O subsídio que mata: os gastos tributários na indústria de refrigerantes

Por Maurício Angelo

Em junho, no meio do malabarismo orçamentário imposto pela greve dos caminhoneiros, Michel Temer diminuiu, por decreto, parte dos benefícios fiscais para empresas que produzem refrigerantes. A medida reduziu a capacidade do setor gerar créditos tributários. Com efeito, foi decretada a diminuição de 20% para 4% das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre a produção de xaropes usados na fabricação da bebida.

Quanto maior as alíquotas do IPI para os xaropes, melhor para os fabricantes de bebidas açucaradas, pois o valor é convertido em créditos tributários para as empresas, que podem abater a quantia de outros impostos ou ainda pedir ressarcimento, gerando perdas de arrecadação ao governo.

Contudo, as empresas usaram seu poder de lobby para derrubar o decreto no Senado no mês seguinte.

Coca-Cola e Ambev recebem a maior parte dos R$ 2 bilhões que são dados anualmente só de IPI a quem compra concentrados de refrigerantes, chás e sucos na Zona Franca de Manaus. Nos cálculos da Receita Federal, a isso se somam R$ 200 milhões de PIS-Cofins e R$ 1 bilhão de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). E, por fim, há abatimento de 75% no Imposto de Renda e isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

O site O Joio e o Trigo calculou que o rombo na arrecadação pode chegar a R$ 7 bilhões ao ano, sem computar o IPTU. Enquanto isso, o faturamento total das empresas que produzem concentrados de refrigerantes chega a R$ 10,06 bilhões.

Existe um consenso entre os especialistas da saúde de que bebidas açucaradas são um dos principais responsáveis pela epidemia mundial de obesidade infantil, diabetes, que colaboram no surgimento de diversos tipos de câncer e aumentam a morte prematura por doenças cardíacas. Estudos mostram que, apenas diretamente, estas bebidas causam a morte de mais de 180 mil pessoas no mundo.

Ainda assim, a votação no Senado que derrubou o decreto de Temer e restituiu os benefícios tributários provou a força do lobby dos players multinacionais que produzem uma bebida comprovadamente perigosa, sobretudo para crianças. Os partidos de diferentes posições ideológicas liberaram suas bancadas para votar de acordo com o interesse de cada parlamentar.

O resultado: 29 votos indo contra um decreto que, sabe-se, Temer resolveu assinar a contragosto, com a faca no pescoço. Seja pelo medo de afetar o “suporte eleitoral” nos seus estados, seja por doações de campanha no passado, é certo que são muitos os caminhos confidenciais que fizeram com que R$ 740 milhões de arrecadação somente em 2018 virassem pó. O PDS 57/2018 seguiu para a Câmara dos Deputados.

Campanha #SóAcreditoVendo

Nós sabemos muito bem qual é a política de benefícios fiscais para a Amazônia e a Zona Franca de Manaus, que se arrastam por mais de 50 anos sem transparência e sem análise da efetividade.

É por cenários como esse que o INESC lançou a campanha #SóAcreditoVendo, que pede o fim do sigilo dos gastos tributários no Brasil. Apenas sabendo quem recebe o quê, com total transparência, é que a sociedade tem condições de cobrar da maneira adequada. Ana Paula Bortoletto, pesquisadora em alimentos no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), concorda. “Acho que garantir a informação e transparência desses dados faz com que tenhamos muito mais ferramentas de pressão, para entendermos quem são os atores nesse sistema tributário que impactam a saúde e quanto contribuem para provocar mais doenças”, alerta.

A campanha está colhendo assinaturas para um manifesto pelo fim do sigilo fiscal dos gastos tributários, que será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado.

botão manifesto

Bortoletto vai além. Segundo ela, “lobby é pouco”. A capacidade que as empresas têm de garantir que os subsídios não sejam questionados no Congresso Nacional é enorme. “Nem no judiciário, com a Receita Federal tentando modificar esse esquema, as tentativas não foram bem-sucedidas. Há uma rede muito forte de influências que essas indústrias têm para manter esses privilégios”, lembra.

Vale lembrar que a Receita Federal abriu uma investigação para apurar se a Coca-Cola está superfaturando seus produtos para ampliar seu lucro na Zona Franca de Manaus, onde fica sua fábrica. A RF suspeita que a companhia estaria superfaturando o valor do xarope, o que gera um aumento artificial da compensação tributária que recebe do governo, justamente o alvo do decreto.

A articulação do setor privado para garantir vários benefícios fiscais em diferentes níveis é ampla e irrestrita. Em 2014, o Congresso aprovou a ampliação da Zona Franca de Manaus e todos os seus “incentivos fiscais” embutidos por mais 50 anos, até 2073. Essa foi, disparada, a maior prorrogação já feita para a Zona Franca, superando o recorde anterior, de 25 anos. Não é de surpreender, portanto, que também tramite no Congresso um projeto de lei que amplia até 2023 o prazo para que empresas com projetos aprovados nas superintendências do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene) tenham direito à redução de 75% do Imposto de Renda (IR) calculado com base no lucro da exploração do empreendimento. Todas estas décadas, diga-se, sem qualquer avaliação concreta sobre a efetividade dos benefícios fiscais concedidos.

Paula Johns, diretora geral da ACT Promoção da Saúde, lembra que outras tentativas até do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, também não foram adiante – e de forma muito rápida. “É muito significativo sobre o tamanho do lobby. Estamos falando do ministério mais forte da Esplanada. Os decretos anteriores que foram tentados, em três dias eles foram obrigados a voltar atrás. Esse ainda durou algum tempo”, lembra. Para ela, o forte financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas faz com que a captura de políticos seja total.

Você paga R$ 35 por ano para a Coca-Cola e a Ambev

Os grandes fabricantes de refrigerantes recebem de R$ 0,15 a R$ 0,20 de subsídios para cada lata consumida. Nas garrafas de dois litros, o valor repassado a essas empresas fica entre R$ 0,45 e 0,50. Seja você um consumidor ou não desses produtos, cada brasileiro arca com R$ 35 ao ano em incentivos transferidos especialmente a Coca-Cola e Ambev.

Não surpreende, portanto, que os subsídios fiscais sejam considerados dentro dos relatórios financeiros de cada uma dessas empresas como favas contadas ano a ano. Como maior mercado da América Latina, o Brasil oferece um volume de lucros significativo.

Sozinha, a Coca ou envasadores ligados a ela geram cerca de 60% de todos os créditos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) da Zona Franca de Manaus. Em 2016, o setor de bebidas gerou R$ 2 bilhões em créditos na região. Após pagar R$ 767 milhões em IPI, as empresas ficaram com R$ 1,2 bilhão para compensar tributos. Ou seja, o setor gera mais créditos do que o que precisa pagar efetivamente de imposto. Pelas regras tributárias em vigor, a cada R$ 100 vendidos em concentrado, os envasadores geram R$ 20 em créditos fiscais, que podem ser usados para abater Imposto de Renda e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).

“O fato é que isso já acontece há muitos anos, os bons resultados financeiros aqui ocorrem exatamente por esse ‘sistema fiscal especial’, conforme o termo que eles usam. E nós não temos nenhuma transparência sobre esses incentivos fiscais.”, afirma Paula Johns, da ACT Promoção da Saúde.

O fato de concorrentes menores, que nem de longe tem a força financeira, de marca e de pressão que a Coca-Cola e a Ambev têm, conseguirem sobreviver sem subsídios, também coloca à prova a necessidade desses gastos.

Na investigação conduzida pela Receita Federal, executivos da Coca-Cola têm de explicar por que a fabricante vende o quilo do xarope por cerca de R$ 200 se exporta o produto por aproximadamente R$ 20, situação já questionada por concorrentes. Como boa parte dos envasadores pertence à própria Coca-Cola, a suspeita é que ela estaria realizando uma manobra de superfaturamento para reduzir ao mínimo o pagamento de impostos e deslocando para o balanço de sua fábrica, na Zona Franca, o lucro do grupo. Isso teria permitido remessas mais significativas para a matriz, com o valor passando de R$ 1,5 bilhão, em 2016, para R$ 2,4 bilhões, em 2017, segundo a Folha de SP, sem, no entanto, o volume de vendas aumentar na mesma proporção.

Fake News docinhas e bem embaladas: as falácias da indústria

Como em outras indústrias igualmente perigosas, como a dos agrotóxicos, a de bebidas açucaradas se vale de um emaranhado de notícias falsas, estudos pseudocientíficos e “especialistas” comprados para servirem de porta-voz dos seus interesses.

Se a indústria de agrotóxicos alega, por exemplo, que os subsídios são “vitais” para manter a produtividade e o lucro do agronegócio e que, sem eles, até o custo da cesta básica pode ser afetado – algo jamais avaliado pelo DIEESE – a indústria de bebidas açucaradas apela para a suposta geração de empregos na Zona Franca de Manaus e para a suposta efetividade dos subsídios para “evitar o desmatamento na Amazônia”, além de “promover a agricultura familiar na região Norte do Brasil”. A mera presença das empresas na região faria com que os governos estaduais deixassem de buscar outras fontes de renda que, como se pressupõe, necessariamente causariam mais desmatamento. Embora estudos mostrem que é possível produzir no Brasil sem derrubar mais uma árvore sequer.

A alegada relação com a agricultura familiar é rechaçada por especialistas, como Bortoletto, assim como a geração de empregos. Trata-se, na realidade, de falácias bem embaladas sem qualquer base na realidade. Um trunfo numa época reinante de fake news. “É absurdo os argumentos que eles usam. São totalmente infundados”, afirma a diretora do IDEC.

Em junho, a Receita Federal desmentiu dados apresentados pela indústria de refrigerantes em audiência pública no Senado. O subsecretário de Fiscalização, Iágaro Jung Martins, contrapôs as informações sobre empregos criados, concentração de mercado e insegurança jurídica em meio ao debate sobre incentivos a esse setor. Martins recordou que o setor chega a dar prejuízo de arrecadação para o governo – em 2016, R$ 767 milhões negativos no IPI. A carga tributária total de uma empresa de refrigerantes que compra concentrados da Zona Franca fica em 4,77%. No total, o setor tem incentivos de R$ 3,9 bilhões anuais.

A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas – Abir – fala em 14 mil postos de trabalho, entre agricultores e funcionários no polo industrial de Manaus. Já a Receita registra apenas 798 empregos diretos, frente a um faturamento de R$ 8,7 bilhões. E contesta os dados sobre a grande quantidade de insumos, como açúcar e guaraná, comprados na região: R$ 215 milhões foram gastos no ano passado. Dividindo pelo número de produtores envolvidos, chega-se a R$ 1.300 por mês, caso se considere que todos os recursos são igualmente distribuídos. Três fabricantes instaladas na Zona Franca concentram 83% das vendas – Recofarma, Arosuco e Brasil Kirin (ex-Schincariol).

Para Iágaro Martins, não faz sentido afirmar que a mudança promovida pelo decreto coloca em risco todo o modelo da Zona Franca. Ele recordou que apenas a indústria de refrigerantes consegue cobrar créditos em cima de impostos que nunca foram pagos, numa operação contestada pelo órgão desde a década de 1990, como mostramos. “A preocupação com o precedente para os demais setores não tem como ocorrer. É logicamente impossível”.

“Essa quantidade de empregos não justifica o valor que custa para o Estado. São recursos que poderiam ser usados para diversos programas sociais e de desenvolvimento sustentável”, diz Johns. O estudo “Os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus”, feito em 2015 pela Fundação Getúlio Vargas para a Abir, mostra que o faturamento desse setor por funcionário é de R$ 9,265 milhões, muito acima da média de outros setores. As maiores empresas de concentrados respondem por menos de 1% da mão de obra empregada diretamente na Zona Franca, mas colhem 12-13% do faturamento.

Mais taxação, restrição da publicidade e melhoria nos rótulos

Em 2017, o Inca (Instituto Nacional de Câncer), órgão do Ministério da Saúde, lançou um documento em que defende o aumento na taxação de bebidas açucaradas ou com adoçantes, como sucos de caixinha e refrigerantes, a restrição da publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis dirigidos a crianças, a restrição da oferta destes produtos nas escolas, além da melhoria dos rótulos, com alertas sobre o alto teor de açúcar, gorduras e sódio.

Foi a primeira vez que o órgão lançou um posicionamento técnico em que apoia essas iniciativas, também recomendadas pela Organização Mundial de Saúde, como forma de frear o avanço de alguns tipos de câncer e a obesidade, que já atinge 20% da população brasileira e o sobrepeso, que atinge mais da metade.

Nesse sentido, o Idec propôs à Anvisa uma atualização e aprimoramento do atual modelo de rotulagem nutricional no Brasil para ajudar os consumidores a fazerem escolhas alimentares mais saudáveis. A proposta sugere que se inclua um selo de advertência na parte da frente da embalagem de alimentos processados e ultraprocessados que indica quando há excesso de açúcar, sódio, gorduras totais e saturadas, além da presença de adoçante e gordura trans em qualquer quantidade. Estes produtos também não poderão apresentar informação que transmita a ideia de que o alimento é saudável, nem ter sua comunicação voltada ao público infantil. Para saber o que é excessivo, o Instituto sugere que a indústria siga o modelo de perfil de nutrientes da Organização Panamericana da Saúde, de 2016, baseado nas recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Declarações recentes do presidente da Anvisa vão de encontro ao relatório da própria agência, favorável à proposta, o que sugere interferência dos fabricantes. A Aliança Pela Alimentação Adequada e Saudável manifestou preocupação com este retrocesso. “O lobby é forte, representantes da indústria foram até falar com o Temer sobre isso. Tentaram atrasar o processo, adiar o prazo de análise, publicam informações completamente equivocadas na imprensa. Mas apesar de tudo isso nós esperamos que o relatório seja respeitado e a Anvisa abra a consulta pública final para ter a regulamentação revisada”, afirma Ana Paula Bortoletto, pesquisadora do IDEC. As relações suspeitas de William Dib, de fato, são muitas.

Tanto o IDEC quanto a Aliança lutam também por uma lei federal que regule o marketing de alimentos não saudáveis, uma briga antiga, contra o PLC nº 34/2015 que reduz a exigência para a rotulagem de transgênicos, que deve ir à votação no plenário do Senado e por projetos que proíbam a venda e publicidade de alimentos ultraprocessados nas escolas. Atualmente, existem 30 dispositivos legais em 13 estados e no DF sobre o tema.

A nível federal, no entanto, não existe nenhuma regulamentação. Todas elas estão mapeadas em um guia para municípios sobre alimentação saudável nas escolas lançado pelo IDEC, que pode servir de inspiração para boas práticas dos gestores.

Para Bortoletto, tudo isso faz parte do conjunto de políticas que os especialistas entendem que vão facilitar as escolhas mais saudáveis. “A gente sabe que tem uma narrativa comum de que a culpa é das pessoas. Mas a verdade é que existe um grande peso da publicidade e uma influência enorme do ambiente que favorece escolhas não saudáveis. Restringir a publicidade, dar transparência de informação nos rótulos e corrigir as distorções tributárias são medidas efetivas e necessárias para mudar esse quadro”, diz.

O Ministério da Saúde anunciou em 01 de outubro um acordo com a indústria de alimentos processados para a redução do nível de açúcar em vários produtos sem, contudo, detalhar exatamente quais as regras que esperam que sejam cumpridas. Segundo o ministro Gilberto Occhi, a proposta inclui iogurtes, achocolatados, sucos em caixinha, refrigerantes, bolos e biscoitos, com níveis de redução específicos para cada um até 2021, quando uma nova rodada de negociação acontecerá.

>>> Saiba mais sobre a campanha #SóAcreditoVendo, que pede transparência dos gastos tributários

Brasileira preside novo Comitê Executivo do Forus

A Semana Estratégica do Forus, realizada em setembro, no Chile, trouxe grandes novidades. Além de um novo nome e identidade visual, a antiga Fórum Internacional de Plataformas de ONGs Nacionais (IFP/FIP), elegeu seu novo Comitê Executivo para a gestão 2018-2020. Iara Pietrcovisky foi eleita presidente representando a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).

O Forus é uma rede global inovadora que capacita a sociedade civil para uma mudança social efetiva. É uma organização que reúne 69 Plataformas de ONGs Nacionais (PON) e 7 Coalizões Regionais (CR) da África, América, Ásia, Europa e Pacifico, juntas representando mais de 22.000 organizações.

“A Semana Estratégica do Forus foi um momento único, pois demonstrou o forte e inabalável  compromisso dos membros de Forus com os direitos humanos e a democracia, um compromisso coletivo para continuar essas lutas, a nível internacional e regional, em nome de Forus, por um mundo melhor e mais justo”, afirmou Iara Pietricovisky.

O novo Comitê Executivo (2018-2020) também é composto por pelos vice-presidentes Saroeun Soeung (CCC, Camboja), Rilli Lappalainen (KEHYS, Finlândia) e Sam Worthington (InterAction, EUA); e pelo tesoureiro Jean-Marc Boivin (Coordination Sud, França).

Saiba mais sobre o papel do Forus e os desafios para o próximo período pelas palavras da presidente Iara Pietricovisky, que também é antropóloga, mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e atriz de teatro:

Qual o papel do Forus no Brasil e no mundo?

O Forus pretende ser uma articulação de representação das plataformas nacionais e regionais de ONGs que estão comprometidas com a democracia e com a efetivação do marco dos direitos humanos. Portanto, um campo bem específico e bem definido politicamente.

Quais as propostas para esse mandato?

Nossa prioridade será atuar nos debates da agenda 2030; desenvolver uma proposta de fortalecimento das ONGs por meio da existência de recursos específicos para este campo, no âmbito das agências multilaterais; fortalecer e defender as plataformas em suas atuações nas mais diversas regiões do Planeta; e fortalecer a luta em favor da diversidade e da igualdade.

Quais os desafios de liderar uma organização como essa?

Poderia comentar dois grandes desafios: o primeiro é o fato de existir uma tendência de estreitamento do espaço cívico em várias partes do mundo, o que tem implicação direta com o ambiente democrático e de liberdade de expressão necessário para a atuação das ONGS pertencentes ao Forus. O segundo, como decorrência do primeiro, é restrição de financiamento para este setor da sociedade que historicamente tem mostrado seu compromisso com a transparência e a justiça em seus vários âmbitos. Uma está conectada com a outra, por isso, o desafio do Forus é ser o porta-voz destas mais de 22 mil organizações espalhadas em mais de 69 países e com representações regionais em todos os hemisférios e regiões do Planeta.

Acesse o site da Forus e saiba mais: http://www.forus-international.org/pt

Sociedade civil divulga manifesto em defesa do meio ambiente

Um conjunto de redes e organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, divulgou, na última sexta-feira (19), um manifesto em defesa do meio ambiente. As instituições que assinam o documento consideram que a extinção ou enfraquecimento dos órgãos ambientais pode provocar a explosão das taxas de desmatamento e colocar “em risco quatro décadas de avanços na proteção do meio ambiente”. Lembram ainda que, conforme os cientistas, caso a derrubada da floresta ultrapasse 25% (hoje ela está em 19%), a Amazônia pode se transformar numa savana, o que colocaria em risco o regime de chuvas de grande parte do país.

As organizações reforçam que uma possível saída do Brasil do acordo de clima pode prejudicar o comércio e a imagem internacionais do país tendo em vista as crescentes exigências do mercado quanto à sustentabilidade.

O texto, intitulado “Desvalorizar o meio ambiente é um risco para todo brasileiro” ainda chama atenção para os riscos do enfraquecimento ou fim do licenciamento ambiental; da facilitação do uso de agrotóxicos; da abertura das áreas protegidas a atividades de alto impacto ambiental; e do “fim do ativismo” no país.

“Meio ambiente é coisa séria. Diz respeito à nossa qualidade de vida e ao mundo que deixaremos para nossos filhos, seja qual for a nossa forma de pensar, agir e lutar. A sua proteção constitui direito fundamental de toda a sociedade brasileira, configurando-se como pauta apartidária. O próximo Presidente da República tem o dever de reconhecer e se comprometer com a proteção das conquistas ambientais da sociedade. É preciso caminhar em direção à Constituição Cidadã; não se afastar dela”, alerta o manifesto.

Reportagem do site Investimentos e Direitos na Amazônia, iniciativa do Inesc,  alertou que caso o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro seja eleito no próximo domingo (28/10), o que a Amazônia brasileira e a área ambiental de maneira geral podem esperar é um cenário de aumento de 268% no desmatamento, saída do Acordo de Paris, mineração e grandes obras.

*Com informações do site do ISA

Cerca de 3 mil entidades repudiam Bolsonaro por fala sobre fim do ativismo no Brasil

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) se juntou a cerca de 3 mil organizações não-governamentais, coletivos e movimentos sociais nacionais e internacionais que repudiaram a afirmação do candidato Jair Bolsonaro de que, se eleito, vai “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”. O pronunciamento foi feito pelo presidenciável no domingo (7/10) depois da divulgação dos resultados do primeiro turno.

Por meio de uma carta publicada na última segunda-feira (15), as entidades afirmam que a fala de Bolsonaro afronta a Constituição Federal, que garante os direitos de associação e assembleia. “Trata-se de uma ameaça inaceitável à nossa liberdade de atuação. Não será apenas a vida de milhões de cidadãos e cidadãs ativistas e o trabalho de 820 mil organizações que serão afetados. Será a própria democracia brasileira. E não há democracia sem defesa de direitos.”

O grupo também destaca a importância de “uma sociedade civil vibrante, atuante e livre para denunciar abusos, celebrar conquistas e avançar em direitos”, assim como para a conquista de direitos e de melhores condições de vida para a população, e pede “que o desprezo pelos movimentos sociais e pela sociedade civil seja considerado por todas e todos na hora de decidir seu voto”.

Clique aqui para ler a íntegra da nota.

“Organizações e movimentos são atores estratégicos na contribuição para a formulação de políticas públicas, na elaboração de leis importantes para o país”, afirma o documento ao citar leis conquistadas por meio de pressão de organizações ativistas, como as que criminalizam o racismo e a violência contra a mulher. E conclui: “calar a sociedade civil, como anuncia Jair Bolsonaro, é prática recorrente em regimes autoritários. Não podemos aceitar que passe a ser no Brasil.”

De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) mencionados na carta, em 2017 haviam 820 mil ONGs no Brasil. A lista de organizações, coletivos e movimentos que aderiram à manifestação inclui entidades de diversos segmentos como defesa do meio ambiente, direitos humanos e educação.

*Com informações do site da Conectas

Subsídios aos combustíveis fósseis: é preciso mais transparência

Segundo pesquisa feita pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre 2013 e 2017 os gastos tributários relacionados aos combustíveis fósseis alcançaram o patamar de R$ 309,36 bilhões. Isto significa que as empresas que operam no segmento de extração e refino, transporte de cargas e passageiros e geração de energia a diesel tiveram, e ainda tem, subsídios bilionários – foram R$ 58 bilhões somente em 2017. Para se ter uma ideia melhor do quanto o país deixou de arrecadar, esta quantia equivale a cerca de 16 vezes o orçamento do Meio Ambiente.

Visto assim em grandes números é difícil fazer uma análise, uma vez que o setor é muito complexo, composto por segmentos de beneficiários distintos. Para simplificar, é útil separar esses subsídios em dois grandes blocos: os voltados à produção, que mostram o quanto os governos abrem mão de arrecadação para reduzir custos para o setor; e os relacionados ao consumo que, em geral, são adotados pelos governos, seja para evitar fortes elevações nos preços dos combustíveis utilizados no transporte, seja para compensar custos mais elevados da geração de energia baseada em diesel e carvão. São questões muito distintas que exigem um tratamento também distinto.

Subsídios ao consumo: dos R$ 309,36 bilhões em gastos tributários, a maior parte é atribuída ao consumo: são R$ 225 bilhões ou 73% do total. Este valor é oriundo de duas grandes renúncias. Uma, a redução do PIS/COFINS para combustíveis que somou R$ 178,47 bilhões. Outra, a redução do CIDE combustíveis que somou R$ 46,53.

Especialistas divergem acerca da interpretação destas reduções como sendo ou não subsídios, porque a legislação que institui a cobrança deixa brechas para a aplicação de descontos. Mas, para além do debate teórico-jurídico, aplicar uma redução de alíquota em relação à alíquota vigente implica perda de receita. Esta, por sua vez, ou é compensada com outra receita, ou representa uma perda definitiva que vai impactar na redução do gasto com políticas públicas.

O melhor exemplo é a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, que findou com a negociação de um acordo para reduzir o preço do combustível em R$ 0,46 por litro. A redução foi alcançada por meio de duas medidas distintas de subsídios. Uma na forma de renúncia fiscal, por meio da zeragem da CIDE-combustíveis e corte do PIS/COFINS. Este subsídio, que corresponde a R$ 0,16 por litro, representará uma perda de arrecadação de R$ 4,01 bilhões em 2018, a qual deverá ser compensada com a redução de desonerações em outros setores. A outra, na forma de subvenção econômica, por meio de repasse de recursos do orçamento público para a Petrobras e importadoras privadas. As empresas receberão R$ 0,30 por litro de óleo diesel para praticar preços estabelecidos pelo governo. O impacto fiscal é estimado em R$ 9,5 bilhões em 2018.

Subsídios à produção: estes correspondem a R$ 84,34 bilhões ou 27% dos R$ 309,36 bilhões em gastos tributários. A maior parte, R$ 58,10 bilhões, é oriunda do chamado REPETRO. Trata-se de um Regime Aduaneiro Especial, exclusivo do setor e voltado à fase de Exploração & Produção (E&P), que suspende a cobrança de II, IPI, PIS/COFINS, AFRMM para operações de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de Petróleo e de Gás Natural.

Dito isto, podemos apontar algumas questões que merecem reflexão no cenário atual, de necessária mudança de rumos para o desenvolvimento do país.  A primeira é que no Brasil os gastos tributários cresceram muito ao longo dos últimos anos. Segundo previsão da Receita Federal, eles atingirão em 2019 o valor de R$ 306,3 bilhões – em 2008 estes gastos eram de R$ 170 bilhões. No cenário de crise em que vivemos, já está publicamente identificado entre os problemas que precisam ser enfrentados o excesso de desonerações que foram sendo concedidos na vã tentativa de impulsionar a economia, mas que acabaram não resolvendo o problema da falta de crescimento e gerando um outro: a falta de arrecadação e o déficit do orçamento público.

Pois bem, se olharmos para os subsídios aos combustíveis fósseis veremos que, dos R$ 309,36 bilhões concedidos entre 2013 e 2017, a maioria nem sequer é considerada nas estimativas apresentadas pela Receita Federal. Pegando o exemplo de 2017, dos 58 bilhões de gastos tributários, R$ 55 bilhões (quase tudo) não fazem parte das estimativas de gastos tributários da Receita Federal, medidos em um total de R$ 270 bilhões para o ano de 2017. Ou seja, se a Receita computasse também estes gastos tributários teríamos R$ 55 bilhões a mais oficialmente estimados.

Por que isto acontece? Basicamente porque o conceito de gasto tributário no Brasil é restritivo, não considerando como gastos tributário práticas assim definidas em outros países.  Por isto, o estudo do Inesc, seguindo a metodologia utilizada da OCDE que considera como subsídios todas as renúncias de impostos e contribuições em favor de produtores ou consumidores de combustíveis fósseis, chega a números mais expressivos e ignorados nos cálculos apresentadas pela Receita Federal.

De novo, o melhor exemplo da importância de se considerar tais valores como gastos tributários foi dado recentemente pela greve dos caminhoneiros. O dinheiro que se deixará de arrecadar com a zeragem da CIDE-Combustíveis e com a redução do PIS/COFINS, e que faziam parte das estimativas de receitas esperadas, precisaram ser compensadas de alguma forma, seja com uma taxação maior de algum setor ou segmento, seja por meio de subvenção. Isto é, há perda de recursos do orçamento público e este dinheiro fará falta em algum outro lugar. Simples assim!

Portanto, sem nem sequer entrar no debate econômico e ambiental da necessária revisão dos subsídios aos combustíveis fósseis, no Brasil e no mundo, é necessário falar sobre transparência.

A Receita Federal do Brasil precisa explicitar com clareza as metodologias utilizadas para mensuração dos gastos tributários e passar a considerar no seu cálculo a maioria dos subsídios aos combustíveis fósseis, hoje escondidos. Assim como é preciso que apresente quais são os mecanismos de acompanhamento e avaliação destes gastos, quais são as empresas beneficiadas e quanto cada uma deixa de pagar. É por esta transparência que a campanha recém-lançada pelo Inesc, intitulada #SóAcreditoVendo, pede.

Não é demais lembrar que no final de 2017 foi aprovada no Congresso Nacional a Lei N° 13.586 de 2017, que criou um novo regime de tributação para o setor de petróleo, consolidando isenções já instituídas e permitindo ampla redução da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Este novo “perdão de arrecadação” representa um subsídio à produção dos combustíveis fósseis que contribui para a queda dos custos de produção e para ampliar a rentabilidade das petroleiras; não somente da Petrobras, mas de todas as empresas que operam ou podem vir a operar no país na Exploração e Produção (E&P) de petróleo. Embora as estimativas do tamanho destes subsídios ainda estejam envoltas em controvérsias e dependam de muitas variáveis, é possível afirmar que são muito elevados: já foram estimados em R$ 1 trilhão em 20 anos. O que se deixará de arrecadar terá impactos importantes para o financiamento de políticas públicas de saúde, educação entre outras.

Em síntese, existem muitos bilhões de subsídios/gastos tributários que deveriam vir à tona nas estimativas da Receita Federal e que todos nós deveríamos conhecer quem são os seus beneficiários e quanto cada um deixa de pagar. Assine no manifesto #SóAcreditoVendo e nos ajude a pedir mais transparência nos gastos tributários.

Perfil do poder nas Eleições 2018: importantes conquistas, poucas mudanças

  Carmela Zigoni, assessora política do Inesc
Nailah Veleci, consultora em Estatística

A eleição de novas candidaturas, de várias matizes ideológicas do espectro político, foi a tônica do 1º turno das Eleições 2018.  Mas ainda que a chamada “renovação política” tenha implicado mudanças na correlação de força dos partidos, a representatividade continuou muito aquém da realidade da sociedade brasileira. Um exemplo disso é que das 13 mulheres que disputavam o governo nos estados, nenhuma foi eleita no primeiro turno e apenas uma ainda concorre no segundo.

Contudo, é importante destacar que o assassinato político da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e as manifestações dos movimentos de mulheres e negros impactaram uma mudança no pleito. Estatisticamente discreta, é verdade, mas simbolicamente forte. Como apontamos em recente artigo, o número de mulheres que se autodeclararam pretas para todas as candidaturas aumentou 70% em relação a 2014. Do Rio de Janeiro veio uma vitória esperançosa: três ex-assessoras de Marielle foram eleitas deputadas estaduais.

O processo eleitoral ainda não terminou. É preciso que eleitoras e eleitores estejam atentos aos resultados do primeiro turno e em como a representatividade ainda é um desafio para nossa jovem democracia.

Retrato do Congresso Nacional

Se considerarmos o Parlamento como um todo (deputados federais e senadores), o Congresso Nacional terá 15% de mulheres nos próximos quatro anos, um aumento importante em relação a 2010 (9%) e 2014 (10%), mas muito aquém da cota de 30% de candidatas – e pior ainda considerando que metade da população brasileira é composta de mulheres. Em números absolutos, dos 567cargos, foram eleitas somente 84 mulheres frente a 483 homens.

Para o cargo de deputada federal, foram eleitas 77 mulheres, representando 15,01% do total, um aumento de 50,9% em relação a 2014, quando foram eleitas 51 mulheres.

No Senado, a proporção entre homens e mulheres eleitas diminuiu: em 2014 foram ocupadas 27 vagas de senadores, 5 delas por mulheres, representando 18,5%. Agora, com a renovação de 54 vagas, serão 7 mulheres (13%) e 47 homens (87%), ou seja, um aumento de 40% de senadoras eleitas, mas uma queda de 5% em relação a eleição geral para o Senado.

Entre as deputadas federais eleitas, serão 13 negras (4 pretas e 9 pardas), além de 1 senadora parda: juntas, elas representarão 2,5% de mulheres negras no Parlamento, um aumento muito pequeno em relação a 2014, quando 11 se declararam negras  – 10 na Câmara e 1 no Senado, ou seja, 2% do total de eleitos.

Considerando homens e mulheres, o Senado contará com 14 negros, representando 26% da casa (3 pretos – 5,6%; 11 pardos – 20,3%); e a Câmara com 126 deputados federais negros (24,7%, sendo 20 pretos, 4%; e 106 pardos, 20,7%). Em 2014, os negros representavam 20% do total do Parlamento.

Apenas uma indígena foi eleita deputada federal, pelo estado de Roraima. Joênia Wapichana (REDE) será a primeira mulher indígena do parlamento nacional brasileiro. Apesar dessa conquista, tivemos um retrocesso de representatividade nessas eleições, pois das 133 candidaturas indígenas para todos os cargos, apenas Wapichana obteve sucesso.

Os jovens (de 20 a 29 anos) representam 3,7% entre os eleitos para o Congresso Nacional. Neste segmento, os negros ficaram com baixíssima representação: 79% (15) dos jovens eleitos são brancos e 15,8% negros (3 pardos, nenhum preto).

Representação por partido

Os partidos que mais elegeram mulheres foram o PSL (11), PT (10) e PSDB (9); e os que mais elegeram negros foram PSL (16), PT (16), PR (12) e PRB (11). Os partidos que conquistaram vagas no Congresso, mas não elegeram nenhuma mulher, foram DC, PATRI, PMN e PSC. E os partidos que não elegeram nenhum negro, mesmo tendo cadeira no Congresso foram DC e NOVO.

Os estados que mais elegeram mulheres foram São Paulo (12), Rio de Janeiro (10) e Distrito Federal (6); e os que não elegeram nenhuma foram Amazonas e Sergipe.

Em resumo, nos próximos quatro anos teremos um parlamento de maioria masculina (85%), branca (74,7%) e na faixa etária de 45 a 59 anos (43,6%), seguindo o padrão das últimas duas eleições.

Executivo e Legislativo nos estados

Nenhuma mulher foi eleita ao cargo de governadora no primeiro turno. Para o segundo turno, temos uma mulher ainda na disputa, Fatima Bezerra, do PT do Rio Grande do Norte. Por outro lado, foram eleitas 5 vice-governadoras, representando 38,5%.

Dos governadores eleitos, 77% são brancos e 24% se declararam pardos (nenhum preto, indígena ou amarelo).

Nos cargos a vice-governador, 46% (6) dos eleitos são negros (7,7% pretos e 38,46% pardos), e destes, 5 são mulheres negras.

Para os cargos de deputado estadual/distrital, foram eleitos 163 mulheres (15,39%) e 305 negros (28,8%). O estado do Mato Grosso do Sul não elegeu nenhuma mulher.

Os partidos que mais elegeram mulheres nos estados foram PSOL (7), PSD (4) e MDB (3), e os que não elegeram nenhuma deputada estadual negra foram AVANTE, DC, NOVO, PATRI, PHS, PMB, PPL e PSC.

Nenhum indígena foi eleito para o cargo de deputado estadual/distrital. Em 2014 tivemos um indígena eleito nas Assembleias Estaduais, José Carlos Nunes (PT-ES).

Com relação à juventude, das 532 candidaturas de 20 a 29 anos para os cargos de deputado estadual e distrital, 54 foram eleitos. Destes, 19% mulheres e 22,2% negros (1 preto e 11 pardos). Os partidos que mais elegeram jovens para os cargos de deputado estadual/distrital foram PSL (6), PP (5), PRTB (4), PSD (4), SOLIDARIEDADE (4).

As mulheres negras reagem

Com campanhas inovadoras e progressistas, diversas mulheres negras se destacaram neste pleito. Em São Paulo, elegeu-se Erica Malunguinho, mulher negra e trans, para o cargo de deputada estadual; em Minas Gerais, a vereadora negra mais votada do último pleito, Áurea Carollina, elegeu-se para a Câmara Federal; no Rio de Janeiro, Monica Francisco, Dani Monteiro e Renata Souza, ex-assessoras de Marielle Franco, elegeram-se deputadas estaduais.

A única candidata preta eleita para Assembleia Legislativa de Pernambuco merece um destaque, porque na realidade trata-se de uma candidatura coletiva do PSOL, de nome Juntas, composta por cinco mulheres: Carol Vergolino, Joelma Carla, Jô Lima, Kátia Cunha e Robeyoncé Lima (primeira transexual do Norte e Nordeste do país a usar o nome social na carteira da Ordem dos Advogados do Brasil).[1]

Em um Brasil que flerta com o fascismo, estas vitórias devem ser celebradas. Um país que não consegue parar o genocídio da juventude negra e que mais mata LGBTI no mundo, onde nos defrontamos com políticos eleitos e candidatos ainda na disputa que falam abertamente em suprimir os direitos de minorias, a renovação que estas mulheres propõem à política são um respiro à nossa cidadania.

Lista de siglas dos partidos citados:

AVANTE – Avante

DC – Democracia Cristã

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

NOVO – Partido Novo

PATRI – Patriota

PHS – Partido Humanista da Solidariedade

PMB – Partido da Mulher Brasileira

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PR – Partido da República

PRB – Partido Republicano Brasileiro

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PSC – Partido Social Cristão

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSL – Partido Social Liberal

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PT – Partido dos Trabalhadores

REDE – Rede Sustentabilidade

SOLIDARIEDADE – Solidariedade


[1] Fonte: G1 Pernambuco. ‘Juntas’, cinco mulheres estreiam mandato coletivo na Assembleia Legislativa de PE. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/eleicoes/2018/noticia/2018/10/08/juntas-cinco-mulheres-estreiam-mandato-coletivo-na-assembleia-legislativa-de-pe.ghtml

Reafirmamos o nosso compromisso com a democracia

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização da sociedade civil que há 39 anos atua na defesa dos direitos humanos, na promoção da cidadania e no fortalecimento da participação popular, vem a público reafirmar seu compromisso com a democracia – que já não é plenamente exercida e sofre graves ameaças em nosso país – e repudiar a violência física e simbólica com as quais se tem atacado os direitos humanos, civis, políticos, sociais, e, sobretudo, as pessoas que os defendem.

Tais violências incentivam e corroboram a intolerância, já tão grave no Brasil: país com mais mortes violentas de LGBT no mundo; 5º em número de feminicídios; que mais mata indígenas na América Latina; onde a taxa de homicídios de pessoas negras é o dobro das não negras; e onde há mais assassinatos de ativistas de direitos humanos e ambientalistas no mundo.

Neste momento decisivo para o país, nos posicionamos em favor de um Brasil que respeita as diferenças, defende as liberdades civis e políticas, bem como promova os direitos humanos e sociais, sem os quais é impossível o aprimoramento da nossa recente e frágil democracia.

Análise das propostas de política externa das candidaturas à Presidência

Por Adhemar S. Mineiro, economista e assessor da REBRIP

Na área das propostas de política externa, os programas são bastante assimétricos. Salta aos olhos o grau de detalhamento de programas como os de Ciro Gomes, Fernando Haddad, Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos e Marina Silva, frente aos demais, normalmente uma enunciação de princípios apenas.

Detalhados ou declarações de princípios gerais, normalmente os programas mais conservadores colocam muita ênfase nos temas de economia, finanças e comércio, defendendo processos de abertura comercial, desmonte de barreiras ao comércio e facilitação de investimentos, e enfatizam as relações com os países desenvolvidos. Os programas que se colocam em um campo de visão mais progressista, via de regra, colocam ênfase em temas como direitos humanos, paz, defesa de acordos ambientais internacionais, e em mecanismos que permitam defender um espaço interno para o desenvolvimento econômico autônomo, dentro de estratégias que buscam construir alternativas, e aqui normalmente existe um destaque na questão da integração regional.

Assim, na área de comércio e integração às cadeias globais de valor, que é um dos pontos caros para os programas conservadores em geral, aparecem vários temas dependendo do candidato, que incluem a adesão plena à OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, tradicionalmente um clube dos países ricos que no período mais recente tem se aberto aos países em desenvolvimento, representando nesse caso a membresia plena mais uma adesão à uma visão capitalista hegemônica e uma consolidação das regras de abertura e garantias de investimento vigentes no eixo hoje central do capitalismo do Atlântico Norte – mais Japão), a assinatura de tratados multilaterais ou bilaterais de comércio (no caso do candidato Bolsonaro, aparece explícito o bilateralismo, aparentemente um eco abaixo da Linha do Equador das posições do governo estadunidense de Donald Trump), e uma diplomacia voltada à expansão de mercados. Esses posicionamentos estão, de modo geral, em linha com ao menos o discurso (e a tentativa de alguma movimentação internacional, bastante limitada por sua reconhecida pouca legitimidade) do Governo Temer, embora essa proximidade com o impopular governo atual dificilmente vá ser reconhecida por algum dos candidatos que adota esse programa.

Dentro dessa perspectiva, aparecem de diferentes maneiras a revisão dos processos e mecanismos de integração regional da chamada “era Lula”, acusada de ser um momento de uma política externa menos pragmática e mais ideologicamente alinhada (é curioso como alguns programas conservadores, como o de Alckmin, acabam recuperando determinados mecanismos desse período, como a APEX – Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos, entidade de direito privado, mas com predominante participação do Estado brasileiro, curiosamente criada no primeiro ano do Governo Lula, em 2003, ou a ideia do reforço ao IBAS – Fórum Índia, Brasil e África do Sul, ou dos BRICS – Fórum Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Um ponto importante aqui, e esse sim um debate relevante, que aparece aberto no programa do candidato Alckmin, é a questão do papel do Leste Asiático em geral e da China em particular. O centro do debate internacional no próximo período será essa importante discussão, que exigirá revisões e novos posicionamentos no cenário internacional, além da rediscussão do papel econômico e internacional do Brasil. Esse tema aparece nos programas dos candidatos mais progressistas, de forma pragmática ou de discussão (como acontece no programa de Ciro Gomes, por exemplo). Mas é interessante ver um candidato do campo conservador ser pragmático ao ponto de apresentar essa discussão como um tema importante do debate internacional, em um campo político onde os posicionamentos programáticos normalmente enfatizam uma espécie de alinhamento quase que incondicional com as posições ocidentais, em particular as articulações com os EUA.

Na área da política regional, que na maior parte dos casos inclui Mercosul, América do Sul, e América Latina (e Caribe), os programas do campo conservador trabalham mais os temas de comércio – Mercosul como área de livre comércio, e pouca importância dos mecanismos políticos e sociais do Mercosul, acordo comercial com a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México) e outros mecanismos – relativizando os outros temas. Em alguns dos programas do campo conservador também aparece o tema de que o alinhamento regional deve respeitar a defesa da democracia e do combate às ditaduras, o que normalmente é o preâmbulo para um ataque ao governo da Venezuela e à evolução dos acontecimentos naquele país vizinho.

No caso da política regional, os programas progressistas quase sempre apresentam esse ponto dentro de uma estratégia que vai muito além da questão do comércio. Em geral, falam de diferentes maneiras, no tema econômico, da interconexão das redes de produção regional no sentido de gerar cadeias regionais de valor, mas o tema é muito mais complexo. Mecanismos como Mercosul, Unasul e CELAC são não apenas saudados, mas se fala do seu adensamento e maior organicidade, e de como funcionam como “musculatura” para um líder regional como o Brasil na construção de um mundo multipolar. Assim, a integração regional não é apenas a constituição de um mercado ampliado ou uma cadeia produtiva integrada na região, mas um elemento fundamental para reforçar a capacidade de intervenção externa do Brasil e de administrar paz e segurança na região sem precisar contar com potências hegemônicas de fora da região, o que significa ganhar bastante autonomia no processo de constituição de alternativas ao desenvolvimento regional.

Aliás, os temas e princípios de paz e segurança aparecem em diversos programas, em regra no campo progressista, mas não só (o programa do candidato Eymael também aponta a importância de uma ordem mundial baseada nestes princípios). Em geral, eles aparecem conectados com a discussão da aproximação/articulação Sul-Sul, regional latino-americana como já citado, mas também com os temas de Direitos Humanos e, em alguns casos, cooperação com países menos desenvolvidos.

Temas relativos ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável (alguns citam explicitamente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS) aparecem principalmente nos programas do campo progressista, mas também estão listados no programa do candidato Alckmin, e muito fortemente no programa de Marina Silva. O papel de protagonista do Brasil nesta discussão aparece como uma herança importante (embora alguns dos programas não o reconheçam) do período da diplomacia “ativa e altiva” dos dois governos de Lula. De todo modo, vários dos programas que colocam essa ênfase na diplomacia ambiental apontam o papel importante que o Brasil pode ter não apenas de levar adiante os compromissos internacionais firmados internacionalmente e, assim, “liderar pelo exemplo”, como também ser capaz de propor e articular a continuidade e o aprofundamento dos elementos que já estão hoje colocados no ambiente e no cenário internacional – o que parece muito otimista, neste momento, frente a mudanças importantes ocorridas em um cenário hoje caracterizado por uma diplomacia disruptiva da formação de espaços de consenso que permitiram e permitiriam avanças no âmbito multilateral, como é o caso do posicionamento estadunidense com o Governo Trump. De qualquer maneira, este ponto não está discutido (embora programas como o de Boulos e o de Ciro façam alguma referência ao tema).

Assim, os dois grandes temas que permitem uma clivagem mais clara entre campos progressista e conservador na área da política externa proposta pelos programas acabam dizendo respeito aos temas da política regional (ou de integração regional) na América do Sul em particular, e América Latina e Caribe em geral, e nos temas de desenvolvimento econômico, aí incluídos os temas financeiros, de comércio e de integração às cadeias globais de valor (no caso do programa de Boulos, se fala também no tema de propriedade intelectual).

Como explicado anteriormente, no caso da integração, existe no campo progressista uma aposta em aprofundar o tema, enquanto o campo mais conservador tenta circunscrever mais o assunto ao tema de comércio. Na área do comércio e das cadeias globais de valor, enquanto o campo progressista é muito atento e defensivo frente às possibilidades e, em especial, os riscos inerentes a uma integração subordinada às cadeias globais de valor lideradas pelas grandes corporações transnacionais à escala internacional, o campo conservador é extremamente entusiasta dessa possibilidade que, segundo essa visão, abre caminhos para o crescimento econômico.

Um último ponto que parece importante é que, em geral, os programas do campo progressista, por apostarem mais na estruturação e operação de um sistema internacional multipolar, vêm uma possibilidade de algum papel importante para a diplomacia brasileira nesse cenário, muitas vezes até apontando no sentido do protagonismo. O campo conservador, mesmo quando vê possibilidades de multipolaridade ou bipolaridade (em uma aposta de um papel relevante como contrapeso dos EUA por parte da China), releva a possibilidade de um protagonismo brasileiro, embora veja em vários dos casos uma possibilidade de ação ativa da diplomacia brasileira (mesmo que isso esteja longe de significar protagonismo).

Enfim, embora na área da política externa as coisas talvez sejam mais complicadas de enquadrar em análises simplistas, ainda assim, têm alguns elementos que permitem identificar ao menos um espectro de programas dentro de um campo mais progressista ou de outro mais conservador, que pode ajudar na definição de escolhas de um eleitor que busque fazer essa identificação.

A seguir será feita uma breve sistematização dos programas dos(as) candidatos(as), na ordem alfabética de seus nomes:

Álvaro Dias

Na área da política externa, a preocupação central da candidatura Álvaro Dias é com o tema de comércio exterior, onde propõe inclusive algumas metas quantitativas, como fechar dez novos acordos bilaterais e quatro acordos multilaterais até 2022, ou uma redução gradual de tarifas em 50% até o mesmo ano (último do mandato). Além da preocupação com o comércio, o outro tema diz respeito à segurança das fronteiras.

 

Benevenuto Dacciolo

A preocupação da candidatura Dacciolo na área da política externa expressa no programa de governo se restringe ao tema da segurança, com o combate ao tráfico de drogas e armas, em especial na área de fronteira. Mas longe de prever alguma articulação internacional, a única proposta é uma forte ampliação dos recursos e efetivos das forças de segurança internas (forças armadas, polícia federal, polícia rodoviária, etc.).

 

Ciro Gomes

O programa do candidato aponta um eixo importante na integração regional sul-americana, e em uma “estratégia compartilhada de desenvolvimento voltada para a qualificação da produção, para a reindustrialização no rumo da economia do conhecimento (inclusive na agregação de valor a atividades extrativas e agropecuárias) e para a democratização das oportunidades e capacitações”, trabalhando para formar cadeias produtivas no nível sul-americano, que envolva também não apenas o adensamento do comércio e de parcerias produtivas e tecnológicas, como em defesa e conhecimento/tecnologia, “com a circulação de estudantes, pesquisadores e ideias”. Apesar disso, aponta que o Mercosul deve se dispor a aprofundar o livre-comércio (mesmo que isso possa representar em momentos a flexibilização da união aduaneira). Em relação aos EUA, governo e empresas, fala em fortalecer as relações, em especial nas áreas de comércio bilateral, inovação produtiva, científica e tecnológica, comunicação, defesa, economia digital em geral (buscando capacitar nossas empresas e organizações públicas) – embora afirme que “parceiro, não pode ser protetorado”, ou seja, em várias áreas para constituir as parcerias o Brasil precisa ganhar autonomia. Em relação à China, propõe desenvolver e reconstituir a relação com a China, agora condicionada à “colaboração com nosso governo e nossas empresas na qualificação produtiva e tecnológica, inclusive de nossa agricultura, pecuária e mineração”, afirmando que tanto em relação à China quanto aos EUA o país deve se recusar a uma relação “neocolonial”. Em relação à China, aponta ainda o perigo que o processo de endividamento em relação àquele país possa comprometer nossa soberania. O programa é bem entusiástico em relação aos BRICS (assim como em relação ao IBAS) como espaço multilateral de poder, nesse caso bem alternativo em muitos pontos de vista. É entusiástico também em relação a futura presidência do BRICS, que caberá ao país em 2019, assim como a indicação do presidente brasileiro do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS). Em relação a outros países em desenvolvimento, defende reconstruir nossa relação com a África “em bases generosas”, isto é, menos focado no interesse das empreiteiras brasileiras. Na área ambiental, propõe aproveitar o “papel desbravador que o Brasil pode desempenhar na elaboração de acordos internacionais a respeito de mudança de clima e desenvolvimento sustentável”. Na área de relações externas e defesa, propõe trabalhar contra a instalação de bases militares de potências externas no continente sul-americano (leia-se bases estadunidenses), assim como desenvolver um debate e uma agenda de reforma na área de segurança no mundo que “que constranja as grandes potências no uso unilateral da força armada”. Finalmente, na área comercial, propõe uma inserção internacional com especial destaque para a “indústria manufatureira de alta tecnologia e para serviços intensivos em conhecimento”, com foco no longo prazo. Assim, a prioridade dos acordos comerciais, bilaterais e/ou multilaterais, deve ser no acesso a novas tecnologias e mercados, ajudando nessa direção (inclusiva na agricultura). A política comercial deve ser tarefa de todo o governo, e não se confundir com a ação diplomática. Defende ainda a constituição de uma agenda de reforma da ordem mundial de comércio, e da ordem monetária global, neste caso, que crie condições “para ultrapassar o dólar como moeda-reserva do mundo”, proposta que potencialmente cria tensões com os EUA.

 

Fernando Haddad

Os princípios norteadores da política externa serão “o diálogo mundial pela construção da paz” e a cooperação em temas como saúde, educação, segurança alimentar e nutricional, em especial com os países latino-americanos e a África. O Brasil também voltará a ter presença importante no Sistema Internacional de Direitos Humanos. Essa perspectiva de proteção aos Direitos Humanos estará presenta na promoção do debate sobre a reforma da ONU (aí incluído o Conselho de Segurança), assim como outros instrumentos de proteção aos Direitos Humanos nos planos regional e internacional. Na área da integração regional, o Brasil defenderá a integração das cadeias produtivas regionais, alavancadas pelo desenvolvimento da infraestrutura e o fortalecimento de instrumentos financeiros como o FOCEM (Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul) e o Banco do Sul, além de esforços para fortalecer mecanismos como Mercosul, Unasul e CELAC. No plano da relação com países em desenvolvimento no âmbito internacional, a orientação é o fortalecimento do Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e dos BRICS, e contribuir para um mundo mais multipolar no sentido de superar a hegemonia dos EUA. Além disso, são fundamentais parcerias com os países da África e com os países árabes. Na área ambiental se propõe um programa ousado, onde cabe ao Brasil liderar “pelo exemplo” (tornando as respostas brasileiras ao Acordo de Paris e à Agenda 2030 e seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) referências para outros países em desenvolvimento). O Brasil proporá ainda um Fundo de Adaptação para apoiar os países da América Latina e Caribe a enfrentar desastres climáticos, e atuará em outros sentidos, buscando por exemplo integrar mercados regionais para gerar demanda e escala para impulsionar mercados de bens e serviços sustentáveis. O Brasil buscará também atuar politicamente em escala internacional para que os países desenvolvidos cumpram compromissos de facilitar e viabilizar (via financiamento e capacitação) a transferência de tecnologias de baixo carbono aos países em desenvolvimento, observando os princípios da solidariedade internacional e das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

Geraldo Alckmin

Em uma afirmação de princípios, o programa do candidato propugna a defesa de valores como democracia e direitos humanos, em especial para as relações com a América do Sul. Além disso, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável também devem servir de referência nas relações exteriores. Com esses pontos como princípio, o programa defende que o meio ambiente e os ODSs são ativos importantes do Brasil, inclusive a tomar em consideração para a gestão da Amazônia, que terá especial atenção. Na área ambiental ainda, aponta o potencial “do uso das energias renováveis e o manejo dos recursos hídricos e oceânicos”, devendo o Brasil ser protagônico nessa área, incluindo o uso de tecnologias nacionais e a coordenação de ações com outros países e com organizações internacionais interessadas. O programa defende ainda um esforço combinado com os países vizinhos nos temas jurídico-policiais, baseados em tratados e convenções internacionais de organizações multilaterais como ONU, Interpol e OEA. Aliás, tal qual expresso no programa, o Brasil deveria adensar e dinamizar temáticas internacionais como “sustentabilidade, energia, tráfico de armas e de drogas, combate à corrupção, bem assim nos novos temas, como terrorismo, guerra cibernética, controle da internet, e nas questões de paz e segurança” nos fóruns multilaterais. Na área ambiental, defende ainda firmemente o cumprimento das metas do Acordo de Paris. No tema da integração regional, o programa propõe uma “atitude proativa” em relação ao tema, em especial quanto a questão da liberalização comercial, onde o objetivo é “com a liderança do Brasil”, avançar os acordos vigentes e na integração física. Idem para o Mercosul, onde propõe voltar aos seus objetivos iniciais (mais focados em comércio) e avanças “negociações com terceiros países”. Propõe ainda reavaliar a participação do Brasil em órgãos regionais (UNASUL, Conselho de Defesa, CELAC) “à luz dos interesses nacionais”, assim como uma atenção especial ao tema “Venezuela”, que vira assim um capítulo à parte. No nível geográfico, propõe reavaliar a política externa e as prioridades tomando em conta além dos interesses do país, as transformações do cenário internacional no novo século, definindo “os interesses estratégicos do Brasil com a Ásia, em especial com a China, com os EUA e outros países desenvolvidos” – mostrando que as tais transformações do cenário internacional se concentram no novo papel da China (em relação à Ásia como um todo propõe inclusive aumentar a rede de representação brasileira tomando em consideração a prioridade da Ásia). Mas também propõe ampliar e diversificar as relações com os países em desenvolvimento em geral. Apesar desse último ponto, o programa explicita o apoio a um ponto importante de definição de política externa do atual Governo Temer, a ideia do ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse sentido, caminha no mesmo sentido do conjunto de candidatos do campo liberal-conservador que propõe uma diplomacia para firmar acordos comerciais e expandir mercados, reforçando a inserção do país na economia internacional. Assim, nessa área de preocupação, propõe a ampliação da APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos, entidade de direito privado, mas com predominante participação do Estado brasileiro, curiosamente criada no primeiro ano do Governo Lula, em 2003) e novas negociações comerciais para firmar e reforçar acordos bilaterais (na América do Sul e fora dela), regionais (via Mercosul) e multilaterais (OMC), integrando o país às cadeias globais de valor e buscando novos mercados para o aumento dos fluxos de comércio e investimentos. São citados como objetivos de acordos comerciais aos quais o Brasil deveria aderir a Parceria Transpacífico, e a necessidade de firmar os acordos comerciais já em negociação (Mercosul-União Europeia, Mercosul-Japão, Mercosul-Canadá, Mercosul-Coreia do Sul, Mercosul-EFTA e Mercosul-Cingapura), além de negociações entre o Mercosul e países africanos. No nível de articulações políticas, o programa defende o reforço (político e econômico) dos BRICS, do G-20, da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) e no IBAS (articulação Índia-Brasil-África do Sul). Por fim, vale apontar a ideia da adoção observância/conformidade de regras internacionais nas áreas de transparência e funcionamento do setor público, assim como medidas anticorrupção adotadas a nível internacional, assim como políticas afirmativas em relação “relação aos setores mais vulneráveis de nossa sociedade” (mulheres, idosos, crianças, afrodescendentes, LGBTI, quilombolas, ciganos, povos indígenas e pessoas com deficiência).

 

Guilherme Boulos

O programa Boulos é bem extenso em matéria de política externa, e com vários pontos importantes. Um primeiro princípio importante do programa é a defesa do “princípio de soberania e da autonomia nas relações exteriores do país a partir da recuperação de uma ideia de Nação popular, diversa e democrática”. A partir daí se propõe uma política externa centrada na defesa dos direitos humanos (e aqui, a partir deste centro, uma articulação contra os “nacionalismos conservadores”, o militarismo e outras expressões de processos antidemocráticos) e no princípio de solidariedade entre os povos. É defendido ainda a democratização da política externa brasileira, com mecanismos de transparência e participação, como em outras políticas públicas. Defende reforçar o Conselho de Defesa da América do Sul, um movimento pela retirada das bases militares estadunidenses no continente e pela desmilitarização do Atlântico Sul. Aponta a necessidade de lutar pela democratização das instituições internacionais em geral, aí incluído o Sistema ONU. Nesta luta, o Brasil deve assumir um papel de liderança no âmbito multilateral sobre temas como direitos humanos e justiça social, meio ambiente e clima, habitação, regimes de comércio e investimento e outros. O Brasil deve capitanear a luta pela proteção aos refugiados e a garantia dos direitos humanos de migrantes, e deve ainda tentar ampliar os acordos internacionais sobre previdência. Advoga retomar o da integração regional, a partir do fortalecimento e reconfiguração de organismos multilaterais regionais como o Mercosul (no âmbito do Mercosul se propõe ainda o maior fortalecimento institucional e uma maior integração entre as sociedades dos países membros, além da primeira eleição direta para  Parlamento do Mercosul em 2020), a Unasul, e a CELAC, tornando suas esferas decisórias mais participativas e transparentes. Propõe ainda no âmbito regional a solidariedade ao povo da Venezuela e a retomada da mediação dos conflitos regionais em espaços multilaterais regionais. No âmbito das relações com outros países em desenvolvimento, o foco é retomar uma agenda Sul-Sul, com ampliação de parcerias na Ásia e África, para além das relações comerciais. Isso inclui uma priorização do IBAS e outros mecanismos multilaterais. Na área dos BRICS, a ideia é ter um papel ativo e propositivo, promovendo a inclusão de temas como políticas de gênero, participação e acesso à informação, além da ideia da inclusão de salvaguardas sociais e ambientais em projetos do Novo Banco de Desenvolvimento (“Banco dos BRICS”). Nas áreas de economia, finanças e comércio também se agrega uma agenda extensa, que inclui evitar articulações assimétricas (como a adesão aos acordos da OCDE) e criar “um programa estratégico de análise dos investimentos estrangeiros, mapeando a entrada dos investimentos externos e definindo setores de prioridade nacional, inclusive os que não podem ser destinados a venda ou exploração ampla pelo capital estrangeiro, como geração de energia, petróleo, terras agricultáveis, água e outros”. O programa defende a regionalização das cadeias produtivas e a promoção de cláusulas “sociais, trabalhistas e ambientais” no comércio internacional, assim como a revisão das normas de propriedade intelectual formuladas no TRIPS (acordos de propriedade intelectual no âmbito da OMC), “já que o sistema de patentes, como atualmente concebido, impõe custos sociais incalculáveis, além de limitar a inovação tecnológica”. Outro ponto importante diz respeito diz respeito ao estabelecimento de princípios de atuação (não predatória e violadora de direitos) para a atuação de empresas brasileiras no exterior.

 

Henrique Meirelles

Segundo o programa, a candidatura Meirelles defende uma ordem internacional baseada em democracia, direitos humanos e diálogo. Na área de meio ambiente, caminhará no sentido do Acordo de Paris, “elevando a participação de bioenergia sustentável” na matriz energética e “incentivando o reflorestamento e estimulando o investimento em energias renováveis”. Defende “um Mercosul que privilegie o livre mercado”, apontando que vê o Mercosul mais como uma área de livre comércio do que como uma união aduaneira, que é o mais parecido ao formato atual. E em seu programa tem muitos pontos que privilegiam os temas econômicos, como a defesa da conclusão da negociação entre Mercosul e União Europeia, e a busca de novos acordos, ou a adesão à OCDE. Essa visão de integração comercial e vinculação às chamadas cadeias globais de valor está ressaltada pela defesa de uma política externa “voltada à abertura de mercados para nossos produtos, à atração de investimentos para nossos setores produtivos e para nossa infraestrutura”.

 

Jair Bolsonaro

Na área da política externa, o programa de Bolsonaro propõe uma forte ênfase nos temas de comércio, e um reforço ao princípio de relacionamento com foco bilateral, e em acordos bilaterais. Em paralelo à constituição de novos acordos bilaterais, propõe a redução de alíquotas de importação e barreiras não-tarifárias. Ainda nesse quesito, propõe ampliar o comércio exterior com “países que possam agregar valor econômico e tecnológico ao Brasil”. Na área da integração regional, propõe uma visão fortemente ideológica e política, redirecionando as relações externas do país na região a “todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras”.

 

João Amoedo

A política externa do candidato é focada na maior integração internacional da economia brasileira. Assim, mesmo um ponto como a revalidação de diploma estrangeiro é visto na perspectiva de “atração de talentos” e facilitação para estrangeiros que queiram trabalhar no Brasil. No geral, defende uma ampliação dos acordos comerciais em todo mundo e a redução de tarifas (inclusive de forma unilateral) e de barreiras ao investimento externo. Na área do investimento externo, propõe ainda a internacionalização das empresas brasileiras (mas também o fim da política de “campeões nacionais”) e a remoção de barreiras ao investimento no exterior. E na área de cadeias produtivas, o fim de exigências como “conteúdo local” e “similar nacional” para compras de empresas públicas brasileiras.

 

João Goulart Filho

No caso do programa deste candidato, a criação de condições para o desenvolvimento nacional é criada pela adoção (“retomada”, porque o programa nesse caso faz referência à política do então presidente João Goulart, pai do candidato, no início dos anos 1960) da chamada “política externa independente”. Por esse conceito o programa entende uma política externa operando com “o respeito à autodeterminação dos povos e a utilização da política externa para fortalecer o desenvolvimento nacional e o dos demais países subdesenvolvidos”. Assim, a proposta de política externa prioriza as relações Sul-Sul, assim como o processo de integração regional latino-americana, o reforço às relações com o continente africano e a consolidação e institucionalização dos BRICS. A adoção dessas prioridades, segundo o programa opera no sentido de viabilizar uma condição de “autonomia frente às potências ocidentais, sobretudo os EUA”.

 

José Maria Eymael

Um ponto apresentado pelo programa do candidato é a ideia da “política externa como instrumento de desenvolvimento nacional, incluindo o Brasil nas rotas mundiais do sucesso socioeconômico”, articulando a expansão do papel internacional com o desenvolvimento nacional. Mas para além disso, como princípio, o programa reafirma a paz mundial como um “compromisso inarredável” do país, e a defesa de uma ordem internacional baseada nos princípios de “solidariedade, justiça e liberdade”. Além disso, para o tema da segurança pública propõe o estabelecimento de intercâmbio com outras administrações nacionais.

 

Marina Silva

O programa da candidata coloca a ênfase da política externa brasileira em quatro regiões do mundo, as Américas do Sul e do Norte, a União Europeia e o Leste Asiático. O objetivo é caminhar rumo ao “aumento da interdependência econômica, tecnológica, política e cultural” com as quatro regiões, ou seja, uma integração bem complexa pelo que aponta o programa (inclusive apontando uma aproximação bem particular nas áreas de Indústria 4.0 e inteligência artificial com sub-regiões dentro dessas quatro grandes regiões – nesses casos, o Vale do Silício, na Califórnia, nos EUA, e a Baviera, Alemanha, na Europa). O programa também fala em ampliar a parceria com a África, onde aponta a possibilidade das empresas brasileiras participarem do “processo de transformação produtiva e do desenvolvimento sustentável da África”. Do ponto de vista econômico, é explicitada no programa uma visão que aponta a abertura ao comércio e aos investimentos internacionais, a integração às cadeias produtivas globais, a assinatura de acordos bilaterais e multilaterais, o fim do protecionismo e de práticas distorcivas ao comércio tais como definidas pela OMC, como subsídios, como o sentido da modernização produtiva e aumento da eficiência dos produtores no Brasil. Nesse sentido, assinar o acordo Mercosul-União Europeia, adotar os mecanismos de facilitação de comércio já definidos em fóruns multilaterais como a OMC, de facilitação de investimento que vêm sendo definidos a nível internacional no último período, reduzir tarifas e buscar novos acordos internacionais, como um acordo com a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México) são apontados como alguns caminhos na proposta da candidata. Finalmente, um ponto importante no programa é a promoção do “alinhamento das políticas públicas, em especial as políticas econômicas, fiscal, industrial, energética, agrícola, pecuária, florestal, da gestão de resíduos e de infraestrutura, aos objetivos gerais do Acordo de Paris”, trabalhando com uma “estratégia de longo prazo de descarbonizarão da economia com emissão líquida zero de gases de efeito estufa até 2050”, reafirmando o comprometimento com o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente do programa, que para a candidata deve ser uma marca da política externa brasileira. Esses compromissos, assim como o compromisso com a paz e a cooperação internacional aparecem expressos como estratégia mais geral de política externa do programa apresentado.

 

Vera Lúcia Salgado

Apesar do internacionalismo revolucionário do discurso, é reduzida a referência a temas internacionais no programa da candidata. Ainda assim, a postura dura de enfrentamento com os banqueiros internacionais e as corporações transnacionais aparece primeiro sob a forma de impedimento de remessa de lucros e estatização das grandes multinacionais. Outro ponto importante é a suspensão do pagamento da dívida externa e o estabelecimento de uma auditoria em relação a esta dívida. Finalmente, aparece o tema da isonomia de tratamento para trabalhadores migrantes e brasileiros.

O que as propostas das candidaturas à presidência dizem sobre o financiamento do SUS

Por Matheus Magalhães, assessor político do Inesc

A Lei nº 8.080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), completou 28 anos de vigência no último dia 19. Em contexto de período eleitoral, pesquisa realizada pelo Ibope a uma semana do início das campanhas constatou que a saúde foi o “problema” mais citado em todos os estados da federação. As menções variaram entre 69% (Alagoas) e 89% (Rio Grande do Norte), e superam as demais questões em todos os estados, mesmo considerando o limite da margem de erro.

A questão torna-se ainda mais sensível se considerarmos a redução da participação da União no financiamento do SUS, de 72% em 1993 para 42% em 2017. Em tese, esses resultados deveriam conferir prioridade à saúde pública em todas as campanhas para o Executivo.

Considerando que a priorização real da saúde pública, da qual dependem 69,7% da população brasileira, só é possível com enfrentamento ao seu subfinanciamento, buscamos avaliar como os programas de governo das candidaturas à Presidência da República tratam o tema do financiamento da saúde.

Com raras exceções, é comum aos programas de governo a afirmação de que a saúde é uma das prioridades, e que a política precisa ser aperfeiçoada, e até mesmo ampliada. Porém, as propostas balizam as divergências entre candidaturas para o financiamento da saúde, indicando quais são, de fato, suas intencionalidades e prioridades. E sem uma real elevação do financiamento da saúde, as possibilidades de ampliação do acesso aos serviços e qualificação do atendimento são restritas, e a efetivação da universalidade do sistema se torna inviável.Para além das propostas apresentadas para o financiamento da saúde, urge a necessidade de revogação do Teto de Gastos, que frustra as possibilidades de efetivação de direitos por meio de uma austeridade seletiva, privilegiando as despesas financeiras – sobre as quais não incide limitação.

Os programas que ignoram esse fator se comprometem inevitavelmente a uma política de restrição fiscal que amplia as desigualdades de acesso e põe em risco as condições de saúde da maior parcela da população brasileira.

Os Programas e suas propostas para o financiamento da saúde

As candidaturas que propõe aumento dos investimento em saúde e explicitam de forma mais nítida a proposta para esse financiamento são as de Guilherme Boulos, Fernando Haddad e João Goulart Filho.

Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Henrique Meirelles e Vera Lúcia falam em aumentar os gastos com saúde, mas sem estipular metas ou valores.

Os programas apresentados pelas candidaturas de Jair Bolsonaro, João Amoêdo e Álvaro Dias não pretendem  recursos para a política de saúde.

Eymael, Geraldo Alckmin e Marina Silva não se pronunciam concretamente a respeito do financiamento da saúde. No caso de Marina, o plano chega a constatar que a participação federal no financiamento do SUS caiu de 60% para 45% desde 2003, porém, em momento algum afirma, direta ou indiretamente, se pretende alterar esse quadro.

Por fim, destacamos que as candidaturas de Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Fernando Haddad e João Goulart Filho são as únicas a afirmarem a intenção de revogar a Emenda Constitucional 95 – que congelou os gastos sociais por 20 anos no país, mesmo que a economia cresça e a arrecadação seja elevada.

Do ponto de vista metodológico, a dimensão com que cada programa é abordado neste texto é condicionada à quantidade de propostas que apresenta para o financiamento da saúde. Em determinados momentos utilizamos a fonte em itálico para sinalizar expressões utilizadas na escrita original dos programas.

Candidaturas que defendem elevação do financiamento do SUS

O programa de Guilherme Boulos defende elevação do aporte federal na saúde de 1,7% do PIB (dado corroborado pela Conta Satélite de Saúde – IBGE) para 3% do PIB; reverter progressivamente a renúncia tributária com planos de saúde, começando por grandes empresas e pessoas de renda muito elevada; o pleno e imediato ressarcimento dos valores devidos pelos planos de saúde ao SUS; além de propor o fim da Desregulamentação das Receitas da União (DRU),[1] e das desonerações que incidem sobre recursos seguridade social.

A candidatura de Fernando Haddad coloca como meta o aporte de 6% do PIB para a política, considerando todas as esferas de governo (atualmente são 3,9%). O programa defende o retorno do Fundo Social do Pré-Sal (que transferia os ganhos com royalties do petróleo para saúde e educação, mas foi modificado para transferir somente 50%), além da utilização de novas regras fiscais, e realização de uma reforma tributária como formas de promover essa elevação. Afirma ainda que pretende utilizar a política tributária como forma de promoção da saúde, atuando sobre preços de tabaco, sal, gorduras, açucares e agrotóxicos.

João Goulart Filho estipula como meta 15% da Receita Corrente Bruta para a saúde (atualmente são 15% da receita corrente líquida, limitados pelo Teto de Gastos), o que dobraria o orçamento da saúde. Propõe também o fim da DRU, e a elevação de 12% para 15% do aporte das receitas de impostos estaduais para a saúde – assim como já ocorre no nível municipal.

Cabo Daciolo propõe fortalecer o financiamento do SUS com elevação da participação federal nas despesas. Por seu turno, Ciro Gomes defende a preservação dos investimentos em saúde ao argumentar a substituição da EC 95 por outro mecanismo de controle da evolução das despesas globais do governo, enquanto Henrique Meirelles diz que pretende aumento dos investimentos em promoção da saúde, também com maior participação federal. Vera Lúcia argumenta que é necessário investir de forma maciça em saúde e reverter o valor destinado ao pagamento da dívida com banqueiros.

Candidaturas que não preveem aumento para o financiamento do SUS

O plano de Jair Bolsonaro argumenta que os atuais gastos são compatíveis com os da OCDE. Para tanto, utiliza dados dos gastos totais com saúde (públicos e privados), desconsiderando que a participação dos gastos públicos naqueles países é 70% maior que no Brasil (se aqui são 42,4%, lá são 71,8% do total). Em seguida diz que os gastos do setor público são compatíveis com um nível de bem estar superior, e que é possível fazer mais com os atuais recursos, o que indica um alinhamento com a atual política fiscal do Teto de Gastos – que se evidencia com seu compromisso com o orçamento base zero.[2]

João Amoêdo restringe-se a dizer que gasta-se muito, mas gasta-se mal, e assim como praticamente todos os demais, defende a elevação da eficiência dos gastos. Permite-nos, portanto, inferir que pretende reduzir o orçamento da saúde.

Por fim, Álvaro Dias traz a proposta mais diferente: financiar a saúde e educação mediante capitalização previdenciária compartilhada, em contraposição ao modelo atual, com recursos estatais. O que significaria, na prática, a restrição do direito de acesso a essas políticas àqueles que puderem pagar previamente uma contribuição (capitalização).


[1] A saúde integra a seguridade social, junto com as políticas de assistência social e previdência. A seguridade tem fontes de financiamento definidas na Constituição, enquanto a DRU é o mecanismo que permite aos gestores desvincular até 30% dos recursos da seguridade paga uso com outros fins. Por meio dela, de 2005 a 2016 foram retirados em média R$ 52,4 bilhões por ano dessas políticas.

[2] Segundo o qual em hipótese alguma as despesas podem ser maiores que as receitas, desconsiderando os outros instrumentos de financiamento e gestão de recursos que o Estado dispõe para efetivar direitos – como rever renúncias tributárias, reduzir juros, diminuir gastos com política cambial, e adotar políticas monetárias menos restritivas e com ampliação do crédito.

Direito à Cidade e Mobilidade Urbana nas Eleições de 2018

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

O direito à cidade é pauta essencial e vem crescendo desde a década de 1980, com os movimentos de moradia e a criação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), que acabou sendo protagonista na construção do capítulo sobre Política Urbana na Constituição de 1988.

A articulação continuou e várias organizações se juntaram a esta plataforma da Reforma Urbana, que incluía todos os âmbitos da vida nas cidades, mas tinha uma centralidade na luta pelo direito à moradia. A partir do MNRU, os movimentos passaram a atuar em Fóruns Nacionais e Internacionais. O que culminou, no início da década de 2000, articulado a partir do Fórum Social Mundial, no lançamento da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, documento político de unificação da pauta, que traz o seguinte conceito:

O Direito a Cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos.”

Portanto, é extremamente importante que os planos de governo das campanhas à Presidência da República considerem, de forma integral, a efetivação do direito à cidade, com todos os insumos necessários ao combate às desigualdades extremas, que vão desde os pequenos municípios até as grandes metrópoles. Contudo, a despeito do quadro aqui traçado, poucos planos de governo tratam de cidades.

Candidatura Fernando Haddad

O plano começa citando o que a “Constituição de 1988 representa um marco histórico na luta pela reforma urbana por prever o princípio da função social da propriedade urbana e diversos instrumentos que garantam a sua aplicação”. Lembra, ainda, que toda a legislação para garantia desse dispositivo constitucional foi aprovada durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), desde o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social até a Política Nacional de Mobilidade Urbana. E reconhece que, a despeito das políticas desenvolvidas, deixou a desejar com relação à redução das desigualdades.

Segue reafirmando compromisso com a agenda da reforma urbana e propõe que: “(…) instituirá novo Marco Regulatório de Desenvolvimento Urbano, que terá como referência a Nova Agenda Urbana aprovada na Conferência das Nações Unidas para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, em 2016, bem como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim como do Estatuto da Cidade e todo o marco institucional aprovado até 2014. O objetivo desse novo marco é garantir o direito à cidade, a democratização do espaço público e a sustentabilidade urbana. Ele criará o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) que aprimorará os mecanismos de cooperação federativa, de sorte a compatibilizar as agendas das pequenas, médias e grandes cidades, bem com a dos estados maiores e menores”.

Habitação

O SNDU terá o papel de definir mecanismos de governança metropolitana, além de criar programa de assistência técnica para qualificação e ampliação da capacidade técnica em municípios e estados. E propõe, ainda: “urbanização e regularização fundiária de loteamentos irregulares e assentamento precários; produção de unidades novas de Habitação de Interesse Social – HIS, incluindo promoção pública, privada e por autogestão; locação social; retrofit de edifícios habitacionais em áreas consolidadas; implantação de loteamentos de HIS; provisão de material de construção com assessoria técnica à habitação popular. O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) será retomado com modificações relevantes para que possa ser uma ferramenta que contribua com a estratégia da nova política urbana.” E diz que desta vez, o PMCMV levará em conta a localização dos conjuntos habitacionais em locais com infraestrutura urbana e próxima dos locais de trabalho, priorizando atendimento às famílias com renda familiar de até R$ 1.800,00. Coisa que não foi realizada nos governos anteriores e deixou um passivo social enorme com relação aos conjuntos habitacionais construídos no âmbito do Programa.

Propõe, ainda, medidas efetivas para conter a especulação imobiliária, além da criação do PAC urbanização para assentamentos precários e loteamentos irregulares, além da eliminação das áreas de risco e recuperação ambiental, por meio da Política Nacional de Regularização fundiária a ser criada.

Mobilidade e Acessibilidade Urbanas

O plano relata que a mobilidade urbana é um dos maiores desafios das cidades, especialmente as grandes cidades. E propõe: “(…) investir em infraestrutura de mobilidade sustentável, que reduza o tempo de deslocamento das pessoas, que rompa com o paradigma excludente e poluente do transporte individual motorizado e que assegure tarifas acessíveis. A prioridade do governo será apoiar a expansão e a modernização dos sistemas de transporte público, prioritariamente os de alta e média capacidade – trens, metrô, VLT, BRT e corredores exclusivos de ônibus.” Além de incentivar que os estados, DF e municípios tenham transporte confortável e dentro dos critérios de acessibilidade e implantação de ciclovias, tendo estas políticas como critérios para receberem recursos para a mobilidade. Propõe, ainda, municipalizar a CIDE combustível para atuar na redução das tarifas e expansão das gratuidades.  Incentivará carona solidária e compartilhamento de veículos para redução dos automóveis.

Mobilidade ativa, mudanças climáticas e iluminação e segurança

Com relação aos gases de efeito estufa, garante investimento em outras fontes energéticas tais como etanol, biodiesel, biocombustíveis e híbridos, além de veículos elétricos. Diz, sem explicar como, que serão incentivados veículos elétricos e não motorizados e haverá expansão de ciclovias e calçadas. Segue relatando que em parceria com os outros entes federados irá reduzir os acidentes de trânsito com ações educativas nas escolas e junto à sociedade, além de atuar na melhoria da formação de condutores e redução de velocidades nos centros urbanos.

Promete apoio a estados e municípios para adotarem política de gestão ambiental urbana, cuidando dos mananciais e arborização, e drenagem para evitar enchentes. O apoio se estende a iluminação pública municipal, com troca para iluminação de LED que diminui o consumo de energia e contribui para a segurança e mobilidade das pessoas.

Resíduos Sólidos

Afirma compromisso em fazer valer a Política Nacional de Resíduos Sólidos baseada na Lei nº 12.305/2010 e no Decreto nº 7.404/2010, com relação à eliminação de lixões e cumprimento das metas de reciclagem. Cita, ainda, o apoio às cooperativas de catadores como elemento estrutural da política.

Candidatura Ciro Gomes

A proposta da candidatura Ciro Gomes pouco aprofunda, de fato, em políticas para cidades. Fixa um pouco mais em habitação, mas o forte da proposta é infraestrutura, passando rapidamente por mobilidade urbana, apenas para dizer que haverá investimento. No entanto, não é possível perceber qual a sua concepção de mobilidade ou mesmo proposta para transporte coletivo urbano.

Infraestrutura

Diz ser necessário modernizar a infraestrutura e para isso pretende investir, junto com o setor privado, cerca de 300 bilhões de reais por ano para superar deficiências e gargalos, gerando novos empregos.

Propõe a criação de um fundo garantidor de investimentos em infraestrutura que contemple habitação, saneamento, resíduos sólidos, telecomunicações e mobilidade urbana. Mas não detalha de que forma vai atuar nestas áreas, nem deixa nítido qual a opção com relação à política de mobilidade urbana, que está apenas citada junto com rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

Habitação

Sugere reforçar o Programa Minha Casa Minha Vida com recursos adicionais levando em consideração a infraestrutura do entorno, pensando, até mesmo, em transporte, saúde e educação. O Sistema Financeiro de Habitação será fortalecido para obter novas formas de captação de recursos, no entanto, não está explicado de que forma isso será feito. Favorecerá fortemente as parcerias Público Privadas para “aumentar, estrategicamente, a sinergia com os investimentos privados”, com protagonismo do BNDES.

Candidatura Guilherme Boulos

O plano sugere “um programa para construir e manter cidades”, onde diz que as cidades, apesar de abrigarem a maior parte da população, são pensadas para poucos. Citando o direito à cidade, faz ótima análise sobre a financeirização das políticas urbanas, como a política habitacional que está a cargo de um banco, e a ação neste sentido é apenas empréstimo para aquisição da casa própria. Ou mesmo empréstimos para construção de grandes obras viárias. E não há um projeto cidade, especialmente que pense na população que não acessa recursos para “financiar sua urbanização”.

Promete uma política urbana que pense em reforma das cidades, atendendo as necessidades da vida e não da rentabilidade. Essa política será pensada de forma multisetorial (habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, assistência social, patrimônio histórico, etc).

Prevê, ainda, a criação do Sistema Único de Cidades, que pense em espaços menos fragmentados e fuja dos modelos únicos, com planejamento mais participativo, envolvendo repasse de recursos a estados e municípios por meio de fundos de desenvolvimento urbano com mecanismos de controle social, além de editais públicos para organizações da sociedade civil.

Habitação

No tema habitação, destaca a diversidade de programas habitacionais e a urbanização de assentamentos precários de acordo com as necessidades locais, com construção de casas por cooperativas e autogestão. “Ação emergencial na habitação apoiando a criação de serviços sociais de moradia nos municípios em situação de emergência habitacional, incluindo programas de locação social, reforma e reabilitação de edifícios e imóveis vazios para produção de moradia, em várias modalidades (casa própria, locação social, hotel social), assim como intervenções em áreas de risco”. Planejamento e gestão integrados e com participação popular e em parceria com as três esferas governamentais. Oferecimento de assistência técnica aos municípios.

Mobilidade Urbana

O plano propõe a criação de um teto nacional de tarifas, com política de financiamento e subsídios ao transporte coletivo, permitindo o acesso da população à cidade. Sugere, ainda, implementação de transporte de alta capacidade nas cidades maiores, sem dizer o que significa a alta capacidade.

Também destaca a priorização dos transportes coletivos e dos não motorizados sobre os individuais motorizados. E cita ações para redução dos acidentes, mas sem especificar com quais políticas isso será feito.

Saneamento e resíduos sólidos

Afirma que garantirá a universalização do saneamento básico e a implementação da Lei Nacional e do Plano Nacional de Saneamento, anulando todas as medidas de retrocesso trazidas pela Medida Provisória n° 844/2018. Diz, ainda, que garantirá a segurança hídrica com soluções que permitam o gerenciamento das águas nos diferentes períodos de estiagem e chuvas.

Com relação aos resíduos sólidos incentivará a constituição de consórcios públicos tendo como metas reduzir a deposição de resíduos nos aterros e ampliar a reciclagem, além de prever uma transição da destinação em lixões para a valorização do resíduo. Também fala em reduzir as emissões com relação ao transporte. No entanto, não há propostas de como acontecerá a redução dos lixões, ampliação da coleta seletiva, ou mesmo redução das emissões..

Candidatura Marina Silva

Inicia a proposta dizendo ser preciso desenvolver cidades saudáveis e democráticas, e que o planejamento urbano não pode reforçar a exclusão social. “Nosso governo se compromete a promover e fortalecer políticas para um planejamento urbano integrado, de cidades e regiões metropolitanas, que garanta, além do direito à moradia, acesso a meios de transporte coletivos, coleta de resíduos, saneamento básico e serviços públicos de qualidade. Promoveremos políticas para um urbanismo colaborativo, que valorizem a criação, revitalização e o uso de espaços públicos seguros e atrativos, onde a população possa interagir e se manifestar culturalmente. ”

Habitação

Propõe fortalecer programas de habitação popular preocupando-se com padrões urbanísticos e arquitetônicos adequados, com priorização da recuperação de centros urbanos degredados. Destaca, também, a importância de cidades mais compactas e a convivência entre diferentes classes sociais.

Saneamento e Resíduos Sólidos

Disserta sobre a efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e estímulo a redução, mas não deixa claro se é a redução do consumo. Cita coleta seletiva, universalização do saneamento básico, reciclagem e disposição adequada, sem falar como será feito.

Mobilidade Urbana e Mudanças Climáticas

O plano destaca investimento na expansão e qualificação dos sistemas de transporte públicos, estímulo a modais de baixa emissão de poluentes, e geração de energia limpa e renovável, com substituição de veículos com combustíveis fósseis por elétricos e movidos a biocombustíveis.

Cita que as cidades são fundamentais no combate às mudanças climáticas e, portanto, promete reduzir as emissões de gases de efeito estufa e apoiar planos de contingência e monitoramento de extremos climáticos.

Candidatura Henrique Meirelles

O único trecho do Plano de Governo do candidato que se aproxima do tema de cidades e mobilidade diz que: “(…) vai estabelecer como prioritárias as obras que busquem claramente um grande retorno social, como, por exemplo, saneamento básico, mobilidade urbana e creches”.

Candidatura Álvaro Dias

A candidatura divide a proposta em dezenove metas. E na introdução diz perseguir o crescimento sustentado por meio do estímulo ao empreendedorismo e melhoria da infraestrutura. Segue dizendo que “setores como transporte & logística, saneamento básico, energia elétrica, telecomunicações, mobilidade e descarte de resíduos sólidos terão destaque no investimento em infraestrutura, que atualmente apresenta um estoque de capital empregado correspondente a 12% do PIB, número excessivamente baixo se comparado com 65% no Japão e 40% na Índia. É fundamental um aumento do investimento nacional, que chegou ao seu ápice nesse século em 2013, representando 21% do PIB, para em seguida apresentar quedas constantes, atingindo patamares inferiores a 16%. Os recursos para novas inversões virão em parte através do ganho com a redução dos níveis de corrupção e desperdícios no governo e, noutra parte, com a contenção das despesas de custeio”.

No entanto, para além da proposta de ampliação do financiamento, não diz qual o modelo de cidade, ou de mobilidade, ou mesmo de política habitacional defende.

Candidatura João Goulart Filho

Habitação

Propõe uma reforma urbana que leve em consideração as pessoas sem teto e vivendo em situação precária. “(…) Nossa Reforma Urbana deverá taxar forte e progressivamente os imóveis desocupados, como meio de estimular sua ocupação; além disso, implementaremos um programa de construção de moradias para a população de baixa renda (até 3 salários mínimos) e de titulação de terrenos nas comunidades da periferia. Revogar a famigerada lei do Inquilinato, que, ao favorecer os despejos, protege o senhorio contra o inquilino.”

Mobilidade Urbana

A reforma urbana deverá contemplar o problema crônico do transporte público. E como solução para os deslocamentos propõe adensamento das linhas de metrô subterrâneo e de superfície nos principais centros urbanos, além de criar a Estatal Nacional Metrobrás para se responsabilizar pela proposta.

Conclusões

As candidaturas de Bolsonaro, Alckmin, Daciolo, Amoedo e Vera Lúcia não possuem propostas que defendam o atendimento ao direito à cidade, ou mesmo acerca da mobilidade urbana.

Sobre as demais candidaturas, há destaque para Haddad e Boulos, que, de fato, desenvolvem boas propostas em seus planos, até mesmo com a criação de sistemas integrados para as cidades, favorecendo políticas intersetoriais. São, também, as únicas candidaturas que possuem políticas para a mobilidade urbana de forma integrada e dissertam sobre mecanismos alternativos para redução das tarifas do transporte coletivo, sem, no entanto, tratarem do tema transporte como direito social. .

A candidatura de Ciro Gomes cita mecanismos de aperfeiçoamento das formas de financiamento, no entanto, não deixa transparente de que forma pretende incentivar a mobilidade. Marina Silva cita que irá incentivar os modais com baixa emissão de poluentes como forma de conter as mudanças climáticas. Haddad e Boulos também citam os combustíveis não poluentes e inversão de prioridades.

A redução da violência no trânsito é citada apenas por Haddad e Boulos. O primeiro vai atuar com campanhas em escolas e na sociedade, na melhoria da formação de condutores e redução de velocidades nos centros urbanos. O segundo cita, mas não informa como vai agir para reduzir as mortes no trânsito.

Os planos de Álvaro Dias e de Henrique Meirelles ponderam rapidamente sobre obras de infraestrutura, formas de financiamento, mas não explicitam quais as escolhas para esses temas. Já João Goulart deixa claro que dará prioridade aos sem teto para política de habitação e diz que priorizará como modal o metrô criando, até mesmo, uma estatal exclusiva, a Metrobrás.

Não há destaque para mobilidade e gênero em nenhum plano, apenas a candidatura Haddad salienta que incentivará programas voltados para a substituição do que existe por lâmpadas de LED, garantindo espaços mais seguros e iluminados.

Subsídios bilionários que matam: como o lobby do agronegócio dobra o governo

Por Maurício Angelo

Se alimentar de maneira saudável no Brasil se tornou um grande desafio. O país oferece subsídios superiores a R$ 7 bilhões de reais para a compra de agrotóxicos, em uma estimativa modesta da Receita Federal, favorecendo a produção de commodities em larga escala, o lucro do agronegócio e também a indústria de alimentos ultraprocessados, em detrimento dos produtos in natura e produzidos pela agricultura familiar.  Como consequência, milhares de pessoas adoecem todos os anos e não encontram assistência adequada no SUS subfinanciado e nos planos de saúde cada vez mais inacessíveis.

Este ciclo perverso é sustentado e protegido pela Frente Parlamentar da Agropecuária, um conjunto de políticos que formam até 40% da bancada na Câmara e que atua para aprofundar esse modelo de produção de alimentos que enriquece alguns, ao mesmo tempo em que envenena a população. É também por causa dessa Frente que o Brasil ainda permite, por exemplo, o uso de nada menos que 22 substâncias proibidas na União Europeia.

Aos fatos: somente entre 2011 e 2016 o Brasil deixou de arrecadar R$ 6,85 bilhões com a isenção fiscal da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do PIS/Pasep para o setor de agrotóxicos. Esses tributos são fundamentais para financiar a seguridade social, que inclui as áreas de saúde e assistência social. Os dados da Receita Federal, citados em auditoria do TCU, ainda são subestimados, pois não contemplam, por exemplo, o Imposto de Importação (II) e nem o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), já que as desonerações desses produtos não configuram gasto tributário. E o cálculo não abrange a redução na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por ser um tributo estadual.

O cenário total, que inclui todo o conjunto de gastos tributários do governo federal em 2017 avaliado pelo TCU, impressiona: foram R$ 354,7 bilhões em renúncias fiscais somente no ano passado, cerca de 30% da receita líquida do governo. E boa parte disso sob sigilo. Não se sabe, com detalhes, quem recebeu o quê. É com esse sigilo que a campanha recém-lançada pelo Inesc, intitulada #SóAcreditoVendo, quer acabar.

“Não é possível aceitar os gastos tributários sem transparência, sem ver se de fato trazem benefícios socioeconômicos”, explicou Grazielle David, assessora política do Inesc. “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem ou não. Além disso, pré-requisitos importantes para a concessão dos gastos tributários também precisam ser observados e transparentes, como prazo de vigência e um programa de monitoramento e avaliação.” detalhou.

O PL 188/2014, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), segue nesse caminho e autoriza a Receita Federal a tornar públicos os nomes de pessoas e empresas beneficiadas por renúncia fiscal. Já o texto da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), relatora do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), propõe a divulgação apenas dos nomes de pessoas jurídicas e agrupados por setor. Para a senadora, a divulgação seria destinada a determinados setores produtivos, que poderiam distorcer indevidamente o princípio da isonomia.

Para Randolfe Rodrigues, esta seria “a mais importante regra de transparência dos últimos anos”. “Está mais do que provado que um dos maiores atos indiretos de corrupção por parte do poder público é conceder isenções fiscais sem a divulgação daquele que foi beneficiado. Este é um princípio elementar de transparência: conhecer quem recebe favores fiscais do Estado brasileiro possibilitará saber como funciona a estrutura tributária e a concentração de renda no Brasil. Hoje é impossível fazer um levantamento sobre quem são os mais ricos, porque não é possível ter conhecimento desses dados”, argumenta Rodrigues.

A divulgação dos beneficiários valeria tanto para as pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas. Isso significa que microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, sociedades limitadas, sociedades anônimas, empresas individuais de responsabilidade limitada e quaisquer cidadãos poderiam ter as informações reveladas.

De acordo com a Agência Senado, como se trata de um projeto de lei complementar, o destaque com o voto da senadora Lúcia Vânia precisa de 41 votos para ser aprovado. Se o quórum não for alcançado, a redação original do projeto de Randolfe, já aprovado pelo Plenário, segue para a Câmara dos Deputados. Também há a possibilidade de que o texto base de Randolfe e o destaque de Lúcia Vânia sejam votados em separado.

Contraofensiva do TCU

De acordo com o TCU, o governo brasileiro deveria conceder menos incentivos para determinados setores da economia. O órgão constatou que 44% dos incentivos fiscais não são fiscalizados, o que gerou a recomendação de que os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil montem um grupo de trabalho para verificar a eficácia das renúncias fiscais.

Para os auditores do TCU, as desonerações não são acompanhadas nem avaliadas pelo governo federal “devido às falhas de governança” e são concedidas “independentemente de seu nível de toxicidade à saúde e de periculosidade ambiental”.

“O que levantamos é só a ponta do iceberg. Os agrotóxicos são considerados insumos agrícolas e, nessa condição, a despesa é abatida integralmente na declaração de rendimentos do imposto de renda pessoa física (IRPF) e pessoa jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”, disse o defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André, no ABC paulista. “Importante lembrar que além da carga de tributos federais baixíssima, é enorme a desoneração de ICMS. Uma perda tributária absurda em razão da integral dedutibilidade nos impostos sobre a renda. Uma desoneração sem nenhuma seletividade. Produtos mais perigosos à saúde têm tratamento tributário idêntico ao menos agressivo”, criticou Novaes.

Outro fator importante que pesa contra as renúncias fiscais: 84% delas têm prazo indeterminado, o que faz a perda de arrecadação ser incorporada às contas do governo, já bastante comprometidas com a Emenda Constitucional Nº 95, do “Teto de Gastos”.

Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que cada renúncia fiscal seja custeada com alguma receita, seja com o aumento de outros tributos ou com a alta da arrecadação gerada pelo desenvolvimento da economia – o que não vem ocorrendo.

No fim do ano passado, o relator da ação proposta pelo PSOL contra as isenções fiscais no comércio e na produção de agrotóxicos, ministro Edson Fachin, solicitou esclarecimentos de 25 órgãos oficiais e da sociedade civil sobre a conveniência da política de incentivos. A maioria ainda não respondeu. No entanto, os que já fizeram isso expuseram uma divisão dentro do governo. O Ibama, por exemplo, é contra o modelo atual de desoneração. Concordam com o órgão, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Já a Advocacia-Geral da União (AGU) discorda: segundo eles, elevar impostos de pesticidas poderia aumenta o custo dos alimentos.

Lobby e favorecimentos: agrotóxicos revelam o Brasil da bancada ruralista

No fim de junho, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) a favor da aprovação do “PL do Veneno” (PL 6299/2002), que afrouxa as normas que regulam a utilização de produtos agrotóxicos no Brasil, um país já bem mais permissivo que a média mundial. A lei atual já libera o uso de pesticidas no cultivo com limites de 200 a 400 vezes maiores do que o permitido na Europa, segundo estudo “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. Cada brasileiro consome incríveis 7 litros de agrotóxicos por ano, tudo com a chancela oficial do Legislativo.

Caso aprovado definitivamente – a expectativa, na avaliação de movimentos sociais, é que isso ocorra somente após as eleições, porque os parlamentares sabem que essa é uma lei antipopular – o PL do Veneno colocará exclusivamente sob responsabilidade do Ministério da Agricultura (hoje sob o comando de Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do mundo, campeão de desmatamento e ex-senador que, à época, foi o mentor do PL) a aprovação ou não sobre o uso de substâncias tóxicas no campo. Hoje, essa tarefa passa também pelo Ministério da Saúde e do Meio Ambiente. Licenças para o uso de novos venenos poderão ser aprovadas sem passar pelos testes que analisam o impacto no meio ambiente e na saúde da população caso ultrapassem o prazo de 24 meses e a substância já tenha sido usada em outros países.

Além de Maggi, não espanta que o atual relator do PL, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), que fez carreira como produtor de soja antes de entrar na política, esteja por trás de duas empresas que vendem venenos agrícolas. Quando quem legisla é também quem será beneficiado financeiramente por sua atuação parlamentar fica mais fácil entender por que as assinaturas de 1,5 milhão de pessoas que já se manifestaram contra o PL do Veneno e a favor do Projeto de Lei 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) são ignoradas. Somente em 2014, de acordo com a Associação Nacional de Defesa Vegetal, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil foi de 12 bilhões de dólares, quase 40 bilhões de reais na cotação atual. Todo este mercado é concentrado em apenas seis grandes empresas transnacionais: Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), Bayer (Alemanha), Dupont (EUA), DowAgrosciens (EUA) e Basf (Alemanha). Três fusões em andamento devem concentrar ainda mais o mercado: Dupont e Dow, ChemChina e Syngenta e Monsanto e Bayer.

Segundo dados do Ibama, o Brasil comercializou 477 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos em 2012, último ano para o qual há dados comparáveis com outros países (em 2016 foram 551 mil toneladas). Número bem maior que o da União Europeia, que registrou 396 mil toneladas usadas em seus 28 países naquele ano.

Em uma carta enviada ao chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, relatores das Nações Unidas alertam que as mudanças, caso sejam aprovadas, podem violar direitos humanos de trabalhadores rurais, comunidades locais e consumidores de alimentos produzidos com ajuda de agrotóxicos. “As mudanças podem enfraquecer significativamente os critérios para aprovação do uso experimental e comercial de pesticidas, representando uma ameaça a uma série de direitos humanos”, disseram os especialistas. As advertências da ONU se somam às da Anvisa, Ibama e Fiocruz, adversários do PL, assim como ONGs, o Instituto Nacional do Câncer e outras 280 entidades, além do Ministério Público Federal.

Saúde pública, agrotóxicos, subsídios e taxação: conexões fatais

Para a agrônoma Carla Bueno, da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a questão da tributação é central, especialmente em um momento de crise econômica, com o governo federal, estados e municípios sofrendo para fechar as contas. Os incentivos fiscais para agrotóxicos são especialmente perversos, lembra. “Não ter contribuição para seguridade social nós achamos um absurdo porque os agrotóxicos geram um problema agudo de saúde pública, tanto no que tange às contaminações diretas, quanto as crônicas”.

De fato, enquanto na maioria dos países desenvolvidos o uso total de pesticidas se mantém constante nas últimas décadas, no Brasil ele explodiu: foram impressionantes 606% de aumento entre 1990 e 2012, contra 135% na China, 151% no Canadá, 166% na Colômbia e 105% na Austrália, dados da FAO. O uso de pesticidas por hectare no Brasil também é dos maiores do mundo: 7 kg de ingrediente ativo/ha em 2012 (segundo o IBGE, calculado com base nos dados do Ibama), duas vezes maior que o dos EUA (2,6 kg/ha) e maior que o de todos os países europeus exceto Chipre e Malta (cerca de 9 kg/ha cada um).

Segundo a Abrasco, entre 2007 e 2014 foram notificados 34.147 casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. Isso representa somente o impacto direto na saúde. Estimativas também mostram que para cada US$ 1 gasto com agrotóxicos, são dispendidos US$ 1,28 com tratamento médico com intoxicações. O dossiê da Abrasco está repleto de casos detalhados e muito bem documentados sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e ambiental. Matéria da Agência Pública também mostra que agrotóxicos são amplamente usados em suicídios.

No mundo, segundo um relatório das Nações Unidas publicado em 2017, os pesticidas causam 200 mil mortes por ano por intoxicação aguda, quase todas nos países em desenvolvimento. Ainda segundo a ONU, a exposição a pesticidas vem sendo ligada por vários estudos a doenças crônicas, como os males de Parkinson e Alzheimer, vários tipos de câncer, malformações fetais, desregulação do sistema hormonal, perda de memória e de visão e problemas no desenvolvimento cognitivo. No entanto, os agrotóxicos representam um desafio à epidemiologia, já que várias doenças são multifatoriais, que os problemas de saúde decorrentes de pesticidas podem se desenvolver muitos anos após a exposição e que as pessoas são expostas a vários produtos químicos e outros fatores de risco ambiental em suas vidas.

No Brasil, com a explosão do uso no campo e do consumo indireto de agrotóxicos na alimentação, a bomba tem explodido na saúde. E o vasto subsídio que o governo oferece neste setor é parte dessa lógica perversa de atendimento. Segundo estudo do IPEA, somente entre 2003 e 2015, a renúncia de arrecadação fiscal correspondeu à aproximadamente 1/3 das despesas com Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) do Ministério da Saúde (MS), que se manteve praticamente estável entre 2003 e 2015, variando entre 31,8% e 32,3% no período. Tendo em vista as necessidades de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), em treze anos, a preços médios de 2015, o governo deixou de arrecadar R$ 331,5 bilhões.

Para Carlos Ocké-Reis, doutor em saúde coletiva, pesquisador do IPEA e autor do estudo, “é um completo absurdo ter um subsídio desse tamanho. Esse dinheiro podia ser revertido para as UBS, UPA’s, para ampliar o Mais Médicos, enfim, para aumentar a oferta e melhorar a qualidade do sistema”.

Na avaliação de Ocké, não é surpresa que quanto mais se privatize o sistema de saúde, esses subsídios aumentem, não só em relação ao PIB, como no conjunto do gasto tributário total, porque as desonerações subiram muito. A política econômica tem caminhado nesse sentido, sobretudo em relação ao gasto direto. E em qualquer movimento de privatização você tem aumento do gasto tributário. Mas o problema, do ponto de vista da política regulatória, é que esses subsídios não servem como instrumento para reduzir o teto de reajuste dos planos individuais e muito menos dos coletivos, uma vez que nem regulados são. “Os subsídios não são utilizados como instrumento de barganha do estado para reduzir o teto do reajuste, independente do índice de preços e evolução do custo do mercado”, reforça Ocké.

O pesquisador do IPEA salienta que, no caso da saúde, a Receita Federal tem empreendido esforços para tornar transparente os gastos tributários, tanto o gasto efetivo quanto o projetado. O mesmo, porém, não pode ser dito sobre o Ministério da Saúde. E os gargalos são muitos. “Com certeza falta avaliação do ponto de vista do Ministério. Ou, se preferir, falta de integração. No caso australiano, por exemplo, o gasto tributário aparece nos dados oficiais do Ministério da Saúde, percebe a diferença? Isso não tá na Receita Federal ou é algo que você precise pinçar na LDO e em outros locais. Todo o processo orçamentário financeiro observado no MS não incorpora de maneira sistemática os gastos tributários. Portanto é preciso avançar não só na transparência, mas na avaliação”, cobra Ocké.

A distorção impacta também, por exemplo, no fato de que em um país tão desigual como o Brasil, entre os piores do mundo, os extratos superiores de renda estão recebendo mais em termos per capita. “Olhando para as operadoras líderes, em um momento de crise econômica e sabendo que esse subsídio atende a parte da classe média e sobretudo os ricos, é de se pensar qual é a prioridade”, finaliza.

PNaRA: uma alternativa possível

Frente ao PL do Veneno, foi proposto o Projeto de Lei 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que também avança em paralelo na Câmara. O PL propõe a redução progressiva do uso de agrotóxicos na agricultura, pecuária e nas práticas de manejo dos recursos naturais. Além disso, quer ampliar a oferta de insumos de origens biológicas e naturais, contribuindo para a promoção da saúde e sustentabilidade ambiental, com a produção de alimentos saudáveis. Propõe ainda ações integradas para a fiscalização da importação, da produção, da comercialização e do uso dos agrotóxicos

Para Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a PNaRA vem mais do que propor uma política em si. “O que estamos fazendo é construir um processo de debate com a sociedade, dentro e fora do Congresso. Os estados estão caminhando nesse processo e o tema da tributação é um dos eixos mais importantes do que foi e do que é hoje”, afirma.

Essa é também a visão de Acácio Leite, engenheiro florestal e professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, mesmo com o Congresso tomado pela “bancada BBB” (boi, bala e bíblia), é fundamental não só esse diálogo com a sociedade como a presença concreta ali dentro debatendo esses temas, em que pese o ambiente conservador.

“Por outro lado, tem um setor minoritário no agronegócio que consegue ter um compromisso maior com a sociedade como um todo, consegue ter uma preocupação da função social da produção agrícola, não é um setor tão homogêneo assim. Setores que, até por uma questão de lucro, conseguem entrar nesse debate da produção mais limpa, e isso nos anima a tentar abrir o debate com a sociedade de uma maneira mais intensa. Essa questão não é nenhuma jabuticaba jurídica, temos os exemplos de vários países no mundo”, acredita Leite.

Apesar de campanhas massivas na televisão afirmando sua suposta eficiência, o agronegócio tem muitíssimo a evoluir em termos de gestão, eficiência, inovação e respeito ao meio ambiente e às pessoas. “É um setor que dá pouco retorno para a sociedade, concentra renda, gera violência, e se a gente começa a dar visibilidade, temos condições concretas de ter denúncia com maior capacidade de agitação”, diz o professor da UnB.

Subsídio para produção orgânica

O argumento de que “não existe ciência suficiente” para a substituição dos agrotóxicos é uma falácia. Na avaliação de Bueno, nunca haverá “ciência suficiente” se não tiver incentivo fiscal e subsídio para pesquisa e produção orgânica, questões que a PNaRA coloca e propõe via Legislativo.

A avaliação do TCU confirma a fala de Bueno. Para o Tribunal “a baixa execução do crédito para a produção agroecológica e orgânica é um exemplo de ineficiência devida ao desalinhamento de ações empreendidas por políticas distintas. Por meio do Pronaf, foram disponibilizados R$ 2,5 bilhões para custeio e investimento na produção agroecológica e orgânica e, por meio do Programa ABC, foram disponibilizados R$ 4,5 bilhões. Entretanto, conforme o Relatório de Balanço do Planapo 2013-2015, os recursos efetivamente aplicados via Pronaf somaram R$ 63,1 milhões, o que representa 2,5% dos recursos disponibilizados inicialmente. Já no âmbito do Programa ABC, os recursos efetivamente executados foram R$ 9,2 milhões, correspondendo a 0,2% do total disponibilizado. A baixa execução do crédito para a produção agroecológica e orgânica é um exemplo de ineficiência devida ao desalinhamento de ações empreendidas por políticas distintas”.

Neste cenário, a experiência do Movimento Sem Terra (MST) é um exemplo concreto de que uma outra alternativa é possível. Maior produtor de arroz orgânico da América Latina, com colheita de 27 mil toneladas na safra 2016-2017, produzida em 22 assentamentos diferentes, a produção, a industrialização e a comercialização do arroz são planejadas e executadas pelos próprios camponeses. O arroz chega às feiras e ao mercado por meio da marca ‘Terra Livre’. A maior parte é comercializada via iniciativas institucionais, como o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), mas cerca de 30% da produção é exportada para países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, Chile e México.

Mas o MST vai muito além do arroz. A III Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada em maio em São Paulo, reuniu mais de 260 mil pessoas que puderam comprar, consumir e conhecer mais de 1530 tipos de produtos produzidos, que representaram cerca de 420 toneladas de alimentos de 1215 feirantes de todo o Brasil.

Na avaliação de Carla Bueno, números tão expressivos representam uma vitória enorme de um modelo de produção que vai contra tudo o que o estado brasileiro tem praticado, sobretaxando produtos naturais, dificultando o acesso ao crédito, sendo parceiro do lobby dos agrotóxicos e favorecendo o grande produtor de commodities em detrimento do agricultor familiar. “O MST é quase um milagre pelo que tem capacidade de fazer, o que é hoje, a força que tem na produção de alimentos em relação ao que teve de subsídios e a falta de estímulo que a política de reforma agrária no Brasil teve nas últimas décadas”, enumera.

A Segurança Alimentar e Nutricional nas Eleições de 2018

Por Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc.

O Brasil é uma referência internacional em relação à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Isto porque – graças a uma abordagem intersetorial, a alocação expressiva de recursos e a participação social – conseguiu alcançar excelentes resultados, como a diminuição da fome e da desnutrição, comprovados pela saída do país do Mapa da Fome das Nações Unidas em 2014.

A Segurança Alimentar e Nutricional tem por objetivo assegurar o direito constitucional à alimentação adequada. Consiste na realização do direito de todas e todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

A implementação da Segurança Alimentar e Nutricional ocorre por meio do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que envolve os três níveis de governo. O Sistema é operacionalizado por uma institucionalidade intersetorial e participativa, isto é, as câmaras, os conselhos e as conferências. Em âmbito federal, está atualmente em andamento o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PlanSAN) 2016 2019, que diz respeito a 38 objetivos, 144 metas e recursos anuais da ordem de R$ 80 bilhões[1]. O Plano foi construído em parceria com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a partir das diretrizes da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e é executado por cerca de 20 ministérios e secretarias em articulação com estados e municípios.

Essa engenhosa e inovadora arquitetura institucional, que se iniciou no começo dos 1990 com o presidente Itamar Franco e que foi aprofundada a partir de 2003, tem sido capaz de melhorar as condições de alimentação e nutrição de milhões de brasileiras e brasileiros. Tais conquistas devem-se à compreensão de que uma alimentação adequada e saudável requer o fortalecimento das conexões entre o campo e a cidade; requer articular constantemente as dimensões da produção, da distribuição e do consumo de alimentos, respeitando as diferentes culturas existentes em nosso país.

É evidente que ainda temos muitos desafios. A fome permanece presente, de forma inaceitável, entre povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, bem como vem crescendo entre os imigrantes. Se, de uma maneira geral, conseguimos resolver a questão da desnutrição, por outro lado, estamos nos deparando com a epidemia da obesidade, que atinge parcela considerável da população brasileira. Mais da metade da população está com sobrepeso e a obesidade já atinge 20% das pessoas adultas.

Diante desse quadro, de uma política pública comprovadamente bem-sucedida e da permanência de aspectos da insegurança alimentar e nutricional na sociedade brasileira, nada mais óbvio do que imaginar que as diferentes candidaturas à Presidência da República apresentariam propostas concretas nesse âmbito. Mas, infelizmente, não é bem assim. O único programa de governo que arrola sugestões a respeito é o do Lula/Haddad (PT): “O Presidente Lula retomará e ampliará a política nacional de segurança alimentar e nutricional, combatendo a desnutrição infantil e promovendo a Soberania Alimentar” (p. 31).

Mas, infelizmente, a SAN está incluída no capítulo de Superação da Pobreza e Assistência Social, reduzindo o papel central da segurança alimentar e nutricional no desenvolvimento nacional. As pessoas responsáveis pela elaboração do plano do PT não só não avaliaram a atuação do governo liderado pelo Partido desde 2003, como deixaram de consultar ou escutar os especialistas da área ligados ao partido, que não são poucos.

A candidatura do Boulos (Psol) menciona umas poucas vezes a (in)segurança alimentar e nutricional, mas como consequência de algum processo. Por exemplo, é dito que se faz necessário “mudar o modelo energético, produtivo e agrário” para, entre outros aspectos, assegurar a “segurança alimentar do povo brasileiro” (p. 137). Curiosamente, Bolsonaro (PSL), faz referência à SAN quando registra no capítulo sobre Agricultura que “A nova estrutura federal agropecuária teria as seguintes atribuições:….. Defesa agropecuária e segurança alimentar” (p. 69). Nas demais 10 candidaturas não há qualquer menção à ideia ou ao conceito de segurança alimentar e nutricional.

Existem propostas para as áreas de agricultura, saúde, alimentação, cultura, meio ambiente e desenvolvimento agrário, entre outras, mas não articuladas no marco da SAN, que é o que faz a força e a efetividade dessa política. Outra curiosidade é o programa da Marina (Rede) que cunha novo conceito, o de “alimentação saudável e pacífica”, que busca incluir a alimentação vegetariana. Essa invenção desconhece os acúmulos internacionais, bem como os do movimento da segurança alimentar e nutricional, evidenciando o distanciamento com o que vem sendo debatido nos últimos 30 anos.

Esse interesse restrito das propostas dos presidenciáveis em relação à SAN impressiona, não somente devido à experiência nacional, mencionada anteriormente, mas também porque é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais especificamente o ODS 2, “Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. Esse Objetivo tem uma centralidade porque a SAN, resultante de uma alimentação adequada e saudável, pode contribuir direta ou indireta com praticamente todos os demais objetivos. Por exemplo, alimentos produzidos de forma sustentável reduzem os efeitos das mudanças climáticas e aumentam a disponibilidade da água; pessoas saudáveis vivem melhor e participam das diferentes dinâmicas nacionais; crianças que se alimentam adequadamente melhoram seu rendimento escolar; as consequências da fome e de dietas pobres contribuem para aumentar a morbidade e a mortalidade do país, resultando no aumento dos gastos com saúde.

Em resumo, nossos candidatos e nossas candidatas parecem desconhecer nossa história bem como os compromissos assumidos internacionalmente. Ainda é tempo de mudar, pressionando-os(as) para que incluam a segurança alimentar e nutricional como eixo estratégico de suas propostas.


[1] Para mais informações, ver: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/seguranca_alimentar/caisan/plansan_2016_19.pdf

PLOA 2019: próximo governo precisará de aprovação do Congresso para garantir recursos da Previdência e Bolsa Família

Por Matheus Magalhães, Grazielle David e Alessandra Cardoso*

Se o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2019 for aprovado da maneira como foi enviado ao Congresso na última sexta-feira (31/8), a próxima gestão do Executivo vai começar o mandato em uma situação de extrema instabilidade financeira. Isso porque, para não descumprir a “regra de ouro” da Constituição, o atual governo está propondo condicionar R$ 234,2 bilhões de despesas obrigatórias – entre elas, 41,4% dos recursos da Previdência – à aprovação do Legislativo por maioria absoluta no ano que vem.

O Projeto, que define a autorização de despesas para 2019, deve ser discutido e aprovado pelo Legislativo, podendo sofrer alterações até o fim do ano. Contudo, as diretrizes que nortearam sua elaboração dificilmente serão modificadas, pois o orçamento é planejado e executado obedecendo às metas definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), já aprovada pelo Congresso. E como havíamos alertado em análise anterior, a LDO 2019 é composta por uma grave contradição entre o Teto de Gastos, instituído pela Emenda Constitucional 95, e a “regra de ouro” das finanças públicas, prevista no artigo 167, inciso III da Constituição.

A “regra de ouro” proíbe a emissão de dívida para pagamento de despesas correntes, ou seja, para custeio de serviços públicos. Dessa forma, só é passível de endividamento a realização de investimentos. Já o Teto de Gastos limita as despesas primárias, tanto os investimentos quanto o custeio dos serviços públicos. Como boa parte das despesas de custeio são obrigatórias, ao contrário dos investimentos, o governo acaba diminuindo este último. Porém, ao reduzir investimentos, se limita na possibilidade de emissão de novos títulos da dívida, medida necessária frente ao déficit fiscal e a falta de receita para cobrir as despesas previstas. Essa é a contradição entre as duas regras fiscais: uma inviabiliza o cumprimento da outra, fazendo com que o governo tenha que escolher qual irá obedecer ou cancelar.

E é justamente neste ponto que o PLOA 2019, seguindo o que ocorreu com a LDO 2019, torna-se inconstitucional. Porque está sendo elaborado com um desiquilíbrio orçamentário, sem ter receita certa para cobrir os gastos previstos. Apesar da “regra de ouro” permitir a abertura de crédito adicional durante o ano que vem para despesas que estejam com falta de recursos financeiros, ela não permite que as leis orçamentárias sejam elaboradas sem o equilíbrio entre receitas e despesas.

Ignorando esse fato, o governo de Temer entregou ao Legislativo uma proposta de orçamento que atrela R$ 258,2 bilhões em despesas à autorização de créditos suplementares pelo Congresso Nacional. Uma burla explícita à “regra de ouro”.

Agravando o cenário, desse montante, R$ 234,2 bilhões são despesas obrigatórias, onde se incluem 41,4% das aposentadorias e pensões urbanas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e metade do pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), como se pode verificar no quadro a seguir. A estratégia utilizada para separar essas despesas “condicionadas” foi a criação de um novo órgão orçamentário: 93000 “Programas condicionados à aprovação legislativa prevista no inciso III do Art. 167 da Constituição (regra de ouro)”.

Quadro: Programas com o orçamento condicionado à aprovação de créditos suplementares pelo Congresso.

Outros programas de grande importância para a população, como o Bolsa Família, e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – responsável por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país – também se encontram com metade do custeio comprometido.

Esse projeto impõe uma enorme instabilidade financeira para o país no próximo ano, já que condiciona um grande volume de despesas obrigatórias a receitas incertas, empurrando para o governo seguinte um orçamento praticamente sem possibilidade de gestão, em um contexto político e econômico tão adverso como o atual. E mais: o maior volume de despesa com receita condicionada refere-se a um direito individual, que é o previdenciário. A intenção por trás dessa escolha pode ser a de ‘amarrar’ o Legislativo: ou aprovam os projetos de lei de abertura de crédito adicional ou terão que aprovar uma proposta de reforma da previdência. Além de inconstitucional, o atual texto do PLOA 2019 tenta dar um ‘xeque-mate’ no Legislativo e no direito previdenciário de milhares de brasileiros.

É ainda importante destacar que esse ajuste fiscal é seletivo, uma vez que o Teto de Gastos se mantém como regime fiscal que dita todas as possibilidades de atuação do poder público, enquanto as despesas financeiras continuam intocáveis, e praticamente inquestionáveis no cenário do debate das finanças públicas.

O próprio PLOA 2019, que tenciona as despesas primárias, planejando diminuir investimentos e custeio das políticas públicas, não justifica ou discute as despesas da esfera financeira. Se por um lado há a previsão de redução de 13,4% nas despesas do Poder Executivo em relação a 2018 (R$ 1.099,9 bilhões), as despesas com juros da dívida pública estão planejadas em R$ 378,9 bilhões, 19,8% a mais do que no ano anterior – despesas essas que não são limitadas pelo Teto de Gastos.

Considerando o período eleitoral, a distribuição de recursos entre ministérios e programas de governo provavelmente será alterada após o resultado das eleições, quando a candidatura eleita deve negociar adequações orçamentárias com os parlamentares para implementação de seu plano de governo.

A expectativa é que essas alterações venham a corrigir, por exemplo, as previsões de retração de 10,9% para ciência e tecnologia, 26,5% para o fortalecimento da agricultura familiar, 30,1% nas políticas para as mulheres, além dos desmontes de 37,1% para o saneamento básico, 41,7% para mobilidade urbana, e 58,9% para promoção da igualdade racial.

Em mais uma oportunidade, o planejamento orçamentário se depara com a inviabilidade que o Teto de Gastos trouxe às finanças nacionais, de forma absolutamente excepcional em todo o mundo. Não somente a gestão mesma dos recursos públicos e do Estado brasileiro, mas a efetivação dos direitos mais fundamentais estão, cada vez mais, condicionados à revogação da EC 95.

*Assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Qual o papel das Instituições Financeiras Internacionais com participação do Brasil?

As instituições financeiras internacionais (IFI), como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, desempenham papel central no desenvolvimento dos países, para o bem ou para o mal, a depender da estratégia que adotam.

Com o objetivo de entender melhor quais são essas instituições e como atuam, especialmente aquelas que contam com a participação do Brasil, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) convidou três pesquisadores para fazer um levantamento sobre o tema e sugerir pistas para atuação das organizações e movimentos sociais que incidem sobre esta agenda.

O resultado foi o texto “As instituições financeiras internacionais com participação do Brasil: seu papel atual”, de autoria de Adhemar Mineiro, Fátima Mello e Kjeld Jakobsen. Curto e didático, reúne as principais informações referentes às organizações financeiras internacionais das quais o Brasil participa, como o Banco Mundial, FMI e Novo Banco de Desenvolvimento, entre outros.

Para Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, o estudo reforça percepções preocupantes em relação à atuação dessas instituições. “Ao invés de implementar salvaguardas sociais e ambientais que assegurem a promoção e a realização dos direitos humanos, as IFI´s estão baixando seus padrões para dar cada vez mais livre vazão aos investimentos privados, pouco afeitos à agenda de direitos”, explicou.

>>> Acesse a íntegra do estudo e saiba mais

 

Genocídio da juventude negra: como pensam os candidatos e candidatas à Presidência

Por Carmela Zigoni, assessora política do Inesc

O genocídio da juventude negra é um grave problema em nossa sociedade. Estima-se que anualmente são assassinados cerca de 28 mil jovens no país. Destes, 77% são negros (em torno de 20 mil/ano)[1]. A violência contra esta população não regrediu no período de crescimento econômico e pleno emprego experimentado poucos anos atrás, quando políticas de distribuição de renda, segurança alimentar e inserção nas universidades foram implementadas no Brasil, melhorando a vida das camadas mais pobres da sociedade.

Os movimentos sociais negros, antirracistas, de mulheres e de mães têm reivindicado o fim deste massacre, mas o Estado não tem dado conta de responder de forma efetiva. Longe de ser um problema pontual, o genocídio dos jovens negros é reflexo do racismo estrutural e institucional, coloca em xeque ideais de solidariedade e igualdade, e impacta o tipo de sociedade que estamos construindo para as próximas gerações. Como bem questionou Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, executada em março deste ano por defender os direitos humanos de jovens de favelas e policiais no Rio de Janeiro, “Quantos mais terão que morrer para que essa guerra acabe? ”.

Buscamos, assim, avaliar como as propostas das 13 candidaturas à Presidência da República abordam o tema do genocídio da juventude negra (ou extermínio, ou violência letal contra jovens negros), considerando principalmente a política de segurança pública, mas também políticas sociais que impactam as comunidades mais pobres. A análise também abordou a política de austeridade fiscal que resultou em uma mudança constitucional (EC95/Teto de Gastos) e impedirá o financiamento de muitas promessas de campanha, impactando os direitos da juventude negra.

Juventude, violência e racismo

Para começar, os planos de governo dos candidatos e candidatas à Presidência da República neste tema podem ser divididos em dois blocos: aqueles que reconhecem a existência do racismo no Brasil e aqueles que invisibilizam parcial ou completamente esta agenda. Os candidatos que nem mesmo mencionam que o racismo existe no Brasil são: Álvaro Dias (PODEMOS), Cabo Daciolo (PATRIOTA), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoedo (NOVO) e José Maria Eymael (PSDC) – os mesmos que também não falam em mulheres, quilombolas e indígenas (o plano de Bolsonaro menciona as mulheres uma única vez em um gráfico sobre índice de estupros no Brasil).

Os que reconhecem que os jovens negros são as maiores vítimas da violência no Brasil são: Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB), João Goulart Filho (PPL), Lula/Haddad (PT), Marina Silva (REDE) e Vera Lucia (PSTU); Geraldo Alckmin (PSDB) menciona a “violência racial” como algo a ser superado, mas não a relaciona com a juventude ou com segurança pública. Os únicos candidatos que utilizam o conceito ‘genocídio da juventude negra’ (ou “extermínio da juventude negra”), dialogando, portanto, com as pautas dos movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos humanos são Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia.

Segurança Pública

No que se refere à política de segurança pública, podemos observar planos que consideram a prevenção, repressão e punição; e aqueles que focam somente na repressão e punição. A integração das forças de segurança parece ser o único consenso entre os candidatos. Muitos deles assimilaram a necessidade de maior participação do Governo Federal nesta política, ainda que a responsabilidade seja dos Estados, na medida em que o problema é complexo e urgente, exigindo um esforço coletivo para soluções. O que difere é que alguns candidatos pensam em fazer reformas apenas em nível de forças policiais (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Jair Bolsonaro, João Amoedo e José Maria Eymael); outros acreditam que é preciso envolver a sociedade, ou seja, as organizações e movimentos sociais, as universidades e, principalmente, os moradores de comunidades pobres, grupo mais afetado pela violência (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, João Goulart Filho, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia).

Todas as propostas abordam a vigilância das fronteiras como parte da repressão ao tráfico de drogas: o Brasil é o principal país de passagem para drogas que são enviadas à Europa e África. Todos falam em combater as facções criminosas que comandam presídios, e alguns candidatos destacam a necessidade de monitorar as transações financeiras para identificar fluxos ilícios como forma de combate ao crime organizado: o tráfico de drogas é um mercado internacional que movimenta cerca de 320 bilhões de dólares ao ano. A maioria das propostas cita o investimento em inteligência, no entanto, diferem bastante na forma como usar as informações, se para criminalização de pobres e de movimentos sociais, ou para aperfeiçoar as investigações e reduzir a violência no sistema como um todo.

Os candidatos que defendem a superação do modelo de encarceramento de massa são: Guilherme Boulos, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia. João Goulart Filho propõe investir na ressocialização do apenado. Ciro Gomes e Cabo Daciolo denunciam a superlotação de unidades carcerárias de delegacias, e defendem a redistribuição de presos no sistema penitenciário. Henrique Meirelles propõe construir mais penitenciárias. João Amoedo sugere a celebração de parcerias público-privadas para gestão de presídios e retirada de direitos dos apenados, como indultos e saídas temporárias. Jair Bolsonaro promete “prender e deixar na cadeia”, assim como o fim da progressão de penas e saídas temporárias.

É importante registrar que muitas das propostas de reformas ou melhorias já estão previstas na Lei Nº 13.675 de 2018 que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), por meio do Plano Nacional de Segurança Pública, com participação da sociedade civil, por meio de conselhos, e implantação de um sistema de dados para monitoramento e incremento da inteligência. Marina Silva, por exemplo, propõe a criação de diversas medidas que já existem, além das anteriores, a Política Nacional de Alternativas Penais e um Programa de Apoio aos Egressos do Sistema Prisional – resta saber como serão realidade no contexto de corte de gastos sociais impostos pela EC95, medida que a candidata não se propõe a discutir.

Mudanças na legislação

O candidato que propõe a revisão do Estatuto do Desarmamento é Jair Bolsonaro, e os que se declaram totalmente contra a ampliação do porte de armas por civis são Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.  Marina Silva menciona o controle de armas, mas não se posiciona em relação à flexibilização. Jair Bolsonaro também é o único a defender a redução da maioridade penal para 16 anos. Os candidatos que declaram apoio ao fim dos Autos de Resistencia são Guilherme Boulos e Lula/Haddad. Sobre a descriminalização das drogas como forma de regulamentar o comércio e reduzir a violência e a corrupção decorrentes do tráfico, Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia se posicionam a favor de realizar este debate.

Prevenção à violência e promoção dos direitos da juventude negra

Com relação ao financiamento das políticas sociais como prevenção à violência, podemos dividir os planos entre aqueles que deixam claro que sem financiamento é impossível garantir políticas públicas (saúde, educação, assistência social, direitos de mulheres, etc.), sendo necessário trabalhar pela revogação da EC95/Teto de Gastos (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, João Goulart Filho, Lula/Haddad e Vera Lucia); e aqueles que prometem políticas sociais sem dizer de onde vão sair os recursos, propondo a redução de impostos e/ou privatização de serviços e empresas públicos (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoedo e Marina Silva).

As candidaturas que propõem ações de prevenção a partir do fortalecimento das expressões culturais da juventude negra e da cultura periférica, como slams, saraus, Hip Hop, etc., são as de Ciro Gomes e Guilherme Boulos; Lula/Haddad se referem ao “fortalecimento da cultura popular”; Marina Silva menciona “investimento em atividades culturais”; João Goulart Filho ressalta o fortalecimento de “produções culturais locais” e de “artistas independentes”. Os demais não veem a cultura como forma de prevenção da violência, combate ao racismo e promoção dos direitos da juventude negra.

Direitos humanos de policiais

Sabemos que os policiais que recebem menos e atuam na linha de frente também morrem, ainda que os números sejam muito menores do que as mortes de jovens. De acordo com o Observatório da Intervenção, as mortes de policiais aumentaram após a intervenção federal no Rio de Janeiro – assim como os registros de crimes como roubos de cargas –, demonstrando que aumento do efetivo e ostensividade não contribuem, necessariamente, com a diminuição da violência e o combate ao crime. As propostas que mencionam a valorização da profissão e melhoria nas condições de trabalho são as de Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.

Guilherme Boulos e Lula/Haddad são os únicos a propor a desmilitarização das polícias. Geraldo Alckimin, na direção oposta, sugere a criação de uma Guarda Nacional militar, uma espécie de PM Federal. Em 2014, uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública demonstrou que 77% dos policiais são a favor da desmilitarização.



[1] Fonte: https://anistia.org.br/imprensa/na-midia/exterminio-da-juventude-negra/

Análise das propostas de educação das candidaturas à Presidência da República

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc

As soluções encontradas pelos governos para enfrentar a crise econômica que aflige o país desde 2015 foram baseadas em medidas de austeridade que afetaram diversos serviços públicos essenciais.  Com a educação não foi diferente: este setor teve cortes de recursos severos, especialmente para o ensino superior e a pesquisa.

A situação de crise foi aprofundada com a aprovação da Emenda Constitucional Nº95, conhecida como “teto dos gastos”.  O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, por exemplo, está no quarto ano de vigência e sob sério risco de não ser cumprido. Apesar de prever a destinação de 10% do PIB para a educação até 2024, com a EC 95 andamos a passos de caranguejo, pois a previsão é de apenas 5,5% do PIB em dez anos.

O teto dos gastos inviabiliza ainda o atendimento ao Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais (PIDESC), do qual o Brasil é signatário desde 1992, que em seu artigo 2º diz que é necessário o máximo de recursos disponíveis para assegurar progressivamente os direitos reconhecidos no Pacto – o que não tem condições de acontecer sem orçamento para investimento social.

Com relação ao ensino superior, a situação é ainda mais grave. O orçamento das universidades caiu de R$ 13 bilhões em 2015 para R$ 5,9 bilhões em 2018. Os institutos federais, que em 2015 receberam recursos de R$7,9 bilhões, devem receber apenas 2,8 bilhões este ano. Visando a privatização, a grande mídia insiste em classificar como má gestão, o que na verdade é falta de recursos.

Diante desse cenário, esse texto pretende analisar os programas dos candidatos à Presidência pela lente dos direitos humanos, observando se as propostas apontam ou não para a garantia da qualidade do ensino, do acesso à educação infantil, do crescimento da oferta de vagas no ensino superior, do financiamento da pesquisa e extensão, da revisão das Bases Nacionais Comuns Curriculares e da Reforma do ensino médio.

O programa do candidato Lula

Diz que a educação terá prioridade estratégica e aponta como ações principais a formação de educadores, a reformulação do ensino médio e a expansão da educação em tempo integral. Promete, ainda, concretizar as metas do PNE, até mesmo criando o Sistema Nacional de Educação com negociação interfederativa, o que hoje é uma grande questão, visto que os municípios ficam com uma sobrecarga de atribuições diante de uma carga menor de arrecadação.

Financiamento

O plano diz que o governo vai ampliar o financiamento com vistas a cumprir os 10% do PIB previstos no PNE até 2024, além de implantar o CAQi (custo aluno qualidade inicial), que está inserido no PNE graças à mobilização do movimento social.  Além disso, indica institucionalizar o novo Fundeb, tornando-o permanente. Propõe, ainda, retomar os royalties do petróleo e Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

Outra importante medida proposta é repactuar a distribuição dos recursos arrecadados pela União, das folhas de pagamento, destinados ao sistema S. O retorno para a sociedade é ínfimo e com dificuldades de serem mensurados pela falta de transparência. Vejam o que está proposto:

O ensino técnico e profissionalizante será articulado com o ensino propedêutico, assegurando a possibilidade de acesso à educação universitária para todos os jovens que desejarem. O objetivo é destinar 70% dos recursos destinados à gratuidade, oriundos das Contribuições Sociais arrecadadas pela União para manutenção do SESI, SENAI, SESC, SENAC e SENAR, sejam direcionados à ampliação da oferta de ensino médio de qualidade. Além disso, haverá uma forte participação da União na oferta do Ensino Médio”.

Ademais, no âmbito do Ensino Médio Federal, propõe criar um programa de permanência para os jovens em situação de pobreza para combater a evasão e melhorar o rendimento escolar.

Pontos críticos

Toca em todos os pontos críticos, como contraposição ao avanço da escola sem-partido, por exemplo, registra que: “As ações de educação para as relações étnico-raciais e as políticas afirmativas e de valorização da diversidade serão fortalecidas; serão massificadas políticas de educação e cultura em Direitos Humanos, a partir de uma perspectiva não-sexista, não-racista e não-LGBTIfóbica.” No entanto, é importante pontuar que durante os governos petistas houve retrocesso em relação a iniciativas semelhantes, por aceitarem a pressão da bancada da bíblia, em nome da “governabilidade”. Cita as cotas e diz que irá reforça-las para a democratização do ensino superior.

Outros pontos relevantes, que diz respeito aos principais gargalos da educação: 1) Revisão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com participação social. Houve recente alteração na BNCC, mas com vários problemas e sem participação. 2) Valorização dos professores e professoras alfabetizadoras e fortalecimento do PIBID (programa de bolsa de iniciação científica voltado ao fortalecimento das licenciaturas e que está praticamente esquecido no atual governo). 3) Garantia do Piso Salarial Nacional para professoras, o que também não foi feito durante as últimas gestões. 4) fortalecer e ampliar as universidades e os institutos federais; revogar a reforma do ensino médio; e compartilhar as responsabilidades por esta etapa do ensino com os estados – medida esta que se for concretizada poderá mudar a realidade de abandono em que se encontra, há tempos, esta importante fase transitória entre a educação básica e o ensino superior.

O programa do candidato Ciro Gomes

Fala que investir em melhoria da qualidade da educação pública será uma das principais prioridades, dando como exemplo as escolas do Ceará, que estão entre as melhores, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Também propõe ampliar o número de anos de escolaridade, com a expansão do ensino em tempo integral a partir da segunda etapa do fundamental até o médio. Promete fazer da escola um ambiente criativo para combater a evasão escolar.

Diz ainda que “A política educacional vai reconhecer e valorizar o professor e os gestores escolares. As universidades públicas deverão, além de ampliar a oferta de vagas e prosseguir com as políticas de cotas, estreitar seus laços com as políticas e ações no campo da educação básica e ciência, tecnologia e inovação. Como objetivo geral, vamos caminhar na direção do alcance das metas de desenvolvimento sustentável da ONU no tocante à Educação e persistir na aplicação das metas estabelecidas no Plano Nacional da Educação (PNE).

Financiamento

Promete “eliminar o subfinanciamento das despesas com educação causado pela Emenda do Teto de Gastos”, mas não se compromete textualmente com a ampliação do financiamento da educação. Fala de reposição, mas não de ampliação dos recursos até 10% estipulados no PNE. Também não se refere ao Custo Aluno Qualidade.

Com relação ao Fundeb, o candidato fala de enviar ao Legislativo, até 2019, a sua reformulação com participação da sociedade, sem explicar se será uma proposta definitiva. Uma questão importante é que, de acordo com o plano, a União repassará 10% discricionários aos estados e municípios que aderirem às diretrizes propostas pelo MEC.

Uma maior parcela de financiamento por parte da União é muito bem-vinda, porém, o problema da proposta do candidato é centrar em “premiar estados e municípios” que seguirem as diretrizes, além de focalizar em resultados. É evidente a importância de um bom planejamento para alcançar resultados, contudo, a realidade da maior parte dos nossos municípios é de total falta de estrutura, pessoal e capacidade de gestão, que devem vir antes dos resultados traduzidos em notas.

Pontos críticos

Apesar de se comprometer em dar continuidade à política de cotas, não faz referência ao combate às discriminações de gênero, raça/etnia, LGBT nas escolas.

A revisão com participação social da BNCC também está proposta, além da preocupação com a formação de formadores, deixando registrado que criará um programa de formação docente com estágio, residência e mentoria. Propõe a continuidade de programas tais como Prouni, Fies, Enem, salientando que com aperfeiçoamentos. Também promete dar continuidade a todas as provas de avaliação nacionais, sem fazer críticas ao modelo vigente, que desconsidera as diferentes realidades brasileiras, especialmente no norte e nordeste.

O programa do candidato Geraldo Alckmim

É bem enxuto e carece de detalhes. Dá destaque para a primeira infância (creches e pré-escola), sem delinear as ações que pretende fazer.  O texto destinado ao tema da educação no programa se resume a:

Vamos dar prioridade à primeira infância. Promoveremos a integração de programas sociais, de saúde e educação, do período pré-natal até os seis anos de idade, para que nossas crianças possam ter, de fato, igualdade de oportunidades. Investiremos na educação básica de qualidade e teremos como meta crescer 50 pontos em 8 anos no PISA – o mais importante exame internacional de avaliação do ensino médio.  A revolução na educação básica requer um sério investimento na formação e qualificação dos professores. Vamos transformar a carreira do professor numa das mais prestigiadas e desejadas pelos nossos jovens. ”

Não cita em sua curta proposta o ensino superior, o que nos faz crer que não terá centralidade em seu governo, bem como EJA, alfabetização, etc. Deixa brechas até mesmo para inferirmos que só investirá em educação básica, apostando na privatização do ensino superior.

Financiamento e pontos críticos

Não faz menção a como pretende resolver o problema do subfinanciamento da educação, nem toca em pontos polêmicos, como  política de cotas, discussão de gênero nas escolas e combate às discriminações.

O programa da candidata Marina Silva

Diz que o primeiro compromisso é com o Plano Nacional de Educação (PNE) e com a implantação do Sistema Nacional de Educação em diálogo com estados e municípios. Fala na valorização dos professores e do respeito à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sem falar da necessidade de rever o processo de elaboração da atual versão, que não contou com participação. Com relação à reforma do ensino médio, diz rapidamente que é preciso “avaliá-lo criticamente”, pois muitas questões ali propostas não estão de acordo com a realidade de vários estados e municípios. No entanto, não fala em revogá-lo, mas sim em dar assistência para que não haja prejuízo aos estudantes.

Financiamento e pontos críticos

Com relação ao ensino superior, diz que continuará com a política de cotas, ampliação do acesso e aproximação com ciência e tecnologia, e diz que combaterá as desigualdades em todos os níveis da educação.

Não cita nada acerca de financiamento, ampliação do investimento ou mesmo revogação da EC 95, apesar de ter criticado a medida publicamente, citando como principais prejudicadas a saúde e educação. Suas propostas, assim como as do candidato Alckmim, são bastante genéricas.

O programa do candidato Jair Bolsonaro

Não apresenta nenhuma proposta de política pública concreta e resume a “solução” para o problema da educação em “mais matemática, português, ciências e menos doutrinação”.

Financiamento e pontos críticos

Não menciona o Plano Nacional de Educação e diz que é possível fazer muito mais com os atuais recursos. Fala em melhorar a alfabetização, atualizando métodos e “expurgando Paulo Freire”. Registra, ainda, que ensino à distância precisa ser considerado, especialmente nas áreas rurais de difícil acesso, sem mencionar que essas localidades carecem de equipamentos e internet com boa conexão para essa modalidade de ensino.

O candidato ainda sugere que o Brasil deve copiar as inovações de países como Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão, Taiwan.

O programa do candidato Cabo Daciolo

Inicia sua proposta dizendo que investirá 10% do PIB na educação e ressalta a evasão no ensino médio como um dos grandes problemas a ser enfrentado. Propõe ampliar o repasse de recursos para estados e municípios e tornar as escolas mais acessíveis.

Financiamento e pontos críticos

Com relação ao ensino superior, diz que ampliará o financiamento, que vem sendo reduzido, e ampliará a oferta de vagas. Diz que ampliará também o valor do piso do magistério para além do proposto atualmente.

O candidato não cita BNCC, PNE reforma do ensino médio ou mesmo a revogação da EC 95.

O programa do candidato João Amoedo

Apresenta suas propostas em forma de itens, sem detalhes, e prioriza educação básica para alocação de recursos. Propõe expansão de creches e pré-escolas; programa de bolsas em escolas particulares para alunos da educação pública; premiação de municípios na distribuição dos recursos do Fundeb; ampliação do ensino profissionalizante e busca de “recursos não estatais” para o ensino superior.

Financiamento e pontos críticos

O candidato baseia-se em princípios meritocráticos em todas as suas propostas, além de apostar na privatização do ensino, não apenas superior, mas também quando oferece sistema de bolsas em escolas particulares, em vez de investir nas escolas públicas. Não fala nada sobre PNE e BNCC ou mesmo financiamento público da educação. Além de atentar contra a gestão democrática quando anuncia gestão profissional nas escolas do país.

O programa do candidato Guilherme Boulos

Inicia sua proposta dizendo que revogará todas as medidas antidemocráticas do governo Temer, como a do teto dos gastos, BNCC, reforma do ensino médio e retomada do Fórum Nacional de Educação. Propõe a reedição da Conferência Nacional de Educação e constituição democratizada do Conselho de Educação.

Propõe também a revisão do regime de colaboração, onde municípios pequenos precisam arcar com muito; a criação do Sistema Nacional de Educação e a implantação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi); Fundeb permanente, tendo o CAQi como referência para o custo-aluno.

Vale destacar o trecho que fala sobre as bases curriculares: “Somos contra a padronização curricular, modelo que se presta aos interesses dos mercados editoriais, consolida e legitima as grandes avaliações e pouco considera as necessidades e diferenças da educação brasileira. Defendemos diretrizes curriculares nacionais que possam assegurar a toda a população brasileira o acesso ao conhecimento científico, tecnológico, artístico e cultural em perspectiva histórico-crítica, valorizando a pertinência das escolas e universidades com os seus contextos sócio históricos e com as condições de vida de seus estudantes”.

Financiamento e pontos críticos
Defende atender às metas do PNE, mas com verbas públicas para educação pública. Para isso, propõe uma transição para programas como FIES e PROUNI, com o objetivo de que os seus beneficiários migrem para a educação pública, sem desrespeitar os contratos que estiverem vigentes no momento. Além disso, defende a valorização do profissional de educação com base no tripé “salário, carreira, formação”. E utiliza o lema “educação não é mercadoria” para reforçar que a educação pública regulará a oferta de educação privada.

Defende todas as ações afirmativas, as quais salienta ser fruto de muita luta social, com garantia de dotação orçamentária para que se realizem. Promete “Aplicação e ampliação das políticas de cotas raciais e políticas de permanência nas universidades e nos concursos públicos. As cotas raciais são uma importante política de reparação em um país que conta, em sua história, com mais de 300 anos de escravidão e 130 anos de trabalho livre”.


Conclusão

Com base no que identificamos inicialmente como os principais gargalos da Educação, podemos dizer que as propostas dos candidatos Lula e Boulos são as mais eficientes, por se preocuparem com a redistribuição de recursos e competências entre os entes federados, reconhecerem a necessidade de maior financiamento, ampliação de vagas, democratização do acesso e condições de permanência.

Estes candidatos defenderam a manutenção das cotas e manifestaram preocupação com a discriminação e com propostas como a “escola sem partido”. Guilherme Boulos é mais radical ao defender recursos exclusivamente para educação pública, mas não diz como fará uma transição, migrando todo o público do FIES e PROUNI para a universidade pública em pouco tempo.

Ciro Gomes também detalha bem o seu programa, fala de ampliação do financiamento e respeito ao PNE, mas centra-se muito em ações meritocráticas, usando como exemplo as escolas de Sobral. Mesmo que o exemplo seja bom, estamos tratando com um território muito diverso. Marina não detalha propostas, faz apenas um texto com possíveis caminhos, ainda que mencione o Sistema Nacional de Educação e o respeito ao PNE. Cabo Daciolo também fala de respeitar a educação pública, mas não desenvolve propostas concretas.

Já os demais candidatos são excessivamente neoliberais ou até “delirantes”, como Bolsonaro. Não se comprometem com a educação pública, querem privatizar o ensino superior, além de estabelecerem critérios excessivamente meritocráticos.

E aí, para qual proposta daremos nosso voto?

Campanha #SóAcreditoVendo pede fim do sigilo fiscal dos gastos tributários

Todo ano, o Brasil perde cerca de R$ 250 bilhões* com gastos tributários que o governo federal concede para empresas, instituições ou pessoas físicas. Mas quem, exatamente, recebe esses incentivos? Eles são de fato benéficos para o conjunto da sociedade? Buscando respostas para essas questões, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou nesta sexta-feira (24) a campanha #SóAcreditoVendo, que pede transparência no processo de concessão de incentivos fiscais.

De acordo com o manifesto da campanha, a falta de transparência e monitoramento dos gastos tributários acaba “gerando alterações de mercado e criando privilégios que aumentam a injustiça do sistema tributário brasileiro”. Da maneira como está organizado hoje, nosso sistema está concentrado em tributos regressivos e indiretos, justamente os que oneram mais os trabalhadores e os pobres.

>>> Assine aqui o manifesto que será entregue ao STF e ao Senado Federal <<<

O argumento do governo é de que esses incentivos e benefícios – que equivalem a 4% do PIB – podem aumentar a oferta de emprego e o crescimento econômico do país. Mas o Inesc defende que a população precisa ‘ver para crer’: “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem”, explica Grazielle David, assessora política do Inesc.

Apoiam a campanha organizações como a Fian Brasil, o Ibase, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, a Internacional de Serviços Públicos (ISP) e a ACT – Promoção da Saúde.

O que diz a lei?

O nosso Código Tributário Nacional diz que o Estado não pode divulgar informações sobre a situação econômica e financeira dos contribuintes. O próprio Código prevê algumas exceções, porém os gastos tributários não estão entre elas.

A campanha #SóAcreditoVendo defende que os incentivos fiscais devem ser considerados como gasto público indireto e, como tal, enquadrados dentro das exceções do Código e também dentro dos princípios de publicidade do orçamento público.

Já existem precedentes: em 2015, o Superior Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor do acesso público a esses dados. O STF entende que o sigilo pode ser relativizado quando existir o interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. Também existem projetos de Lei em tramitação no legislativo que pedem o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários.

*Dados oficiais da Receita Federal. A estimativa do TCU, que trabalha com um conceito ampliado de gastos tributários, é de R$354,7 bilhões.

Conheça a campanha e assine o manifesto: www.soacreditovendo.org.br


Eleições 2018: novas candidaturas, velhos desafios

Por Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O perfil das candidatas e candidatos às Eleições 2018 apresenta alguma mudança em relação ao último pleito em 2014, mas os desafios às candidaturas de mulheres, negros, negras e indígenas continuam.

As mulheres ainda são minoria nas Eleições

Do total de 27.835 candidaturas para todos os cargos, 69% são de homens e apenas 31% de mulheres. Os partidos com maior quantidade de mulheres são o PMB (39,42%) e o PSTU (38,39%), e os que contam com menor número de mulheres são o PSL (28,29%), PPL (28,31%) e o DEM (28,38%).

No segmento juventude, a proporção de mulheres é maior: elas são 51% na faixa de 20 a 24 anos (242 candidatas) e 44% na faixa de 25 a 29 anos (435 candidatas). Os homens são maioria nas faixas de 65 a 69 anos, com 74% (913 candidatos) e 72% na faixa de 60 a 64 anos (1.671 candidatos).

Se considerarmos os candidatos entre 30 e 59 anos (21964 candidaturas), a média é a estipulada pelas cotas previstas na Lei 9.504/97: proporção de 70% homens para 30% mulheres, lembrando que a faixa de 40 a 54 anos concentra o maior número de candidaturas (13.021).

Com relação à proporção de mulheres por cargo concorrido, observa-se sua baixa presença, muito menos do que o mínimo de 30%, em cargos como governador (14,57%), presidente (15,38%) e senador (17,24%). Já para o Legislativo, a média se mantém nos 30% definidos pela Lei.

Mulheres negras e indígenas

Em relação aos números de 2014, cresceu em 70% o número de candidatas que se autodeclaram pretas: de 679 para 1.153. O aumento de candidatas pardas foi um pouco menor (23%): de 2.328 para 2.862, acompanhando o crescimento geral das candidaturas. Porém, ao olharmos para o universo das candidaturas, que também cresceu, em 22% (de 22.907 em 2014 para 27.835 em 2018), a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável: de 13% em 2014 para 14% em 2018. Considerando que as mulheres negras (pretas + pardas) representam 25% da população brasileira, o número de candidatas continua aquém da representatividade.

Das 13 candidaturas para a presidência da república, apenas duas candidatas registradas se declaram negras: Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, e Vera Lucia, do PSTU; além da candidatura indígena de Sonia Guajajara à vice-presidência pelo PSOL.

Considerando a autodeclaração a partir das categorias do IBGE quanto à raça/cor, do total de candidatas, 16% são brancas (4.417candidatas), 4% pretas (1.153), 10% pardas (2.862) e somente 0,24% amarelas (66) e 0,17% indígenas (47). Verificou-se leve aumento nas candidaturas de mulheres brancas, de 14% para 15% (em 2014 foram 3.512 candidatas). Houve pequena queda nas candidaturas de homens brancos, de 40% em 2014 para 37% em 2018.

Presença de negros e indígenas no pleito

Os candidatos autodeclarados indígenas aumentaram em 59% em relação ao pleito anterior, passando de 81 para 129 candidatos.

Se considerarmos negros a somatória de pretos e pardos, o total de candidaturas é de 46% – 14% de mulheres negras e 32% homens negros (destes, 7% se declararam pretos e 25% pardos) – um discreto crescimento em relação a 2014, quando as pessoas negras representaram 44% do total.

 

Os negros (pretos + pardos) representam mais de 51% das candidaturas nos partidos PATRI (51,72%), PCdoB (55,74%), PHS (53,12%), PMB (54,12%), PMN (51,67%), PRP (52,89%), PPL (53,18%), PSC (54,33%), PSOL (54,29%), PSTU (53,55%), PTC (54,79%), SOLIDARIEDADE (51,37%) e REDE (54,26%). O partido com menos representantes negros é o NOVO (14,49%). O MDB conta com 36,32%, de pretos e pardos, o PSDB 32,72% e o PT 49,32%.

No que se refere aos cargos, candidatos pretos, pardos e indígenas estão mais concentrados nas candidaturas para deputado estadual e federal, e os brancos são maioria para o Senado, governos e Presidência.

Com relação aos estados, somente Goiás não tem candidatos que se autodeclaram indígenas. O maior número de candidaturas neste grupo se encontra em Roraima (20), Amazonas (17) e Ceará (10). Os que se autodeclaram pretos estão mais presentes no Rio de Janeiro (558), São Paulo (400), Minas Gerais (258) e Bahia (251). Considerando pretos e pardos, os estados com maior número de candidaturas de negros e negras é o Rio de Janeiro, com 1.685 candidaturas, seguido de São Paulo, com 1.008.

Diversidade nas candidaturas

Além do aumento em números absolutos de mulheres negras e indígenas no pleito, outra mudança positiva foi o reconhecimento, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do nome social de pessoas trans. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), são 43 candidaturas de pessoas trans para os cargos de deputado estadual e federal, em 18 estados do Brasil.

Com relação às candidaturas quilombolas, ainda que as categorias do IBGE não contemplem este grupo populacional, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) informou que serão 6 candidaturas quilombolas, sendo 5 de mulheres: Piauí, Goiás e Sergipe (deputado estadual); Maranhão e Rio de Janeiro (para deputado federal), pelos partidos PT (2), PSOL (2) e PSB (1).

A necessária reforma do sistema político

Assim, ainda que possamos identificar candidaturas mais plurais do ponto de vista da diversidade étnico-racial e de gênero, novos(as) candidatos(as) enfrentarão um sistema eleitoral que continua jogando contra a democratização dos espaços de poder. Em 2014, por exemplo, das 30% candidatas mulheres, somente 10% foram eleitas para o Parlamento. Destas, menos de 4% eram negras (pretas e pardas). Elas enfrentam o machismo e o racismo nas campanhas, e também são as candidatas com menos recursos para divulgar suas propostas aos eleitores.

Em relação ao recorte de raça/cor, embora o balanço racial das candidaturas se aproxime um pouco mais do perfil da população brasileira, no voto a situação muda, pois o racismo e o machismo operam também na hora da escolha pelos eleitores e se concretiza em espaços de poder ocupados majoritariamente por brancos.

Como vimos, nem todos os partidos cumpriram a cota de 30% de mulheres no pleito. As candidatas são, em geral, mais jovens e disputam os cargos de deputada estadual e federal, havendo muito menos mulheres candidatas para ocupar o Senado, os governos estaduais e a Presidência. O mesmo ocorre ao considerarmos o perfil étnico-racial. Uma estratégia adotada pelos partidos para dialogar com as eleitoras parece ter sido garantir mulheres no lugar de vice ou suplente.

Vitória dos movimentos sociais, o fim do financiamento empresarial de campanhas é uma realidade, mas não veio acompanhada de mecanismos de financiamento público que equilibrem o jogo: candidatos com patrimônio e renda altos acabarão se beneficiando do novo modelo. Isso porque o fundo público criado usa os mesmos critérios de partilha que o fundo partidário e tempo de TV, favorecendo os grandes partidos. Outro desafio para a maioria das candidaturas, especialmente as novas, é dialogar com o eleitor que não vota em ninguém: a soma de abstenções, brancos e nulos representou cerca de 29% do eleitorado em 2014 e 32,5% em 2016. Iniciativas inovadoras têm surgido para enfrentar este cenário, como a plataforma Mulheres Negras Decidem e as candidaturas coletivas.

Em 2014, demonstramos como o Congresso Nacional eleito se assemelhava em muito às casas grandes do período colonial brasileiro: branco, masculino, proprietário; além de machista e comprometido com bancadas econômicas e religiosas. Assistimos à forma como, desde então, estes parlamentares têm atuado, compactuando com a violação de direitos de mulheres, juventude negra, LGBTI, indígenas e quilombolas, e também contra os trabalhadores e grupos mais pobres da sociedade. Neste sentido, podemos afirmar que sem uma reforma ampla e participativa do sistema político, pouco ou nada avançaremos em termos de representatividade, diversidade e superação das desigualdades no processo eleitoral brasileiro.

 

*Tratamento da base de dados realizado por: Nailah Veleci, Consultoria em Estatística.

Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias

Nos dias 14 e 15 de agosto, nossa assessora política, Cleo Manhas, participou do XII Seminário Prazer em Ler: Bibliotecas Comunitárias na Promoção do Direito Humano à Leitura, em São Paulo.

Inspirada pelos debates e trocas de experiências vivenciados nesses dias, ela escreveu um texto sobre o universo das bibliotecas comunitárias, as quais descreve como mosaicos: nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, mas que ao se juntarem, formam algo iluminador, com potencial transformador. Confira:

Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias

Por Cleo Manhas. assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Mosaico: a figura que vem à mente é uma peça de mosaico colorido, criado para reciclar o que aparentemente não teria outro destino a não ser o descarte e se transforma em obra de arte. O poder de criar vidas das cinzas. É desta forma que percebo as bibliotecas comunitárias. Pequenos núcleos incrustados em lugares onde um senhor chamado Estado não quer entrar, pois não quer combater uma injustiça conhecida por desigualdade.

Desde jovens desejamos salvar o mundo das intempéries criadas pela própria humanidade, com pensamentos grandiosos, projetos volumosos e poderosos. Com o passar do tempo e com mais experiência, vamos percebendo os mosaicos, nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, fagulhas, enfim, que ao se juntarem formam algo iluminador, com potencial transformador. Assim são os inúmeros projetos espalhados pelos cantos das cidades e dos campos. Levando uma vida nova às pessoas, uma vida ampla, com a qual não ousavam sonhar e agora encontram nas páginas mágicas dos livros. E também nas vozes de mediadores e mediadoras de leitura, que conseguem traduzir letras em histórias, lapidando palavras para ampliar o mundo e transportar para além dos muros das aldeias.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, nos apresentou em seu livro acerca da “democratização da democracia”, ou “contra o desperdício da experiência”, que há em vários cantos revoluções silenciosas, que mudam o destino das pessoas, que fortalecem grupos e permitem que juntos sejam mais poderosos e anseiem por justiça. E essas experiências precisam ser sistematizadas, reaplicadas e perpetuadas. Precisam entrar para a história, aquela não contada nos livros tradicionais, ocupados com as nobrezas, os eternos mandatários, os patrimonialistas, os patriarcas – ontem de botas e guaiacas, hoje de terno e gravata.

Esses pequenos pontos de luz vão escrevendo e publicando as “outras” histórias, de resistência, luta e sobrevivência, na arte dos encontros periféricos, nos saraus que as fazem mais fortes porque juntas. Nos chamados Slams de poesia em diferentes periferias ou juntando todas elas para trocar energias para os novos rounds de uma luta cotidiana contra o racismo, o machismo, as desigualdades que marcam os corpos.

Onde meninos negros como Bruninho crescem e percebem que podem sonhar para além de serem atendentes das lojas dos shoppings centers, recebendo os “pleibas” do andar de cima, que os subjugam todos os dias. Que percebem que não precisam alisar os cabelos para ficar com franjas “de emo”, pois os seus cabelos crespos constituem, também, suas identidades e os fortalecem para a batalha diária de se manterem vivos, pois o capitalismo mata um menino negro a cada 6 minutos.

Onde meninas tomam microfones em suas mãos, a princípio com nervosismo – afinal foram criadas ouvindo e sentindo que não são do espaço público – e relatam vivências, desenvolvem sororidade com as “manas”, transformam-se em seres do espaço público para lutar contra o patriarcado. Revolução cotidiana que acontece todos os dias em vários cantos, com ou sem mediação, mas sempre com pessoas autônomas, soberanas, que sabem que precisam fortalecer suas identidades periféricas para tomar as cidades, para mostrarem as caras e lutar por direitos, cada vez mais raros. Pessoas raras! Luz Ribeiro diz em sua poesia, “Não me vista de culpa, já sei me cobrir de alegria”. Ou Mel Duarte, que mostra a cara dizendo “(…) sou filha da luta, da puta, a mesma que aduba esse solo fértil, a mesma que te pariu!

Experiência que tem urgência de escrita para multiplicação, espaços poderosos de soberania sem senhores, ao contrário, facilitam a autonomia, mudam vidas, multiplicam ativistas. Aprendi só agora que biblioteca não é espaço intocável, de silêncio e solidão, mas de encontros, trocas, festas, teatros, músicas, leituras coletivas de construção de mosaicos. Vida longa às bibliotecas comunitárias, contra o desperdício da experiência, pelo compartilhamento desse saber coletivo.

>>> Leia também “Orçamento público para promover o direito humano à leitura”

>>> Saiba mais sobre o universo das bibliotecas comunitárias

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Especialista da ONU: “Economia e direitos humanos não podem estar separados”

O especialista independente da ONU sobre dívida externa, finanças públicas e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, foi o palestrante principal, no último dia 9, em São Paulo, do seminário “Impactos de medidas de austeridade em direitos humanos”.

Promovido pelo Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, contou com a participação de movimentos sociais, conselhos nacionais de políticas e organizações da sociedade civil, entre elas o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O encontro aconteceu em um contexto de corte de gastos, por parte do governo, em áreas fundamentais para a sociedade, como saúde e educação. Para o especialista, “economia e direitos humanos não podem estar separados”.  Ele elencou algumas consequências das crises econômicas, agravadas pelas políticas de austeridade adotadas recentemente em países como o Brasil: “aumento dos suicídios em alguns países, exclusão de pessoas da saúde pública, e erosão dos sistemas de saúde pública”.

Assista ao vídeo com a íntegra do seminário:

Em maio deste ano, Bohoslavsky fez parte do grupo de sete especialistas que enviou um comunicado interno ao governo federal recomendando que o Brasil reconsidere seu programa de austeridade econômica e coloque os direitos humanos da população no centro de suas políticas econômicas. O documento utilizou como uma das fontes, o Informe “Direitos humanos em tempos de austeridade”, produzido pelo Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR, na sigla em inglês), sobre os efeitos negativos do “teto dos gastos” no Brasil.

Versão ampliada

Uma versão ampliada desse estudo foi lançada nesta semana, com um aprofundamento da avaliação dos impactos da austeridade sob a lente dos princípios internacionais de direitos humanos.

>>> Baixe aqui o estudo Monitoramento dos Direitos Humanos em tempos de austeridade no Brasil

“Neste estudo, analisamos, por meio dos cinco pilares da Metodologia Orçamento & Direitos do Inesc e da Metodologia OPERA do CESR, como os cortes orçamentários nas políticas para as mulheres, no programa de aquisição de alimentos – PAA e no Programa Farmácia Popular afetaram os direitos das mulheres, de alimentação saudável e de acesso a medicamentos” explicou Grazielle David, assessora política do Inesc.

De acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em momentos de adoção de medidas de consolidação fiscal existem princípios de direitos humanos que devem ser observados. Segundo esses princípios, as medidas devem ser: temporais, necessárias e proporcionais, não discriminatórias e garantidoras do conteúdo mínimo dos direitos.

“Ao final do documento, consideramos essencial revogar a EC-95 do ‘Teto dos Gastos’, uma vez que ela não atende a nenhum desses critérios, o que já coloca o Brasil numa situação de descumprimento de relatórios da ONU e de tratados dos quais é signatário” conclui Grazielle.

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