COP24: alerta vermelho foi dado!

Iara Pietricovsky
Colegiado de gestão do Inesc
Grupo Carta de Belém[1]

O chamamento do último relatório do grupo de cientistas ligados ao Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC na sigla em inglês) foi claro e dramático. Precisamos mudar já. Não há mais nenhuma gordurinha para queimar no que se refere ao tema climático e os passos dados até o momento estão longe de equacionar a urgência da redução de emissão de gases de efeito estufa.

Os cientistas alertam que será preciso um nível de transformação sem precedentes na área produtiva caso a humanidade queira, de fato, enfrentar a radicalidade dos impactos climáticos sobre suas vidas e sobre o Planeta.

No meio dessa realidade difícil e dessa convocação para que os países assumam a responsabilidade histórica de reverter o aquecimento global, nos deparamos com as posições retrógradas do governo eleito no Brasil, já mostrando um tortuoso rumo para essa prosa. Ao desistir de sediar a próxima Conferência do Clima, a COP 25, e pelos inúmeros depoimentos de negação do fenômeno de aquecimento climático, concluímos que navegaremos por tempos de obscurantismo e retrocesso.

O novo governo vem demonstrando que vai se alinhar, de forma subserviente, aos EUA e, mais do que isso, que concorda com o negacionismo de Trump sobre as questões climáticas e rejeita as instâncias multilaterais de negociação.

A indicação do embaixador Ernesto Araújo, para o Ministério das Relações Exteriores (MRE), no último dia 15 de novembro, pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, produziu enorme impacto. O futuro ministro acredita que a mudança climática é uma “trama marxista” e que a ciência do clima é apenas um “dogma”. Existe a possibilidade de que, em futuro breve, o novo governo anuncie a saída das negociações de clima. A desistência de realização da COP25 no Brasil seria o primeiro passo nesse caminho.

Viveremos, portanto, uma quebra de um ciclo virtuoso da política externa que se impunha por sua credibilidade e protagonismo. Essa miopia trará consequências bastante nefastas de quebra de confiança e de perda de liderança do Brasil nos espaços internacionais. Essas decisões afetarão concretamente a vida das comunidades locais, ribeirinhas, da floresta, povos indígenas, populações pobres das periferias das cidades para além das fronteiras brasileiras.

Promoverá, ainda, prejuízos incalculáveis advindos da mudança climática, tais como a intensificação de processos migratórios descontrolados, com refugiados atravessando fronteiras; impacto sobre a soberania alimentar, produzindo uma escassez global de alimentos, entre outras situações assustadoras. Sem falar do que já vem ocorrendo na floresta amazônica, com o processo acelerado de desmatamento.

Apesar de todos esses obstáculos, continuaremos nossa defesa de uma visão calcada no conhecimento cientifico e dos que, conscientes e de boa fé, se mantiverem na luta por um mudo que reafirme a democracia, a diversidade, o marco dos direitos humanos e a mudança de nosso modelo produtivo para enfrentar as consequências de uma destruição que se avizinha.

Esta semana começa a Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP24), em Katowice, Polônia. O objetivo primeiro desta nova rodada será a conclusão do livro de regras do Acordo de Paris, o chamado “Plano de Trabalho do Acordo de Paris” (PAWP na sigla em inglês). São as diretrizes que deverão guiar a implementação das “Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC na sua sigla em inglês), nas áreas de mitigação, adaptação, transferência tecnológica, transparência e financiamento. Temas ainda passíveis de muita polêmica e debate.

As diferenças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre os princípios de equidade e de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (CBDR na sigla em inglês) da Convenção são responsáveis por grande parte das tensões. Os EUA e seus aliados querem reduzir o escopo ou mesmo ignorá-los enquanto os países em desenvolvimento querem que as responsabilidades históricas sejam reconhecidas.

O Grupo Carta de Belém (GCB) vem alertando que o debate de clima está, cada vez mais, se transformando num balcão de negócios entre o setor privado e Estados nacionais, onde se valoriza mais e mais as parcerias público-privados (PPP) como meio para implementação e financiamento das NDCs.

O GCB também expressa sua preocupação com os debates sobre o uso da terra. É uma questão importante e com dinâmicas de enorme impacto sobre clima, em especial, o tema da agricultura.

Defende, também, que questão das florestas devam se manter fora dos mecanismos de offset, ou seja, não podem ser mercantilizadas. Registra sua preocupação com a proposta apresentada pelo governo polonês, chamada “Forest Coal Farms” por conter exatamente esta lógica de mercado.

Como parte das negociações, o GCB reconhece a importância da implementação de mecanismos de transição justas para os trabalhadores e trabalhadoras em todos os países, preocupação essa liderada pelos sindicatos.

Além disso, apoia e vem acompanhando com atenção, a aprovação do plano de trabalho da “Plataforma de Comunidades Locais e Povos indígenas”, que foi aprovada no Acordo de Paris, durante a COP21. Essa Plataforma tem como objetivo principal fortalecer o conhecimento, as tecnologias, as práticas e os esforços das comunidades locais e indígenas para o enfrentamento da questão climática. Esse tema é uma das novidades mais criativas e de valor agregado desde o começo da COP de Mudança Climática. Reconhecem que povos indígenas e comunidades locais são detentores de saberes que podem ajudar o equacionamento do aquecimento global.

Por fim, ressalta-se o tema do financiamento, que nunca saiu da mesa de negociação e está longe de ser equacionado, ainda que as decisões para o enfrentamento da questão climática não dependam do financiamento para sua efetivação, e sim de vontade política da comunidade internacional, dos governos e dos donos do capital.


[1] O Grupo Carta de Belém (GCB) é constituído por organizações e movimentos socioambientais, trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa, agroextrativistas, quilombolas, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, pescadores, estudantes, povos e comunidades tradicionais e povos originários que compartilham a luta contra o desmatamento e por justiça ambiental na Amazônia e no Brasil.

Reforma tributária ou mera simplificação: O que os programas de governo dos presidenciáveis defendem

Por Graziele David, assessora politica do Inesc

Reformar ou simplificar o sistema tributário. O que parece ser um mero jogo de palavras revela muito mais do que o entendimento da tributação no país, descortina o modelo de Estado que cada presidenciável pretende fortalecer caso seja eleito.

A simplificação tributária, apesar de necessária, é insuficiente para resolver os graves problemas que o Brasil tem na arrecadação de tributos (impostos, contribuições, taxas). Ela é necessária para lidar tanto com o excesso de tributos que dificultam a arrecadação para o contribuinte e para a administração pública, quanto para reduzir a ‘guerra fiscal’ entre entes federados, ao realizarem desonerações tributárias para atrair empresas. Ocorreria assim ganho de eficiência na arrecadação e de competitividade na produção e exportação.

A principal proposta nesse sentido hoje é a defendida pelo Centro de Cidadania Fiscal – CCIF de criação de um Imposto sobre valor agregado – IVA (batizado de Imposto sobre Bens e Serviços – IBS) unificando cinco tributos: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. O prazo de transição seria de 10 anos para os contribuintes e de 50 anos para a partilha entre os entes federativos. Com relação à alíquota, existiria uma nacional idêntica para todos os bens e serviços, mas estados e municípios poderiam alterar para determinados produtos. Também haveria um imposto seletivo, adicional à cobrança do IBS, sobre dois produtos, com a meta de reduzir o consumo: bebidas alcoólicas e cigarros.

Já a atual proposta do relator da Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados também segue no sentido de simplificação, apesar de ter algumas diferenças. Ela propõe unificar nove tributos: ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins, Cide, Salário-Educação, IOF e Pasep. O período de transição seria de seis anos para as empresas e de 15 anos para a nova divisão com Estados e municípios. As alíquotas seriam estabelecidas todas em lei complementar federal e a arrecadação, dividida num percentual com Estados e Municípios. Também existiria um imposto seletivo sobre seis produtos: energia, combustíveis, telecomunicações, cigarros, bebidas e veículos.

Entretanto, somente simplificar não reduz um grande problema existente: a composição da carga tributária brasileira amplia desigualdades ao invés de reduzir, como ocorre nos países mais desenvolvidos. Isso acontece porque mais de 50% dos tributos arrecadados incidem sobre o consumo, ao invés de serem sobre a renda e a propriedade. Como os tributos sobre o consumo pesam proporcionalmente mais sobre os mais pobres e a classe média, o resultado é que a atual composição da carga tributária faz com o grupo mais vulnerável da população – mulheres negras pobres – pague mais tributos proporcionalmente à sua renda do que os mais ricos.

É por essa razão que a defesa de uma reforma tributária não pode se ater somente à simplificação e à eficiência do sistema tributário. Ela deve necessariamente se ater à promoção da equidade e da redução das desigualdades, para a promoção de justiça fiscal e social.

A atual proposta que caminha nessa direção mais formulada nesse sentido é a da ‘Reforma Tributária Solidária’, organizada pela Anfip e Fenafisco, com a participação de várias outras organizações da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, acadêmicos e especialistas. Ela apresenta algumas premissas essenciais para a reforma do sistema tributário nacional, devendo ser esse: pensado na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico; adequado ao propósito de fortalecer o Estado de Bem-estar Social e reduzir desigualdades; progressivo com redistribuição da composição da carga tributária ao ampliar a tributação direta e reduzir a indireta; instrumento para reestabelecer as bases do equilíbrio federativo; desenvolvidas as tributações ambientais e sobre o comércio internacional.

planos de governo reforma tributaria

Observação: a candidata Vera Lúcia do PSTU não trata do tema da reforma tributária no seu programa de governo.

A escolha entre reformar por completo o sistema tributário ou somente simplificá-lo mostrará o compromisso dos candidatos à presidência com um Estado que irá fortalecer as despesas com investimentos e serviços públicos, voltado para o mercado interno, promotor da redução de desigualdades, garantidor de direitos; ou um Estado voltado para o investimento privado, para o mercado externo, despreocupado com as desigualdades e comprometido com a austeridade.

Isso porque existe uma relação direta entre mera simplificação tributária e políticas de austeridade pelo lado dos gastos do orçamento público. Para conseguir simplificar e reduzir a carga tributária, não é suficiente promover melhor gestão e eficiência das políticas públicas, uma vez que no Brasil elas já têm um financiamento per capita muito abaixo da média dos países da OCDE. Necessariamente ocorrerão cortes orçamentários nessas políticas promotoras de direitos e que a população tanto demanda, como saúde, educação, segurança, alimentação, transporte, entre outras.

Candidatura Fernando Haddad

Segundo consta do plano de governo, a estrutura tributária não pode continuar sendo predominantemente de impostos indiretos, que oneram em especial os assalariados e os mais pobres. Por isto, a reforma tributária será orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica, com as seguintes diretrizes:

•Isentar o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) de todos aqueles que ganham até cinco salários mínimos, condicionado à majoração para rendas mais elevadas por meio de faixas adicionais de alíquotas do IRPF para os super ricos;

•Tributação direta sobre a distribuição de lucros e dividendos seguindo tabela progressiva do IRPF. O aumento do IRPF pode ser combinado com redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para elevar a competitividade do setor privado compatível internacionalmente;

•Criação de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) moderno, com cobrança no destino, que substitua a atual estrutura de impostos indiretos (ICMS, IOF, IPI, ISS, etc.), respeitando o equilíbrio federativo, o financiamento da seguridade e viabilizando a transição de regimes. É fundamental que a mudança seja gradual e não represente perdas para os entes federados, mas, ao mesmo tempo, contribua para superar a desigualdade regional;

•Instituição de tributação sobre grandes movimentações financeiras, de caráter regulatório;

•Introdução do imposto sobre grandes patrimônios, bem como a reformulação do Imposto sobre heranças, especialmente grandes heranças e a extensão da cobrança do IPVA para jatos, lanchas e outros veículos;

•Alteração do Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR) para que possa atender aos requisitos de incentivo tanto da elevação produtiva do solo, quanto da preservação ambiental. Também virá acompanhado de novos mecanismos voltados para os usos da terra para desestimular o processo especulativo, as práticas predatórias ao meio ambiente e a aquisição de terras por estrangeiros;

•Rebalancear impostos incidentes sobre a folha de pagamento, equalizando o tratamento tributário entre pessoa física e jurídica e incentivando a formalização de todas as ocupações;

•Criação de “tributos verdes” que permitam ao Estado atuar sobre a emissão de gases de efeito estufa e estimular pesquisas e investimentos na adoção de tecnologias voltadas para a sustentabilidade ambiental – inserido dentro de uma proposta de reforma fiscal verde;

•Ampla revisão dos chamados “gastos tributários” regressivos, assim como os benefícios fiscais voltados à economia de alto carbono.

Candidatura Ciro Gomes

Para a candidatura Ciro, crescer distribuindo renda é fundamental. Reduzir as gritantes desigualdades econômicas e sociais do país requer um conjunto amplo e simultâneo de medidas, como promover uma reforma tributária com simplificação do sistema tributário e tributação proporcional dos mais ricos. Também serão adotadas as seguintes medidas:

•Redução, inicial, de 15% das desonerações tributárias;

•Revisão de todas as despesas do governo, de modo a eliminar desperdícios, sobreposições e privilégios; os gastos com investimentos, Saúde e Educação deverão ser preservados;

•Isenção de tributos na aquisição de bens de capital;

•Redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica;

•Redução de impostos sobre consumo (PIS/COFINS e ICMS);

•Criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), unificando vários tributos atualmente existentes;

•Eliminação gradual da chamada “pejotização”;

•Recriação do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos;

•Alteração das alíquotas do ITCD (imposto sobre heranças e doações);

•Simplificação da estrutura tarifária de importações;

•Elevação da alíquota do ITCD (imposto sobre heranças e doações).

Candidatura Marina Silva

No entendimento da candidatura da Marina, é imperativo promover a reforma tributária para reduzir a complexidade e a insegurança jurídica, que dificultam o estabelecimento de um ambiente favorável aos negócios e ao empreendedorismo. Neste sentido, propõe:

•implantação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), reunindo cinco tributos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.Os princípios que nortearão essas mudanças são: simplicidade, para que as regras sejam claras e de fácil aplicação, com o mínimo de exceções e regimes especiais; transparência, para que o cidadão tenha clareza de quanto paga e possa cobrar a melhoria dos serviços públicos, exercendo a sua cidadania tributária; neutralidade, para desestimular as distorções na forma de organização, instalação e operação das empresas, eliminando a deletéria guerra fiscal entre estados e municípios; e equidade, para dosar de forma adequada o tratamento dos cidadãos e das empresas, eliminando privilégios e a atual regressividade, que condena os mais pobres a pagarem, proporcionalmente, mais impostos.

Para corrigir a regressividade elevada do sistema tributário em nosso país e estimular o reinvestimento dos lucros na produção sugere-se:

•tributação sobre dividendos, com redução simultânea do IRPJ (Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas);

•elevação da alíquota do imposto sobre herança, com isenções progressivas;

•aumento da base de tributação sobre a propriedade;

•descentralização da autoridade para tributar;

•revisão do atual sistema brasileiro de tributação da pessoa jurídica, informando antecipadamente os critérios de interpretação da legislação. Novas tecnologias para que todas as informações sobre o fato gerador sejam transparentes e disponíveis em um guia nacional para o pagamento de todos os tributos incidentes de forma integrada.

Candidatura Jair Bolsonaro

O programa de governo do candidato Bolsonaro visa a unificação de tributos e a radical simplificação do sistema tributário nacional, com:

•gradativa redução da carga tributária bruta brasileira paralelamente ao espaço criado por controle de gastos e programas de desburocratização e de privatização;

•simplificação e unificação de tributos federais eliminando distorções e aumentando a eficiência da arrecadação;

•descentralização e municipalização para aumentar recursos tributários na base da sociedade;

•discriminação de receitas tributárias específicas para a previdência na direção de migração para um sistema de capitalização com redução de tributação sobre salários;

•introdução de mecanismos capazes de criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal; e

•aprimoramento da carga tributária brasileira fazendo com que os que pagam muito paguem menos e os que sonegam e burlam, paguem mais.

Candidatura Geraldo Alckmin

O programa de governo do Alckimin aborda muito superficialmente o tema. Diz apenas que buscará simplificar o sistema tributário por meio da substituição de cinco impostos e contribuições por um único tributo: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Candidatura Guilherme Boulos

No entendimento da candidatura Boulos, é preciso reformar o sistema tributário brasileiro, com simplificação e ampliação significativa da progressividade, para aumentar a equidade e a eficiência na arrecadação e seu caráter regulatório, com as seguintes medidas:

•redução das alíquotas com base mais ampla ao nível da empresa e tributar mais progressivamente a renda da pessoa física, resultando em ganho líquido de 1,3% do PIB na arrecadação de imposto de renda (de 7% para 8,3% do PIB, nível inferior ao dos países na OCDE, que é de 11,1%);

•aumento da alíquota de isenção do IRPF, com correção da tabela do IPRF;

•aumento da alíquota para 35% do IRPF para rendimentos acima de R$ 325 mil por ano;

•tributação linear sobre dividendos com base em uma alíquota de 20%;

•redução da alíquota de IRPJ/CSLL para 25%, mas ampliando a base de incidência pela revisão de benefícios tributários, como juros sobre capital próprio, que hoje favorecem os que podem contratar planejamento tributário e aproveitar as brechas (eg. Bancos);

•aumento da arrecadação de impostos sobre propriedade urbana e rural de 0,6% para 1% do PIB: legislação para facilitar cobrança de dívidas; reajuste da planta de valores dos imóveis; aumento da alíquota e da progressividade;

•aumento da arrecadação com tributação sobre herança e doações inter vivos (ITCMD) de 1,7% para 1,9% do PIB tributando as grandes fortunas na herança: federalizar o imposto sobre herança e aumento da arrecadação com tributação baseada em alíquotas progressivas de 2% a 40%; legislação para tornar nacional a administração do imposto, integrando-o com a base de dados do imposto de renda, de modo a reduzir a evasão pela mobilidade do patrimônio;

•aumento do imposto sobre grandes fortunas com arrecadação adicional de 0,1% do PIB;

•implementação de tributação ambiental;

•revisão das desonerações e outros gastos tributários;

•aumento da arrecadação de impostos sobre propriedade rural: legislação para fortalecer a cobrança de dívidas e a fiscalização; legislação para livrar a definição do valor administrativo dos imóveis da influência de grupos de interesse políticos (eg. lobby ruralista); regulamentação de maior progressividade de alíquotas para fins de justiça fiscal e instrumento extrafiscal para a política fundiária e fiscalização similar à do imposto de renda para as declarações do imposto territorial rural – ITR;

•modernização e redução gradual das alíquotas dos tributos que incidem sobre bens e serviços, como a cesta básica (Pis/Cofins, IPI, ICMS etc.): eliminação de cumulatividades via migração das bases de incidência para o valor agregado, com amplo aproveitamento de créditos, tributação e repartição no destino; manutenção das contribuições para a seguridade social em um modelo baseado na tributação sobre o valor agregado;

Candidatura Cabo Daciolo

O programa de governo do Cabo Daciolo menciona o tema superficialmente: segundo consta do plano de governo, “Governar é baixar juros e impostos. Uma questão imprescindível ao desenvolvimento se refere à redução da carga tributária”.

Candidatura João Amoêdo

A candidatura de Amoêdo entende que a carga tributária brasileira é elevada e complexa; gera insegurança jurídica além de enorme volume de burocracia; apresente visão ideológica contrária ao empreendedor e ao lucro. Por isso, propõe uma simplificação e redução dos impostos e burocracias para dinamizar a economia, facilitar o empreendedorismo e propiciar a criação de empregos. Para tal apresenta as seguintes propostas:

•adoção do IVA (Imposto de Valor Agregado);

•implementação de carga tributária inferior a 30% do PIB;

No entendimento do candidato, o brasileiro não precisa de um Estado grande porque é pobre, ele é pobre justamente por ter um Estado grande; não é necessário ter Estado para ajudar o próximo. Defende, ainda, que vai combater a pobreza e não a desigualdade por meio da geração de renda e não pela distribuição. As prioridades serão: redução do Estado, aumento da responsabilidade fiscal, garantia da propriedade privada, com destaque para o campo, para que o agronegócio tenha condições jurídicas e estruturais.

Candidatura João Goulart Filho

As propostas apresentadas são as seguintes:

•Promover uma Reforma Tributária Direta e Progressiva que elimine impostos indiretos, taxando a renda e a propriedade dos grandes e não o salário dos pequenos;

•Suprimir as renúncias fiscais;

•Revogar a Lei Kandir que isenta de ICMS produtos e serviços destinados à exportação;

•Revogar a isenção da contribuição previdenciária para o agronegócio;

•Estabelecer um imposto progressivo sobre as remessas de lucros das multinacionais para suas matrizes no exterior;

•Revogar a lei que isenta de impostos as importações das petroleiras estrangeiras instaladas no Brasil;

•Combater de forma rigorosa a sonegação fiscal.

Candidatura Álvaro Dias

O tema é mencionado em uma frase, a saber: “Promover reforma tributária que estabeleça como prioridade a mais justa distribuição dos recursos entre os entes federados, no contexto do novo pacto federativo”.

Candidatura Eymael

No seu programa de governo, o candidato Eymael recomenda promover a reforma tributária visando à simplificação do Sistema, a redução da carga tributária e o respeito à capacidade contributiva. Destaca ainda que é preciso repensar o Pacto Federativo, distribuindo de forma equitativa atribuições de recursos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Candidatura Henrique Meirelles

A candidatura Meirelles propõe a simplificação do sistema tributário brasileiro com estudos que visem à criação de um imposto de valor agregado, o IVA. Defende-se que a reforma tributária precisará respeitar o tempo de adequação ao novo modelo, sem comprometer incentivos legalmente estabelecidos, mais eficiente, sem aumentar a carga tributária.

 

 

Análise de programas econômicos das candidaturas à Presidência da República 2018

Por Adhemar S. Mineiro, economista e assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP), para o INESC

As propostas disponibilizadas pelas treze candidaturas que disputam essas eleições presidenciais de 2018 apresentam soluções bastante diferenciadas para a crise econômica que vivemos no país desde 2015, além da amplitude dos aspectos abordados e da orientação e dinamismo dos novos horizontes que propõem para o país. Os programas acabam, no geral, refletindo uma grande divisão quanto à análise e perspectivas em dois grandes campos de visão.

O primeiro campo identificado é o de uma perspectiva econômica liberal, fundada na chamada ortodoxia econômica. Esse ponto identifica não só um grande conjunto de candidatos, como Álvaro Dias, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoedo e Marina Silva, como o próprio atual Governo Temer e sua política econômica. Nesta visão, o centro da política econômica é um forte ajuste do setor público, envolvendo um conjunto de medidas. A contração fiscal, com eventual geração de superávit, a retomada do chamado “tripé macroeconômico” (metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal), a venda do patrimônio público (seja a venda de participações societárias do Estado, seja a venda de imóveis, seja a privatização de empresas), os limites ao gasto público, todos esses elementos aparecem em vários dos programas apresentados por esse conjunto de candidatos. Aparece ainda a criação inovadora de mecanismos financeiros buscando alavancar através de fundos e outros mecanismos a viabilidade de concessões e parcerias público-privadas para alavancar investimentos, em especial na área de infraestrutura. A redução dos recursos à disposição do Estado e a redução das taxas de juros (por mecanismos de gestão fiscal e redução da dívida pública), dentro desta concepção (que podem ser somados a mecanismos participativos para investidores, ou a ampliação da segurança jurídica para os investidores), abre espaço para o crescimento do investimento privado, que é o principal motor para essa visão da dinamização da economia brasileira. Um tema importante que aparece em alguns desses programas, com também diferentes redações e expressando diferentes perspectivas e formas de condução da questão, é o tema da independência/autonomia do Banco Central para a operacionalização de suas políticas (monetária e cambial).

O outro ponto importante para esse conjunto de candidatos que se organiza em torno a essa visão central liberal-ortodoxa é um abertura econômica, com ligação aos mercados externos, buscando neles também os elementos de dinamismo que não estão presentes no mercado doméstico, mas também o que chamam de conexão com as “cadeias globais de valor”. A velocidade e as formas dessa integração com o sistema internacional e da abertura comercial variam, mas aparecem como fundamental para essa perspectiva. Varia também a ênfase dos setores a se conectarem mais fortemente com o exterior (seja o agronegócio, setores com um pouco mais de agregação de valor à produção, como semimanufaturados, ou setores de maior conteúdo tecnológico, e alguns ainda incluem os setores de serviços). Dentro dessa perspectiva de abertura ao exterior, vale também a defesa de acordos de comércio, de novo variando aqui o formato (bilateral, multilateral, ou ambos) e a velocidade e as formas da abertura (rebaixamento ou eliminação de tarifas, eliminação de barreiras não tarifárias, etc.). A busca do caminho da vinculação aos fluxos do comércio internacional aparece nesses programas tanto como um elemento de demanda para a retomada do crescimento em um quadro de limitação ao investimento/gasto público, de forte redução no consumo nacional e de incertezas quanto ao investimento privado, que seriam os demais elementos dinamizadores da atividade econômica, quanto como uma visão estratégica de integração aos sistemas globais de produção e geração de valor. Curiosamente, ao apresentarem uma visão bastante positiva quanto a essa integração ao exterior, esse conjunto de candidatos passa ao largo dos debates dos últimos anos sobre as limitações ao comércio internacional, a guerra comercial internacional (da qual talvez a tensão entre China e EUA ou o esvaziamento da Organização Mundial do Comércio sejam apenas dois exemplos mais evidentes) e as possíveis alterações das cadeias produtivas globais com a introdução das inovações recentes, denominadas “Indústria 4.0”, que alteram substancialmente os esquemas de vantagens de localização de partes da produção no nível internacional que seguiam vigentes até aqui.

Um tema importante que parece representar uma aproximação entre um conjunto grande de candidaturas progressistas e conservadoras, heterodoxas e ortodoxas, liberais ou desenvolvimentistas, segundo a polarização ao gosto do freguês, diz respeito ao tema de uma reforma tributária. Quase todos os/as candidatos/as visitam esse tema tocando no eixo da modernização e simplificação tributária, na redução do número de impostos, na redução da oneração da produção e do consumo. Existem, entretanto, dúvidas quanto ao ritmo de condução da reforma, e a chamada “questão da divisão do bolo tributário” entre a União e os níveis subnacionais (Estados e Municípios). Os debates esquentam aqui, e as diferenças aparecem, quando se entra na discussão do volume tributário (enquanto normalmente as visões mais liberais falam em reduzir a tributação, as visões mais progressistas falam em manter ou aumentar) e a questão do pagamento da conta (normalmente aqui entram em debates níveis de isenção e a questão da progressividade, ou seja, os mais ricos serem mais tributados do que os mais pobres). Outros debates técnicos aparecem, mas tomando por base o consenso dos programas dos candidatos é provável que esse tema avance de alguma forma no próximo período.

Para o conjunto de candidatos mais identificado com uma perspectiva heterodoxa de condução da política econômica (Ciro Gomes, Fernando Haddad, Guilherme Boulos e João Goulart Filho) os temas centrais passam pela retomada do crescimento econômico, a dinamização do gasto público e dos investimentos públicos, a distribuição da renda e a redução das desigualdades (em diversas perspectivas, como a distribuição funcional da renda, mas também sob a perspectiva regional, de gênero, de raça/etnia, urbano/rural e outras), a recomposição e o aumento real do salário mínimo. Políticas industriais são também listadas de diferentes formas, não apenas como importantes para a retomada do crescimento e do desenvolvimento econômico mas também porque podem, dentro dessas perspectivas desenvolvimentistas, contribuir fundamentalmente para o próprio desenho do desenvolvimento futuro, não podendo ser de forma alguma neutras neste sentido.

Outro tema fundamental para esse conjunto de candidatos é como desfazer algumas das contrarreformas levadas adiante durante o curto Governo Temer. Aqui são listadas em especial a Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos) e a reforma trabalhista/reforma da CLT, e tratar com muito cuidado o tema previdenciário (onde diferenças aparecem mesmo entre esse “bloco” de candidatos).

Dentro desta perspectiva de rediscussão de determinadas questões está ainda o tema das privatizações. Trata-se para estes candidatos não apenas de estancar o processo, como em vários momentos defendem retroceder medidas que foram levadas adiante, reafirmando a necessidade de um papel ativo do setor produtivo estatal na viabilização de uma estratégia de desenvolvimento futuro. Em particular, são mencionados setores da área de energia, como elétrica, incluindo suas formas alternativas em expansão (eólica, solar) e a indústria de petróleo, apontada como importante não apenas pela capacidade de geração de renda no chamado Pré-sal, como pela capacidade de articulação industrial ao longo da cadeia de produção de máquinas e equipamentos (variam aqui entre os candidatos a ponderação destas possibilidades com as perspectivas de um desenvolvimento ambientalmente sustentável agora e no futuro).

O ponto da recuperação dos empregos e da renda dos mais pobres tem, nas propostas deste conjunto de candidatos, um papel emergencial, não apenas pelo forte impacto social (o desemprego é devastador), como pelo impacto econômico e sua capacidade de ativar a economia em um prazo muito curto (aqui presente a visão de que os mais pobres sempre transformam toda a sua renda rapidamente em consumo, dinamizando a economia de uma forma imediata).

Os investimentos públicos e privados, dentro desta perspectiva desenvolvimentista, não são vistos como antagônicos (para abrir espaço para o investimento privado é necessário reduzir o investimento e o gasto públicos, que é a perspectiva ortodoxa), mas de certa forma articulados, de maneira que a expansão do gasto e do investimento públicos dinamiza o investimento privado, e na maior parte das vezes vai à frente deste, se antecipando e indicando caminho e volumes demandados.

Outra questão importante que distingue as perspectivas ortodoxa e heterodoxa diz respeito ao tema da taxa de câmbio. Enquanto os candidatos com uma orientação ortodoxa apontam pura e simplesmente para o tripé macroeconômico (e o ponto relativo ao câmbio flutuante) como solução para o nível e a flutuação da taxa de câmbio, os candidatos com programas dentro de uma perspectiva mais heterodoxa apontam a necessidade de gerenciar de alguma forma a taxa de câmbio, colocando-a em um patamar que garanta a competitividade da indústria nacional (preocupação mais forte no programa de Ciro Gomes) e evitando flutuações bruscas com alguns mecanismos de controle de fluxos de capital (que aparecem de distintas formas, em especial nos programas Boulos e Haddad). Assim, esse ponto é fundamental na diferenciação dos dois “blocos” de candidatos.

A perspectiva de ajuste das contas públicas é vista como uma consequência importante da retomada do crescimento econômico, que permite de certa forma a recomposição da arrecadação fiscal sem maiores problemas, além de medidas de reconfiguração dos pagamentos da dívida pública e de redução das taxas de juros (vistas como uma expressão do poder oligopólico e político dos “rentistas” financeiros). Reduzindo os gastos financeiros e crescendo, além de outras medidas de ampliação da arrecadação, a questão do equilíbrio fiscal passa longe da centralidade que possui no discurso econômico conservador.

Assim, se percebem as principais diferenças, especialmente entre esses dois “blocos” de programas, que reúnem alguns dos principais candidatos que concorrem nesse processo eleitoral. A decisão a ser tomada é uma decisão que pode definir não um estilo ou uma discussão de curto prazo, mas o rumo de um processo de desenvolvimento de longo prazo no país, e por isso mesmo não é uma decisão simples.

A seguir apresenta-se uma breve sistematização dos programas dos(as) candidatos(as), na ordem alfabética de seus nomes.

Candidatura Álvaro Dias

 

No caso de Álvaro Dias, menos do que um detalhamento, em seu programa de governo é feita uma importante afirmação de princípios e estratégia. O centro da proposta é uma retomada vigorosa do crescimento (para uma média de 5% ao ano), capitaneada por investimentos que viriam a partir de uma reforma que reestruture o gasto público (com a revisão do custo de rolagem da dívida pública) e reduza os tributos, uma reforma financeira que diminua os juros para o setor privado, uma reforma previdenciária instalando o sistema de capitalização, e um forte incentivo ao investimento, em especial de pequenas e médias empresas e da agricultura. Para puxar o investimento, a única fonte de demanda apontada é o investimento em infraestrutura, todo o investimento previsto restante devendo ser alavancado pelas expectativas positivas por parte do empresariado a respeito das reformas pró-mercado definidas inicialmente. Empregos também seriam gerados, pelo proposto, por meio dessa retomada vigorosa dos investimentos privados (se prevê uma taxa de investimento, atualmente em torno de 15%, de 22% do PIB em 2022, último ano de governo). A respeito do déficit público, o programa aponta o objetivo de um déficit primário nulo já no primeiro ano de governo (2019) e um déficit nominal (ou seja, incluídos os gastos financeiros) zerado em 2023, primeiro ano do governo seguinte. O programa propõe ainda redução e simplificação tributária, com a eliminação de sete grandes impostos (PIS, Cofins, IPI, CIDE, IOF, CPP, CSLL). Chama a atenção, finalmente, algumas propostas na área do setor externo, como a proposta da constituição de 10 ZPEs (Zonas de Processamento de Exportações) e a formalização de 10 acordos comerciais bilaterais e 4 multilaterais até 2022, além de uma redução tarifária de 50% das atuais tarifas até esse mesmo ano.

Candidatura Cabo Daciolo

Apesar de não mencionar valores para o crescimento, o programa é ambicioso, pois o objetivo é figurar entre os países mais desenvolvidos do planeta. O programa também faz algumas reafirmações de princípio, como “Governar é baixar juros e impostos”, e “Empresas estatais estratégicas jamais serão privatizadas em nosso governo.” Para dinamizar o crescimento econômico, os principais pontos levantados são a ampliação das malhas rodoviária, ferroviária e hidroviária, e a expansão no mercado externo, pela ampliação do valor agregado dos bens exportados (deixar progressivamente de exportar primários e melhorar o conteúdo tecnológico dos bens exportados). Menciona ainda atrair investimentos internacionais em decorrência da baixa das taxas internas de juros,

Candidatura Ciro Gomes

A proposta estratégica da candidatura é caminhar simultaneamente com o chamado ajuste macroeconômico (“colocar a casa em ordem”) e a recuperação do setor produtivo para gerar empregos. Na perna do ajuste, o foco é no equilíbrio das contas públicas (alcançar o equilíbrio do gasto primário em dois anos de governo), na redução progressiva da relação dívida/PIB, diminuindo as taxas de juros e abrindo espaço para o investimento público e políticas sociais. A retomada da renda da população é baseada em um programa emergencial de empregos, e em investimentos em infraestrutura. Na área de investimentos, é fundamental no programa de governo do Ciro a ideia de uma taxa de câmbio competitiva internacionalmente (significando de fato uma desvalorização da real) de modo a alavancar, de forma sustentável e no longo prazo, a competitividade do setor externo brasileiro – a ideia aqui é que a competitividade a que o programa se refere é a dos bens manufaturados, e também o que chamam de serviços sofisticados (de maior agregação de valor). Para isso também é fundamental a implementação de políticas industriais ativas, defendidas no programa, e de forte financiamento, grande parte oriundo do sistema financeiro público, para levar adiante um programa de investimentos articulado por essas políticas industriais. O Banco Central, na proposta apresentada, orienta a sua atuação não apenas por metas de inflação, mas também por metas de emprego, como ocorre em outras partes (EUA, por exemplo). Além de uma forte ênfase no emprego no primeiro momento, é também fundamental na alavancagem da demanda doméstica dentro da proposta a ideia de crescimento econômico com distribuição de renda.

Candidatura Fernando Haddad

O programa do candidato parte em vários momentos da ideia de rever várias das contrarreformas implementadas nos últimos dois anos e meio, e na área econômica aparecem explicitadas a Emenda Constitucional 95 (de teto dos gastos públicos) e a reforma trabalhista. Existe também a ideia de uma retomada econômica de curto-prazo ativada por programas de geração de empregos (investimentos em infraestrutura e moradia, com a conclusão de obras inacabadas, retomada dos investimentos da Petrobrás e do programa “Minha Casa, Minha Vida”), reforço ao Programa Bolsa Família e retomada do crédito com juros e prazos acessíveis para famílias de baixa renda. Um ponto importante para a ampliação do consumo é a manutenção da política de valorização do salário mínimo. Para ampliar os investimentos, o financiamento virá fundamentalmente do sistema financeiro público, e aqui são pensados setores industriais estratégicos a serem estimulados (insumos básicos, fármacos, bens de capitais, defesa e aeroespacial, microeletrônica e outras), e a preocupação é apontar para a transição para a Indústria 4.0 (maior conteúdo de inovação, robótica, inteligência artificial, etc.). São pensados também mecanismos de controle sobre fluxos de capitais que permitam a redução da volatilidade da taxa de câmbio e a manutenção da competitividade externa de setores produtivos internos (bens manufaturados). Uma reforma tributária que crie o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) e elimine vários impostos, operando pela simplificação e modernização tributária, também é listada como fundamental. Um ponto importante no programa são os mecanismos de incentivo (tributários, financeiros e outros) para se transitar progressivamente para uma economia de “baixo carbono”, mais ambientalmente sustentável. A suspensão da política de privatização de empresas estratégicas e a recuperação do Pré-Sal também são vistos como importantes para a retomada do investimento, do crescimento e de uma estratégia sustentada de desenvolvimento. Vale apontar ainda aqui a ênfase nos instrumentos de incentivo à economia social e solidária. Finalmente, destacam-se incentivos à produção agrícola, incluindo a expansão da agricultura familiar e a reforma agrária.

Candidatura Geraldo Alckmin

O centro das propostas também diz respeito a um forte ajuste do setor público, por meio do corte de despesas do Estado (eliminação do déficit primário em dois anos, chegando a um superávit entre 2% e 2,5% no fim do governo), privatização de empresas estatais e venda de patrimônio imobiliário e acionário por parte do Estado (com recursos utilizados para a redução da dívida pública), redução dos subsídios e desonerações fiscais e uma reforma da Previdência. A manutenção da Lei de Teto dos Gastos também está apontada no programa. Fazem parte das propostas, ainda, a modernização e a simplificação tributária, com um novo sistema baseado no IVA; a restauração do tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação); e, um Banco Central com mandatos em sua diretoria. Na área de comércio exterior, defende-se a abertura da economia, a ampliação do comércio exterior para 50% do PIB (dobrar os fluxos, aproximadamente) e a assinatura de acordos comerciais bilaterais e multilaterais. Nessa área ainda, propõe-se a redução de barreiras tarifárias e não-tarifárias, tendo como objetivo um teto tarifário de 15%. Políticas sociais e distributivas focadas em grupos mais frágeis, inclusive a chamada “Bolsa Família 2.0”. A retomada dos investimentos é pensada através de investimentos em infraestrutura, especialmente com a implementação de parcerias público-privadas, e incentivos à agricultura e a modernização industrial (Indústria 4.0). O financiamento para tal é visualizado pelo funcionamento mais livre do mercado de crédito, segurança jurídica para os investimentos e entrada facilitada de bancos internacionais, o que ampliaria a competição por crédito de longo prazo dentro do país. A atuação competitiva desses agentes financeiros e de outros instrumentos de financiamento (fundos) levaria a uma redução das taxas internas de juros (especialmente associadas à redução do endividamento público e ao superávit das contas públicas).

Candidatura Guilherme Boulos

A proposta do candidato prevê em um primeiro momento um programa emergencial para recuperação do emprego e da renda, e do investimento público. Proteção ao emprego e política de valorização do salário mínimo, assim como uma Previdência com nenhum direito a menos e a reforma agrária popular e agroecológica. Prevê ainda uma renda básica universal. Na área industrial defende-se o fortalecimento do setor, sua desconcentração bem como evitar a captura dos setores por conglomerados. O sistema de financiamento público deve levar em conta esse objetivo, assim como as necessidades de modernização tecnológica, estruturação de uma matriz de menor consumo de carbono/ecologicamente sustentável, e com a ampliação de pequenas e médias empresas. Essas mudanças da estrutura industrial são também acompanhadas de um processo de integração regional, com o objetivo de superar a inserção internacional subordinada do Brasil, e com a inserção da perspectiva de desenvolvimento urbano e regional em sua formulação. Prevê aprofundar o controle público sobre setores estratégicos e reverter processos de privatização que foram levados adiante, assim como o desmonte do setor financeiro público. Para a alavancagem do investimento público, o programa prevê a recuperação da capacidade de gasto do Estado, através de mudança na estrutura tributária. Tal mudança dever tornar o sistema mais progressivo, amplo e simples. A regulamentação do setor financeiro (e uma auditoria da dívida pública), na perspectiva do programa, permitirá a redução dos custos da dívida pública e a utilização da taxa de câmbio “de forma mais estratégica”. São igualmente defendidas as revisões da Lei de Teto de Gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Vale ressaltar ainda o combate a todas as formas de desigualdade e discriminação no mercado de trabalho. Um ponto bastante interessante diz respeito à formulação do tema da independência do Banco Central na proposta do candidato: “aumentar a independência do Banco Central em relação ao mercado financeiro”, na exata contramão dos que defendem independência do Banco Central em relação à sociedade e ao Estado.

Candidatura Henrique Meirelles

O programa do candidato Meirelles aponta como estratégia que o país volte a crescer 4% ao ano. Para isso, coloca como condições a reforma tributária ampla e a reforma da Previdência Social, além de fortes investimentos em ampliação da infraestrutura, que permitam retomar um crescimento vigoroso nesta concepção. O investimento em infraestrutura é visto como um instrumento de geração de empregos no curto-prazo, e de melhoria geral de produtividade e de competitividade para o setor privado, aumentando eficiência e reduzindo custos. Esse investimento em infraestrutura será uma parceria entre o setor público e o setor privado, os investidores devem ser atraídos para esse processo por meio, por exemplo, de criação de “mesas de diálogo público-privado”. Novas concessões e privatizações também são defendidas. Finalmente, o programa defende uma maior abertura ao exterior, com a integração dos setores produtivos operando aqui às cadeias globais de valor.

Candidatura Jair Bolsonaro

Aponta para um superávit primário já em 2020, tendo o tema fiscal como central. O superávit fiscal é fundamental para a redução progressiva da relação dívida/PIB, e para isso aponta corte de despesas (e preocupação grande com a folha de pagamento do Governo Federal e as isenções fiscais). Segundo essa candidatura, essa redução teria um impacto no sentido da diminuição dos juros, estimulando investimentos, crescimento e geração de empregos pelo setor privado. Estima ainda reduzir em 20% o volume da dívida por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições financeiras oficiais. Isso contribuiria para reduzir o peso da administração da dívida nos gastos públicos e para a diminuição das taxas de juros. Apenas estatais estratégicas não seriam privatizadas ou extintas. Propõe ainda a redução da carga tributária e o estabelecimento de uma renda mínima universal igual ou superior ao que hoje é pago no Programa Bolsa Família. O Banco Central será politicamente independente do governo e será mantido o chamado “tripé macroeconômico”. Investimentos privados, alavancados pelo desenvolvimento do mercado de capitais, deverão garantir a migração da indústria nacional atual para a indústria 4.0 (o Estado contribui com o treinamento de mão de obra), os investimentos em infraestrutura de transporte e energia (inclusive a do petróleo, com a privatização do refino, vendas de varejo e transporte, pelo menos), tomando em consideração inclusive fontes alternativas de energia, como eólica e solar. Na área externa, propõe a redução de alíquotas e barreiras não-tarifárias para uma abertura comercial, a formulação de acordos bilaterais internacionais e a abertura de novos mercados externos para o agronegócio.

Candidatura João Amoedo

O estabelecimento de um Banco Central independente e a privatização de todas as empresas estatais são pontos de destaque do programa. A ideia também é uma política de corte dos gastos públicos e simplificação e modernização tributária, com a adoção do IVA. Aparece ainda como importante o fim dos subsídios à energia não renovável, como gasolina e diesel. A abertura comercial, com redução tarifária e novos acordos de comércio, também é mencionada. É apontada ainda a manutenção e melhoramento do Programa Bolsa Família, assim como a desindexação das aposentadorias e pensões do salário-mínimo. O programa defende o fim das políticas de campeões nacionais (adotada anteriormente pelo BNDES) e de conteúdo local. Aponta necessidade de parcerias, concessões e privatizações para melhorar toda a infraestrutura – portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, dutovias, hidrovias, infovias e mobilidade, também como forma de alavancar investimentos.

Candidatura João Goulart Filho

 

Na área do consumo, a principal proposta é dobrar o salário mínimo real em 4 anos, ou seja, no período do mandato, assim como acabar com o desemprego e promover uma melhoria geral dos salários e aposentadorias. No caso destas últimas, também é proposta a revogação de todas as medidas pós-Constituição de 1988, voltando ao texto da Constituição, e o fim do teto de pagamento do INSS para os setores público e privado. Propõe ainda retroceder nas mudanças da CLT aprovadas no ano passado e dobrar a multa no caso de demissão imotivada. Erradicação do trabalho escravo e adoção do princípio “salário igual para trabalho igual” também são propostas. A ênfase é um crescimento puxado pela ampliação do mercado interno. A retomada da econômica é pensada como um processo em que o retorno do investimento público em patamares maiores pode puxar o investimento privado, objetivando dobrar a taxa de investimento no país em 4 anos (para algo como 30%). Completar o processo de substituição de importações como estratégia de industrialização, defendida também com medidas de defesa da produção interna (tarifas, subsídios, câmbio competitivo), investimentos em infraestrutura e incentivo à produção da pequena e média propriedade rural voltada para o mercado interno completam o quadro. Para garantir o investimento, defende-se a redução das taxas básicas de juros e a utilização do sistema financeiro público (no caso do BNDES, com o retorno da TJLP como referência aos financiamentos). Fim da Lei de Teto de Gastos e canalização da renda de energia (petróleo e outras) para os investimentos públicos. Reestatização da Vale, recriação da Rede Ferroviária Federal e criação da Empresa Brasileira de Comércio Exterior também aparecem em um programa que joga grande peso no papel das empresas públicas. Finalmente, propõe-se uma reforma tributária direta e progressiva que elimine impostos indiretos, taxando a renda e a propriedade dos grandes e não o salário dos pequenos.

Candidatura José Maria Eymael

O gerenciamento do gasto público de modo a abrir espaço para investimentos, e uma reforma tributária simplificadora (e que reduza a carga tributária) são alguns dos eixos do programa econômico do candidato. Um programa de moradias, a prestação efetiva de serviços públicos em todas as regiões do país, e o adensamento da infraestrutura nacional (especialmente energia, estradas, ferrovias e portos) são outros objetivos apresentados. Um objetivo importante é trabalhar no sentido da redução do custo do crédito. Políticas de incentivo ao desenvolvimento urbano, saneamento básico e construção civil, vistos como setores a serem expandidos, o apoio ao empreendedorismo e a pequenas e médias empresas, e incentivos ao turismo e ao agronegócio também são citados nas propostas.

Candidatura Marina Silva

A construção de um país menos desigual passa pelo crescimento econômico. Retomar o crescimento de longo prazo no país depende fundamentalmente do aumento da produtividade e da capacidade de inovação. O programa se funda na estabilidade econômica, com base no tripé macroeconômico e na autonomia operacional do Banco Central. Para atender a situação emergencial de pobreza em que vive uma parte da população, é essencial o Programa Bolsa Família, e será estudado um programa de renda mínima universal. Programas de habitação popular e ampliação da infraestrutura são fundamentais, e mecanismos de financiamento para estes devem ser acionados (como concessões, PPPs e outros que envolvam nos projetos o setor privado, assim como investidores internacionais que possam ser atraídos), dada a reduzida capacidade de investimento do Estado. A carga tributária atingiu seu limite e não pode ser elevada, na avaliação do programa e, portanto a administração rígida do gasto público é fundamental, e sua manutenção dentro de um limite de crescimento que corresponda a 50% do crescimento do PIB. Em função da mudança da estrutura etária do país, que faz com que os gastos previdenciários cresçam muito rápido, é fundamental a reforma previdenciária, na avaliação da candidatura Marina. O programa também aponta no sentido da modernização e simplificação tributária, com a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que reuniria cinco impostos hoje existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS). Estímulo ao empreendedorismo, ao microcrédito e ao turismo também aparecem no programa. Defende-se incentivos à abertura comercial e à integração às cadeias produtivas internacionais, como forma de ampliar a eficiência e a produtividade. A conclusão das negociações comerciais em curso (Mercosul-União Europeia) e a procura por novos acordos (como com a Aliança do Pacífico – composta de Chile, Peru, Colômbia e México) devem ser perseguidos no plano internacional, assim como outros que não firam o aprofundamento do Mercosul como União Aduaneira. Também deve ser buscada a implementação de mecanismos de facilitação de comércio e investimentos.

Candidatura Vera Lúcia Salgado

O programa apresentado pela candidata aponta “a ruptura com o capitalismo, os grandes bancos e empresas, chamando a que a classe operária e a população pobre se rebelem, façam uma revolução que destrua o capitalismo e que construa, na luta, um governo socialista dos trabalhadores, baseado em conselhos populares”. Não se propõe, portanto, a qualquer mecanismo de gestão da crise conjuntural atual e nem a melhorias incrementais na situação de vida dos trabalhadores nesse momento. Assim, a ruptura com o megacomplexo empresarial atualmente existente, com a estatização das maiores empresas, e com os conglomerados transnacionais, incluídos os conglomerados financeiros, são colocados como pontos importantes, assim como do latifúndio e do agronegócio. Também são vistos como fundamentais a revogação de medidas adotadas no último período, como a Lei de Teto de Gastos e a das Terceirizações. Também não é aceita qualquer reforma da Previdência Social. A geração imediata de empregos e a necessidade de expansão da infraestrutura social (saúde, educação, saneamento) têm como proposta um plano de obras públicas sob controle dos trabalhadores. Finalmente, vale observar as propostas de um aumento geral de salários e aposentadorias tomando como mínimo o salário mínimo do DIEESE, cerca de quatro vezes o valor do salário.

Por que queremos o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários: o caso empresa Hydro Alunorte.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

O Inesc, com apoio de outras organizações, lançou a campanha #SóAcreditoVendo que pede o fim sigilo fiscal das empresas beneficiárias dos gastos tributários. São R$ 250 bilhões que o Estado deixa de arrecadar a cada ano para supostamente estimular investimentos que, em tese, trariam o desenvolvimento econômico. Quais são estas empresas é uma informação pública, mas bem escondida. Quanto elas deixam de pagar é segredo protegido por sigilo fiscal e quanto de benefício isto traz para a economia do país e para a sociedade é uma grande incógnita.

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O caso Hydro Alunorte é um bom exemplo para mostrar a importância da campanha. Em fevereiro de 2018 ocorreu um vazamento de rejeitos de bauxita da refinaria de alumina da Hydro Alunorte, pertencente ao conglomerado norueguês Norsk Hydro. O material com elevados níveis de chumbo, alumínio, sódio e outras substâncias contaminou o solo e água, que se tornou imprópria para consumo humano e animal. O desastre não é o primeiro em Barcarena, Pará, cidade que desde os anos 80 recebeu uma grande quantidade de empresas depois da implantação do complexo Alunorte-Albrás, de produção de alumina e alumínio. Desde 2000, Barcarena registrou 17 acidentes ambientais graves, segundo o Ministério Público Estadual. A Alunorte, que até 2010 era de propriedade da Vale S.A, foi responsável por dois acidentes, em 2003 e em 2009, também de vazamento de rejeitos contaminantes.

Esta empresa é, desde sua implantação na década de 80 até os dias de hoje, beneficiária de incentivos fiscais administrados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Em termos de investimento, o que ela faz é utilizar a bauxita extraída de Oriximiná e Paragominas, ambas no Pará, consumir bastante energia subsidiada e transformar em alumina. Para garantir uma maior rentabilidade para suas operações ela conta com desconto de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Em cima dos 25% que lhe sobra para pagar, ela ainda tem um desconto de 30% se comprovar que utilizou os recursos para investimentos.

Mas, afinal, quanto ela deixa de pagar por ano de imposto? Esta quantia está escondida nestes R$250 bilhões citados no início do texto. Não conseguimos saber o valor exato porque esta informação é protegida por um entendimento equivocado da Lei de Sigilo Fiscal. O que sabemos é que os sucessivos desastres e o baixo retorno  que esta empresa propicia para a Amazônia e para a população de Barcarena dificilmente poderiam ser compreendidos como desenvolvimento, ou seja, não se justifica essa quantidade de benefícios fiscais concedidos.

Também sabemos que este desastre ambiental e humano foi produzido por falta de responsabilidade com a segurança das operações da Alunorte que incluía, inclusive, o lançamento irregular de águas pluviais oriundas da usina, sem passar pelo sistema de tratamento e sem autorização do órgão ambiental competente.

Empresas como esta recebem incentivos fiscais há décadas na Amazônia, sem que se saiba quanto elas deixam de pagar e, ainda pior, sem que haja um controle mínimo dos benefícios que deveriam trazer à sociedade. Casos de irresponsabilidade como este precisam ser punidos, entre outras formas, com o imediato cancelamento desses incentivos fiscais, que caracterizam gastos tributários.

Enquanto queremos saber o mínimo – quanto cada empresa deixa de pagar –, no Congresso Nacional senadores e deputados trabalham para renovar por mais dez anos os incentivos fiscais na Amazônia, no Nordeste e ainda expandir para Centro Oeste. Trata-se do Projeto de Lei do Senador Eunício Oliveria (PMDB/CE) que já passou pelo Senado e agora tramita com urgência na Câmara dos Deputados.

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Como as candidaturas propõem enfrentar os desafios socioambientais

Por Alessandra Cardoso e Leila Saraiva, assessoras políticas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O Brasil tem desafios do tamanho do seu vasto e complexo território, um deles é o de equacionar o que chamamos de questão socioambiental. Em linhas gerais, a temática socioambiental evidencia como os sucessivos governos enfrentam ou não o desafio de garantir um meio ambiente saudável, juntamente com o reconhecimento e garantia dos direitos das populações que vivem e sobrevivem com base em uma relação com a terra, o território, a floresta e a biodiversidade que não se resume à dimensão do mercado ou da sobrevivência material.

Alguns dos temas socioambientais ganham mais destaque na agenda pública, como o do desmatamento, por sua premência e peso na política global do clima. Outros, são objeto de intensa disputa de forças e poder, como é o caso da demarcação das terras indígenas e o reconhecimento dos territórios quilombolas. Mas todos eles não podem ser resolvidos de forma isolada de um projeto de país, de sociedade, de economia e de Estado.

Estabelecer limites e condições para a expansão do agronegócio, por exemplo, é imprescindível para garantir o direito dos povos indígenas aos seus territórios. Estes direitos estão sendo negados hoje porque há um interesse econômico forte, poderoso e representado no Estado para impedir que as terras indígenas sejam demarcadas, assim como para impedir que territórios de quilombolas e outras comunidades tradicionais sejam reconhecidos.

Por isto, é preciso olhar não apenas para os temas que aparecem nas “cartas de intenções” dos candidatos à presidência da República, mas também observar como as estratégias de crescimento econômico e de saída da crise, inclusive fiscal, dialogam com os desafios socioambientais. Dois anos de Teto dos Gastos já mostraram que não é possível ter políticas públicas funcionando com o orçamento congelado. O sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), os orçamentos pífios do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o desmonte das políticas públicas e tutti quanti são prova disto.

O que fazer com a EC 95 já é, portanto, um primeiro divisor de águas. Os candidatos que se comprometem com sua revogação são Ciro (PDT), Haddad (PT), Boulos (Psol), Vera (PSTU) e Goulart (PPL). Do outro lado, Marina (Rede), Bolsonaro (PSL), Cabo Daciolo (Patriota), Alckimin (PSDB), Álvaro Dias (PODE), Eymael (DC), Meirelles (MDB) e Amoedo (Novo) repetem o discurso da austeridade, que na prática já mostrou suas consequências.

Entre os candidatos que propõem manter a política de austeridade fiscal, Marina merece destaque por ser uma candidata identificada com a pauta socioambiental. Na sua proposta, o teto para os gastos seria baseado na metade da variação do PIB. Quer dizer, se o país voltar a crescer 3% ao ano, por exemplo, os gastos poderiam crescer somente em 1,5% ao ano em termos reais. Na prática, esta proposta é tão nefasta quanto o teto hoje vigente, ao não reconhecer que o estágio de sucateamento do Estado e das políticas públicas exige um gasto crescente em termos reais que não poderá ser viabilizado com tal limite.

Outro ponto caro à pauta socioambiental é o desmatamento. Desde 2012, há uma demanda vocalizada por várias organizações socioambientais para que o governo se comprometa com o desmatamento zero. Na proposta já formulada, algumas exceções seriam garantidas para a agricultura familiar (por um período de transição), para terras indígenas que são protegidas por legislação própria, e onde o desafio é proteção e fiscalização, assim como territórios de povos e comunidades tradicionais onde o uso coletivo dos territórios caminha ao lado da proteção. São ainda consideradas exceções para ações e projetos de segurança nacional, defesa civil, pesquisa, planos de manejo florestal, atividades de interesse social e utilidade pública, que são regulamentadas pelos órgãos competentes, a exemplo do licenciamento conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O grande desafio que está por traz do desmatamento zero é impedir novos desmatamentos, mesmo os legalmente autorizados. A questão central daí resultante é como estancar o avanço do agronegócio sobre áreas de floresta sendo que hoje seus atores podem desmatar áreas extensas de floresta sob a proteção legal do Código Florestal.

Os candidatos que abordam a questão do desmatamento zero são: Marina, Boulos e Lula/Haddad.

A abordagem que dão ao tema, no entanto, é distinta. Marina Silva indica que o compromisso com o desmatamento zero será alcançado por meio de mecanismos de mercado, entre eles o mercado de carbono, que estimularia “iniciativas para conferir valor às florestas, com vistas a atingirmos o desmatamento zero no Brasil, no menor prazo possível, com data limite em 2030”. Vale dizer que a crença no mercado como aquele que resolverá nossos males, e não só o do desmatamento, é uma tónica na sua proposta e está alinhada ao compromisso de continuar com a austeridade fiscal: “Considerando a severa restrição fiscal que limita fortemente o aumento de gastos discricionários, incluindo investimentos públicos, a forma mais racional de viabilizar projetos estruturantes no Brasil é pelo investimento privado”.

Haddad assumem o compromisso com a taxa de desmatamento líquido zero até 2022. Indicam claramente que isto implicaria em colocar um fim à expansão da fronteira agropecuária, o que passa pela “regulação do grande agronegócio para mitigar os danos socioambientais, impedir o avanço do desmatamento, assegurar o ordenamento da expansão territorial da agricultura de escala, corrigir as permissividades normativas, impedir excessos das subvenções públicas e subordinar sua dinâmica aos interesses da soberania alimentar do país”.

É importante notar que a palavra “líquido” não é mero detalhe, expressa a possibilidade de que áreas desmatadas possam ser compensadas com outras áreas, inclusive reflorestadas, o que reduz o escopo do desmatamento zero.

É para ressaltar esta diferença que o programa de Boulos reforça o compromisso com o desmatamento zero afirmando que “É possível, necessário e vantajoso ao Brasil zerar o desmatamento em uma década em todos os biomas. Para que isso seja efetivo, a meta deve ser do “desmatamento zero” e não “desmatamento ilegal zero” ou mesmo “desmatamento líquido zero”.

Ciro menciona vagamente a necessidade de se desenhar uma estratégia para redução do desmatamento. Meireles diz que é preciso acelerar programas de redução do desmatamento, detalhe, somente na Amazônia. Na mesma linha, João Amoedo propõe resolver o problema do desmatamento no longo prazo e somente na Amazônia. Bolsonaro, Alckmin, Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Eymael e Vera Lúcia nem sequer citam o problema do desmatamento.

Já no que tange à demarcação e regularização fundiária de terras indígenas e quilombolas, os candidatos que se comprometem com a pauta são: Boulos (PSOL), Ciro (PDT), Haddad (PT), Marina (REDE), Vera Lúcia (PSTU). Os demais candidatos ou se calam sobre o assunto, havendo programas que nem sequer mencionam o tema, ou propõe diretamente políticas anti-indígena e anti-quilombola, como é o caso do candidato Bolsonaro, que propõe que O Estado deve facilitar que o agricultor e suas famílias sejam os gestores do espaço rural”, ignorando os crescentes índices de violações aos direitos humanos no campo que acometem o país.

Por fim, outro ponto que chama atenção em uma análise mais geral dos programas das candidaturas é como a problemática socioambiental dialoga ou se confronta com o chamado “modelo de desenvolvimento” que as candidaturas defendem para o país. Embora seja arriscado ler as propostas sob esta ótica, dado que os documentos são cartas de intenção e em sua grande maioria muito vagos, eles apontam caminhos e devemos ficar atentos a eles e suas consequências.

A questão socioambiental, suas possibilidades, tensões e limites, está diretamente associada ao modelo de desenvolvimento. Não será possível, por exemplo, enfrentar o problema da demarcação das terras indígenas, da garantia ao território para quilombolas e dezenas de comunidades tradicionais, sem enfrentar o modelo de crescimento fortemente baseado na produção, extração e circulação de commodities. Faz parte da natureza deste modelo buscar a expansão e, dado seu poder dentro do Estado brasileiro, obstruir as possibilidades de equacionar o direito à terra e território. Esta é, como apontado anteriormente, uma questão também ligada ao desmatamento zero.

Um outro modelo de desenvolvimento, de base industrial moderna (a exemplo da indústria 4.0 tão mencionada nas propostas dos presidenciáveis), mas também de base florestal, regional, de transição ecológica entre outros adjetivos e substantivos, só tem chance de prosperar com muito planejamento, políticas públicas e orçamento público. Tal modelo está, entre outras coisas, na contramão da inserção subordinada do Brasil nas redes globais de produção e não será o mercado por sua obra e graça a prossegui-lo.

Logo, é fundamental entender qual planejamento e qual Estado estão sendo propostos pelas diferentes candidaturas. Neste ponto, existe um segundo divisor de águas.

Existem as candidaturas que partem do pressuposto de que o Estado, o planejamento, o investimento, o orçamento público e as políticas públicas são centrais para a saída da crise e para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, onde os desafios socioambientais estão, mais ou menos, postos: Boulos, Ciro, Haddad, Vera e João Goulart.

Existem as candidaturas que partem do pressuposto de que o Estado ou não é capaz ou não é necessário para induzir de forma mais direta o desenvolvimento, cabendo à iniciativa privada o papel de “salvadora da pátria”: Marina (Rede), Bolsonaro (PSL), Cabo Daciolo (Patriota), Alckimin (PSDB), Alvaro (PODE), Eymael (DC), Meirelles (MDB) e Amoedo (Novo).

Não por acaso esta divisão é a mesma em relação à Emenda Constitucional 95.

Da mesma forma, dois assuntos polêmicos e decisivos para o equacionamento da questão socioambiental  são infraestrutura econômica e energia. Sobre o último, embora sejam muitas as candidaturas que insinuam o compromisso de investir mais em energias renováveis, nenhuma delas se compromete a não investir em grandes hidrelétricas na Amazônia. Com o adendo de que no programa do candidato Boulos está registrado que “não entendemos serem necessárias construções de novas usinas neste momento”.

No tema da infraestrutura econômica, em especial na Amazônia onde ela serve a uma estratégia de escoamento da produção de commodities com impactos cumulativos severos, as propostas também são vagas, a exemplo do programa de Haddad onde afirma-se que “para o Brasil crescer e se desenvolver, é preciso priorizar os investimentos em infraestrutura – que geram empregos e dinamizam a economia – orientados pela busca da sustentabilidade”.

Gracias a la vida – de quem?

A conquista histórica das nossas hermanas argentinas, que com muita luta e resistência conseguiram aprovar o direito ao aborto na Câmara dos Deputados daquele país, também pode ser lida como uma lição sobre a importância da representação feminina em instâncias de poder – aliada à batalha travada nas ruas contra o conservadorismo na sociedade.

Ainda não é definitivo, pois a votação precisa ir ao Senado, mas a conquista é um passo importante rumo a esta vitória histórica, visto que em toda América Latina, apenas Uruguai, Cuba e Guiana legalizaram o aborto. Considerando que Guiana Francesa e Porto Rico seguem a legislação francesa e estadunidense, respectivamente, significa que apenas 6% da população dessa região tem o direito ao aborto legal e seguro. Se confirmada a aprovação na Argentina, esse número sobe para 10% – o que ainda é muito pouco, mas pode influenciar e contribuir para a mobilização em outros países, a despeito da onda conservadora que tomou conta de várias partes do mundo.

O que aconteceu a partir das ruas e, posteriormente, foi referendado no Congresso argentino é uma luz em meio a tantos retrocessos de direitos que temos sofrido como país e como região, com o avanço das políticas neoliberais e da cultura ultraconservadora. Aqui, o patriarcalismo e o machismo seguem dando as ordens: os parlamentos, em geral, são formados por maioria de homens brancos, que se acham no direito de decidir pelas mulheres, com discursos repletos de fundamentalismos, misoginia, reafirmação do patriarcado.

Quanto a isso, a Argentina tem avançado e alcançou uma das maiores representações de mulheres no Legislativo da América Latina.  Elas são 38,9% na Câmara dos Deputados e 41,7 % no Senado, segundo o ranking da ONU. É evidente que a representação por si só não é garantia da efetivação imediata dos direitos das mulheres, mas certamente contribui para o avanço da discussão.

No caso do Brasil, onde essa representação é de apenas 9% na Câmara e 13% no Senado, há vários riscos de retrocessos dentro desse Parlamento masculino e branco. Por exemplo, em novembro de 2017, foi aprovada na Comissão Especial da Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que previa inicialmente a ampliação da licença maternidade em caso de bebês prematuros, à qual foi anexada outra proposta que diz ser “inviolável a vida desde a concepção”. Caso esta PEC seja aprovada em Plenário, retroagiremos 30 anos, visto que nem mesmo os casos de aborto previstos no Código Penal, como risco de morte da mulher ou gravidez em decorrência de estupro, serão possíveis.

Não é possível que se ignore o número de morte de mulheres que se submetem ao aborto clandestino. No Brasil, estimativa do Ministério da Saúde aponta a média de quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro nos hospitais por complicações do aborto. E as principais vítimas são as mulheres de baixa renda, que recorrem a métodos muito precários e perigosos para interrupção da gravidez, e ainda podem ser criminalizadas quando buscam a rede pública em casos de emergências decorrentes da prática.

Então, que as mulheres argentinas e a intensa mobilização que produziram nos inspirem e nos joguem às ruas pelo poder de decisão sobre nossos corpos. Que nos impulsionem a gritar pelo direito e poder de decisão sobre a maternidade. E gritemos mais para estarmos nos espaços de poder, para não termos de seguir regras ditadas por homens brancos, quando somos muitas e subrepresentadas.

E para ficar bem nítido o racismo institucional e a seletividade dos que se dizem “a favor da vida”, precisamos discutir o caso Janaina, de Mococa, São Paulo: pessoa em situação de rua, com filhos e, por isso, um promotor do Ministério Público, utilizando-se de uma ação civil pública, encaminhou recurso contra Janaina e o município de Mococa, exigindo que ela fosse esterilizada. Solicitação acatada pelo Juiz, que não considerou, ou ouviu, ou deu direito de defesa à Janaina, que coercitivamente foi submetida à cirurgia. Certamente, juiz e promotor são “pró-vida”, mas escolhem quem pode ter dignidade e integridade respeitadas.

Viva as Argentinas, gracias a la vida y a la lucha!!!!

 

20 anos de retrocessos em 2 anos de desmando

Por Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc.

É preciso muito cinismo para querer se comparar a Juscelino Kubitschek e seu Plano de Metas, que prometia 50 anos de progresso em 5 de governo. O presidente Michel Temer adotou o bordão “20 anos em 2” para celebrar seus dois anos de atuação, completados este mês. Somente um governo que ascendeu ao poder mediante golpe parlamentar pode ter a petulância de transformar a desgraça da maioria em festa.

Festejar o quê, exatamente? A queda da inflação e dos juros que estão em seus menores patamares há muitos anos? Esses são os únicos indicadores de sucesso que se tem notícia. De sucesso, em termos, pois a queda da inflação deve-se, em grande medida, à profunda recessão econômica dos tempos recentes: o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encolheu em 7,5% entre 2015 e 2016. Mas de que adianta se a economia não volta a crescer? Até os operadores de mercado, que estão entre os beneficiários do presidente Temer e seus aliados, estão reduzindo as estimativas de crescimento para 2018.

O que celebrar no cenário político tendo uma aprovação de apenas 5% , segundo as últimas pesquisas de opinião?

A elevada reprovação de Temer e seus aliados pode ser creditada, em grande parte, às evidências de um governo mergulhado na corrupção, associadas aos arrochos provocados nas políticas públicas. As medidas implementadas nos últimos dois anos visam proteger, acima de tudo, os interesses dos governantes de plantão, bem como o capital, especialmente o financeiro, em detrimento do bem-estar geral da Nação.

Assim, o governo Temer congelou constitucionalmente os gastos públicos federais por 20 anos, com exceção do pagamento dos juros da dívida (por meio da Emenda Constitucional 95/2016); segurou o valor de salário mínimo abaixo da inflação, o que afeta milhões de trabalhadores; deu início a processos de privatizações de bens públicos, até mesmo abrindo para o capital estrangeiro; começou a desmontar o já frágil Estado de Bem-estar Social, associando cortes orçamentários com retirada de direitos, por intermédio da reforma trabalhista e a da formulação de uma reforma da previdência social que viola os direitos dos mais vulneráveis; extinguiu ou enfraqueceu institucionalidades criadas para defender os direitos de grupos da população historicamente excluídos, como mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais e comunidade LGBTI+. Da mesma maneira, vem eliminando medidas de proteção ao meio ambiente.

Esse conjunto de medidas resultou em expressivos retrocessos que penalizam, e muito, a maioria da população. Vejamos alguns deles:

A desigualdade se acirra. Um excelente indicador para dimensionar esse fenômeno é a concentração da riqueza. Segundo a Oxfam, o número de super-ricos que se apropriam de riqueza equivalente à metade mais pobre da população brasileira passou de seis para cinco entre 2016 e 2017. E mais: em 2017, o país ganhou mais 12 bilionários, que agora somam 43 pessoas. A fortuna desses super-ricos chega a US$ 549 bilhões, ou 43,52% da riqueza do país. Enquanto isso, a metade mais pobre da população brasileira detinha apenas 2% da riqueza nacional, menos do que os 2,7% de 2016. Em resumo: as medidas recessivas do governo Temer atingem somente os mais pobres, pois os mais abastados só fazem aumentar seu patrimônio em plena recessão econômica.

A pobreza e a miséria voltam a crescer depois de anos de queda. Levantamento realizado pela LCA Consultores, a partir de microdados da Pnad Contínua, divulgada recentemente pelo IBGE, mostra que o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,3 milhões para cerca de 14,8 milhões entre 2016 e 2017, o que representa um aumento de mais de 11%[1]. E mais: o aumento da pobreza é generalizado, pois aconteceu em todas as regiões do país. Esse empobrecimento se explica, em grande parte, pela queda real do valor do salário mínimo e pelo aumento do desemprego e do trabalho informal. Atualmente, mais de 13 milhões de trabalhadores e trabalhadoras estão sem emprego. Os números também revelam um processo de desaparecimento do emprego formal no Brasil. Desde 2014, o país perde, em média, 1 milhão de postos com carteira assinada por ano, ainda segundo a Pnad Contínua do IBGE.

A mortalidade infantil interrompe sua trajetória descendente. Segundo o Ministério da Saúde, depois de uma longa e sustentada diminuição, a mortalidade infantil cresceu 11% para crianças entre um mês e quatro anos de idade, atingindo o patamar de 12,7 mortes por mil nascidos vivos em 2016. A título de comparação, nos países da Zona do Euro esse indicador é da ordem de quatro mortes por mil nascidos vivos. Estima-se que a situação irá se agravar em 2017 e 2018. A morte de crianças é um indicador sensível do nível de desenvolvimento de um país, e uma evidência eloquente de suas prioridades e de seus valores. A diminuição real do salário mínimo e os cortes de programas sociais, tanto na saúde, como na assistência social, educação, habitação e saneamento, entre outros, impactaram diretamente na vida das crianças.

Esses são alguns exemplos das nefastas consequências dos “20 anos em 2” do governo Temer e seus aliados. Estudo do Inesc, realizado em parceria com CESR e Oxfam Brasil, evidencia que as medidas de austeridade adotadas desde 2016 resultaram em expressivos cortes e na violação de direitos de grandes parcelas da população: a área que mais perdeu foi a da juventude, seguida dos programas de segurança alimentar e nutricional, mudanças climáticas, moradia digna e defesa dos direitos de crianças e adolescentes e de mulheres.

A perversidade se acentua com a constatação de que o subfinanciamento de programas sociais é ineficiente: segundo estudo de Antônio Albano, com a Emenda Constitucional 95, do “Teto dos Gastos”, a previsão de crescimento do PIB é menor do que sem ela, e a previsão de resultado fiscal com ou sem a EC 95 é praticamente igual.

O governo federal não tem nada para celebrar e muito para se envergonhar!

Brasília, 15 de maio de 2018.


[1] A esse respeito, ver artigo do Valor: http://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas

Nos debates da COP, o mesmo Blá, Blá…Business

Por Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Estamos quase terminando a primeira semana de debates da reunião preparatória da COP24, em Bonn, Alemanha. O processo é como um quebra-cabeça que nos desafia a entender todas as suas dimensões. Mas, vamos começar com uma pequena dose de vida real: o sistema de monitoramento atmosférico do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), do Departamento de Comércio dos EUA, marcou, no dia 2 de maio, a maior concentração de CO2 em três milhões de anos na atmosfera deste planeta. O índice chegou a 410 ppm, medido no Haiti.

Ou seja, o compromisso de reduzir emissões e limitar o aumento médio da temperatura global em 1,5ºC foi para o espaço. O consumo cresce, assim como o comércio internacional e regional, e a transição para uma sociedade de baixo carbono, como cantam os governos e corporações em prosa e verso, segue apostando suas fichas nos combustíveis fósseis. Esse tipo de combustível ainda é o maior portfólio dos financiamentos das agências do Banco Mundial, em detrimento da energia renovável, fazendo com que a ocupação e uso do solo sigam em processo de produção extensiva e intensiva, predatória e recheada de agrotóxicos.

Voltamos então para Bonn, e o que está sucedendo neste momento na reunião preparatória para a Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP24), que acontecerá em Katowice, Polônia, em dezembro próximo. Um dos focos está na construção do chamado “Livro de Regras”, seguindo as determinações do Acordo de Paris. Esse livro deverá conter as regras e conceitos comuns que serão utilizados por todos os países de forma a compatibilizar as contabilizações sobre emissões e sobre as ações adotadas.

Um segundo elemento novo do processo é o chamado “Diálogo Talanoa”, proposto pela presidência de Fiji na COP23, em 2017, e que se propõe a ser um espaço aberto para o diálogo baseado em experiências concretas e bem sucedidas dos países.

Entretanto, esses dois eixos centrais das negociações estão trazendo novas (velhas) tensões entre os países em desenvolvimentos (G77+China) e os países desenvolvidos. O CBDR, sigla em inglês para “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, volta com força. Este conceito traz a história como elemento fundamental para que se estabeleçam diferentes responsabilidades entre os países no equacionamento do aquecimento do planeta e seus impactos. Todos são responsáveis, porém de diferentes maneiras.

Por exemplo, a África é uma das regiões que menos emitem gases de efeito estufa no planeta, porém são as mais afetadas. Além disso, os países desenvolvidos, que foram os que se beneficiaram de um modelo que é responsável pelo aquecimento, deveriam contribuir bem mais para a resolução do problema. Isso inclui em especial a transferência de tecnologia, capacitação e novos financiamentos, para além do que já existe.

Os países desenvolvidos não querem pagar o custo do financiamento ao desenvolvimento que, neste caso, implicaria numa mudança radical de modelo e com implicações políticas e de poder que vão além desta negociação. As tensões persistem nos temas de recurso e ainda se mantém longe daquilo que foi estabelecido em acordos anteriores. Porém, quando olhamos de forma mais geral o debate da cooperação financeira, vemos que esta crise está em todos os setores e em todos os espaços multilaterais.

A verdade é que os debates por aqui seguem de forma lenta e pouco transparente para o grande público, que ao fim e ao cabo, sofre as consequências das falsas soluções ou deliberações vagarosas. O mundo, na verdade, o mundo real, continua sem as respostas necessárias para os desafios que se apresentam. Ao atingirmos o pico de emissão na semana passada, ficou claro que os países e corporações estão atuando de forma irresponsável e caminhando para o rumo errado. O caminho tem mostrado mais obstáculos que deliberações efetivas.

Fica sempre a pergunta: são os debates da COP realmente capazes de frear esse rumo ao desastre socioambiental? O que vemos são soluções do tipo “Business as usual”. A roleta do tempo está girando e tudo que este processo esta indicando é que nosso planeta passará por transformações mais radicais do que vimos passando, dificultando cada vez mais a construção de uma vida justa, diversa e inclusiva. Contudo, não ter esses debates em espaços multilaterais parece um cenário pior, porque nos deixariam no absoluto desconhecimento desses atores e de suas decisões.

GDF executou apenas 16,3% do orçamento prioritário para mobilidade urbana em 2017

Por Yuriê Baptista, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Ao menos na área de mobilidade urbana, o atual Governo do Distrito Federal, denominado pelo seu gestor como Governo de Brasília, se mostrou incapaz de executar o planejamento que ele próprio elaborou quando assumiu em 2015.

Durante a campanha eleitoral, o então candidato Rodrigo Rollemberg fez diversas promessas relacionadas à mobilidade urbana, a maioria destinada a melhorar o transporte público. A julgar pelos compromissos assumidos naquela época pelo governador, cuja gestão encerra este ano, o brasiliense deveria ter: VLT do aeroporto até o final da W3 norte; novas estações do metrô na Asa Sul, Ceilândia e Samambaia, e ampliá-lo até a Asa Norte; bilhete único implantado no primeiro ano de gestão; um transporte público de melhor qualidade e uma tarifa que coubesse no bolso do contribuinte.

Todas essas promessas foram embasadas no diagnóstico da mobilidade urbana do DF que constava no programa de governo do candidato, onde se lia que o padrão de mobilidade adotado “dá claros sinais de esgotamento e tem significativos impactos negativos sobre o clima e a qualidade do ar”. O programa ainda afirmava que “é obrigação do poder público oferecer, direta ou indiretamente, alternativas ao automóvel, como calçadas e ciclovias conectadas e de qualidade, transporte coletivo eficiente, com o uso integrado de ônibus, metrô e trens urbanos e metropolitanos, a fim de avançar na transição para a economia de baixo carbono também no setor de transportes”.

Além disso, Rollemberg foi um dos candidatos que assinou as cartas-compromisso elaboradas pelo Movimento Nossa Brasília e outras organizações da sociedade civil, que cobram uma mobilidade urbana mais centrada nas pessoas, dando prioridade aos pedestres, bicicletas e ao transporte público, reduzindo as viagens realizadas em automóveis e motos, com integração do transporte público e redução da tarifa. Contudo, a realidade se mostrou completamente diferente do que foi prometido e, inclusive, planejado.

Planejamento

O Plano Plurianual (PPA), que foi elaborado em 2015 e é válido entre 2016 e 2019, dialoga com as propostas apresentadas durante a campanha e no programa de governo, e ainda traz a reflexão de que é necessário ter soluções diferentes daquelas repetidas nos últimos anos, que não se mostraram eficazes. Da mesma forma, reconhece a necessidade de uma “tarifa justa” no transporte público coletivo, que deve ser priorizado.

Vale lembrar que, ao contrário das promessas na campanha e do plano de governo, o PPA é elaborado no primeiro ano de gestão, ou seja, já com total domínio da máquina pública, permitindo que as promessas sejam adequadas a real capacidade do governo.

O PPA define cinco objetivos específicos para o programa Mobilidade Integrada e Sustentável, a saber: 1) Promover a atratividade do Transporte Coletivo por meio da integração física, operacional e tarifária; 2) Promover o transporte não-motorizado; 3) Promover a Segurança e Fluidez Viária; 4) Instalar o Brasília nos Trilhos; e 5) Fortalecer o planejamento, gestão, regulação e fiscalização do transporte público.

Estes objetivos juntos possuem 87 ações orçamentárias e 14 não-orçamentárias. O objetivo 3, ligado ao rodoviarismo, é o que mais possui ações orçamentárias definidas, num exemplo claro de que, apesar do PPA apresentar uma análise correta sobre a necessidade de inovar nas soluções, continua apostando no velho modelo de mobilidade.

Do total das ações orçamentárias do programa, 23 dizem respeito ao transporte público, 20 aos automóveis, três à bicicleta, quatro à caminhada, duas à acessibilidade, seis à manutenção da frota de veículos do governo, quatro à educação de trânsito, três à fiscalização e 68 à gestão das secretarias e órgãos do GDF (algumas ações dizem respeito a mais de uma destas categorias).

Execução

Outros dois instrumentos orçamentárias são importantes para o planejamento e execução das ações do governo: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Funciona assim: o PPA define todas as ações que serão realizadas no período de quatro anos, já a LDO define quais destas ações são prioritárias em cada um dos anos e, por fim, a LOA distribui o recurso entre as ações.

Aparentemente, a LDO foi completamente negligenciada, ao menos na área de mobilidade. Quase nada do orçamento destinado na LOA às prioridades foi executado. Das prioridades definidas em 2016, em dois terços delas nada aconteceu, nenhum centavo foi gasto. Já em 2017, mais da metade delas não aconteceram, como mostra a tabela abaixo:

Distrito Federal
Execução Orçamentária das Ações de Mobilidade Urbana 2016-2017

Prioridades da LDO 2016
2017
Orçamento executado8,3%16,4%
Quantidade de ações1619
Quantidade de ações não executadas1010

Para analisar a execução orçamentária da mobilidade urbana, classificamos cada uma das despesas realizadas em 2016 e 2017 de acordo com seu principal foco:

Na comparação entre os dois anos, as despesas de mobilidade tiveram uma redução de 10% em termos nominais. Apenas as despesas com mobilidade ativa e fiscalização tiveram aumento no período. Porém, estas categorias representam somente 2,94% do orçamento de 2017.

De maneira geral, fazendo uma média com a distribuição dos gastos com mobilidade nos dois anos, é possível dizer que o orçamento é dividido em gestão (48,99%) e transporte público (43,9%). Depois as ações voltadas ao automóvel (4,29%), fiscalização (2,08%), educação (0,39%) e mobilidade ativa (0,26%) completam a distribuição das despesas.

Apesar da categoria transporte público receber a maior parte dos recursos, é importante destacar que as despesas se concentraram nos gastos diretamente ligados ao subsídio da alta tarifa do DF, representando 71,1% em 2016 e 66,9% dos gastos em 2017. Os demais custos ligados ao transporte público dizem respeito à manutenção e investimento. Ou seja, se gasta mais para manter o sistema funcionando como está – de forma excludente a acentuando as desigualdades – do que para ampliar a sua capacidade e qualidade, como tinha sido prometido.

Somente a construção do Trevo de Triagem Norte, obra que expressa toda a lógica rodoviarista e ultrapassada deste governo, equivale a 35,1% das despesas ligadas aos automóveis em 2017, ou 3,6 vezes mais do que o que foi investido na mobilidade por bicicleta e a pé.

Em 2017, as despesas de mobilidade ativa foram duplicadas, sendo que a bicicleta recebeu uma atenção especial: 56% dos recursos destinados ao setor. A mobilidade a pé manteve um recurso constante nos dois anos, destinados principalmente à construção de calçadas. Enquanto a acessibilidade, graças aos investimentos para garantir a acessibilidade do Metrô, teve suas despesas quadruplicadas no período. Contudo, mesmo com aumento, a mobilidade ativa recebeu apenas 0,35% dos investimentos em mobilidade em 2017 – muito pouco para o governo que pretendia inverter a lógica da mobilidade.

O montante utilizado para educação no trânsito caiu pela metade no período, enquanto isso, o da fiscalização aumentou em 50%. Educação e fiscalização devem caminhar juntas, o que claramente não aconteceu.

Esse levantamento demonstra o quanto o governo liderado pelo governador Rollemberg não foi capaz de cumprir com praticamente nada do que prometeu, tanto na campanha quanto no planejamento anunciado no início do mandato. O transporte público, que de acordo com todas as promessas seria transformado, continuou servindo à reprodução das desigualdades. Com o agravante de que a promessa de reduzir a tarifa de forma a caber no bolso dos usuários não ocorreu, pelo contrário: os dois reajustes praticados pelo Executivo Distrital resultaram em 75% de aumento no preço da tarifa.

A mobilidade ativa, muito ligada às ideias inovadoras, foi deixada de lado. Com um investimento pífio e secretarias que não conversam entre si, os projetos voltados para a bicicleta e ao pedestre ficaram limitados. Foram realizadas pequenas intervenções isoladas que não foram capazes de mudar a lógica rodoviarista do DF.

Muito mais do que prometer e fazer um discurso bonito, é necessário que os gestores de fato realizem o que prometeram entregar. Em uma das cartas compromisso que o governador assinou, ele se comprometeu a elaborar um programa com indicadores e metas quantitativas, que deveria ser apresentado ao final do terceiro mês de cada ano. Mais compromissos assumidos que não foram cumpridos e que, caso o fossem, iriam contribuir para uma verdadeira transformação do Distrito Federal, com soluções inovadoras.

Cortes orçamentários afastam país de educação pública de qualidade para todos

Por Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Recentemente, a reitoria da Universidade de Brasília (UnB) expôs publicamente a difícil situação financeira na qual a instituição se encontra. Na esteira da crise econômica e política atual e o consequente regime fiscal – que tem na Emenda Constitucional 95 sua medida mais extrema – o caso da UnB não é isolado e pede uma análise mais detalhada sobre o orçamento público destinado ao ensino superior.

Geralmente, o que acontece é que as despesas executadas pelo governo são menores dos que os recursos aprovados na Lei Orçamentária Anual. Por exemplo, em 2015, o montante executado relativo ao ensino superior ficou abaixo dos R$ 40 bilhões aprovados. Ao longo dos anos, essa “inexecução orçamentária” tem aumentado – o que nos leva a crer que um valor ainda menor será executado em 2018.

Soma-se a essa situação o fato de que, neste ano, o recurso autorizado para o financiamento do ensino superior foi de apenas R$38 milhões. As receitas destinadas à garantia de bolsas de estudo seguem a mesma tendência de queda, como mostra o gráfico abaixo.

O caso da UnB é ilustrativo desse quadro de contingenciamento de gastos: a universidade recebeu o mesmo recurso (R$ 1,3 bilhão[1]) entre 2015 e 2018, a despeito da ampliação dos custos neste período. Vejamos o histórico da Universidade em números:

Entre 2006 e 2016, a quantidade de cursos saltou de 63 para 155, sendo que chegou a 161 em 2013 e, de lá para cá, vem sofrendo pequenas quedas. Em 2006, as vagas anuais eram de 4.921 e, em 2016, chegaram a 8.424 – ou seja, em 10 anos, as vagas praticamente dobraram. O motivo dessa ampliação foi um programa chamado REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) que expandiu campus, vagas, bolsas, cursos de pós-graduação, programas de cotas, ampliando a população negra, não só na UnB, mas em todo o Brasil.

Outro dado é importante de se conhecer: em três décadas, o número de concluintes na UnB saltou de 15.462 (de 1988 a 1997), para 51.200 (de 2008 e 2016) – mais que o triplo.  No entanto, com a retração drástica de recursos, provavelmente, esse avanço não se repetirá, mesmo com o aumento na demanda por vagas nos próximos anos. A instituição anuncia um déficit orçamentário de R$ 92,3 milhões para este ano e as previsões são catastróficas para os próximos meses: demissões e aumento do preço da refeição no restaurante universitário são algumas das medidas anunciadas para garantir o funcionamento da universidade.

 

 

Assim como as universidades, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) também tiveram cortes de orçamento. Considerados uma das boas novidades dos últimos anos na área da educação, os IFs sofreram queda de 14% no investimento este ano, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).

Além das graves consequências dos cortes orçamentários para o ensino superior, percebe-se que as demais metas do Plano Nacional de Educação (PNE) não serão cumpridas. A ampliação do número de creches, por exemplo, ficará na saudade, já que a manutenção dos recursos em patamares tão baixos não permitirá investimento para suprir a enorme demanda. Outra meta que não será cumprida é a ampliação do investimento geral em educação, tendo em vista os enormes desafios que ainda temos, como a implantação do valor do CAQi (custo/ aluno qualidade, inicial) previsto também no PNE, que ampliaria o custo aluno/ano no Fundeb, de acordo com a etapa escolar cursada.

Para termos uma ideia do que está sendo discutido pelas forças políticas do pós-golpe no tema da Educação, basta lermos o relatório apresentado em novembro de 2017 pelo Banco Mundial, a pedido do governo brasileiro.

Com relação ao ensino superior, ele nos dá várias pistas que em alguma medida explica a retirada de recursos. Há uma comparação rasteira entre universidades públicas e privadas, afirmando que o custo/aluno nas privadas é bem mais baixo que nas públicas, mas sem explicar que as universidades públicas fazem extensão e pesquisa, e possuem ensino de melhor qualidade.

Aliás, até admitem a maior qualidade do ensino quando dizem que os estudantes das públicas se saem melhor nos exames padrões que os das privadas. Mas esquecem de dizer que há um acúmulo anterior que vem da qualidade da educação básica e das condições de vida de cada um e do grupo. Em geral, nas universidades privadas estudam maior número de pessoas vindas do ensino público, de responsabilidade do Estado, que deveria ser de qualidade, mas não é.

O relatório afirma que a educação básica é progressiva e o ensino superior público é regressivo, pois privilegia um grupo com melhor renda e oportunidades, manipulando o argumento em favor da privatização do ensino – que é o que querem e defendem ao encomendar um relatório dessa natureza. Mas não apresentam a solução que de fato contribuiria para a redução das desigualdades: maior qualidade para a educação básica, incluindo todos e todas no ensino superior público, que por seu lado, deveria oferecer mais vagas, especialmente para o público das políticas de cotas e para pessoas oriundas de escolas públicas.

Estamos atravessando um momento difícil de defesa de direitos, não apenas na ausência de recursos orçamentários necessários, mas na ausência de espaços democráticos de diálogo e mobilização. E fala-se muito da agenda 2030 e seus “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, que não são nem um pouco ambiciosos e até rebaixam o patamar de nossas lutas por direitos humanos, mas, provavelmente, com esse cenário, o objetivo 4, que diz respeito à educação de qualidade, dificilmente será alcançado.



[1] Dados disponíveis no Siga Brasil referente aos recursos federais destinados à UnB

A África do Sul de 1960 e o Brasil de 2018: processo genocida em curso

Por Layla Maryzandra, educadora social do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Manhã de 21 de março 1960, cidade de Sharpeville, a África do Sul.  Pelo menos 20 mil negros sul-africanos foram brutalmente atacados pela tropa do Exército durante uma manifestação pacífica contra a Lei do Passe, que limitava o trânsito de negros por determinados lugares, obrigando-os a andar com uma caderneta na qual estavam delimitados os locais por onde tinham permissão de circular.

O resultado de um dos maiores massacres do regime do Apartheid naquele país, junto ao que ocorreu no Levante de Soweto em 1976, foi 69 mortos e cerca de 180 feridos. O caso ficou conhecido como o Massacre de Sharpeville e, como tantos outros atos de violência que ocorreram no país, estava regulamentado por políticas de segregação racial vigentes no regime que durou 44 anos (1948 – 1994), e começou quando o Partido Nacional ascendeu ao poder, com um  governo composto, em sua maioria, por brancos.

O Massacre de Sharpeville fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU), proclamasse o 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em memória das vítimas e acentuando a condenação do racismo aonde quer que ele exista.

É notório que o Atlântico Negro, seja nas Américas ou no Continente Africano, foi calcado por massacres históricos que tinham como objetivo o extermínio da população colonizada/governada por uma minoria que mantém o poder.

Intelectuais e ativistas ligados ao movimento negro defendem que ainda está em curso um processo de genocídio negro no Brasil. Abdias Nascimento, em seu livro Genocídio do Negro Brasileiro (1976), relata a forma mascarada de como funciona o racismo neste país, que muito se assemelha a um apartheid maquiado. Na conclusão do texto ele cita: “hoje estamos na rua numa campanha de denúncia! Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão policial (…). Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições de vida da Comunidade Negra (…)”.

Essa frase me traz à memória os mesmos gritos de denúncia ouvidos entre os dias 13 a 17 de março deste ano, nas marchas ocorridas no Fórum Social Mundial em Salvador, em destaque a Marcha das Mulheres Negras e a Marcha em memória da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, que foram executados no centro do Rio de Janeiro, em 15 de março.

Os dados do Mapa da Violência de 2015 e do Dossiê Mulher do mesmo ano, também engrossam o coro desse tipo de denúncia. Nas últimas décadas houve um crescimento da violência letal – tanto contra a juventude negra, que aumentou mais de 30%, como em relação às mulheres negras, chegando a cerca de 54%. Esses dados caracterizam os atos de violência como crimes de genocídio.

No atual contexto em que o país se encontra, o dia Internacional Contra a Discriminação Racial é marcado por manifestações que eclodem contra a falta de reparação histórica do Estado brasileiro, o contínuo genocídio que nos acomete, e contra a avalanche de retrocessos de direitos, seja nas pautas de gênero, raça ou classe. É possível observar o mesmo cenário em vários países.

Em suma, é perceptível que o racismo se instrumentaliza de forma bem engendrada e que a violência e intimidação policial é um braço forte que nos aniquila, seja nos massacres da África do Sul, nos Estados Unidos, no Brasil, ou em qualquer lugar aonde o racismo ainda atue de forma latente.

Sigamos então resistentes em nossas marchas, ressignificando nossas lutas, e parafraseando Abdias de Nascimento: se ele se reconhece como um sobrevivente da República de Palmares, também nos reconhecemos, na perspectiva da diáspora, como sobreviventes de Sharpeville.

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Escutar Marielle, aprender com Marielle

Por Leila Saraiva, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Em entrevista gravada no dia 11 de março, três dias antes da execução de Marielle Franco, uma militante de Acari conhecida como Buba relata os episódios de violência policial constante que sua comunidade tem sofrido. O vídeo começa com áudios de whatsapp trocados por moradores/as de Acari, seguidos por imagens que registram o barulho ininterrupto de tiros.

Buba nos conta que essas imagens e áudios foram registrados no dia anterior, 10 de março, quando policiais do 41º Batalhão da Polícia Militar (também conhecido como batalhão da morte, responsável por 112 mortes apenas em 2017 e por nove assassinatos no recém iniciado 2018) invadiram a comunidade, entrando em casas,  quebrando portões e móveis,  fotografando rostos e documentos de seus/as moradores/as. Os mesmos policiais faziam questão de gritar pelas ruas de Acari: “Só vamos embora quando matarmos dois ou três, por aí”. Buba arremata: “A impressão que nos dá é que com a intervenção, os policiais estão se sentindo – sempre se sentiram -mas agora estão se sentindo muito mais à vontade pra fazer o que estão fazendo”.

Talvez o relato acima não emocione, não choque. Talvez essa história seja uma daquelas que figuram no âmbito do normal, o Estado natural das coisas. Violências que ocorrem a corpos negros/as e pobres, daqueles que são feitos invisíveis, do sangue derramado de todo dia e que constituem o que chamamos de Brasil. O problema, aliás, é exatamente esse. E Marielle Franco sabia bem disso.

Marielle trazia na pele negra e na vida feita na favela as marcas dessa história que insiste em se repetir.  Aqui, vou me furtar a relatar sua trajetória, construída num driblar contínuo de estatísticas:  muitas companheiras a essa altura já o fizeram, com mais propriedade e poesia do que eu seria capaz ( Ver, por exemplo, texto de Givânia Maria da Silva).  Acima de tudo, me furto porque Marielle (ou o povo negro) não precisa(m) de mim para isso. Como ela mesma disse, no evento feito por e para mulheres negras que movimentam as estruturas e que precedeu sua execução: “a gente que tá morrendo, é nosso povo que está morrendo”. Somos nós, donos/as daqueles corpos que não morrem, que precisamos saber escutar.

Um dos absurdos dessa história toda, quiçá menor, diante de tantos, é justamente saber que uma parte considerável de nós tenha convivido sem maiores arroubos com o extermínio contínuo e crescente do povo negro. Que tenhamos nos furtado a levar a sério números como o que nos diz que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Que a cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil. Que, enquanto a taxa de feminicídio de mulheres brancas caiu entre 2003 e 2013, entre mulheres negras ele aumentou 54% no mesmo período. (dados disponíveis em: http://www.mapadaviolencia.org.br/). Que, ainda nesse mesmo contexto, são as mulheres negras que proporcionalmente a sua renda mais pagam impostos no país.

Desta forma, é um total disparate que seja a execução sumária de Marielle Franco que nos faça finalmente olhar para o que há muito está estampado em nossa cara, quando deveríamos ter escutado sua voz viva e forte que, junto a outras tantas, gritava contra esse genocídio.

Não se trata de negar aqui que o assassinato de Marielle leva tudo isso a outras proporções. Trata-se, além de mais um trágico episódio dessa narrativa estruturante de nosso país, também de um homicídio político, como bem ressaltou a socióloga e coordenadora do Observatório da Intervenção, Silvia Ramos. O importante é entender que o caráter político dessa execução não a torna exceção do extermínio do povo negro, mas o incrementa: a bala veio com endereço certo, como costumam acontecer com as que são disparadas em nosso país.

Não creio que possamos ter, ainda, a dimensão do que esse assassinato significa. Não sabemos ainda quais recados virão junto com ele. As marchas que no dia 15/03 tomaram conta do país, em luto e luta por Marielle e pelo povo negro, podem significar um lampejo de esperança, a possibilidade de que, finalmente, as vidas de corpos que historicamente consideramos matáveis passem, de fato, a importar. Por outro lado, o governo ilegítimo tenta usar de forma pérfida o episódio para passar sua própria mensagem: afirma que a morte de Marielle mostra que o país caminha no rumo certo, tentando consolidar a intervenção no Rio de Janeiro e, quem sabe, outras medidas – símbolos daquilo contra o qual Marielle lutou. A verdade é que, a essa altura, ainda não temos ideia do que virá.

É possível que a repressão deixe de tocar apenas os de sempre e volte a bater nas portas da classe média, como muito de nós passamos a temer, pois que o assassinato de Marielle também não nos deixa esquecer os tempos em que políticos e políticas do campo da esquerda brasileira eram mortos em circunstâncias misteriosas.  A preocupação com o endurecimento do regime precisa estar em nosso horizonte, inclusive porque a democratização da repressão não salva corpos negros/as: a violência continua operando na mesma estrutura racista. O problema não está na nossa preocupação com essa possibilidade, mas que apenas nos preocupemos com ela. Se o regime segue aberto para nós, voltaremos à normalidade? Seguiremos ignorando que o massacre está em curso?

“Não serei interrompida, não aturo interrupção”, declarou Marielle, em seu pronunciamento no dia internacional das mulheres.  Precisamos escutá-la e aprender a como lutar a seu lado. Quem quer de nós que continue assistindo sem se mover a esta que é a forma mais brutal de interrupção – o corte seco e sem chance de defesa da vida de Marielle e Anderson, motorista que a acompanhava – continuará cúmplice deste projeto de nação. Anderson, presente! Marielle, presente!

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Orçamento 2018: Funai respira, mas não se recupera

Se observado desde a perspectiva fria dos números, pode-se afirmar que em 2018 houve uma melhora de recursos para as políticas públicas indigenistas a cargo da Funai. O orçamento autorizado para o órgão neste ano é de R$ 596,90 milhões, frente aos R$ 548,65 milhões autorizados em 2017[1].

Contudo, esse ganho de R$ 48 milhões não é capaz de recompor a capacidade orçamentária da Funai, que segue como uma das mais baixas dos últimos 10 anos. Além disso, é preciso entender onde o recurso será alocado e se existem condições para ele ser executado, principalmente em uma conjuntura de desmonte do órgão e de “teto de gastos”.

Abaixo, apresentamos algumas lentes de observação que podem ajudar a entender melhor a questão:

  • Em termos de grupos de despesa (gastos com pessoal, gastos com outras despesas correntes, gastos com investimentos e gastos com inversões financeiras), o aumento observado está densamente localizado em “outras despesas correntes”, com acréscimo de quase R$ 47 milhões em 2018, em comparação com 2017.
  • Se analisarmos mais a fundo esta categoria “outras despesas correntes”, veremos que as despesas que mais cresceram foram as vinculadas à execução do programa orçamentário finalístico da Funai: “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”. Neste Programa, estão as ações que configuram  a expressão orçamentária da Política Pública indigenista: 1) Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados; 2) Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento; 3) Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas de Recente Contato; 4) Direitos Sociais e Culturais e à Cidadania; 5) Preservação Cultural dos Povos Indígenas.
  • No total, as despesas previstas com este conjunto de ações tiveram um aumento de R$44,6 milhões em 2018. São elas que tornam a política pública mais visível aos olhos dos povos indígenas, por isso são comumente denominadas ações finalísticas. As ações garantem, por exemplo, a contratação de laudos antropológicos para subsidiar processos de demarcação, a compra de combustíveis para carros e embarcações utilizadas para o trabalho de fiscalização das Terras Indígenas, ou, ainda, o apoio a projetos de processos educativos indígenas.
    • O gráfico abaixo evidencia o comportamento orçamentário de cada uma das ações nos últimos três anos. São as ações de “Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados” e “Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento” que responderam por quase todo o crescimento do orçamento finalístico da FUNAI: a primeira, com um ganho de R$ 25,3 milhões e a segunda com um ganho de R$ 19,6 milhões.
  • As “despesas de pessoal” tiveram, por sua vez, um aumento de apenas R$ 5,5 milhões, sinalizando a manutenção do atual quadro de funcionários – que é muito precário e um dos muitos gargalos da Funai. Importante lembrar que em 2017 houve um corte de quase 20% do corpo técnico do órgão. Foram eliminados 87 cargos comissionados, desmonte que atingiu principalmente a Coordenação Geral de Licenciamento (CGLIC) e as Coordenações Técnicas Regionais (CTLs), áreas estratégicas responsáveis pela análise dos impactos de grandes empreendimentos em terras indígenas, além de fazer o trabalho de receber e levar demandas dos povos indígenas ao poder público. Mesmo com esse corte significativo, as despesas com pessoal consumirão 69,5% de todo o orçamento da Funai em 2018 o que evidencia, ainda mais, o quadro de penúria do órgão.
    • Por fim, há que se notar o aumento sem perder de vista o cenário prospectivo. O gráfico abaixo oferece uma análise em perspectiva do orçamento 2018 e mostra que, em termos reais, o aumento no orçamento total para 2018 é pouco expressivo e não permite a superação do desastre que acometeu o órgão nos dois últimos anos, mantendo a capacidade orçamentária da Funai como uma das mais baixas dos últimos 10 anos.

  • Além disso, embora o aumento de recursos para programas finalísticos seja uma “boa notícia”, o fato é que a Funai seguirá com severas dificuldades operacionais em 2018, sobrepostas às dificuldades e pressões políticas, o que tende a comprometer sua capacidade de executar o orçamento mesmo sendo ele tão reduzido. Isto aconteceu claramente em 2017. Somente 63,8% do orçamento autorizado para o Programa de “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” foi executado, já incluindo aí os chamados “restos a pagar”, que são aqueles compromissos de pagamento derivados de anos anteriores. Se considerado somente o que foi pago de compromisso assumido em 2017, a Funai conseguiu executar somente 44% do recurso que, teoricamente, tinha disponível. Isto porque, além do desmonte institucional, como já mostramos em outras notas, em 2017 os recursos da Funai também foram severamente comprometidos com os cortes orçamentários (contingenciamentos) que tiraram R$ 60,7 milhões de recursos do órgão, comprometendo principalmente as ações finalísticas.

>>>Leia também a Nota Técnica Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55

A Política Indigenista, assim como as demais políticas públicas e o orçamento público federal para 2018, sofre visivelmente a influência do Teto dos Gastos e da ideologia da austeridade fiscal sustentada pelo governo federal e incentivada pelo Banco Mundial. A fragilidade institucional e orçamentária da Funai é, também, reflexo da influência, por dentro do Estado, de pressões políticas de grupos de interesse que estão de olho no controle de terras e recursos naturais.

Nesse contexto, embora possa parecer alentador um aumento de recursos para a Funai, dificilmente este ganho se reverterá em alguma melhora efetiva na vida dos povos indígenas.


[1] – Optamos por utilizar os dados do orçamento inicial (dotação autorizada na Lei Orçamentária) em cada ano para buscar uma maior equivalência com o orçamento inicialmente aprovado em 2018. Ao longo do ano o orçamento sofre alterações seja em função de cortes (contingenciamento) seja em função da abertura de créditos que ampliam (marginalmente) a dotação autorizada. Em 2017 a Funai iniciou com um orçamento de R$ R$ 548,65 milhões, mas ao longo do ano este orçamento foi levemente ampliado alcançando R$ 560,15 milhões.

Vamos falar sobre Orçamento e Direitos?

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Por que revogar a Emenda Constitucional 95

Para avaliar políticas públicas, inclusive a política fiscal, utilizamos alguns “testes” fundamentados em princípios internacionais de direitos humanos que constam na Metodologia “Orçamento e Direitos”, desenvolvida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Com base nesta metodologia, colocamos à prova a Emenda Constitucional nº 95, também conhecida como “Teto dos Gastos” , “PEC do fim mundo” ou ainda “Novo Regime Fiscal”.

A emenda, que completa um ano hoje (15/12), congela por vinte anos as despesas primárias, onde estão inscritos os investimentos em políticas públicas promotoras de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Nos cinco testes realizados, abaixo detalhados, a EC 95 falhou em todos.

1. Financiamento do Estado com Justiça Fiscal

A política fiscal envolve tanto a forma como o Estado se financia (arrecadação tributária) quanto a forma como realiza despesas desse orçamento público. Esse primeiro teste avalia a arrecadação tributária e nele o Brasil falhou, porque seu sistema tributário é extremamente regressivo.

Isso ocorre porque a maior parte dos tributos são indiretos. Incidem sobre o consumo, pesam mais sobre quem ganha menos. Já em países mais desenvolvidos, a maior parte dos tributos são sobre a renda, progressivos, como demonstrado no Gráfico 1.

Gráfico 1: Composição da carga tributária, em %

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Fonte: OCDE

Como os tributos sobre o consumo não levam em consideração a capacidade contributiva de cada pessoa, proporcionalmente eles acabam pesando mais sobre quem ganha menos. Estudo do Ipea demonstrou que entre os 10% mais pobres, a carga tributária é de 32%, enquanto entre os 10% mais ricos, a carga tributária é bem menor, de 21%.

Quando detalhamos mais quem compõe cada um desses grupos, observamos que entre os 10% mais pobres, a maioria é de mulheres negras e entre os 10% mais ricos, a maioria é de homens brancos. O resultado disso é que são as mulheres negras pobres quem mais pagam proporcionalmente tributos no Brasil, conforme atesta estudo do Inesc.

Com um sistema tributário tão regressivo, os efeitos positivos dos investimentos sociais em políticas públicas promotoras de direitos são praticamente inviabilizados. Numa comparação internacional realizada pelo Monitor Fiscal do FMI, o Brasil está em uma das piores posições na capacidade da sua política fiscal reduzir desigualdades.

O resultado disso é que o Brasil segue como um dos países mais desiguais do mundo – um país onde apenas seis homens concentram a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros mais pobres (dados da Oxfam Brasil). Para obter não apenas uma nota melhor na avaliação, mas também uma melhora no equilíbrio fiscal, é essencial que o Brasil, em vez de congelar gastos públicos, realize uma reforma tributária com justiça fiscal, onde quem ganha mais, contribui mais. Exatamente o oposto do que o atual governo fez com a EC 95. O que deve ter teto é a desigualdade, reforçada pela atual forma de arrecadação tributária injusta e ineficiente.

2. Uso máximo de recursos disponíveis

Os Estados signatários do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) comprometem-se a adotar medidas, principalmente nos planos econômico e técnico, utilizando o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

O Brasil também está reprovado nesse teste, porque a EC 95 adota um princípio contrário: o “uso mínimo de recursos disponíveis”, uma vez que coloca um teto para as despesas sociais, mas deixa completamente liberadas as despesas financeiras. A consequência disso é que o país tem experimentado uma expressiva transferência de recursos públicos de programas sociais relevantes para os serviços da dívida pública – o que significa uma redistribuição inversa e sem precedentes dos recursos públicos destinados às populações vulneráveis para as mais ricas, como podemos ver no Gráfico 2.

Gráfico 2: Variações orçamentárias nominais de programas selecionados do Brasil, 2014-2017

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Fonte: Siga Brasil | Elaboração: Inesc


3. Realização progressiva de direitos

O Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e CESR, lançou em 14 de dezembro um Informe sobre os efeitos das medidas de austeridade adotadas no Brasil sobre os direitos humanos em três setores: Políticas de Proteção para as Mulheres, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Farmácia Popular.

Por meio de uma análise minuciosa do orçamento, de seus objetivos e resultados, conseguimos avaliar se o direito que a política pretende garantir está progredindo ou regredindo. As três políticas públicas avaliadas falharam no teste, uma vez que sofreram importantes cortes orçamentários e perda de resultados, efeitos do primeiro ano de vigência da EC 95. Nesse cenário, o Brasil corre sério risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência desprotegidas.

A título de ilustração vejamos o que aconteceu com o Programa de Aquisição de Alimentos. O Gráfico 3 revela a brutal queda de recursos que o programa sofreu e seus efeitos na diminuição do número de agricultores beneficiados por região.

Gráfico 3: Quantidade de agricultores beneficiados por região; dotação e execução orçamentária

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Fonte: SigaBrasil e PAA Data | Elaboração: Inesc
*Orçamento executado e beneficiários em 2017 correspondem a uma projeção anual baseada na tendência de gasto até junho de 2017

4. Não discriminação

Para combater a discriminação e promover uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, o orçamento de um governo pode e deve incorporar o combate às discriminações em relação à gênero, raça, etnia, casta, região, deficiência, migração, etc.

Nesse teste, a EC 95 também não passa, pois os cortes orçamentários estão sendo feitos de forma discriminatória. Por exemplo, nas políticas de combate à violência contra a mulher os cortes afetaram desproporcionalmente as mulheres mais pobres, negras e jovens (entre 18 e 30 anos), já que tanto os casos de violência doméstica quanto de homicídios as atingem mais.

O desmonte do PAA decorrente das medidas de austeridade atingiu especialmente os grupos mais vulneráveis do campo e da floresta, que antes eram beneficiados pelo estímulo à produção e comercialização de seus produtos alimentares: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, e mulheres. Por fim, os cortes seletivos no orçamento do programa Farmácia Popular, eliminando a rede pública do programa, afetaram o acesso da população mais vulnerável aos medicamentos essenciais. Isso porque muitos municípios brasileiros são extremamente pobres e não despertam o interesse da rede privada de farmácias.

5. Participação social

O Brasil, que chegou a alcançar o 6º lugar no Índice de Orçamento Aberto (OBI, na sigla em inglês) em 2015 está piorando também no quesito participação social. Junto com os cortes orçamentários impostos pela EC 95, vieram os cortes de informação. O Relatório do Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher, que deveria ter sido publicado em junho, ainda não está disponível para acesso público. Dados sobre a rede de serviços especializados para mulheres vítimas de violência de 2017 também não estão online. No PAA, os dados de 2017 sobre beneficiários não constam no PAA Data. E os dados sobre farmácias do SAGE – Sala de Apoio a Gestão Estratégica do Ministério da Saúde também foram reduzidos. Nos três casos, para obter informações para o estudo “Direitos Humanos em tempos de austeridade”, foi necessário recorrer à Lei de Acesso a Informação.

Igualmente grave é que todos esses cortes orçamentários e mudanças nas políticas foram feitas sem consulta aos Conselhos das políticas de cada uma dessas políticas, como o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNM), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS).

A EC 95 está reprovada por não se encaixar em nenhum aspecto dos princípios internacionais de direitos humanos, nem permitir cumprir os compromissos assumidos perante as Nações Unidas relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Essa é a razão pela qual a EC 95 deve ser revogada, para que o Brasil volte a cumprir seu objetivo de Nação previsto na Constituição Federal, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; com erradicação da pobreza e redução das desigualdades.

Direito ao meio ambiente não se negocia

 

Tú no puedes comprar el viento

Tú no puedes comprar el sol

Tú no puedes comprar la lluvia

Tú no puedes comprar el calor

(Latinoamérica; Calle 13)

No Brasil, assim como em muitos outros países e lugares deste planeta, a semana de direitos humanos deveria ser um bom momento para nos alimentar de balanços e reflexões que são urgentes. Uma visão retrospectiva nos reforça a noção de que os direitos humanos são uma construção histórica. Pessoas foram e são presas, assassinadas, coagidas e torturadas apenas por lutarem por liberdade e por uma sociedade mais justa. A luta pelos direitos humanos é, assim, uma batalha permanente em favor da emancipação e da autonomia de homens e mulheres contra a opressão, as injustiças, pelo reconhecimento de suas identidades, pelo direito à vida e à liberdade.

O contexto em que vivemos hoje, de múltiplas crises – climática, econômica, institucional, política e moral – combinadas em escala global, nacional e local, nos mostra o quanto esta batalha é atual e ainda mais essencial na longa trajetória de construção do que queremos ser como humanidade. Nos mostra também a importância de estarmos atentos e sermos resistentes aos retrocessos e à desconstrução de direitos. Isto exige um esforço tremendo, não só porque são muitas as ameaças nesse sentido, mas também porque algumas são sutis.

A Constituição Brasileira de 1988 formulou muito bem o direito ao meio ambiente, como consta em seu Artigo 225:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Este direito está hoje sob ameaça explícita quando se tenta, por exemplo, aprovar uma Nova Lei de Licenciamento que flexibiliza os requisitos e regras para concessão de licenças que impactam, muitas das vezes de forma irreversível, o meio ambiente e a vida das pessoas. Ou quando se tenta fragilizar outras legislações, instituições e políticas socioambientais vigentes que garantem o domínio de povos indígenas, quilombolas e assentados, entre outros, sobre suas terras e territórios. Enfim, as ameaças explícitas são muitas e vem de muitos lados.

Mas existem ameaças que aparecem disfarçadas de solução para a preservação do meio ambiente e que são igualmente perigosas. É o caso da tentativa de inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono (offsets), como parte dos esforços globais para redução de emissões de gases de efeito estufa assumidos multilateralmente no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Em resumo, trata-se de colocar um preço no carbono retido por florestas e, depois, vendê-los para países e setores que não conseguirem cumprir com seus próprios compromissos de redução de emissões.

Mecanismo tão engenhoso tem sido propagado por grupos de interesse político e econômico como solução efetiva para os países que detêm amplas extensões de floresta tropical, como o Brasil, conseguirem recursos necessários para protegê-las. O argumento subjacente é o de que os Estados disponibilizam pouco orçamento para esta proteção e, em tempos de austeridade fiscal, os recursos são ainda mais escassos. Apresenta-se assim um lugar mais “vantajoso” para buscar dinheiro – o mercado – como se isto não tivesse consequências para todos nós.

Não faltam argumentos técnicos e políticos para mostrar que se trata de um grave equívoco que coloca em risco, entre outras coisas, a integridade ambiental do país e do planeta (veja mais em Por que os offsets florestais são uma falsa solução).

Diante desse cenário, na semana de direitos humanos vale reforçar como argumento contrário a esta solução financeira para proteção de florestas um valor e uma ideia muito simples que deveriam ser caros ao processo de construção da nossa humanidade: não se pode colocar preço em tudo.

Construindo saídas de emergência: formação e educação popular para assegurar direitos

Que o cenário brasileiro não anda bem para os direitos humanos, infelizmente, não é mais novidade. O avanço das políticas neoliberais, calcadas em restrições de direitos e manutenção de privilégios dos setores mais ricos, só não nos desespera mais do que a nossa dificuldade em resistir a esses inúmeros ataques. Diante dessa conjuntura aterradora, as leituras melancólicas se multiplicam, muitas vezes nos deixando ainda mais paralisadas e, portanto, com mais dificuldade de organizar a mobilização necessária.

Para quebrar este ciclo vicioso, faz-se necessário ir à direção contrária. Diante do esgarçamento institucional que vivemos e dos constantes retrocessos, o que nós – os que apostamos na realização progressiva dos direitos humanos – precisamos fazer é investir em alternativas fundamentadas no poder popular. No lugar do desespero, o fortalecimento de laços comunitários; em vez da retaguarda, a aposta na política de base e nos movimentos sociais como forças propulsoras. Para construir essas que podemos chamar de “saídas de emergência”, as possibilidades são diversas.

Optamos, como Inesc, por investir nos processos transformadores da educação popular como uma das nossas prioridades. Há alguns anos, construímos a metodologia “Orçamento e Direitos” com o objetivo de oferecer formação aos diversos públicos, de crianças a adultos, com base nos Direitos Humanos e a partir do trabalho de acompanhamento do orçamento público, que já desenvolvíamos. Para tal, nos referenciamos no PIDESC (Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais), adotado na XXI Assembleia da ONU, em 1966, e ratificado pelo Brasil, em sua legislação, em 1992.

De acordo com o Pacto, os Estados nacionais devem se comprometer a utilizar o máximo de recursos disponíveis para a garantia dos direitos e combater as descriminações estruturais, como as de raça e gênero. A esses pilares, acrescentamos ainda o assegurar da justiça fiscal, a realização progressiva de direitos e a participação popular. Em conjunto com parceiros e movimentos sociais, discutimos cada uma dessas proposições, de modo a analisarmos as políticas públicas e seus respectivos orçamentos. Foi desse diálogo que nasceu nossa metodologia de análise, que esse ano passou por uma cuidadosa reformulação, pautando os processos formativos por nós oferecidos.

Nosso principal objetivo com essa nossa metodologia é apresentar uma ferramentas que possibilite enxergar por outras lentes o que os diversos governos estão propondo (ou não) como políticas para viabilizar direitos.  Ao nos debruçarmos sobre os elementos dessas políticas a partir desse olhar, também construímos o entendimento de que temos de participar da formulação das políticas e apresentar o que julgamos necessário para garantir o bem-viver a todas as pessoas, com especial atenção aos grupos marginalizados, que sofrem inúmeras violações de direitos por parte do próprio Estado.

Seguindo as premissas da educação popular, acreditamos que para assegurar direitos precisamos de formação libertadora, calcada na autonomia das sujeitas e sujeitos de direitos. Desta forma, partimos dos conhecimentos prévios dos sujeitos, emergidos de seus cotidianos, que alimentam os processos formativos, como temas geradores.  Além disso,  a forma como pensamos os processos formadores deve em si mesmo servir como estratégia para o incentivo à participação popular.

Em consonância com essas reflexões e com a atual necessidade de construir as saídas de emergências, ao longo de 2017 realizamos formações com diversos públicos, em todas as regiões do país. Além de crianças e adolescentes de escolas públicas e sistema socioeducativo, com os quais já trabalhamos há algum tempo, houve oficinas com as redes de bibliotecas comunitárias, com agricultores familiares organizados na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com povos indígenas ligados à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e com movimentos por direito à cidade, vinculados à Rede Cidades. Dialogamos sobre políticas de cultura, educação, saúde indígena, agricultura familiar, mobilidade urbana. Esses processos fortaleceram movimentos e reforçaram os laços das redes, possibilitando que, juntos, conseguíssemos problematizar conteúdos antes tidos como de difícil acesso.

As avaliações que até agora tivemos das oficinas realizadas nos trouxeram alguns depoimentos importantes sobre o caminho escolhido. “A forma de compartilhamento favorece o fortalecimento de vínculos”; “ter oportunidade de partilhar ideias e mostrar que temos objetivos em comum”; “incentivo à participação”, “método de integração” e “abordagem complexa e interativa, garantindo aprendizagens de conteúdos áridos”, são alguns dos retornos recebidos.

Para além da nossa satisfação com o que temos escutado, sabemos que os frutos a serem colhidos desses diversos processos são de médio e longo prazo. O que esperamos dessa aposta nas formações a partir da metodologia “Orçamento e Direitos” é uma maior incidência no ciclo das políticas públicas e a afirmação da atuação em rede para fortalecer as lutas. Colaborar para uma participação popular consolidada e consistente, que abra caminhos e trincheiras para barrar os retrocessos, criando possibilidades de transformação: essa tem sido uma das nossas tentativas de contribuição para sairmos desse cenário melancólico em que nos encontramos.

Racismo institucional: a triste realidade de quem paga impostos e não recebe retorno algum

Em artigo publicado em 2014, afirmamos que a “Casa Grande” havia se “renovado” nas eleições, considerando o perfil de eleitos e eleitas para a Câmara e o Senado, com menos de 10% de mulheres, menos de 4% de negros, pouquíssimos jovens e nenhum indígena. Pois bem, três anos depois, podemos afirmar que, mais que uma metáfora, uma realidade: o projeto de poder em curso desde o golpe é completamente perverso para a população negra brasileira, que ainda experimenta os piores indicadores sociais, e tende a retroceder nos pequenos avanços alcançados em tempos recentes.

Chamamos a este cenário de “projeto de poder”, porque combina diversas medidas que afetam e afetarão a população por muitos anos. Proponho agregar dois adjetivos a este projeto: ele é machista e racista. Isso porque os mais impactados são as populações negra, indígena e os povos e comunidades tradicionais, entre eles, os quilombolas.

O governo fala em “corte de gastos”, mas a redução orçamentária acontece de forma seletiva. Houve aumento de recursos para pastas que beneficiam determinadas áreas, como o agronegócio e a mineração, e redução drástica para políticas sociais. E é essa combinação que se torna tão perigosa para os negros, negras e indígenas. Vejamos alguns exemplos:

Mais recursos para mineração e menos para quem é afetado por ela

O orçamento do Ministério de Minas e Energia aumentou em 75% (R$4,04 bilhões em 2017 para R$ 7,06 bilhões em 2018), enquanto houve redução para agricultura familiar (36,3%)[i], igualdade racial (31,3%)[ii], indígenas (5,9%)[iii] e meio ambiente (12,2%)[iv], no mesmo período. Ou seja, provavelmente serão intensificados investimentos em grandes projetos energéticos, ao mesmo tempo em que são reduzidas as medidas de promoção da sustentabilidade de comunidades quilombolas e indígenas.

Vale registrar que o recurso para distribuição de cestas de alimentos para grupos tradicionais, entre os quais indígenas e quilombolas, caiu 99,4% no novo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA); o orçamento previsto para a regularização fundiária de territórios quilombolas encolheu em 52,3% (de R$4,9 para R$2,3 milhões) e o recurso destinado ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos indígenas e comunidades tradicionais chegou a zero na proposta orçamentária para 2018.

Isso significa que uma comunidade quilombola ou indígena, afetada por um projeto de mineração, não acessará recursos para produção sustentável local, nem cestas básicas, que são emergenciais, e também não terá acesso a políticas especificas de promoção e proteção de suas culturas.

Segurança alimentar ameaçada

E o problema não para no campo, afinal, “se o campo não planta, a cidade não janta”. Quando o recurso para a segurança alimentar e nutricional é reduzido em 83,8%[v], impactando negativamente a comercialização da agricultura familiar (Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, por exemplo) e o fomento à agroecologia, impacta a alimentação da população como um todo, porém, mais especificamente os grupos sociais que tem menor poder aquisitivo para consumo de alimentos saudáveis, não processados, etc. Considerando que as pessoas negras encontram-se nos extratos de menor renda e acesso a alimentos, podemos inferir que este será o grupo mais prejudicado com a redução das políticas de agricultura familiar, no urbano.

Mulheres e jovens negros mais expostos à violência

As mulheres negras, maiores vítimas do feminicídio, são as que têm menos acesso a todos os serviços públicos e as que mais morrem vítimas do aborto inseguro no país. O recurso para as políticas públicas voltadas para a superação da violência e promoção da autonomia das mulheres teve corte de 69,7[vi]% na PLOA 2018, e para o Programa Bolsa Família, que atende majoritariamente mulheres negras e seus filhos, a redução é de 11%[vii].

O Brasil mata, por ano, 30 mil jovens, sendo 77% negros (pretos e pardos)[viii], e tem a terceira maior população carcerária do mundo, composta majoritariamente de negros e negras. Ainda assim, o recurso para investimentos em educação e saúde foram congelados, por meio da Emenda Constitucional 95, por 20 anos. A pasta de juventude foi reduzida em 28,7%, e o país não tem um plano de redução de homicídios, mas sim uma “bancada da bala” forte e atuante que pretende armar civis como forma de solução para o problema da violência.

Mobilidade social da juventude negra em risco

Ainda que a reforma trabalhista tenha impactado menos a população negra – em sua maioria pertencente ao mercado informal –, este grupo social sofrerá os efeitos em cadeia desta reforma, com aumento da precariedade nos extratos com maior formalidade, somado ao atual índice de desemprego (13%) e à reforma iminente da previdência. Outro fenômeno que poderá decorrer das reformas trabalhista e da previdência, ao lado do ajuste fiscal, é ver estudantes negros e negras formados na universidade e… sem trabalho.

Resultado de conquistas dos movimentos negros, as cotas, ao lado das políticas de permanência e fomento à pesquisa, estariam promovendo de fato a mobilidade social da juventude negra – processo que poderá ser interrompido no futuro muito próximo. Combina-se, assim, a redução no recurso para a educação, com redução de bolsas de estudo e recurso pra pesquisa; o elevado corte orçamentário na SEPPIR, onde se localiza a coordenação de ações afirmativas e a baixa execução orçamentária: até novembro de 2017, foi gasto somente 6% do recurso do Programa 2034 – Promoção da igualdade racial e superação do racismo.

Todas estas medidas estão sendo tomadas sem diálogo com a sociedade e participação social. Também denunciamos, já em 2014, que “as forças econômicas e conservadoras se deram nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (‘bancada da bala’) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988.”

Mais impostos, menos direitos

Segundo estudo do Inesc, no Brasil, as mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os outros grupos (homens e mulheres brancas, e homens negros), pois o sistema é regressivo, ou seja, paga-se muitos impostos ao consumir qualquer produto e taxa-se pouco as pessoas ricas. Na prática, ocorre que uma mulher negra que recebe o benefício de transferência de renda no valor de 85 reais ao mês (que talvez seja sua única fonte de renda), ao utilizar o recurso para comprar alimentos, estará pagando cerca de 19% de impostos, ou seja, 22 reais. Já um homem branco de classe média que recebe entre R$4.150 e R$6.225 ao mês, compromete entre R$568,55 e R$852,82 com alimentação (POF, 2009), de modo que os tributos pagos nestas despesas giram entre R$125 e R$187 reais, ou seja, 3,01% dos seus rendimentos.

É neste mesmo país que bilhões em impostos são sonegados ao ano (R$ 453,0 bilhões ou 7,7% do PIB em 2015), por empresas e “cidadãos”. Como apontou artigo do Inesc, os direitos cabem sim no orçamento; o que não cabe é a sonegação de impostos e os privilégios. Este é o país do golpe – patrimonialista, machista e racista. Onde os negros pagam mais impostos e não recebem melhorias de vida para suas famílias e comunidades. Este é o Brasil do racismo institucional.

 


[i] Programa 2012 – Fortalecimento e dinamização da Agricultura familiar: de 9,73 bilhões para 6,19 bilhões.

[ii] Programa 2034 – Promoção da igualdade racial e superação do racismo: de 24,2 milhões para 16,6 milhões.

[iii] Programa 2065 – Proteção e promoção dos povos indígenas: de 1,49 bilhões para 1,40 bilhões.

[iv] Ministério do Meio Ambiente: de 3,98 bilhões para 3,49 bilhões.

[v] Programa 2069 – Segurança Alimentar e Nutricional: De 736,3 milhões para 119,4 milhões.

[vi] Programa 2016 – Políticas para mulheres, promoção da igualdade e enfrentamento da violência: de 81,6 milhões para 24,8 milhões.

[vii] Programa 2019 – Inclusão social por meio do Bolsa Família, do Cadastro Único e da articulação de políticas sociais.

– De 29,78 bilhões para 26,50 bilhões.

[viii] http://www.mapadaviolencia.org.br/

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Infância negligenciada, socioeducativo lotado

Segundo o relatório “Um Rosto Familiar: A violência nas vidas de crianças e adolescentes” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em 2017, o Brasil subiu para o quinto lugar no ranking mundial de homicídio de adolescentes. O relatório evidencia um aumento alarmante de mortes de adolescentes pela violência.

Considerando o dado raça/cor, a taxa de homicídio de negros é três vezes maior do que de adolescentes brancos – 75% dos adolescentes vítimas de homicídios são negros ou multirraciais. Outro dado importante é a região onde moram, mostrando que maior risco corre quem vive na região nordeste. Ainda de acordo com o relatório, o risco de morte por homicídio de meninos é 13 vezes maior do que de meninas.

O censo do sistema socioeducativo revela semelhanças com os dados do relatório do Unicef. A maioria dos adolescentes que cumprem medida de internação são pretos/pardos, variando a proporção de região para região. E o maior contingente de adolescentes em privação de liberdade é masculino.  O documento mostra que 68% do total de atos infracionais cometidos pelos adolescentes são roubo e tráfico. Ou seja, práticas relacionadas a estratégias de sobrevivência.

Mesmo sendo as maiores vítimas do abandono e da violência, os adolescentes em situação de exclusão são criminalizados por uma sociedade intolerante e preconceituosa. Muito desta postura é fruto de uma mídia sensacionalista, que adota uma abordagem condenatória em função de condições étnico-raciais, territoriais e de situação de pobreza. Alimenta-se a falsa e insustentável ideia de que a redução da idade penal é a solução para a violência no país.

Sabe-se que a prática do ato infracional não é fruto de escolha autônoma de adolescentes. A ausência de políticas públicas para a juventude ou a adoção de políticas públicas discriminatórias (que privilegiam determinada população em detrimento de outras); a falta de investimentos em áreas estratégicas, as enormes desigualdades sociais, o apelo radical pelo consumo e a repressão das forças policiais contra jovens negros são os principais motores da perversa engrenagem que leva adolescentes para o circuito da criminalidade. Há uma nítida relação entre a negligência do Estado e o ato infracional.

No momento histórico de redução de direitos, de avanço do conservadorismo e congelamento de gastos, este quadro tende a piorar. O discurso moralista e preconceituoso alimentado por áreas conservadoras da sociedade acirra animosidades, alimentando o ódio por adolescentes e convencendo de que, com encarceramentos, a violência se reduzirá. O recrudescimento de punições nunca levou à redução da violência. Os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça indicam que o Brasil detém a terceira maior população carcerária do mundo. Não há lógica: as cadeias estão abarrotadas e o Brasil ainda figura como país violento.

Uma vez cumprindo uma medida socioeducativa, os adolescentes deveriam receber do Estado educação exemplar, numa instituição de cunho fundamentalmente educativo, visando novas possibilidades de convivência com a sociedade. Se levarmos em conta o abandono e o contexto em que se encontravam antes da medida ser aplicada, são necessários esforços redobrados para reparar tudo o que foi negligenciado em suas comunidades. A educação durante a medida socioeducativa deve assegurar escolarização de qualidade e diferenciada, atividades de arte e de cultura, esportes e profissionalização, exatamente como preconiza o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

O projeto político-pedagógico nas unidades deve movimentar humanidades, estimular pensamentos sobre a sociedade e seus problemas, fomentar falas, contribuir para que se compreenda o respeito como importante dimensão das relações humanas, ajudar a compreender as diversidades, provocar a percepção sobre responsabilidades. Nunca calar. Pensar e falar são ações imprescindíveis para uma educação verdadeiramente emancipadora.

Assim, o Estado brasileiro está em débito duplamente com a população mais jovem. Primeiro, por não promover direitos em todos os territórios e segundo porque ainda não investe nas medidas socioeducativas como prevê a lei. Sem investimentos, não é possível garantir direitos.

Vamos falar sobre Crianças, Adolescentes e Jovens?

Juventudes, direitos violados e esperança

As desigualdades no Brasil são abissais. Conforme atesta relatório recentemente lançado pela Oxfam Brasil[1], os 5% mais ricos possuem renda equivalente à de 95% da população! Dito de outra forma, uma trabalhadora que ganha um salário mínimo mensalmente levará 19 anos para receber o equivalente ao que um super-rico ganha em apenas um mês! Esse é o tamanho das nossas desigualdades.

É impossível crescer de forma sustentável com esses níveis de desigualdades que nos colocam entre os países mais injustos do mundo.

O que mais preocupa é que os jovens – que representam um quarto da nossa população, em torno de 50 milhões de pessoas – são fortemente afetados pelas desigualdades, o que compromete seu pleno desenvolvimento, bem como o do nosso país. Vejamos:

Os jovens têm mais dificuldades de encontrar trabalho. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego entre os jovens no Brasil atingiu em 2017 sua maior taxa em 27 anos. Atualmente, cerca de 30% dos jovens brasileiros estão sem trabalho, um em cada três. Esses dados são mais de duas vezes superiores à média internacional, que é da ordem de 13%.

Os jovens brasileiros não têm boas chances de acessar uma educação de qualidade. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no Brasil, cerca da metade da população maior de 15 anos (40%) possui baixa escolaridade e não completou a Educação Básica[2]. E mais: o Brasil está entre os piores países do mundo em termos da qualidade de educação. Nessas circunstâncias é muito difícil encontrar empregos decentes que possam garantir uma vida digna.

Pois é, o número de “nem nem” vem aumentando. Atualmente, de cada quatro jovens, um não estuda e não trabalha[3]. Quando a economia piora, os jovens são os mais afetados e os que mais demoram a se recuperar.

A juventude é a maior vítima da violência letal: o Brasil está entre os 10 países que mais matam seus jovens. São mais de 30 mil homicídios por ano, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[4]! O Estado brasileiro ainda não foi capaz de formular e implementar uma política efetiva de redução de homicídios. E qual o resultado da omissão do poder público em relação ao tema? Mais de 350 mil jovens foram assassinados entre 2005 e os dias de hoje.

Os jovens também sofrem as consequências do racismo e do sexismo, estruturantes das desigualdades no Brasil. Por exemplo, os negros representam somente um quarto dos diplomados, apesar de serem maioria na população. E mais: a chance de jovens pretos completarem um curso universitário de engenharia é a metade da que tem brancos e, no caso de odontologia, é cinco vezes menor que a de um branco. A maior parte de jovens desempregados é de mulheres.

Não é de se estranhar a pouca atenção que é dada aos jovens quando observamos sua sub-representação nos nossos partidos políticos. Pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) nas últimas eleições nacionais (2014) revelou que apesar dos jovens representarem mais de 20% da população, apenas 6,8% das candidaturas eram de jovens. A situação piorou depois do pleito eleitoral: dos parlamentares eleitos, somente 4,3% tinham menos de 29 anos.

O desinteresse pela juventude também é característica do governo Temer, que vem desconstruindo a política e a institucionalidade voltadas para esse grupo da população. A maior expressão desse descaso foi a nomeação de Bruno Filho (PMDB) para a Secretaria Nacional da área, quem, por ocasião das chacinas nos presídios de Roraima e de Manaus no começo de 2017, afirmou que “tinham que ter matado mais presos” e que “deveria haver uma chacina por semana”.

Apesar das adversidades enfrentadas a cada dia, os jovens brasileiros são sonhadores e aguerridos. Pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ)[5] revelou que é muito clara para eles a percepção sobre a capacidade da juventude de mudar o mundo. Cerca de nove em cada dez entrevistados responderam que os jovens podem mudar o mundo, sendo que para sete, eles podem mudá-lo e muito. E mais: entre os assuntos que os jovens consideram mais importantes para serem discutidos pela sociedade estão a desigualdade social e a pobreza.

Nessa semana de mobilização em torno dos direitos humanos, chamamos a atenção para os direitos dos jovens. Urge a retomada das políticas a eles destinadas. Urge sua inserção no movimento da reforma do sistema político para que conquistem o espaço político que lhes é de direito. A juventude brasileira vem mostrando vigor e disposição para lutar. As ocupações, as mobilizações e as massivas presenças nas frentes de resistência são exemplos claros de que não serão aceitos retrocessos. E assim vamos nos inspirando nas letras do nosso Gonzaguinha: “Eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé é na fé da moçada, que não foge da fera e enfrenta o leão. Eu vou à luta é com essa juventude, que não corre da raia a troco de nada…”.

 


[1] A esse respeito, ver: https://www.oxfam.org.br/a-distancia-que-nos-une

[2] A esse respeito, ver: http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002470/247056por.pdf

[3] A esse respeito, ver: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf

[4] A esse respeito, ver: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017

[5] A esse respeito, ver: https://issuu.com/participatorio/docs/agenda_juventude_brasil_-_pesquisa_

Direito à Cidade – cidade de quem e para quem?

Semana dos #DireitosHumanos

Quando falamos de direito à cidade, nos referimos a um direito coletivo, que pressupõe o compartilhamento do espaço público democraticamente, de maneira a combater desigualdades.  Sabemos, no entanto, que esse direito está longe de ser assegurado: a maioria das cidades brasileiras são segregadas e privatizadas.

Em geral, nos espaços ocupados pela parcela da população com maior renda, há equipamentos públicos, boa infraestrutura e segurança, ao passo que aqueles ocupados pela população mais pobre são carentes de equipamentos e a segurança pública costuma existir apenas para segregar e oprimir. O transporte público, como está estruturado, acaba reforçando as desigualdades, ao garantir que os/as que residem nas periferias só tenham direito à mobilidade para irem e voltarem de seus trabalhos. O tempo gasto nesses deslocamentos pendulares é alto e crescente, assim como o preço das tarifas – o que compromete boa parte da renda já bastante afetada com os custos de moradia, alimentação, vestuário.

A especulação imobiliária, com o apoio dos governantes – muitas vezes eleitos com financiamento de empresas de ônibus, empreiteiras e empresas de coleta de resíduos sólidos – determina para onde vão as cidades, o que deve ou não valorizar e quando. Desta forma, as pessoas são expulsas para lugares cada vez mais distantes, dependentes de um transporte precário, sem acesso à saúde, educação e outros serviços básicos por perto.  Equipamentos de cultura e lazer, então, são vistos como supérfluos.

Para se ter uma ideia, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios 2015/2016, realizada pela Codeplan/DF, quando apresenta os dados relativos à escolaridade, mostra que as regiões tais como Sudoeste, Lago sul, Plano Piloto e Lago Norte abrigam o maior número de pessoas com formação superior, coincidindo com os níveis mais altos de renda. Enquanto que as mais baixas taxas de escolaridade estão na Estrututural, Itapoã, Paranoá, que também possuem as mais baixas rendas. Ou seja, o direito à cidade, da mesma forma que pavimenta o caminho de acesso aos outros direitos, quando ausente, facilita todos os tipos de violações possíveis.

Podemos ainda nos deter mais atentamente na realidade de duas das cidades acimas citadas, comparando a renda familiar da Estrutural e do Lago Sul, regiões com mais baixa e mais alta renda do Distrito Federal, respectivamente. Enquanto a primeira apresenta média de renda de dois salários mínimos e meio, a outra possui renda de 27 salários mínimos e meio; ou seja, o desigualtômetro (indicador usado no Mapa das Desigualdades, elaborado pelo Inesc, Nossa Brasília e Oxfam) é de 11 vezes. Já no que tange à renda per capita, o desigualtômetro salta para 15 vezes. Com relação à escolaridade, no Lago Sul, 69% (de uma população de 29 mil pessoas) da população possui ensino superior, enquanto que na Estrutural apenas 1,5% (de uma população de 39 mil pessoas) concluiu esta fase de ensino. Neste caso, o desigualtômetro é de 34,6 vezes.

Essas desigualdades se aprofundam ainda mais porque as cidades não são pensadas por quem nelas vivem, não havendo ambiente de participação para discutir e deliberar sobre os espaços públicos. Para nós, do Inesc, a participação popular é um pilar fundamental da realização dos direitos humanos em geral, e do direito à cidade em específico. Por isso, temos trabalhado, junto à Rede Cidades, no projeto MobCidades:  Mobilidade, Orçamento e Direitos, que conta com o apoio da União Europeia. Participam da iniciativa 10 movimentos e cerca de 80 organizações que discutem direito à cidade, passando por temas que vão desde as formas de deslocamento, passando pela acessibilidade, interações raciais e de gênero no espaço público.

O direito à cidade deveria incluir a voz das pessoas que nela habitam nas decisões sobre seus rumos, sobre suas vidas. Como todo direito social, pensá-lo sem a participação popular é retirar parte de sua potência, pois são as pessoas que habitam e fazem a cidade as que de fato conhecem suas necessidades, demandas e desejos. Foi esse o recado das jornadas de 2013, ainda muito mal interpretadas pelos detentores dos poderes político e econômico. É também esse o recado que continuamos construindo.

*Cleo Manhas, Leila Saraiva e Yuriê Baptista são assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e educadores no projeto MobCidades

Vamos falar sobre direito à cidade?

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