observados em outros espaços políticos, é fundamental a revisão constante de práticas, evitando a cristalização de desigualdades de acesso ao processo político.

 

Saiba Mais:

 

  • Nestes links, você encontra o relatório de pesquisa com mais informações sobre a representação em conselhos e conferências:

http://www.polis.org.br/uploads/1262/1262.pdf

https://inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/livros/2012/relatorio-final-arquitetura-da-participacao-no-brasil-avancos-e-desafios



[1]Este artigo foi elaborado de forma totalmente compartilhada. Os nomes dos autores estão em ordem alfabética, o que não representa qualquer diferença de contribuição.

[2]Este artigo é um fruto da pesquisa “Arquitetura da Participação” realizada por Inesc e Pólis entre 2010 e 2011.

[3] Os conselhos que incluem a participação de espaços participativos subnacionais são: Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas e Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Crenças e descrenças na economia verde

A edição nº.29 do boletim “Orçamento e Política Ambiental” aborda a realidade nacional e internacional da economia verde, além de apresentar dúvidas e questionamentos sobre a sua aplicação e os  benefícios que ela pode gerar. A publicação também alerta para os riscos da apropriação deste conceito pelos setores políticos, econômicos e financeiros que levaram o planeta e o mundo ao estado de alarme em que hoje nos encontramos.

Veja em PDF

Racismo, Igualdade e Políticas Públicas

Ação afirmativa no ensino básico e superior
Número: PL 2827/2003
Autor: Ivan Valente – PT/SP
Descrição:

Institui a obrigatoriedade de incluir o quesito cor/raça nas fichas de matrícula e nos dados cadastrais das Instituições de Educação Básica e Superior, públicas ou privadas, em suas diversas modalidades de ensino.

Situação:Aguardando Retorno na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

Casa:Câmara

Criminaliza a veiculação de informação que induza ou incite a discriminação
Número: PLS, Nº 337 de 2003
Autor: SENADOR – Paulo Paim
Descrição:

Define o crime de veiculação de informações que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, na rede Internet, ou em outras redes destinadas ao acesso público.

Situação:AGUARDANDO DESIGNAÇÃO DO RELATOR
Casa:Senado

Define os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Número: PL 6418/2005
Autor: Senado Federal – Paulo Paim – PT/RS
Descrição:

Define os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Situação:Aguardando Parecer na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)
Casa:Câmara

Determina a obrigatoriedade de unidades policiais para o atendimento às minorias
Número: PL 2289/2007
Autor: Alberto Fraga – PMDB/DF
Descrição:

Determina a obrigatoriedade de existência nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios de unidades especializadas de polícia para atendimento da mulher, do idoso, da criança e do adolescente, das minorias e das vítimas de crimes de preconceito de raça, cor ou religião e investigação de crimes ambientais, e dá outras providências.

Situação: Arquivada na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Casa:Câmara

Dispõe sobre a ação civil destinada ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, para a preservação da honra e dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos.
Número: PL 4800/1998
Autor: SENADO FEDERAL – ABDIAS NASCIMENTO – PDT/RJ
Descrição:

Dispõe sobre a ação civil destinada ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, para a preservação da honra e dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos.

Situação:Aguardando Retorno na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA).
Casa:Câmara

Dispõe sobre medidas de ação compensatória para a implementação do princípio da isonomia social do negro
Número: PL 1866/1999
Autor: Luiz Salomão – PDT/RJ
Descrição:

Dispõe sobre medidas de ação compensatória para a implementação do princípio da isonomia social do negro.

Situação: Aguardando Parecer na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)
Casa:Câmara
Institui a responsabilidade penal de pessoas jurídicas cujos funcionários realizem práticas de racismo.
Número: PL 27/1999
Autor: Paulo Rocha – PT/PA
Descrição:

Acrescenta art. à Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, instituindo a responsabilidade penal de pessoas jurídicas cujos funcionários realizem práticas de racismo.

Situação: Aguardando Designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
Casa:Câmara

A COP 18 deixou um gosto amargo para o nosso futuro comum

INFORME FINAL DA COP 18 – DOHA

Iara Pietricovsky*

COP 18 acabou deixando um resultado modesto e neste caso, o modesto não serve ao Planeta. Um sentimento amargo de quem vai mais uma vez para um espaço de luta política numa tentativa de que as mentes dos negociadores, que representam os “interesses” de seus governos, saberão chegar a um acordo que satisfaça e que proteja o Planeta Terra do aquecimento global. Tem que ser menos de 2º C caso contrário nossa situação ficará crítica neste habitat.

Acabamos um processo exaustivo de negociações, depois de duas semanas andando para cima e para baixo, no Centro de Convenções de Doha, lugar enorme que nos consumiu e nos impedia de ter a noção do que acontecia por dentro. Muitas atividades, e as negociações mais importantes eram fechadas, sem acesso público até de delegados. Era um mundo de coisas difíceis  de se localizar. Dava uma enorme sensação de solidão.

Um pouco diferente das outras COPs de Mudança Climática, que pelo menos, tinham gente do lado de fora, fazendo barulho nas ruas existia um sentido imediato entre dentro e fora. Isso nunca me pareceu tão fundamental como nesta conferência. Mesmo as manifestações internas se perdiam naquela imensidão de espaço e a mídia também, pouco se importava. Dos noticiários que acompanhei, dos grandes jornais o AL Jazeera e o The Gardian foram as melhores coberturas.

No contexto da sociedade civil, tivemos importantes manifestações feitas pela Christian Aid, Oxfam, Grennpeace, Action Aid, IBON, TWN, Articulações de Mulheres, APRODEV/ACT, a CUT do Brasil, Vitae Civilis, Fórum de Mudanças Climáticas, e eu pela REBRIP/INESC, entre outros grupos acompanhando, organizando debates e fazendo demonstrações contra o processo dentro do Centro de Convenções. Foram importantes momentos de demonstração de nossas posições e frustrações com os tomadores de decisão.

O Protocolo de Quioto foi adiado por mais 8 anos, parece que esta é a boa notícia. Essa era a posição defendida pelo governo brasileiro desde o princípio. Porém, o custo deste acordo foi a saída de importantes poluídores do Planeta, tais como Russia, Japão e Canadá. Somando com os EUA e China que continuam fora. Podemos afirmar que os 35 países desenvolvidos que ficaram, Austrália + UE, respondem por apenas 15% das emissões de gás estufa que promovem, segundo os cientistas do IPCC, o aquecimento acelerado do Planeta.

Como o Protocolo era o único mecanismo de tratado internacional com caráter vinculante, a saída destes países e a não entrada dos EUA e China, acabam tornando profundamente frágil  o PK (Protocolo de Quito).  O PK obriga aos países signatários baixar suas emissões radicalmente para aquela que estava sendo realizada antes de 1990.

Os cerca de 200 países presentes na conferência, que não teve presença massiva de Chefe de Estados, só de Ministros, concordaram também  em revisitar o tema de financiamento aos países pobres a partir do ano que vem. Temos importantíssimos como transferência tecnológica, Desenvolvimento de Mecanismos Limpos (MCD), REDD, ADP(Plataforma de Durban) entre outros. ADP será o espaço onde vários destes temas serão recolocados e como observou o Embaixador brasileiro, André Lago, deverá ser feito de uma nova forma, mais criativa do que tem sido as negociações da COP até agora.

A Ministra do Meio Ambiente do Brasil, disse em suas palavras finais que “não estamos satisfeitos com o resultado. Queremos mais, acreditamos que é preciso mais. Mas, acredito que a reafirmação do segundo termo do Protocolo de Quioto, por definição, é um sucesso.”

Lamentavelmente, não é o que pensamos nós e o que pensa a vasta maioria das organizações da sociedade civil presentes ( ou ausentes daquele evento em Doha), nem da grande maioria dos acadêmicos assim como para os países não desenvolvidos, especialmente os mais pobres e os insulares (onde o risco e a eminência de sumirem, literalmente, do mapa é real e já com evidencias em alguns destes países).

O resultado rebaixou o Protocolo de Quioto, fragilizou-o a níveis que não esperávamos. Agora resta pensar e refletir sobre estes resultados, somar com aqueles fracos resultados da Rio+20 e observar como o mundo atual se reestrutura no âmbito mundial por meio de redução dos espaços multilaterais, redução do marco internacional dos Direitos e buscando soluções por meio da privativação não só dos Estados Nacionais (processo antigo da tendência neo-liberalizante e de redução do papel do Estado e fragilização dos governos como instância prioritária de mediação e fiscalização dos diferentes setores), mas agora, em passado recente uma clara privatização das instituições de caráter público e multilateral, como é a  Organização das Nações Unidas (ONU) e suas instituições vinculadas, como é o caso do PNUMA, entre outras.

Por essas e por outras é que o que ficou, na longa volta para casa, deste processo da COP 18 foi um grande gosto amargo no corpo e na alma. Quando vamos tomar as decisões ? Quem serão aqueles que de fato terão capacidade de fazê-las? O tempo dirá.

Antropóloga, membro do colegiado de gestão do Inesc que integra a Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip). É  uma das representantes da sociedade civil organizada brasileira na COP 18.

Avanços e Desafios da Democracia Participativa: renovando as utopias

Uma digressão para entender os impasses da COP 18, em Doha.

Por Iara Pietricovsky*

O mundo, e em especial os brasileiros, ainda guardam na memória o acontecimento de um dos mais importantes eventos deste século, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, conhecida como a Rio+20, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em junho deste ano. Foi um processo que mobilizou organizações da sociedade civil e movimentos sociais nos âmbitos local, nacional, regional e global. Da mesma forma, movimentou governos e o setor empresarial corporativo, maior ganhador neste processo todo, lamentavelmente. A lógica financeira e comercial prevaleceu.

Paralelo à Ri0+20 oficial, no parque do Flamengo da linda cidade do Rio de Janeiro, aconteceu outro evento oriundo de processos sociais, de maior sucesso e efetividade, a Cúpula dos Povos.  Este reuniu os setores democráticos da sociedade civil organizada e conseguiu, numa tentativa profunda de reorganização do campo político envolvido, construir agendas de comum acordo. O documento final apresentou propostas alternativas e a Cúpula estabeleceu um diálogo com o processo oficial e com a sociedade mais ampla. Foi incomparavelmente mais responsável em sua missão que a Cúpula Oficial, que em contrapartida produziu um documento pífio, com poucos avanços e alguns retrocessos, além da evidente privatização do sistema multilateral internacional.

A Rio+20 aconteceu 20 anos após um dos ciclos mais ricos de reafirmação de marcos jurídicos internacionais no âmbito dos direitos humanos: a Rio 92, também realizada na cidade do Rio de Janeiro, foi o começo de um Ciclo de conferências sobre desenvolvimento e meio ambiente, direitos sociais, mulheres, população, financiamento e racismo da Organização das Nações Unidas (ONU), que a despeito do auge do neoliberalismo no mundo aprofundou acordos internacionais primordiais para a democracia e ampliou o campo dos direitos fundamentais envolvendo os aspectos, econômicos, culturais, sociais, ambientais, sexuais, além daqueles conceitos amplamente já reconhecido que são os direitos políticos e civis. Em 20 anos a compreensão e as interpretações do que são os direitos coletivos e individuais ficaram mais claros e com capacidade de aplicação real nos fóruns internacionais assim como nos planos nacionais, (Ex: as novas constituições da maior parte dos países na América do Sul expressam a incorporação destes direitos).

Também foi nesta década de 90, que paralelo ao aprofundamento dos Direitos, o mundo neoliberal e capitalista, mais propriamente em 1994/95 trouxe à agenda regional e global o debate sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e todo o ciclo da Rodada de Doha no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na contra mão do que se defendia no marco dos Direitos Humanos e entre os movimentos da sociedade civil organizada. Os governos, cada vez mais capturados pela lógica privada do Estado mínimo e da supervalorização da iniciativa privada começaram a abrir frentes de negociação numa lógica de subordinação dos países em desenvolvimento aos chamados países desenvolvidos e centrais do capitalismo, Europa e EUA especialmente e do grande capital financeiro.

Essa lógica dominou a agenda em meados dos 90 e no caso da América do Sul, com os novos governos de esquerda, foi possível suspender o debate dobre a ALCA, porém, transformando a OMC num espaço de decisão dos rumos do mundo, numa lógica de mercantilização generalizada. A aposta é que esse ciclo se encerraria em Hong Kong, com a anuência de importantes países do sul, inclusive Brasil, que apostou e ainda aposta suas fichas no espaço multilateral da OMC. Entretanto, esta também parece que sucumbiu, como consequência de sucessivas crises e tensões políticas e econômicas. Hoje, ficou reduzida a uma instituição secundária no cenário internacional e segue, neste momento, em estado letárgico, porém ajudando a lógica de mercantilização.

O século XXI vem precedido de uma das manifestações populares mais importantes contra a lógica da comercialização do mundo que foi a Batalha de Seatlle, nos EUA, contra o livre comércio. Reação a supervalorização da OMC como organização de poder daquele momento no mundo. Ali começou uma série de manifestações contrárias à lógica da comercialização nos padrões hegemônicos e que continuou em diferentes formatos de expressão social, anti-globalista, em diversas partes do Planeta. Podemos citar a formação do Fórum Social Mundial, Conferência dos Povos, Enlaçando Alternativas, Campanha Contra a Dívida Externa, entre outros. Assim como manifestações nas ruas contra OMC, mais recentemente, contra sistemas opressivos, antidemocráticos, contra o domínio do mundo financeiro sobre o destino dos países e de seus povos, bem como demonstrações contra as decisões no âmbito das conferências internacionais relativas à mudança climática ou outros temas ambientais (Copenhague e Rio+20).

A partir 2008, com o aprofundamento das crises políticas e econômicas, pipocam eclosões no norte da África por défict democrático e por causa da crise econômica nos países do norte, tais como Espanha, Grécia, Portugal, EUA entre outros. Agora era o norte desenvolvido que entrava em profunda tensão e se mostrava frágil e incapaz de apresentar soluções. Essa era uma crise política e comercial, mas fundamentalmente uma crise do sistema financeiro. O desequilíbrio econômico que se iniciou nos EUA com a falência das instituições financeiras, antes tidas como sólidas e críveis. Uns chamam de crise do capitalismo e outros de crise civilizatória. Na verdade, parece mais uma crise que rearticula o capitalismo para introdução de uma nova onda de acumulação, agora fundamentado na exploração da natureza, inaugurando a onda verde, ou o ciclo da economia verde. Haja vista a maneira agressiva que a lógica corporativa e do capital vai penetrando nas instituições, tradicionalmente dominadas pelos Estados Nacionais e pelo caráter multilateral, como é o caso da ONU e suas instituições vinculadas.

Nessa luta do Armagedon (entre o bem e o mal, resta saber onde está um e o outro) a ONU, abre o novo milênio com uma proposta reducionista chamada as “Metas do Milênio”. Acordo esse de baixa intensidade, considerado o possível para ser atingido, até 2015, por todos os países. Já sabemos que essas metas não serão alcançadas e o mundo em crise coloca em cheque o pouco que se logrou em redução de pobreza e resolução das desigualdades.

Essas metas foram uma redução radical de todo os esforços realizados durante o chamado Ciclo Social das Nações Unidas, incluindo os acordos sobre a questão ambiental e suas convenções de clima e de biodiversidade, obtidas na Rio 92. Algumas organizações da sociedade civil acreditavam que pelo menos havia, pela primeira vez, metas definidas, mesmo que reduzindo o escopo daquilo que já tinha sido acordado e assinado pela maioria dos países membros da ONU.

Para outros, foi uma agenda de resistência e construção crítica. Entretanto, uma coisa parecia clara: os setores que buscavam alternativas ao capitalismo selvagem ou contra o próprio capitalismo estavam perdendo terreno. O que podemos dizer é que o Século XXI veio reduzindo direitos, impondo uma lógica financista e comercial em níveis nunca antes imaginados pela mente humana. E é nesse ponto que parece que nos encontramos agora.

É neste contexto que conferências e debates como a Rio+20 ou as Conferências das Partes sobre Mudança Climática, (COP 18), ou Biodiversidade estão sendo realizadas e suas decisões adiadas, na melhor das hipóteses. Na vida real, vemos retrocessos e países sem vontade política para assumir os compromissos já firmados, quem diria compromissos mais audaciosos.

Passaram-se cinco meses da Rio+20, nos encontramos com a Conferência das Partes 18,  acontecendo na capital do Catar, Doha. Quem chega nesta cidade não acredita nem um pouco que a lógica frenética do crescimento a todo custo vai mudar. Quem entra nesta cidade não pode acreditar que esta conferência terá resultados audaciosos, muito menos, alguma definição. Doha é uma cidade em frenética construção de prédios, usando a mão de obra de países como Índia, Indonésia, Bangladesh, Morrocos, Filipinas etc.  É um ponto de encontro de gente de todos os lugares do mundo sem uma personalidade própria. Muçulmanos mesclados e cortados pelo munso ocidental cristão. Esta foi minha primeira impressão.

Quais são os temas fundamentais desta conferência sobre clima? Entre outros, definição final sobre a adoção (ou não) de um segundo termo do Protocolo de Quioto. Neste Protocolo os países ricos deverão assumir a redução das emissões de efeito estufa. Esse Protocolo é importante porque é vinculante e tem consequências importantes para o futuro;  a Cooperação de Longo prazo sobre o Plano de Bali, de 2007. Resoluções ainda precisam ser tomadas sobre a redução das emissões de gazes de efeito estufa; financiamento efetivo e com capacidade de ajudar os países em desenvolvimento com adaptação, mitigação; transferência tecnológica, e; Integrar os EUA aos Acordos.

Os impasses e as resoluções desta COP estão intrinsecamente ligadas às definidas pela Rio+20 e os caminhos que serão apresentados também começam a revelar aspectos preocupantes. Passada a primeira semana de trabalhos, nada avançou, relativos a estes temas mais fundamentais. Países como Canadá, EUA, Japão, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, não querem firmar um segundo termo do Protocolo de Quioto. Decisões sobre o financiamento de longo prazo, que substituirá o atual mecanismo ainda não saíram do papel. Esta semana estão chegando os ministros e chefes de Estado e assim esperamos que algumas decisões sejam tomadas. O que sairá daqui será tímido, mesmo que os debates se encerrem para uma nova retomada no próximo ano e temo que em níveis pouco ambiciosos.

A questão é que em Doha, sequer contamos com uma sociedade civil local consciente capaz de manifestar-se publicamente. Poucos sabem o que está acontecendo nesta cidade, lamentavelmente, e os que aqui estão carregam uma desilusão sobre os processos, que neste 2012 encerram um longo ciclo iniciado no início dos anos 90, com a Rio 92. Neste sentido, resta-nos pensar com mais profundidade não só os processos como nossas estratégias. Sem medo de sermos, em algum momento, felizes.

 

Antropóloga, membro do colegiado de gestão do Inesc que integra a Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip). É  uma das representantes da sociedade civil organizada brasileira na COP 18.

 

 

Para mudar: Reforma Política Já!

Chega de conversa fiada: Governo Dilma inviabiliza o controle social das políticas públicas

Gilda Cabral[1]

Por que o governo adota a transparência das ditaduras? O que faz o governo dizer uma coisa e fazer outra totalmente diferente? Não temos essas respostas, mas devemos pensar muito nessas perguntas. Recentemente, o governo sancionou a Lei de Acesso à Informação (LAI), criou sites, portais e telefones para contato direto com a população, estimulando denúncias de mau uso das verbas públicas. Ao mesmo tempo, embola e confunde as pessoas com a falta de transparência sobre os recursos e gastos governamentais.  No campo das finanças públicas, retoma a prática da ditadura militar, na qual o Congresso Nacional e a sociedade não têm voz sobre os recursos públicos e nem acesso a informações que permitam monitorar e avaliar os gastos governamentais e as políticas públicas. Discursos e dispositivos legais conflitantes nada têm com dialética, é prática autoritária mesmo. Além disso, tornam inviável o controle social do gasto público e dificultam o controle externo feito pelo Tribunal de Contas e Ministério Público. Entre os tempos de ditadura e o atual momento, a diferença básica é que agora tudo foi devidamente autorizado pelo Congresso Nacional. Mas o que, exatamente, tornou o controle dos gastos governamentais inviável?

A partir de 2013, parlamentares e sociedade ficarão totalmente dependentes do governo federal para saber as informações orçamentárias e aquelas relativas à execução financeira das ações que implementam as políticas públicas. Não há mais correspondência entre as leis que definem o Planejamento e o Orçamento da União devido ao grau de agregação adotado no Plano Plurianual (PPA) e na Lei Orçamentária Anual (LOA). Apesar das muitas normas legais sobre participação social, transparência e acesso a informações e ainda tantos discursos e intenções democráticas, o governo não está promovendo de fato a transparência. Se não forem derrubados os vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2013, o governo tem autorização do Congresso para informar o que, quando, como e onde quiser.

Aparentemente, os parlamentares federais abdicaram de decidir e monitorar os recursos públicos, pois aumentaram de 31 (em 2002) para 96 as hipóteses de alteração da LOA por decreto, e ainda autorizaram ampla flexibilidade ao Executivo para abertura de crédito (20%) e alteração das verbas do PAC (30%) criando situações de total independência para o governo.

Nem ao menos autorizativo é o orçamento da União, pois com tanta flexibilidade e delegação de competências para o Executivo, a permissividade é total. O atual momento é muito semelhante aos tempos dos governos militares quando ao Congresso só cabia homologar os gastos do governo. O que se observa é uma inversão de papéis: onde o Legislativo propõe e o Executivo veta, como observamos no caso recente da LDO2013 e, por outro lado, tudo que é proposto pelo governo, o Parlamento aprova.

Toda essa flexibilidade dada ao Executivo traz sobreposição de regras, detalhamentos excessivos e situações específicas que prejudicam a compreensão do conjunto dessas autorizações, além de percentuais aplicáveis para aberturas de crédito cada vez maiores. Estes problemas, somados à generalidade aplicada no detalhamento das ações orçamentárias e da dissociação do planejamento (PPA) e orçamento (LOA), geram o seguinte questionamento: até que ponto a Lei Orçamentária é pra valer ou apenas uma peça formal de aceite homologada pelo Parlamento?

Para os movimentos de mulheres e feministas, atuar no campo das finanças públicas e no monitoramento dos recursos permitiu uma significativa educação política. Foi na militância e na luta por mais recursos que nos qualificamos e incidimos na política econômica do país. Foi monitorando o gasto público que mostramos quão desigual podem ser algumas políticas governamentais que reforçam o papel tradicional e reprodutivo das mulheres.

Nossa atuação nessa área trouxe mais que recursos financeiros para as políticas da igualdade. A bancada feminina no Congresso passou a receber subsídios do Orçamento Mulher e a atuar sistematicamente no processo e discussão das peças orçamentárias; os movimentos de mulheres se apoderaram de informações importantes, passando a propor ações governamentais concretas. Foi essa atuação que contribuiu para o entendimento de que as políticas públicas são um direito da cidadania e não apenas uma ação governamental para solucionar um problema da sociedade.

O governo perde muito ao inviabilizar o Orçamento Mulher

O Brasil era o único país que tinha o acompanhamento diário, com amplo acesso às informações sobre a aplicação dos recursos públicos voltados para as políticas para as mulheres. Para nossa tristeza, será justamente no governo da primeira mulher presidenta que o país não mais poderá ostentar tal façanha. Os orçamentos sensíveis a gênero (PSG) representam um esforço de décadas da ONU MULHERES que, no Brasil, teve sua implementação pela ONG CFEMEA em parceria com a SPM da Presidência da República, os movimentos de mulheres e feministas e o Senado Federal, através do SIGA (Sistema de informações sobre orçamento público).

O Orçamento Mulher tem mais de 10 anos de existência e presta inegáveis serviços às entidades, especialistas e pessoas que acompanham e avaliam as políticas do governo federal. É o instrumento principal para monitorar o gasto e a execução orçamentária e financeira das ações governamentais e políticas para efetivar os direitos das mulheres. Atualmente, com a generalização e agrupamento das ações da LOA, será impossível identificar o montante de recursos destinados às políticas para as mulheres. Como o planejamento governamental não é elaborado a partir da perspectiva de gênero, sempre haverá dificuldades para conhecer o montante real de recursos para implementar políticas para a igualdade. Contudo, até 2012 era possível ponderar e alertar para possíveis distorções dos valores alocados, o que passa a ser inviável a partir de 2013.

Na área das políticas sobre violência contra a mulher, por exemplo, o CFEMEA conta com informações do gasto federal desde 1995 até 2012. Com as novas metodologias do governo federal, só nos restará acompanhar ações pontuais e específicas. A falta de continuidade histórica das análises é uma perda inestimável. E lamentavelmente todas essas mudanças metodológicas são passadas como “melhorias técnicas” quando na realidade são decisões políticas com conseqüências lamentáveis para o exercício da cidadania.

 


[1] Gilda Cabral é feminista, sócia fundadora do CFEMEA, aposentada do IPEA  e especialista em políticas públicas.

Inesc: História em memórias (1979-2011)

Ministro explica política externa na Câmara

Edélcio Vigna, assessor político do Inesc

 

A Audiência Pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), da Câmara dos Deputados, com o Ministro Antonio Patriota, de Ministério de Relações Exteriores, deixou a desejar. A pauta “Planejamento do MRE para o ano de 2012”, é um vazio de objetividade que dá margem a qualquer tipo de discurso. O Ministro abusou da generalidade e ficou boa parte do seu tempo quantificando as suas reuniões e as da Presidenta Dilma Rousseff.

Tocou como excesso de diplomacia nos problemas “chaves” que os deputados queriam ouvir, como a questão da suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela do MERCOSUL. Negou enfaticamente que a Presidenta Dilma interferiu na decisão de suspender o Paraguai do MERCOSUL. Enfatizou a importância da democracia, da Clausula Democrática, e da unanimidade para suspensão do Paraguai. Recorreu à Declaração da Unasul, que abriga países da Alba e países que assinaram tratados de livre comércio com os Estados Unidos, para justificar a posição do Brasil.

Reafirmou que não existe tolerância para a violência contra a democracia. Retomou o tema da integração como um impulso a democratização e o fundamento d parceria com os países vizinhos. O governo não vê a amizade Brasil-Paraguai comprometida e espera restabelecer rapidamente contatos plenos.

Avaliou a importância da entrada da Venezuela no MERCOSUL. Declarou que a proposta de cooperação continental crescente envolve a região da América do Sul e a do Norte. A construção de uma região de paz significa a pacificação definitiva dos conflitos. Citou o presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, que está negociando a paz com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Vê nesta atitude de Santos uma oportunidade histórica para as gerações que não viram uma Colômbia pacífica.

Tocou rapidamente na relação entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) e a necessidade de inserir na agenda de discussão a pauta ambiental. Apresentou o que denominou de “Agenda da Paz e Segurança Internacional”. Esta agenda aborda os conflitos no Oriente Médio: a questão Israel-Palestina e a guerra civil que está ocorrendo na Síria.

A posição brasileira na questão Síria é de apoiar os refugiados e buscar recuperar a integridade da Síria com a comunidade internacional. Avaliou que Kofi Annan, ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas e Nobel da Paz (2001), é o melhor negociador para mediar o conflito sírio.

A questão Israel-Palestina não foi foco vertical e o Ministro se bastou em dizer que o conflito está sendo monitorada pelo “quarteto” ONU-Rússia-Estados Unidos-União Europeia. Sobre a África fez apenas breves considerações.

Sobre as metas da presidência pró-tempore do Brasil no MERCOSUL, neste semestre, o Ministro Patriota adiantou que a prioridade é capacitar o os Estados Partes pra um mundo competitivo. Resaltou que a produção brasileira se destaca, além dos produtos primários, com bens elaborados e de alta tecnologia.

A intervenção dos deputados da CREDN se restringiu a entrada da Venezuela e da suspensão do Paraguai do MERCOSUL e do conflito-guerra civil na Síria. Sobre a questão sul-americana o debate ocorreu mais entre os parlamentares do que entre estes e o Ministro Patriota. Quanto à segunda questão o Ministro se limitou a apoiar o nome de Kofi Annan como negociador do conflito.

Ao terminar a sessão ficou no ar uma sensação de debate inacabado. Com questões não respondidas e muitos temas não aprofundados. Havia, por parte dos deputados e participantes, que Patriota havia apenas formalmente cumprido o dever de atender ao convite da Comissão. Não acrescentou nada além do que já foi publicado na mídia. Considerando o Congresso como um dos poderes do Estado o Ministro deveria ter ousado e debatido os rumos da política externa brasileira na atual conjuntura.

O Embaixador Patriota não fez nenhuma análise conjuntural do impacto da China no mercado internacional, em especial sobre os mercados do Cone Sul ou no Brasil. Não tocou na instabilidade da zona do Euro ou da situação econômico-eleitoral dos Estados Unidos. A opção do Ministro de apresentar aos parlamentares uma visão cartesiana das relações exteriores do país prejudicou muito a compreensão da dinâmica da comunidade e dos mercados internacionais.

O Itamatary, que tradicionalmente foi um órgão menos dependente, está se subjulgando ao poder presidencial e abrindo mão de ser um propositor da política externa para o conjunto do governo.

Bancada Ruralista volta a desafiar a presidente Dilma Rousseff

Edélcio Vigna, assessor político do Inesc

Os rios são grandes porque recebem águas de seus afluentes. A Bancada Ruralista não entende que os grandes rios precisam dos pequenos, pensam que são grandes porque são. Seguindo essa lógica primária, aprovaram uma emenda que acaba com as florestas ciliares em rios não perenes.

Os ruralistas parecem desconhecer a existência de uma rede hidroviária. Um complexo de canais de águas perenes e sazonais ou não perenes que alimenta não só os rios permanentes, mas que compõe ecossistemas aquáticos interiores como rios e canais subterrâneos, lagoas, brejos e pantanais.

Os ruralistas, mais uma vez, viraram as costas ao futuro do país para eleger com mesquinha prioridade os lucros setoriais de curto prazo. O Estado como representante institucional da Nação não pode mais se omitir. Setores produtivos, religiosos, acadêmicos, de pesquisa, artistas, organizações e movimentos populares e sócio-sindicais se manifestaram à exaustão contra o processo de elaboração do Código Florestal aprovado no Congresso Nacional, que praticamente não acatou nenhuma proposta destes setores. A Campanha “Veta, Dilma!” ganhou as ruas e chegou ao Palácio do Planalto, mas não foi suficiente para sensibilizar a Presidenta.

A presidenta da República Dilma Rousseff sancionou o Código e vetou alguns artigos Em seguida, editou uma Medida Provisória para que não houvesse descontinuidade no Código sancionado. Os vetos devem ser aprovados ou rejeitados pelo Congresso Nacional. Para isso, foi formada uma Comissão Mista (deputados e senadores) que recebeu mais de 600 emendas. O presidente é o deputado Bohn Gass (PT-RS) e o relator é o senador Luiz Henrique (PMDB-SC).

A Bancada Ruralista, liderada pela presidenta da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu (PSD/TO), se sentiu desrespeitada pela Presidenta Dilma Rousseff. E, em nome da Bancada lançou um desafio ao poder Executivo e impôs o interesse econômico e a visão de mundo conservadora e retrógrada da oligarquia rural, como se fosse a visão do Legislativo.

A provocação ruralista vai além da emenda dos rios não perenes. Aprovaram outro destaque que tratava do regime de pousio, que é um período em que se deixam as terras de semeadura para recuperarem a fertilidade. Na proposta dos ruralistas estava embutido que o pousio poderia se estender a toda propriedade, sem limite de tempo. Se aprovada na íntegra a proposta seria mais um impedimento para a reforma agrária, pois os imóveis rurais improdutivos não poderiam ser desapropriados.

O senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator da MP, fez uma contraproposta segundo a qual as áreas em pousio poderiam ser computadas como reserva legal do imóvel por um período máximo de cinco anos observado o limite de até 25% da propriedade. Na negociação de um texto de consenso os ruralistas conseguiram retirar o trecho que trata da área máxima (até 25%), mas manteve o prazo até cinco anos.

Dessa forma, por cinco anos a reforma agrária terá que enfrentar mais um obstáculo, além da resistência da oligarquia agrária e seus representantes nos três poderes da República. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, recebeu da Presidenta Dilma uma missão que dificilmente poderá ser cumprida caso o Código Florestal continue sendo instrumentalizado pela Bancada Ruralista.

Os ruralistas insistem em se esconder por detrás do véu do poder Legislativo para impor seus interesses à Nação. O Estado, em especial o Executivo, deve romper com a letargia em que se encontra e, dentro de suas competências, atuar com energia contra o esse ou qualquer setor que tente impor sua vontade como vontade da Nação, que deve ser aferida por meio da realização de referendos.

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