Orçamento público para promover o direito humano à leitura

Representantes dos coletivos que integram a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) estiveram reunidos, entre os dias 6 e 8 de agosto, em encontro promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em Brasília.

A reunião encerrou um ciclo de formações locais sobre orçamento público e direitos humanos e Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Mrosc) que ocorreu entre 2017 e início de 2018. Neste período, a equipe do Inesc percorreu oito cidades realizando as oficinas junto às redes locais: Rio de Janeiro, Fortaleza, Nova Iguaçu, São Paulo, Olinda, São Luís, Belo Horizonte e Salvador.

Posteriormente, foi realizado um processo de tutoria à distância, que auxiliou no aprofundamento de conteúdos e acompanhamento da incidência política das redes de bibliotecas comunitárias nos Planos Plurianuais locais e nos projetos de Leis Orçamentárias.

De acordo com as educadoras e educadores do Inesc, todo o processo formativo evidenciou a necessidade de uma construção participativa e efetiva de Planos Municipais e Estaduais de Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB) e a sua inclusão nas leis e projetos que determinam o orçamento público de cada cidade.

Para Cristine Lima, da Rede LiteraSampa,  as formações do Inesc  ajudaram a construção da incidência política nos municípios. “Nos deu e tem dado ferramentas para entender o ciclo orçamentário e conseguir incidir nele pela perspectiva dos direitos humanos, entendendo que a sociedade civil pode e deve participar dessa disputa do orçamento na garantia de direitos, no nossa caso, o direito humanos à literatura”. Assista ao depoimento da Cristiane:

Celina Santos, da Baixada Literária (RJ) conta como a formação em orçamento e Mrosc tem ajudado a Rede a lutar para que o Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura seja efetivado como uma política pública que possa ajudar o município a crescer. Confira:

Já Ladailza Teles, da Rede de Bibliotecas Comunitárias de Salvador, contou que a Rede tem buscado discutir com o poder público a importância de garantir recursos para livros, leitura e bibliotecas. “Temos tentando envolver outros atores sociais, porque é uma política pública importante para toda a cidade”, afirmou.

Metodologia Orçamento & Direitos

As formações utilizaram a metodologia Orçamento & Direitos, desenvolvida pelo Inesc, que analisa o orçamento público, tanto as receitas como as despesas, pela lente dos direitos humanos. Durante o encontro, os participantes receberam a cartilha com a sistematização da desta metodologia, traduzida em uma linguagem de educação popular, voltada a educandos/as e multiplicadores/as.  Stephano Santana, da Rede Releitura (PE), explica como o material elaborado pelo Inesc pode ajudar ainda mais nos processos formativos e de incidência:

>>> Baixe aqui a metodologia Orçamento & Direitos

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Ações do documento

“Chegamos ao menor nível de investimento público no país em 50 anos”

Por Antonio Martins, do Outras Palavras, especialmente para o Outra Saúde

Quando ainda era uma proposta tramitando, ela ficou conhecida como PEC do Fim do Mundo. Afinal, é difícil imaginar alguma sustentabilidade na ideia de passar 20 anos com as despesas primárias praticamente congeladas, corrigidas apenas pela inflação. É pior ainda quando se pensa em uma área como a saúde, que tem como agravante o fato de que a população cresce e envelhece, demandando mais serviços.

Mas as preocupações e protestos não surtiram efeito, e a proposta passou feito relâmpago no Congresso: foi apresentada à Câmara em junho de 2016 e, no fim daquele mesmo ano, o texto foi promulgado como Emenda 95, também chamada de Emenda do teto dos gastos.

De lá para cá, o que já a saúde já sentiu? Por que a revogação dessa Emenda é tão importante? Durante o 12ª Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), no Rio, conversamos sobre isso com Grazielle David, que é especialista em orçamento público e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Na entrevista, concedida ao jornalista Antonio Martins (do Outras Palavras), ela foi além:  explicou, de modo bem didático, por que as leis que regem a política fiscal no Brasil hoje se chocam — e como, neste choque, o governo optou por desrespeitar a regra de ouro.

Quais são os efeitos da Emenda 95 já sentidos sobre as políticas públicas e, em especial, sobre a saúde?

Temos observado no Abrascão que os espaços que discutem a austeridade e a Emenda Constitucional 95 e seus efeitos para a saúde têm sido os mais cheios, o que mostra como esse é um tema central. Como as pessoas querem entender como as políticas econômicas e o orçamento público impactam as políticas públicas e a oferta dos serviços.

A gente não imaginava que os efeitos mais perversos viriam de uma forma tão rápida.

Quando a Emenda 95 ainda era um projeto de emenda constitucional, uma série de estudos foram realizados. Alguns projetaram o que teria acontecido se ela tivesse sido adotada há 10 anos, e observamos nesses estudos que, se pegássemos a porcentagem do PIB que estava sendo investido em saúde, teria caído muito. Outros fizeram projeções para o futuro e mostraram como, ao longo dos anos, o investimento em diversas políticas públicas vai cair, inclusive em saúde e educação.

Mas a gente não imaginava que os efeitos mais perversos viriam de uma forma tão rápida. Estou falando, por exemplo, do aumento da mortalidade infantil. Esse é um indicador extremamente sensível. A gente chama de indicador-sentinela, porque, quando alguma coisa se altera, imediatamente temos mudanças nesse tipo de indicador. É grave que no Brasil, depois de um longo período em que vínhamos diminuindo a mortalidade infantil, pela primeira vez tenhamos aumentado essa taxa, nesse momento de recortes orçamentários, de EC 95, e austeridade. E os grupos mais vulneráveis, recém-nascidos e crianças, sendo os primeiros afetados pela diminuição doa investimentos públicos e do orçamento da saúde.

E os cortes são feitos justo nas políticas mais essenciais. Só do ano passado para agora, se olharmos qual subfunção orçamentária está sendo mais afetada, a primeira que vemos algum corte orçamentário é a da Vigilância Sanitária. Tem gente que acha que não usa o SUS, mas vigilância sanitária é algo que todo mundo usa  — tem várias coisas que todo mundo usa, como vacina, ou transplante quando precisa, etc. E vigilância sanitária todo mundo usa o tempo todo. Se você vai num restaurante, se vai à padaria todos os dias, numa farmácia, todos aqueles estabelecimentos são monitorados pela vigilância sanitária. Se tem um recorte orçamentário, pode ter certeza que no seu dia a dia você está sendo afetado na capacidade de monitoramento.

Outro corte orçamentário muito importante, tanto na saúde como no orçamento geral, é o corte nos investimentos. E isso é uma situação dramática que tem a ver com a lei orçamentária do ano que vem, para 2019.

Por que isso é muito sério? Países que têm grande crescimento econômico promovem grandes investimentos públicos. Olha que cenário preocupante: a gente precisa pagar a dívida, e diz-se que a Emenda 95 foi adotada para pagar a dívida. Mas a melhor forma de pagar a dívida é tendo crescimento. Se você cresce, consegue pagar a dívida. Porém, a gente diminui o investimento público, inviabiliza o crescimento e só vai aumentando a dívida.

E quando se diminui o investimento, isso tem duas consequências. Uma delas é prática: chegamos ao menor nível de investimento público no país em 50 anos. A gente não só não está investindo em nada novo como também não estamos conseguindo fazer a manutenção da estrutura. É como se já estivéssemos em um cenário de desinvestimento.

Um exemplo são as Casas da Mulher Brasileira. Nos últimos anos construímos várias casas para atender mulheres em situação de violência. Elas estão montadas, prontas e equipadas, mas, por falta de dinheiro para fazer manutenção ou comprar um equipamento que esteja faltando, elas não vão ser abertas. E isso em um momento em que a violência contra a mulher está aumentando. É muito comum em momentos de austeridade, como o que estamos vivendo, a violência contra a mulher aumentar. Porque aumenta o desemprego, aumenta o uso de bebidas, por exemplo. E, enquanto aumenta essa violência, estamos diminuindo os serviços especializados e fechando as portas dessas casas. Isso pode ter outros efeitos, na medida em que sofrem violência, às vezes tem uma criança, eles vão para a rua, ou adoecem, e vão buscar o SUS. Só que o SUS está sem investimento… Olha a série de problemas que vamos gerando e as consequências que vamos causando.

Além da vigilância sanitária, também tivemos queda importante em vigilância epidemiológica, o que é muito preocupante no Brasil. E acabamos de passar por um surto de zika, sempre vivemos epidemias de dengue, por exemplo, então é preocupante o corte nessas ações específicas.

Com relação ao investimento, além desse efeito prático, existe também o efeito orçamentário. e tem algo que chama muito a atenção no orçamento do ano que vem.

Temos três leis orçamentárias: o PPA ]Plano Plurianual], a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e a LOA [Lei Orçamentária Anual]. E a LDO para o ano que vem, que acabou de ser aprovada, tem um artigo específico que a torna inconstitucional. Temos defendido isso porque o Brasil hoje está com tantas leis regulando sua política fiscal que elas hoje se chocam, não são mais compatíveis entre si. Você tem que escolher respeitar uma ou a outra. E aconteceu exatamente isso no orçamento para 2019.

Essa explicação é de enorme importância. Você publicou um artigo há poucos dias no site do Inesc, que foi republicado pelo Outras Palavras, explicando que, por um lado a Emenda 95 diminui muito todos os recursos exceto os que são para pagamentos de juros. Como os recursos – tanto de custeio dos serviços públicos, como de investimento – são no seu conjunto comprimidos, e como algumas despesas são obrigatórios, o mais prejudicado é o investimento. Porém, os investimentos também incidem na capacidade de endividamento. Então, além de não poder gastar o que se arrecada, também não de pode tomar emprestado?

Sim, é isso. Essa é a grande incompatibilidade. Temos por um lado o teto dos gastos, que é a EC 95 e, por outro, a chamada ‘regra de ouro’ da Constituição. Ela diz que o Estado não pode se endividar para pagar despesas correntes, que são as despesas mais comuns do dia a dia; apenas para fazer investimentos. Só que, com o teto, o principal corte foi nos investimentos, porque eles são despesas são discricionárias, e não obrigatórias, então o governo vai lá e corta primeiro. Se não faço investimentos, não posso tomar novas dívidas. Mas, se já estou com déficit e não posso tomar novas dívidas, como faço para pagar as despesas correntes obrigatórias?

O governo se encontrou em uma sinuca de bico ali. Falou: ‘E agora? Ou eu não respeito o teto dos gastos ou não respeito a regra de ouro. Como hoje quem manda, apesar desse conflito, é o teto dos gastos, então o governo tomou a decisão de desrespeitar a regra de ouro da Constituição.

Para algumas pessoas vale a lei e, para outras, não vale. Para alguns governos, valem as leis orçamentárias e as leis fiscais e, para outros, não vale. Então, que estabilidade jurídica e que respeito à Constituição são esses que nós temos?

Uma coisa importante: não é que, em situações de muita necessidade, o governo não possa tomar uma dívida para pagar despesas correntes. A regra não é 100% boa. Por exemplo, a saúde é despesa corrente? Sim. Mas posso considerá-la como investimento? Posso. Afinal, a cada R$ 1 aplicado em saúde, tenho um retorno no PIB de R$ 1,85. Então a regra de ouro poderia ser revista para pensar despesas correntes que na verdade são investimentos? Poderia. Mas ela também tem um papel importante de garantir justiça geracional. De não permitir que nossa geração se endivide a tal ponto de que comprometa as gerações futuras.

Podemos repensar essa lei? Podemos. Mas não podemos desrespeitá-la antes de ela ter sido alterada. Essa é a questão. Essa é a instabilidade jurídica que estamos vivendo, que se reproduz nas leis orçamentárias e que é preocupante.

Por exemplo, para algumas coisas vale a lei e, para outras, não vale. Para algumas pessoas vale a lei e, para outras, não vale. Para alguns governos, valem as leis orçamentárias e as leis fiscais e, para outros, não vale. Então, que estabilidade jurídica e que respeito à Constituição são esses que nós temos?

O que você está dizendo é que vivemos uma ‘hiperpedalada fiscal’ neste momento? Aquilo que foi usado como argumento para afastar Dilma Rousseff agora está sendo praticado em uma escala muito maior – certamente com um conluio com o Congresso Nacional, que deve ter cobrado muito caro para aprovar esta lei, e em especial com a mídia, que se cada diante dessa megapedalada?

Sim, podemos chamar de pedalada fiscal. O governo poderia fazer o seguinte, que a Constituição prevê: aprovar uma lei com equilíbrio orçamentário e respeitando as duas regras em vigor hoje, tanto a do teto dos gastos quanto a regra de ouro. Depois, ao longo de 2019, poderia abrir um crédito alegando estar com pouca capacidade financeira para pagar as despesas. Então seria feita uma lei específica, votada no Congresso. Mas não: ele escolheu aprovar agora, por iniciativa do executivo e aprovada pelo legislativo, sim, uma LDO, em que  já nesse momento prevê que vai abrir crédito adicional e emitir dívidas para pagar despesas correntes.

Está claramente atentando contra uma regra constitucional. É uma superpedalada, registrada em uma lei orçamentária, sem que ninguém levante isso de forma mais séria. Sem que isso seja levado ao STF, sem que se questione essa forma de se fazer as coisas.

Essa questão, muito mais do que orçamentária, é democrática e também uma questão do judiciário. Estamos ignorando a forma como as leis estão em conflito, e nada se faz a respeito.

Além do exemplo que você deu, das casas da mulher, estamos vendo outras políticas em processo de desmonte. A contratação de equipes de saúde da família, a manutenção das unidades de educação básica, situações em que o prefeito de uma cidade sugere a determinados grupos religiosos que procurem determinada pessoa para fular filas para procedimentos… Isso para não falar nas obras de despoluição dos rios e de saneamento que vão sendo paralisadas. Tudo isso pode ser, de alguma forma, relacionado à Emenda 95?

Sim, apesar de esta não ser uma relação tão óbvia de início.

O teto dos gastos trabalha com uma lógica de valor pago e restos a pagar pagos. Quando olho uma política pública, tenho que considerar  no teto dos gastos o pago e o resto a pagar. Mas a lei da saúde, 141/2002, fala que o valor mínimo a ser aplicado em saúde considera a despesa empenhada. E são fases distintas da execução orçamentária [valor empenhado, valor pago e restos a pagar]. Normalmente o valor empenhado é muito maior do que o valor de pagos e restos a pagar.

São bilhões de restos a pagar – um cheque voador para ser pago não sabemos quando, e que vai se acumular.

Veja: o teto considera o valor pago e de restos a pagar para projetar o valor para os próximos anos, acrescido somente da inflação. Mas a lei da saúde considera o valor empenhado. Na prática, quer dizer que o governo diz estar aplicando o mínimo em saúde, mas na realidade o que está chegando lá na ponta, para executar todos esses serviços que estão sendo fechados, é muito menos, ou seja, o valor de pago e de resto a pagar. O que conta para as pessoas e para os municípios é o dinheiro que está chegando, que são o pago e o resto a pagar. Se avalio pelo empenhado, estou desconsiderando que muita coisa vai para ‘restos a pagar’, para outros anos.

Esse valor é empurrado. Aí fica falando que o valor da saúde não está sendo impactado, que o valor mínimo está sendo garantido, mas porque está olhando o empenhado. Mas se olho o resto a pagar e o pago, vejo que não está cumprindo. Tanto é verdade que 2017 foi um dos anos em que o Ministério da Saúde mais colocou dinheiro em restos a pagar. São bilhões de restos a pagar – um cheque voador para ser pago não sabemos quando, e que vai se acumular.

Essa é uma das principais táticas do momento: vamos colocando tudo em restos a pagar, a gente fala que está cumprindo o mínimo, mas não se cumpre. Não chega a política pública na ponta, não se garantem os serviços, as pessoas vão perdendo a assistência.

Especialistas da ONU denunciam efeitos da austeridade no Brasil e pedem que ‘teto dos gastos’ seja reconsiderado

Sete especialistas independentes da ONU* enviaram um comunicado interno ao governo federal recomendando que o Brasil reconsidere seu programa de austeridade econômica e coloque os direitos humanos da população, “que tem sofrido severas consequências”, no centro de suas políticas econômicas.

O documento de 18 páginas foi enviado em maio deste ano e só agora tornado público, após resposta do governo, considerada insatisfatória.  Além das recomendações, traz um diagnóstico da situação dos direitos humanos no Brasil, com base em relatórios e estudos, entre eles o “Direitos humanos em tempos de austeridade”, produzido pelo Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR, na sigla em inglês), sobre os efeitos negativos do “teto dos gastos” no Brasil.

A Emenda Constitucional n° 95, também conhecida como do “Teto dos Gastos”, que limita os gastos públicos nos próximos 20 anos, “não deixa qualquer esperança de melhoras no curto prazo. Esse fato torna ainda mais necessária a revisão das políticas econômicas pela lente dos direitos humanos”, constataram os especialistas, em comunicado divulgado à imprensa nesta sexta-feira (03).

Entre os diversos pontos levantados no estudo do Inesc, CESR e Oxfam Brasil e destacados no comunicado dos especialistas da ONU, está que os déficits fiscais no Brasil não têm como causa principal um gasto social excessivo. “Pelo contrário, uma série de medidas pelo lado da receita pública poderia ser adotada, como taxar na média global os lucros e dividendos, que no Brasil não são taxados, combater a evasão fiscal e realizar uma reforma tributária progressiva”, explicou a assessora política do Inesc, Grazielle David.

O comunicado também destaca as análises sobre os efeitos dos cortes orçamentários em políticas públicas específicas, como políticas para mulheres e combate à violência; segurança alimentar e nutricional, saúde, habitação, educação e saneamento.

Os especialistas ressaltam ainda que medidas de austeridade deveriam apenas ser adotadas depois de uma análise cuidadosa de seus impactos, particularmente na medida em que afetam os indivíduos e grupos mais desassistidos. “O Brasil já está violando princípios internacionais de direitos humanos com a Emenda Constitucional 95, pois ela não é temporária, não considerou as alternativas menos danosas ao social, nem garantiu envolvimento dos mais afetados na tomada de decisão”, reforça a assessora do Inesc, Grazielle David.

No início do ano, o governo brasileiro suspendeu a visita oficial de um dos especialistas, Juan Pablo Bohoslavsky, que ocorreria entre os dias 18 e 30 de março. Ele faria um exame do impacto das medidas de austeridade implementadas pelo governo nas áreas sociais, de educação e de saúde. Na ocasião, 50 organizações, entre elas o Inesc, repudiaram a decisão e exigiram que o governo garantisse a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível – o que não aconteceu até o momento.

*Assinaram o comunicado os especialistas independentes da ONU: Sr. Juan Pablo Bohoslavsky (Argentina), Expert independente em dívida externa e direitos humanos; Sr. Léo Heller (Brasil), Relator Especial sobre os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário; Sra. Ivana Radačić (Croácia), Presidenta do Grupo de Trabalho na questão da discriminação contra a mulher na lei e na prática, Sra. Hilal Elver (Turquia), Relatora Especial para o direito humano à alimentação, Sra. Leilani Farha (Canadá), Relatora Especial para o direito humano à habitação adequada, Sr. Dainius Pūras (Lituânia), Relator Especial para o direito humano à saúde física e mental; Sra. Koumbou Boly Barry(Burquina Fasso), Relatora Especial para o direito humano à educação.

Com informações da ONU News

Como enfrentar os desmontes? Mais Direitos, Mais Democracia!

Para abrir horizontes, descobrir caminhos e traçar estratégias coletivas, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política convida toda a sociedade para participar da Roda de Conversa que acontecerá nos dias 8 e 9 de agosto, no Rio de Janeiro, tendo como tema central a luta pela democracia para a reconquista de direitos.

A proposta da Plataforma consiste em três momentos diferentes. Os dois primeiros acontecerão no dia 8 de agosto, na parte da tarde, e terão por objetivo a discussão e diálogo das diversas iniciativas já em curso e que se localizam no enfrentamento aos desmontes patrocinados pelo governo Temer.

Já no dia 9 de agosto, durante todo o dia, a reunião terá como objetivo fortalecer a luta pela democracia como estratégia de resistência ao cenário posto.

Para José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc),  “a proposta da Plataforma para esse encontro é reforçar os diálogos e a construção coletiva entre as iniciativas populares que denunciam e promovem estratégias de enfrentamento à retirada de direitos promovido pelo governo Temer, colocando o debate sobre o fortalecimento da democracia como eixo central”.

O encontro terá a participação da AMB, ABONG, Plataforma Dhesca, CUT Nacional, VAMOS, Brasil Popular, Outras Palavras, Le Monde Diplomatique, Observatório da Intervenção entre outros,

Confira a programação:

8 de agosto

14h às 18h:Dialogo da plataforma com as diferentes estratégias de enfrentamento/resistência –  das 14 às 18 hs.

18:30 às 21h: “Debate aberto com as várias iniciativas populares”

Local:

Fórum de Ciencia e Tecnologia – UFRJ
Av. Rui Barbosa, 762
Térreo
Flamengo RJ

09 de agosto
9h às 17h: Reunião Aberta da Plataforma: “Estratégias pra seguir na luta pela democracia”

Local:

Hotel Golden Park Hotel
Rua do Russel, 374,
Glória RJ

Fonte: site da Plataforma pela Reforma do Sistema Político

Mais Informações: Carol Westrup – (79) 9981-7149

Encontro nacional do MobCidades discutiu transporte como direito social

Reunidos em Brasília, entre os dias 20 e 22 de julho, representantes de 50 organizações participaram do Encontro Nacional de planejamento do projeto MobCidades – Mobilidade, Orçamento e Direitos, iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que visa fortalecer e fomentar a participação popular na gestão da mobilidade urbana, com foco na garantia do direito à cidade e ao transporte.

A partir das discussões sobre os eixos temáticos “Mobilidade e gênero”, “Transporte como direito social” e “Orçamento temático da mobilidade”, as organizações planejaram atividades formativas, de incidência, de comunicação e de monitoramento de políticas públicas de mobilidade urbana nos municípios contemplados pelo projeto.

O encontro contou ainda com um bate-papo sobre transporte público e mobilidade urbana com a presença da cientista social e vereadora de Belo Horizonte, Áurea Carolina e o professor de Planejamento Urbano da UnB, Benny Schvarsberg.

Foto: Fabio Silva

Transporte como direito social
Pela Constituição Federal, o Estado tem a obrigação de oferecer transporte para a população assim como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Transporte foi inserido nessa lista apenas em 2015, depois de muita mobilização social. A partir daí, abriu-se o caminho para destinação de recursos e elaboração de políticas públicas para o setor.

Mas, em três anos, o que foi de fato implementado? Qual o caminho para sua regulamentação efetiva? Para Cleo Manhas, assessora política do Inesc, os caminhos são vários, mas o principal é a mobilização dos movimentos sociais e ativistas, “mostrando que não há direito à cidade sem que a gente tenha transporte público de fato para todas as pessoas”, defendeu.

“Além disso, é necessário um enfrentamento e uma incidência junto ao Congresso Nacional para que esse dispositivo da Constituição seja regulamentado, com fundo fixo de formas de financiamento que não sejam tarifárias”, afirmou. Pensando nisso, os participantes do encontro definiram ações de incidência para o próximo período, inclusive o período eleitoral, visando os projetos de lei orçamentária anuais dos municípios e também a lei orçamentária nacional.

O MobCidades é financiado pela União Europeia e contempla dez organizações integrantes da Rede Cidades – por territórios justos, democráticos e sustentáveis nos municípios de Belo Horizonte, Brasília (DF), Ilhabela (SP), Ilhéus (BA), João Pessoa (PB), Piracicaba (SP), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), São Luís (MA) e São Paulo (SP).

>>> Confira a galeria de fotos do encontro na página do Facebook do MobCidades

Brasil está na contramão do desenvolvimento sustentável

De Nova Iorque, onde participa dos eventos paralelos do Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, a integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Iara Pietricovsky, concedeu entrevista ao programa Cidades Sustentáveis, da Rádio CBN, no último domingo (15/7).

Iara falou sobre o Relatório Luz 2018, lançado na semana passada pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GTSC A2030), do qual o Inesc participa. Segundo ela, o documento mostra que o país andou para trás em todos os níveis e em todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) analisados. “O Brasil está entre os países com maior índice de desigualdade do mundo. Estamos voltando para o mapa da fome, como já foi anunciado no relatório passado”, lembrou.

Para Iara, a desigualdade, que no Brasil é multidimensional, está sendo aprofundada com as decisões tomadas pelo governo para impedir o gasto público – cuja medida-símbolo é a Emenda Constitucional 95, conhecida como “teto dos gastos”.

“A política que está sendo executada no Brasil vai de encontro ao sentido de universalidade dos ODS. Com todas as capacidades que o Brasil tem, culturalmente, politicamente, economicamente, a gente poderia estar construindo uma sociedade saudável, sustentável, politicamente respeitosa, com menos violência. Mas estamos no caminho reverso”, constatou.

>>> Ouça o áudio da entrevista aqui

>>> Acesse a íntegra do Relatório Luz 2018

Para manter ‘teto dos gastos’, governo burla Constituição na LDO 2019

Por Grazielle David, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O excesso e desalinhamento das regras fiscais, como a regra de ouro, a lei de responsabilidade fiscal, o tripé macroeconômico e o teto dos gastos, colocaram o país numa situação em que é impossível obedecer a todas simultaneamente, tanto na elaboração quanto na execução do orçamento. No momento, o teto dos gastos tem dominado o cenário fiscal.

A política do ‘teto dos gastos’ foi adotada em dezembro de 2016 por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 95. Ela prevê que, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público ficarão limitadas à variação inflacionária. Isso quer dizer que, no período, não ocorrerá crescimento real das despesas primárias, que são agrupadas em duas grandes categorias, as despesas de custeio (com serviços públicos) e as despesas com investimentos. A EC 95 não só congela, mas de fato reduz os gastos sociais em porcentagem per capita (por pessoa) e em relação ao PIB, à medida que a população cresce e a economia se recupera, como é comum nos ciclos econômicos.

Existe um elemento ainda pouco explorado sobre o efeito da EC 95 nas despesas primárias no momento de construção das leis orçamentárias (PPA, LDO E LOA). A regra do ‘teto dos gastos’, no formato em que foi adotada no Brasil, é particularmente maléfica porque ela gera uma disputa orçamentária entre estes dois grandes blocos das despesas primárias. Isso porque, ao longo dos anos, com o teto sufocando cada vez mais as demandas da sociedade e com a lenta retomada econômica, decorrente inclusive dessa escolha de política fiscal de austeridade, o governo tem que realizar cortes orçamentários.

Como o governo tem dificuldade em cortar as despesas com serviços públicos, por serem em sua maioria obrigatórias, a tesoura recai sobre as despesas com investimento, estas discricionárias, ou seja, o governo não tem obrigação de executar. O resultado disso é que o investimento público chegou em 2017 ao menor nível em quase 50 anos, de acordo com Orair e Gobetti. União, estados e municípios investiram apenas 1,17% do PIB – valor sequer suficiente para garantir a conservação da infraestrutura já existente.

Outro efeito da redução das despesas com investimentos é sobre a ‘regra de ouro’ do orçamento público. A Constituição Federal prevê em seu art. 167, inciso III, que “são vedadas a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos adicionais suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.

Assim, inicialmente, a ‘regra de ouro’ proíbe que o montante das operações de crédito supere o montante das despesas de capital, as quais abrangem investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida pública. Entretanto, com o insustentável ‘teto dos gastos’ limitando as despesas primárias, puxando as despesas com investimentos para baixo, e com a não retomada econômica, o governo fica sem espaço fiscal para respeitar a ‘regra de ouro’. Isso porque baixa atividade econômica implica em baixa arrecadação, que por sua vez limita a capacidade de financiamento das despesas públicas. Sem arrecadação suficiente, ao governo resta a possibilidade de emitir novos títulos da dívida. Entretanto, essa emissão tem o limitador da ‘regra de ouro’. A solução encontrada? Ao invés de revogar o teto dos gastos, manobrar a exceção da regra de ouro.

Sim, existe previsão constitucional para a que a regra de ouro não seja cumprida. Durante o exercício orçamentário, no caso em 2019, o governo poderia solicitar a abertura de crédito adicional ao Congresso, com o envio de um projeto de lei com justificativa detalhada e finalidades específica, que requereria aprovação por maioria absoluta. Entretanto, a Constituição ao disciplinar a exceção ao equilíbrio entre receitas de operações de crédito e despesas de capital, pressupõe a existência de um equilíbrio original entre os respectivos montantes na LOA – Lei Orçamentária Anual. E é nesse ponto que a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias 2019 torna-se inconstitucional, por já prever que a LOA 2019 será elaborada sem o equilíbrio entre receitas de operações de créditos e despesas de capital.

Em estudo técnico conjunto das consultorias orçamentárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal sobre o tema, consta que “a interpretação lógica e sistêmica do art. 167, III, da Constituição indica que a regra de ouro se aplica tanto à fase de execução quanto à de autorização da despesa. Afinal, se a exceção (créditos adicionais com maioria absoluta) se aplica apenas no âmbito da execução orçamentária, conclui-se que a regra de ouro deve ser observada antes desse momento – na elaboração e na aprovação dos orçamentos. É acertada, portanto, a disciplina do § 2º do art. 12 da LRF, que exige o equilíbrio entre receitas de operações de crédito e despesas de capital no projeto de lei orçamentária”.

No arcabouço jurídico nacional a regra de ouro deve ser obedecida de forma absoluta nas etapas de elaboração e aprovação das leis orçamentárias anuais. O próprio Ministro do Planejamento à época, Dyogo de Oliveira, em entrevista ao Valor em janeiro deste ano, afirmou que “a regra de ouro tem que ser revista para 2019 porque você não pode fazer o orçamento prevendo o descumprimento. A Constituição só prevê o caso se houver problema durante a execução orçamentária”.

Cabe destacar que a ‘regra de ouro’ é limitada por desconsiderar que algumas despesas de custeio, como as sociais, também podem funcionar como investimento e garantia de justiça geracional, uma vez que elas têm efeitos multiplicadores e de longo prazo. É o caso, por exemplo, das despesas com educação, em que a cada R$ 1,00 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. Entretanto, não é manobrando essas regras que alcançaremos maior justiça fiscal no Brasil.

É nítida e urgente a necessidade de rever as regras fiscais. Para isso, é essencial que sejam consideradas duas premissas: 1. A política fiscal é uma política pública como todas as outras, assim, a participação social deve ser garantida tanto na sua elaboração quanto no seu monitoramento; 2. A política fiscal está sujeita às normas do Pacto Internacional dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, e não o contrário, como vem ocorrendo hoje. Assim, devem existir mecanismos na política fiscal para que ela seja reordenada sempre que ocorrerem riscos à não garantia dos direitos no orçamento.

Austeridade é barreira para alcançar a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável

O Brasil está longe de atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) participou na elaboração de dois documentos que mostram como o país está no caminho oposto ao assumido juntamente com outros 192 países, no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU), para concretizar a Agenda 2030.

Um deles foi lançado hoje (11/7), na Universidade de Brasília (UnB), pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GTSC A2030), do qual o Inesc participa. O “Relatório Luz 2018” foi assim intitulado por apontar um caminho de como alcançar as referidas metas. Construído a partir dos dados oficiais disponíveis, ele analisa 121 (das 169) metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aponta que o caminho trilhado nos últimos três anos pelo Brasil é incoerente com a Agenda 2030.

“As evidências trazidas por este Relatório, portanto, tornam frágil o discurso dos poderes executivo e legislativo de adesão aos ODS. A flexibilização das leis trabalhistas e a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 são símbolos irrefutáveis do descompromisso atual”, constata o documento.

Acesse a íntegra do Relatório Luz do GTSC A2030

Já o relatório Spotlight 2018 – Explorando novos caminhos, organizado pela ONG Social Whatch, traz um diagnóstico de várias partes do mundo focando nos desafios e obstáculos a serem superados pelas organizações da sociedade civil e questionando o comprometimento dos governos com acordos internacionais.

A assessora política do Inesc, Grazielle Custódio David, contribuiu com o capítulo “A irrealidade de promover os ODS´s sem um orçamento suficiente”, que analisa a situação do Brasil. No texto, ela afirma que, após um período de avanços no combate à pobreza, o país corre um sério risco de retroceder devido às maléficas e severas medidas de austeridade adotadas. A autora também destaca a Emenda Constitucional nº 95/2016, conhecida como “Teto dos Gastos”, como exemplo de medida drástica de austeridade.

“Para estarem de acordo com os princípios dos direitos humanos, medidas de consolidação fiscal devem ser temporárias, estritamente necessárias e proporcionais, não discriminatórias, devem levar em consideração todas as alternativas possíveis, inclusive tributárias, proteger o conteúdo essencial dos direitos humanos [e dos ODS], e serem adotadas depois de cuidadosa consideração da escuta dos grupos e indivíduos afetados. A EC 95 não cumpre nenhum desses pré-requisitos”, afirmou.

Leia o texto completo aqui (em inglês)

O relatório será objeto de apreciação e debate na próxima segunda-feira (16/7), durante Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável no evento paralelo “Implementando os ODS na América Latina – os desafios da sociedade civil” organizado pelo Inesc, International Forum of National NGO Platforms, MESA, Social Watch, GCAP, ABONG e CCONG.

Iara Pietricovsky, membro do colegiado de gestão do Inesc, participa da mesa expondo o caso do Brasil, representando também a Associação Brasileira de ONG´s (Abong).

Acabou o racionamento, não acabaram as causas da escassez hídrica

Acabou o racionamento, não acabaram as causas da escassez hídrica

Sem um combate sistêmico aos fatores que levam à falta de água, GDF gasta milhões com obras de infraestrutura enquanto ignora soluções preventivas e educativas.

Por Leila Saraiva, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Estávamos em 2016 quando uma preocupação passou a fazer parte do repertório brasiliense: a falta d’água. Há tempos algo andava mudando: os meses cinza, de chuva quase ininterrupta, já não se faziam tão longos. As consequências, antes sentida em nossos corpos com o aumento da secura, passaram também a ter efeitos nos reservatórios a partir dos quais se dá a distribuição de água para as cidades. O tal “volume morto”, que conhecemos dois anos antes com a escassez de água em São Paulo, tinha chegado ao Distrito Federal.

Diante da propagada crise hídrica, o Governo do Distrito Federal (GDF) adotou, entre outras medidas, o racionamento – ou rodízio, como preferiu chamar – revezando o corte do abastecimento da água entre as localidades do DF, de seis em seis dias. Assim, por quase um ano e meio, a população do DF viu modificada sua rotina, vivendo tal situação até o último dia 15 de junho, quando o governo suspendeu a medida.

Se para as classes médias e altas do Distrito Federal a escassez hídrica chegou apenas em 2016, para as periferias ela é uma velha conhecida. Não é possível recontar a história do surgimento das (então) chamadas cidades-satélites, sem relembrar também das longas filas de mulheres e crianças que, com grandes latas, carregavam a água possível para casa. Da caixa d´água da Ceilândia – símbolo da conquista popular do acesso à água no local – à ocupação do hoje chamado Paranoá Velho, que ergueu seus primeiros barracos às margens do Lago Paranoá na época da construção da barragem do Paranoá, a luta pelo direito à água se inter-relaciona e se sobrepõe à batalha cotidiana de pessoas pela sua existência e permanência no território.

Para essas pessoas, a capital da esperança parece não ter sido planejada – e com a crise hídrica não foi diferente. As medidas implementadas pelo governo não apenas partiram dessas desigualdades, mas as reatualizaram. No que tange ao próprio racionamento, essa reatualização se deu especialmente por um fator: o corte do abastecimento de um dia de água ignorou que alguns domicílios possuem caixa d´água enquanto outros não, especialmente em domicílios mais precarizados. Ou ainda que alguns possuam reservatórios próprios de 750 litros, enquanto outros possuem de 5000 litros. O resultado: aqueles com as maiores caixas d´água armazenaram a água nos dias anteriores ao corte, vivendo o racionamento de forma bastante suave. Os outros viveram um ou mais dias sem acesso ao recurso. Os relatos desde o início da adoção da medida apontam para localidades que chegaram a ficar mais de dois dias sem água.

As estatísticas que versam sobre o uso da água no DF confirmam as alegações dos movimentos sociais que vêm denunciando essa desigualdade na gestão da crise. Mesmo tendo reduzido seu consumo em 16% entre 2016 e 2017, o Lago Sul, região nobre da capital, tem um índice de litros/habitante/dia de 366 litros. Já regiões da periferia como a Fercal e o Itapoã apresentam índice de 55 litros e 58 litros, respectivamente. O índice médio no Distrito Federal, segundo a mesma pesquisa elaborada pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (CAESB) é de 129 litros/habitante/dia, motivo de orgulho para o Governo do Distrito Federal, já que agora nos aproximamos do recomendado pela OMS (máximo de 110 litros/habitante/dia).

Ao comemorar a marca dos 129 litros/habitante/dia, no entanto, o GDF ignora que uma parte da população consome apenas a metade da marca da OMS, enquanto a outra consome mais de três vezes o recomendado. Isso sem falar do consumo pouco controlado na área rural: estudos apontam que, entre 1985 e 2015, os números de pivô-centrais instalados no DF passaram de 3 para 233 equipamentos, irrigando agora uma área de quase 13.000 hectares, em um uso intensivo de recursos hídricos.

Como costuma acontecer em momentos críticos em nosso país, as classes populares foram punidas enquanto as ricas seguiram protegidas pelo Estado, numa espécie de transposição da lógica da austeridade econômica para o manejo da crise hídrica.

Orçamento

Apesar das críticas constantes, o governo declarou o fim do racionamento alegando ter revertido o quadro da escassez de água no Distrito Federal. Não apenas o racionamento, mas uma série de outras medidas adotadas teria ampliado a capacidade hídrica local e afastado períodos sombrios que se avizinhavam.

No diagnóstico que consta no Plano Integrado de Enfrentamento à Crise Hídrica (2017), o próprio governo explica que não se pode pensar a questão da água de forma isolada, pois são vários os fatores que levaram ao quadro de escassez: mudanças climáticas e degradação do meio ambiente, desmatamento predatório da vegetação típica do Cerrado, captações clandestinas de água, ocupações irregulares que ocasionaram a impermeabilização do solo e do assoreamento de mananciais e nascentes. No mesmo documento, o GDF assegura que as soluções para a crise precisam também ser pensadas em dimensões e direções múltiplas e propõe ações planejadas divididas em quatro frentes: Infraestrutura, Educação, Comunicação e Regulação.

As execuções orçamentárias do governo, no entanto, não parecem consonantes com essa visão multidimensional. Segundo o PPA 2016-2019, o principal programa temático para questões socioambientais, chamado “Infraestrutura e sustentabilidade socioambiental”, funciona como um guarda-chuva das questões elencadas como principais desafios na área. Entre eles, está a garantia do acesso à água e saneamento básico para todos/as em uma população crescente, assim como a preservação dos recursos hídricos. Dois objetivos do referido programa temático se relacionam ao tema da água. O primeiro, “Capital das águas”[1], trata especificamente do cuidado e preservação da água no DF, estando aí agrupadas as principais ações orçamentárias sobre a questão. O segundo, “saneamento ambiental[2]”, abrange também outras áreas, mas contém ações orçamentárias relacionadas ao direito e acesso à água pela população do DF.

A partir da análise da execução orçamentária dessas ações[3], vemos que o GDF gastou nesses dois objetivos, entre 2016 e 2018 (até a presente data), R$ 25.953.943,75. O investimento parece significativo, ainda que passe longe dos R$275 milhões investidos apenas pelo Governo do Distrito Federal no grande empreendimento Corumbá IV[4]. Esses quase R$26 milhões, no entanto, mudam de figura quando sabemos que 77% do que foi gasto serviu para custear o 8º Fórum Mundial da Água. Conhecido como o fórum das corporações, o evento já foi alvo de nosso escrutínio justamente pelo alto investimento de recursos públicos para sua realização, além ter sido também alvo de uma forte mobilização por parte de vários setores, articulados principalmente entorno do FAMA (Fórum Mundial Alternativo da Água).

A situação, no entanto, se torna ainda mais grave quando sabemos que diante de um alarmado contexto de crise hídrica, a realização do evento tenha sido prioritária para o governo, em detrimento de ações como as de fiscalização, preservação de mananciais, educação ambiental e conservação dos recursos hídricos.

Algumas das ações citadas no programa – ainda que ocupem lugar importante nos discursos do governo – sequer tiveram qualquer execução durante os três anos analisados, como a AO2580 – Conservação de recursos hídricos. Outras, como a que possibilita o fortalecimento da gestão das águas (3266 – Fortalecimento da gestão das águas – água boa no DF) e a “Educação Ambiental” (4235) tiveram execução orçamentária pífia – respectivamente R$5.760,00 e R$5.960,00. São números tão pequenos que nos fazem duvidar do que vemos. Em tempos de crise hídrica, são esses os totais pagos pelo governo nas principais ações de preservação, cuidado e garantia da água:

Soluções

Os números acima contrastam com os alardeados publicamente pelo GDF, que alega ter investido cerca de R$500 milhões para a superação da crise. Esta quantia, no entanto, refere-se à construção de obras de infraestrutura, como a própria Corumbá IV, o Subsistema do Bananal e o Subsistema Emergencial do Paranoá, sendo financiadas por fundos como o Fundo Constitucional do Centro Oeste. Seguindo uma longa tradição da política brasileira, os principais investimentos do GDF apostam em obras vistosas que, mesmo que ampliem o acesso à água, beneficiam empreiteiras e não tratam das causas e efeitos de médio e longo prazo dos problemas que as justificam. Além disso, há ainda uma complexa rede de interesses no que tange aos lucros gerados a partir das obras para a própria CAESB, atualmente uma empresa de capital misto, e cujos rendimentos tem sido monitorados pelos veículos econômicos e as políticas de atendimento e direitos dos trabalhadores, enfraquecidas.

Não é, claro, o caso de ignorar que a garantia de novas fontes de recursos hídricos seja importante para evitar o desabastecimento, mas de afirmar que a preservação de mananciais, a educação ambiental e a fiscalização dos usos de água por setores como a agricultura são ainda mais fundamentais para evitar o problema em sua origem, sendo possível, por esses caminhos, fazer retroceder cenários desoladores. Se desde já sabemos que a ausência de chuvas não está desconectada da expansão desenfreada das fronteiras agrícolas e do expansivo desmatamento da Amazônia; que a torneira seca não independe da destruição do cerrado, e que o ressecamento de mananciais não está desligado dos efeitos perversos dos grandes empreendimentos, concluímos que só é possível encarar e combater a crise hídrica sob uma perspectiva sistêmica.

Mananciais preservados, no entanto, não geram retornos financeiros milionários, não financiam campanhas e tampouco apresentam resultados que deem conta dos calendários eleitorais, embora sejam eles os que vão garantir que, a médio e longo prazo, não nos vejamos novamente diante de torneiras sem água. Enquanto a ADASA gastou, em 2017, R$ 2.019.442,99 em publicidade e propaganda, as soluções preventivas – aquelas a serem tomadas quando a preocupação é de fato a segurança hídrica da população – foram deixadas de lado.


[1] “Promover a cultura do cuidado com a água, o aperfeiçoamento do marco normativo e institucional e garantir a oferta de água em quantidade e qualidade para a população e os ecossistemas naturais, a conservação e a recuperação das áreas de recarga de aquífero, nascentes e matas ciliares e áreas de proteção de mananciais” (Distrito Federal, PPA 2016-2019, p.201)

[2] Garantir serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem pluvial e gestão de resíduos sólidos, com regularidade e qualidade, assegurando a proteção ao meio ambiente e à saúde da população. (Distrito Federal PPA 2016-2019, P.207)

[3] Ações orçamentárias do “Capital das águas”: “Elaboração do Plano de Negócio” (1947), “Conservação de Recursos Hídricos”, “Monitoramento da Rede Hidrometeorológica e Telemétrica do DF” (2671), “Outorga de Uso de Recursos Hídricos” (2679), “Regulação dos Usos dos Recursos Hídricos no DF” (2683), “Construção do Museu da Água”(3067), “Realização do 8º Fórum Mundial da Água” (3068), “Construção do Centro Internacional de Ref. em Água e Transdisciplinaridade – CIRAT 203” (3256), “Fortalecimento da Gestão das Águas – Água Boa no DF” (3266), “Realização de Eventos”(3678), “Fiscalização de Recursos Hídricos” (4135) e “Educação Ambiental” (4235). Ações orçamentárias selecionadas do “Saneamento Ambiental”: “Expansão do Sistema de Abastecimento de Água” (1827), “Expansão do Sistema de Abastecimento de Água – Corumbá” (1831), “Expansão do Sistema de Abastecimento de Água na Área Rural” (1848), “Manutenção de Redes de Águas Pluviais” (2903), “Melhorias nos Sistemas de Abastecimento de Água” (7006), “Implantação de Sistema de Abastecimento de Água” (7038). Todas do programa temático “Infraestrutura e Sustentabilidade”.

[4] O projeto de construção da usina Corumbá IV está em discussão no DF pelo menos desde os anos 90 e sua obra começou a ser executada há 13 anos. Diante da crise hídrica de 2016, o GDF passou a propagandeá-la como principal solução para a questão, já que garantirá uma ampliação significativa da captação de água para distribuição no DF e Entorno. A construção da usina, ainda em andamento, requereu um investimento de R$550 milhões, sendo metade oriundos do GDF e a outra do Governo de Goiás, financiadas pelo Governo Federal. Ao longo de sua história, a obra de Corumbá IV foi paralisada algumas vezes devido à denúncias de corrupção que interromperam o repasse de verbas do Ministério da Cidades, como a ocorrida em 2016, que identificou um sobrepreço de 388% na obra. Foi depois da propagada crise hídrica no DF que o repasse voltou a ser feito.


Brasil gasta cerca de R$68 bi por ano com subsídios a combustíveis fósseis

Estudo lançado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) nesta quinta-feira (7/6) estimou que, entre 2013 e 2017, os subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil, na forma de renúncias fiscais e gastos diretos, alcançaram R$ 342,36 bilhões. A média anual de subsídios foi da ordem de R$ 68,6 bilhões, ou seja, 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país ou o equivalente a mais de dois programas Bolsa Família.

O documento intitulado “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil: conhecer, avaliar e reformar” partiu da adaptação da base de dados elaborada pela Overseas Development Institute (ODI), em parceria com a Oil Change International (OCI) e International Institute for Sustainable Development (IISD). Foi considerado como subsídio a combustíveis fósseis, tudo o que o governo gasta ou deixa de arrecadar para beneficiar diretamente o produtor de petróleo, gás natural e carvão mineral ou o consumidor de gasolina, óleo diesel e gás de cozinha.

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>>> Acesse a planilha completa com dados e fontes do estudo

Entre as renúncias fiscais identificadas, as de maior montante são aquelas relativas à redução da cobrança do PIS/Cofins sobre combustíveis e da Cide-Combustíveis, as quais resultaram em perdas de arrecadação estimadas em R$ 178 bilhões e R$ 46 bilhões, respectivamente, no período analisado. Nos dois casos, a renúncia configura subsídios ao consumo de combustíveis fósseis para o setor de transporte.

Com a publicação do estudo, o Inesc pretende contribuir para as discussões sobre subsídios em meio à crise do diesel – desencadeada pela greve dos caminhoneiros em maio de 2018, e cuja solução encontrada pelo governo federal foi aumentar os subsídios ao consumo, na forma de uma fatura amarga que será paga pela população.

Para as autoras do estudo, Alessandra Cardoso e Nathalie Beghin, a pesquisa é lançada em um momento oportuno para um debate aprofundado sobre o que são os subsídios aos combustíveis fósseis, qual a importância de medi-los, por que reduzi-los ou eliminá-los e quem se beneficia de medidas nesta direção.

O setor de Óleo&Gás (O&G), por exemplo, é beneficiário de vários regimes especiais de tributação, sendo o mais importante, em termos de valores, o Repetro – Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural. No ano passado, o governo brasileiro, em intenso diálogo com grupos de interesse ligados ao setor de petróleo, renovou este Regime, que venceria em 2020, por mais 20 anos.

“Os subsídios à produção, cujo Repetro é o exemplo principal, revelam o quanto os governos abrem mão de arrecadação, importante para investimentos em políticas públicas essenciais, para reduzir custos ao setor”, destacaram as autoras Alessandra e Nathalie. “E o quanto investem recursos públicos para apoiar o seu desenvolvimento, seja por meio de gastos orçamentários diretos, seja por financiamentos subsidiados ou, ainda, por aportes de investimentos públicos para empresas estatais, como no caso da Petrobrás”, acrescentaram.

Subsídios necessários

O estudo também revela que nem sempre os subsídios são maléficos. Em alguns casos, podem ser necessários ou solidários para garantir, por exemplo, acesso à energia elétrica em condições igualitárias a todos os moradores do país.  É o caso da região Norte do Brasil, onde o custo da geração é mais alto pela fonte principal ser o óleo diesel.

De acordo com o documento do Inesc, nos últimos cinco anos, os subsídios à geração termelétrica baseada no óleo diesel na região norte foi da ordem de R$ 27 bilhões, em sua maior parte, paga pelos consumidores, por meio de taxação na conta de energia elétrica.

Mas existem alternativas a este subsídio, que estão cada dia mais próximas, como a geração descentralizada à base de energia solar ou biomassa. O estudo traz o exemplo dos grupos indígenas da Raposa Serra do Sol, em Rondônia, e do Xingu, no Pará, que já estão testando experiências de geração de energia solar. “São exemplos de como é possível reformar subsídios aos combustíveis fósseis, com planejamento e política pública capaz de incentivar que outras fontes possam surgir e serem mais viáveis econômica, social e ambientalmente” defendem as autoras.

Agenda propositiva

O estudo chama atenção para os impactos climáticos, sociais e ambientais dos subsídios aos combustíveis fósseis e defende que o desafio de mensurá-los e reformá-los precisa ser assumido pelos governos em um esforço global.

Uma agenda propositiva, na visão do Inesc, deveria ser construída em três frentes paralelas: 1) conhecer com mais exatidão quais são e quanto representa os subsídios; para isso, necessita-se de mais transparência e de uma revisão do conceito e  metodologia de mensuração dos gastos tributários hoje adotada pela Receita Federal do Brasil); 2) avaliar quais subsídios são mais custosos, danosos, de reforma mais factível e são mais urgentes frente a outros compromissos também assumidos, em especial o Acordo do Clima (INDC) e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS);  3) aprovar proposta legislativa que acaba com o sigilo fiscal dos beneficiários de Gastos Tributários no Brasil, o que permitiria identificar quais são os beneficiários vinculados ao setor de Óleo&Gás;.

O estudo é assinado por: Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, doutoranda em Economia aplicada pela Unicamp; e Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc, economista formada pela Université Libre de Bruxelles (ULB), com mestrado e doutorado em Políticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB).

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, com sede em Brasília, que atua na promoção dos direitos humanos e da democracia e tem como principal instrumental de trabalho o orçamento público. O Inesc integra a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).

Informações à imprensa: Kátia Visentainer – Empório das Ideias

+55 11 3578.1583 / 96578.7070 – [email protected]

Integrantes do Movimento Nossa Brasília sofrem ataque homofóbico

Eu sou uma pessoa?

Por Lucas Miguel*

Mais um dia comum, me vesti como visto, me comportei exatamente como eu sou, ele também, passamos o dia como todos os outros, nos sentindo seguros, empoderados, seguimos com nosso discurso de que nossos corpos são luta, nossa existência por si é resistência. A noite chega, terminamos nossa jornada diária, trabalho, faculdade, encontro com os amigos… Coisas que todas as pessoas fazem, afinal, somos pessoas, não somos? Como todos os dias, ele me deixa na esquina de casa, ele mora a algumas ruas dali, mas pensa ser mais seguro me deixar, pois meu corpo afeminado, minhas vestes lidas como “gay demais” ou meu cabelo grande, me tornam alvo fácil para algum tipo de violência, que até agora não tinha acontecido. Estamos mais que habituados com a verbalização da homofobia e do machismo derramados sobre nós todos os dias, mas nunca tinha ocorrido nenhuma agressão física, nos sentimos seguros em nossa cidade apesar dos pesares.

Nesse dia em específico não nos abraçamos, apertamos as mãos como dois amigos o fariam, afinal tem muitos homens na rua, não é? Pauladas e pedradas, injúrias e xingamentos voam e ecoam pelo ambiente, estou atordoado, não entendo o que está acontecendo, e no meio da violência escuto nitidamente: VIADO! Tem que morrer mesmo! Coisa do diabo! As palavras ressoam em minha mente, perfuram meu ser como facas apontadas pela sociedade que se enxerga como “pessoas de bem”.

Eu corro o mais rápido que posso, minha casa fica a poucos metros, na hora nem me passa a cabeça pensamentos racionais, o instinto me move, o medo me impulsiona, entro em casa, minha primeira reação é saber se meu companheiro conseguiu chegar bem, temo por ele, temo por nós. Estou escrevendo uma mensagem, contando o ocorrido, rezando para que ele esteja bem, sou surpreendido por uma ligação dele; pelo menos sei que ele está vivo.

Ele conta que após os sete garotos arremessarem pedras e paus em mim, não se contentaram em exercer a força, o medo, o desrespeito e foram atrás dele o apedrejando; mais uma vez o medo impulsiona, o instinto move, ele corre o mais rápido que pode, escutando as risadas e gozações que os garotos fazem por terem conseguido acertar um dos viadinhos.

Desespero, medo, raiva, culpa… São esses os sentimentos que ocupam em meu peito, minha família escuta meu choro e me pergunta o que aconteceu. Ao relatar, falam em chamar a polícia, se esquecem que moramos na Estrutural, se esquecem que nesses casos a polícia pouco pode fazer, e sinceramente quantas vezes a polícia só não nos violentou ainda mais ao pedirmos ajuda? Por outro lado, temo também pelos agressores, só nós sabemos o quanto a polícia amedronta a periferia.

A homofobia é tão violenta que me pego culpando a mim mesmo por ser eu, por viver, por expressar quem sou, é tanta violência que começo a me questionar se eu mereço realmente estar vivo, se eu sou uma pessoa.

Sim! Eu sou uma pessoa, nós somos! Meu corpo mais uma vez foi alvo, minha alma foi destroçada mais uma vez, minha voz foi novamente silenciada e essa violência foi mais uma vez legitimada pelo pastor da igreja que diz que pessoas como eu são pecadoras e que merecem ir para o inferno, legitimada pelas pessoas que assistiram ao ataque e nada fizeram. Essa legitimação se escancara também em forma de lei pelas mãos de políticos conservadores e hipócritas como os da Câmara Legislativa do Distrito Federal que derrubaram o veto ao Estatuto da Família (aquele que exclui relações homoafetivas do conceito de família).

De uma coisa eu tenho certeza, eu, o Fábio, a Taty, o Ariel, a Thayná e todas as pessoas LGBTI da cidade Estrutural, nos conhecemos, nos reconhecemos, nos amamos e respeitamos, cada um com suas particularidades, cada um e cada uma com suas histórias e vivências, não vamos tolerar a homofobia, o racismo, o machismo e nenhuma forma de discriminação! Pensaremos em formas de combater essas violências, por meio da educação e da instrução, fazendo o caminho inverso do opressor, ensinando as pessoas que o amor sempre vence, que o medo não prevalecerá.

Mas sigo dizendo: meu corpo é resiliência, minha voz é arma de denúncia e resistência, meus passos e minhas vestes são a expressão de quem sou! A morte de Dandara dos Santos, Marielle Franco, Lucas Silva ou do aumento de 30% de assassinatos de pessoas LGBTI no Brasil, não vão ser em vão! Nossa luta vai crescer, nossa resistência vai continuar, nosso papel é lembrar a sociedade todos os dias, que suas mãos conservadoras, de família tradicional, de cidadãos de bem estão sujas com o NOSSO sangue, e que nós somos muitos, que não estamos sós, nós existimos e vamos continuar a existir, e vocês vão ter que nos engolir!

LGBTI de periferia presente!

*Lucas Miguel é membro do GT de gênero e sexualidade do Movimento Nossa Brasília, estagiário do Inesc e integrante da Cia de Teatro As Bisquetes.

Organizações pedem posicionamento da CIDH sobre políticas fiscais adotadas na América Latina

No mês de maio, doze organizações latino-americanas mostraram, durante o 168º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), como as políticas fiscais adotadas por governos do continente colocam em risco os direitos humanos. Além da solicitação de uma audiência, foi entregue um relatório com informações detalhadas dos países aos comissionados da CIDH, com o intuito de que elaborem um Informe Temático sobre a questão.

>>> Acesse aqui o relatório intitulado Políticas Fiscais e garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia e Peru

Na República Dominicana, onde ocorreu o evento, a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, apresentou o caso do Brasil durante a audiência “Políticas fiscais e garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina”.

Grazielle destacou três efeitos já perceptíveis após apenas um ano de vigência da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos primários do governo federal por um período de 20 anos. A saber, corte de 58% do orçamento destinado ao programa de enfrentamento da violência de gênero e de promoção da autonomia econômica das mulheres; cortes no programa Farmácia Popular, levando ao fechamento de 314 farmácias públicas; cortes de 69% do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos com redução de 75% no número de beneficiários.

A assessora do Inesc, que em seu pronunciamento conjunto também estava representando as organizações Conectas, Oxfam Brasil, Justiça Global, Plataforma Dhesca e CESR, denunciou que estas políticas violam o princípio de não retrocesso social, contrariando obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil, como já havia sido alertado pela CIDH em dezembro de 2016. “Também é discriminatório por afetar mais as populações vulneráveis, ao mesmo tempo em que conserva os privilégios fiscais e benefícios dos setores mais ricos do país”, alertou.

Para as organizações, a política fiscal é uma política pública como todas as outras e, assim, deve estar sujeita a prestação de contas junto à sociedade e aos órgãos de direitos humanos. Além disso, as normas e os princípios internacionais de direitos humanos têm o potencial de direcionar a forma como a política fiscal é desenhada, implementada e avaliada, por isso o esforço conjunto de incidir junto à CIDH para que faça uma análise detalhada e recomendações aos países da região sobre os efeitos nos direitos humanos das atuais medidas austeras de política fiscal adotadas.

Trabalho infantil perpetua desigualdades no Brasil

 Por Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

No Brasil, a cultura do trabalho infantil se perpetua. Há muita gente que acredita que as crianças devem, sim, trabalhar, mas não se dão conta da perversidade dessa certeza. Até porque o trabalho infantil eterniza desigualdades, pois afasta as crianças mais pobres da escola. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2016 aponta que 1,5 milhão de crianças, entre 5 e 15 anos, estão em situação de trabalho infantil. Apesar de o número ter reduzido em relação a 2015, o Ministério Público do Trabalho contesta a informação, afirmando que não reduziu, apenas mudou a metodologia de análise, não considerando o trabalho na agricultura familiar, apesar de ser pesado e ilegal para crianças até 15 anos.

Além disso, boa parte das crianças em situação de trabalho, o desenvolve sob as piores formas, como o trabalho exercido em mineração, catação de resíduos, corte de cana e por aí vai. E ainda há no Brasil muitas adolescentes que são trazidas dos rincões para trabalharem como domésticas nas cidades, em situação de semiescravidão, já que não podem retornar às suas casas por falta de condições materiais. De acordo com os observatórios do Trabalho Escravo e Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, entre 2003 e 2017, foram resgatadas 897 crianças e adolescentes em situação análoga à escravidão. Entre 2012 e 2017, 15.675 adolescentes foram vítimas de acidentes de trabalho com vários graus de gravidade.

Apesar disso, quando se olha para as políticas públicas de fiscalização do trabalho infantil, ou políticas de concessão de bolsas para a erradicação das piores formas de trabalho, percebe-se que o governo federal está bem longe da preocupação com essa enorme mazela que acompanha a história do país. Em 2017, apenas 10% do recurso previsto para a fiscalização foi executado e, em 2018, a ação de fiscalização não foi prevista, havendo apenas 25 mil executados como restos a pagar (Fonte: Siga Brasil. Ver tabelas). Com relação à concessão de bolsas, apesar de previsto, nada foi executado em 2017 e, até agora, nenhum centavo de execução em 2018.

Além dos cortes na fiscalização e nas bolsas, desde o golpe, a Presidência da República já efetuou dois grandes cortes no Programa Bolsa Família, retirando cerca de 1 milhão de famílias beneficiadas do programa. E é público e notório que esse programa retirou muitas crianças do trabalho infantil, ao condicionar o benefício à frequência na escola. O cenário não é nada promissor.

Lei Orçamentária anual 2017

Lei Orçamentária anual 2018

Carta pública contra o loteamento político da Funai e o desmonte da política indigenista

Nesta terça-feira, 12 de junho de 2018, servidores mobilizados da Funai apresentaram carta pública contra o loteamento político da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o desmonte da política indigenista. A carta denuncia a ingerência político-partidária de interesses alheios ao indigenismo na instituição, por meio de nomeações sem critérios técnicos nem comprometimento com as questões indígenas. Um caso emblemático foi a revelação de áudios divulgados pelo Estadão no dia 23 de maio (acesse aqui), que sugerem a tentativa de favorecimento de empresas por meio da aquisição irregular de equipamentos pelo então Diretor de Administração e Gestão da Funai, indicado com apoio da bancada ruralista. A carta também denuncia o uso dos direitos indígenas como moeda de troca pelo governo Temer.

A mobilização aconteceu hoje, durante a audiência na Câmara dos Deputados em Brasília. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma das instituições que assinam a carta.

Para mais informações, favor contatar [email protected]

Leia a íntegra da carta:

Carta pública contra o loteamento político da Fundação Nacional do Índio e o desmonte da política indigenista

Os servidores mobilizados da Fundação Nacional do Índio (Funai), com apoio das organizações indicadas ao final desta carta, vêm a público se posicionar contra o sucateamento e loteamento político do órgão, a desvalorização do corpo técnico e o desmonte da política indigenista por meio de sucessivos cortes orçamentários, agravados no atual Governo. Diante da repercussão de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (acesse aqui), reveladora de áudios que sugerem a tentativa de favorecimento de empresas por meio da aquisição irregular de equipamentos, e da subsequente exoneração do até então Diretor de Administração e Gestão da Funai (acesse notícia aqui) vimos repudiar a ingerência de interesses alheios ao indigenismo na instituição e exigir a indicação, para assumir a Diretoria em questão, de um(a) servidor(a) do próprio quadro técnico efetivo do órgão ou pessoa com expertise técnica compatível com as atribuições do cargo.

Não é de hoje que o loteamento político dos cargos da Funai compromete a missão primordial da instituição, qual seja, a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil (acesse notícia aqui). Como extensamente noticiado na mídia, o Partido Social Cristão (PSC), sobretudo na figura do líder do governo no Congresso Nacional, dep. André Moura (acesse notícia aqui), tem sido o mais influente na indicação de cargos de chefia. A Funai, no entanto, converteu-se em espaço de manifestação de interesses de parlamentares também de outros partidos, notadamente os de integrantes da chamada bancada ruralista, de cuja pressão resultou a mais recente troca de Presidente do órgão (acesse notícia aqui) e que já havia sido responsável pela indicação da Diretora de Proteção Territorial (acesse notícia aqui). Também nas Coordenações Regionais da Funai (CRs) têm ocorrido nomeações de chefias por indicação de políticos, em detrimento de aspectos técnicos. O órgão indigenista, responsável por promover e proteger os direitos de mais de 300 povos indígenas, cujos territórios abrangem aproximadamente 14% do território nacional, vem sofrendo com ingerências político-partidárias por meio de nomeações sem critérios técnicos nem comprometimento com as questões indígenas. Chama a atenção, neste cenário, a nomeação como assessor da presidência do ex-gerente de licitações e contratos da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., vinculada ao Ministério dos Transportes, exonerado da estatal em 2011, após denúncias de fraudes em obras do trecho tocantinense da ferrovia Norte-Sul (acesse notícias aqui e aqui).

Além da distribuição de cargos em órgãos responsáveis por promover direitos socioambientais, como também vem ocorrendo no ICMBio (acesse notícia aqui), o atual Governo vem sistematicamente utilizando os direitos indígenas como moeda de troca. Entre as mais recentes manobras estão: a aprovação do Parecer nº 001/2017/AGU pelo Presidente Michel Temer, que ameaça as demarcações de terras indígenas (acesse notícia aqui); ataques ao componente indígena do licenciamento ambiental, especialmente evidenciados nos projetos de construção de hidrelétricas e no caso da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista, que atravessaria a terra indígena Waimiri Atroari (acesse reportagens a aqui e aqui) ; e a ameaça de adoção de medidas que permitam a exploração de recursos naturais e o arrendamento em terras indígenas.

Combinados, esses fatores – a utilização da instituição para interesses político-partidários e a imposição de medidas restritivas aos direitos indígenas – têm gerado um clima de tensão e insegurança entre os servidores do órgão e comprometido a sua atuação. Abusos de autoridade, perseguições e desvios de finalidade têm sido parte da rotina de trabalho e impedem a seriedade e continuidade da política indigenista, prejudicando, enfim, e sobretudo, os povos originários. Ao denunciar a recorrência de tais interferências sobre a instituição e a política indigenista, os servidores mobilizados da Funai exigem a reversão de medidas contrárias aos direitos constitucionais dos povos indígenas – principalmente o Parecer nº 001/2017/AGU –, o fortalecimento do corpo técnico com a aprovação de um plano de carreira, bem como a aplicação de critérios técnicos, desvinculados de interesses clientelistas, nas nomeações de cargos de chefia – a começar pela vacante Diretoria de Administração e Gestão.

Servidores Mobilizados da Funai

Apoiam esta carta:

ABA – Associação Brasileira de Antropologia
Amaaic – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre
Anaí – Associação Nacional de Ação Indigenista
Amim – Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão
Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Apina – Conselho das Aldeias Wajãpi
Arpinsul – Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul
Ascema Nacional – Associação Nacional dos Servidores Ambientais
Associação Indígena Pariri
Associação de Mulheres Wakoborun
Cimi – Conselho Indigenista Missionário
Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
CGY – Comissão Guarani Yvyrupá
Conselho Indígena do Distrito Federal
CPI-AC – Comissão Pró-Índio do Acre
CPI-SP – Comissão Pró-Índio de São Paulo
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Esocite.br – Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias
Faor – Fórum da Amazônia Oriental
Fepipa – Federação dos Povos Indígenas do Pará
Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
Formad – Fórum mato-grossense de Meio Ambiente e desenvolvimento
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum Teles Pires
Greenpeace
HAY – Hutukara Associação Yanomami
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
INA – Indigenistas Associados
Índio É Nós
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
ISA – Instituto Socioambiental
ISPN – Instituto Sociedade, População e Natureza
Justiça Global
Laboratório de Antropologias da T/terra
Museu de Arqueologia e Etnologia – UFSC
Opan – Operação Amazônia Nativa
Opiac – Organização dos Professores Indígenas do Acre
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
SAB – Sociedade de Arqueologia Brasileira
SINDSEP-DF – Sindicato de Trabalhadores dos Servidores Públicos do DF
Terra de Direitos
Umiab – União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira

Livro: A Reforma Tributária Necessária – Diagnósticos e Premissas

Com o objetivo de detalhar as distorções do sistema tributário atual e apontar alternativas, entidades que lutam pela promoção da justiça fiscal e social lançaram o livro: A Reforma Tributária Necessária | Diagnósticos e Premissas, durante o Fórum Internacional Tributário (FIT), realizado em São Paulo, na semana passada.

O livro contou com análise de mais de 40 especialistas, entre eles, Grazielle David e Alessandra Cardoso, assessoras do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Elas foram autoras, junto a outros, do artigo “Reforma tributária ambiental: perspectivas para o sistema tributário nacional”.

De acordo com Grazielle David, que também mediou painel de mesmo tema no Fórum Internacional Tributário, a reforma tributária solidária deve contemplar tanto a solidariedade entre povos quanto com o meio ambiente.

“O Brasil, por exemplo, é o campeão mundial de consumo de agrotóxicos e o uso da água na agricultura ultrapassa 70% do consumo nacional. A tragédia de Mariana/MG e Barcarena/PA jogou luz sobre os impactos da mineração nos territórios e a necessidade de ajuste das atividades a um projeto de nação”, destacou.

O artigo faz um panorama da tentativa de construção de uma relação virtuosa entre tributação e meio ambiente, a qual é notadamente recente e permeada por debates de fundo sobre desafios e dilemas do atual padrão de produção e consumo e sua relação com os limites ecológicos e biofísicos do planeta.

Ainda defende que ocorra uma transição na matriz produtiva e no consumo no Brasil, estimulada por mecanismos tributários com características extrafiscais, que promovam uma mudança de comportamento.

O livro, assim como o FTI, é uma iniciativa do movimento Reforma Tributária Solidária: Menos Desigualdade, Mais Brasil liderado pela Fenafisco e Anfip, e conta com a gestão executiva da Plataforma Política Social e apoio do Conselho Federal de Economia (Cofecon); Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese); Fundação Friedrich Ebert Stiftung Brasil (FES); Instituto de Estudos Socciecoômicos (Inesc); Instituto de Justiça Fiscal (IJF) e Oxfam Brasil.

>>> Baixe o livro aqui.

Por que precisamos taxar as bebidas açucaradas?

Por Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O governo federal publicou, em 30 de maio, decreto que regulamenta a aplicação do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra). O Decreto nº 9.393/2018 reduz incentivos fiscais para uma parte da cadeia produtiva de refrigerantes. A decisão compõe o conjunto de medidas adotadas para compensar a perda de receitas oriunda do acordo feito com os caminhoneiros para a diminuição do preço do diesel.

A saúde da população brasileira agradece. Ainda que a medida tenha tido como objetivo principal financiar outros rombos orçamentários, ela irá contribuir para desativar a bomba que representam os refrigerantes. Bomba, porque o excesso de açúcar e a falta de nutrientes agridem violentamente nosso organismo, que não é adaptado a processar tanta energia de uma só vez. A referida medida irá desestimular o consumo de bebidas processadas adicionadas de açúcar, que alteram o metabolismo do corpo, afetam os níveis de insulina e contribuem para o aumento de peso, da obesidade, da diabetes e de outras doenças crônicas não transmissíveis.

Experiências em vários países vêm demonstrando que a sobretaxação é uma das mais eficazes medidas para reduzir o consumo de bebidas açucaradas, porque atingem toda a população e pode ser implementada facilmente[1]. No México, por exemplo, uma sobretaxa de 10% sobre bebidas açucaradas, em vigor desde 2014, resultou em queda de 14% na venda dos produtos num período de dois anos, com declínio ainda mais acentuado na população mais pobre.

No Brasil enfrentamos uma epidemia de sobrepeso. Estudos têm evidenciado expressivo aumento da obesidade em todas as idades, faixas de renda e regiões do país. Cerca de 60% dos adultos estão acima do peso e em torno de 20% são obesos. Entre as crianças e adolescentes o problema também é muito grave: uma de cada três crianças tem sobrepeso e, entre os adolescentes, essa relação é de 1 para 4. E mais, a epidemia está se agravando: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), enquanto na década de 1970 apenas 1% das garotas e 0,9% dos garotos estavam obesos, em 2016 eles representavam 9,4% e 12,7% dessa faixa etária, respectivamente. Esses resultados levam o Brasil a estar acima das médias mundiais. A situação é preocupante porque o excesso de peso e a obesidade estão entre os cinco maiores fatores de risco para mortalidade no mundo.

Uma das principais causas desse mal é o elevado consumo das bebidas açucaradas: 20% dos adultos consomem refrigerante regularmente; entre crianças e adolescentes esse percentual mais do que dobra, chegando a 45%. E aqui no Brasil, apesar desse diagnóstico bastante assustador, o setor é fortemente subsidiado pelo Estado: beneficia-se de isenções fiscais, tanto na produção como na comercialização dos refrigerantes. Segundo estimativas conservadoras, as empresas de bebidas açucaras deixam de recolher aos cofres públicos cerca de 7 bilhões de reais por ano[2] –  o que equivale a cerca de dois Programas de Alimentação Escolar que atende anualmente 40 milhões de estudantes. Em outras palavras, vivenciamos uma situação kafkiana, na qual o poder público financia a doença e a morte.

Urge, pois, não somente diminuir os incentivos fiscais, mas aprovar medidas legais que taxem fortemente o setor de bebidas açucaradas. Urge, ainda, implementar outras ações que promovam hábitos alimentares saudáveis. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) vem debatendo o tema há um bom tempo. Recentemente, em março de 2018, na realização do Encontro “5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional + 2” alertou, mais uma vez, “para o aumento das doenças ligadas à má alimentação, os números crescentes de casos de obesidade em todas as faixas etárias ― inclusive crianças pequenas ― e das doenças a ela associadas como diabetes, hipertensão arterial, vários tipos de câncer, doenças do coração, entre outras”.[3] E mais recentemente ainda, na sua Plenária de abril de 2018, o Pleno do Conselho recomendou ao presidente da República que não somente eliminasse os incentivos fiscais do setor de bebidas açucaradas, mas que o taxasse fortemente.

É preciso destacar que o Brasil assumiu recentemente o compromisso internacional de reduzir a obesidade. Várias medidas vêm sendo implementadas nessa direção lideradas pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). A Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade, lançada em 2014, apresenta um conjunto de ações que visam atuar positivamente sobre os determinantes da saúde e da nutrição da população.

Contudo, é preciso ir além, pois a situação é muito grave: faz-se necessário aprofundar de imediato políticas públicas intersetoriais, nos três níveis de governo, que respeitem, promovam e protejam o direito humano à alimentação adequada e saudável. A emergência da agenda da taxação de bebidas açucaradas é uma externalidade positiva da greve dos caminhoneiros.



[1] A esse respeito ver resultado de pesquisas recentes publicadas no The Lancet:

https://www.thelancet.com/series/Taskforce-NCDs-and-economics?code=lancet-site

[2] A esse respeito ver: https://www.cartacapital.com.br/revista/981/a-coca-cola-a-zona-franca-de-manaus-e-o-rombo-de-7-bilhoes

[3] A esse respeito ver a Carta do Encontro: http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/conferencias/conferencias-2/encontro-5a-2/carta-final-papel-timbrado-evento.pdf

Direitos Indígenas: entre desmontes, oportunismos e resistência

Por Alessandra Cardoso e Leila Saraiva, assessoras políticas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O desmonte da Funai está longe de ser assunto novo, mas sua aceleração e suas consequências ganharam novos contornos que merecem ser enfatizados nesta semana em que acontece o Acampamento Terra Livre (ATL) 2018, onde mais de três mil indígenas de diversas etnias colorem Brasília com seus gritos de guerra e com a força de sua resistência.

Nos governos anteriores, embora não houvesse uma orientação política explícita de desmonte do órgão, havia uma considerável pressão interna para fazer avançar projetos de investimentos sobre Terras Indígenas e limitar processos de demarcação. Mas havia também um espaço maior para disputa e resistência, inclusive por parte da Funai que, embora frágil, tinha mais potencial de combatividade por não ter tantos postos aparelhados para defender os interesses da bancada ruralista. Um exemplo disso foi a manifestação do órgão contra a Portaria 303 da AGU.

Com o governo Temer, o desmonte agravou-se dramaticamente. Não só o órgão está sendo sucateado em um ritmo mais acelerado, como está sendo ocupado e aparelhado como um quartel general dos ruralistas. Tudo isto com o reforço adicional da Emenda Constitucional 95 do “Teto do Gastos”,  que já mostrou a que veio quando tornou o orçamento da FUNAI de 2018 um dos mais baixos dos últimos 10 anos.

Os efeitos dos cortes orçamentários sobre a capacidade de atuação do órgão são evidentes. Em 2018, dos R$ 592 milhões previstos, 72% estão comprometidos com pessoal (entre ativos e inativos e incluindo benefícios), 12% vai para manter a estrutura do órgão e 2% para precatórios. Restam apenas 14% (R$ 84 milhões) para ações “na ponta”, ou seja, junto aos povos indígenas e suas terras.

Até 20 de abril de 2018, destes míseros R$ 84 milhões foram efetivamente gastos R$ 11,5 milhões. Uma visão realista desta tragédia orçamentária só pode ser entendida quando olhamos os gastos a partir da estrutura descentralizada da Funai, ou seja, de suas 37 Coordenações Regionais.

>>> Veja aqui valores gastos por cada Coordenação Regional <<<

Veja, por exemplo, o caso da Coordenação Regional de Campo Grande (MS), onde foram gastos R$ 13.548,42? Ou o caso da Coordenação Regional do Tapajós, no Pará, onde se gastou R$ 7.517,34? Ou, ainda, o caso da Coordenação Regional do Sul da Bahia onde foram gastos somente R$ 27.696,00 até 20 de abril. Em todas essas localidades o agronegócio está em franca expansão e, portanto, a política indigenista deveria ser mais pungente.

Que capacidade o Estado brasileiro tem para defender e garantir direitos indígenas, muitos ainda não conquistados, outros tanto ameaçados, em uma abrangência geográfica nacional, com gastos tão ínfimos?

Tais números são uma expressão cínica da ausência do Estado e das políticas públicas nos territórios indígenas. E é cultivando esse vazio imenso, com muito herbicida, que grupos econômicos marcadamente anti-indígenas defendem seus próprios interesses, de forma oportunista. Por oportunista, como nos mostra o dicionário, queremos dizer “comportamento ou conduta da quem busca obter vantagens em benefício próprio, não se preocupando com questões éticas ou morais”.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), sem dúvida, sintetiza bem essa articulação, estimulando entre indígenas a narrativa de que o caminho da cura para a ausência de direitos é o “salve-se quem puder” da “autonomia econômica”. Na verdade, o único interesse destes grupos é escancarar as terras indígenas para a dinâmica do agronegócio e da mineração, seja apropriando-se delas por mecanismos de arrendamento, seja as submetendo a uma tecnologia e dinâmica de produção que jamais será uma agricultura de base indígena. Essa estratégia, aliás, é também utilizada pelo agronegócio na disputa de base com a agricultura familiar, promovendo o inviável “agronegócio familiar”.

A opção política do Estado brasileiro tem efeitos concretos na vida das comunidades indígenas, às vezes difíceis de dimensionar quando estamos longe das aldeias e perto demais da frieza dos números. Momentos como o Acampamento Terra Livre são fundamentais para que as reflexões decorrentes do desmonte dos direitos indígenas, vivido na prática, sejam compartilhadas pelos diversos povos e comunidades do país. A resistência histórica dos povos indígenas se potencializa e ultrapassa em muito as fronteiras dos territórios. Em oposição ao projeto hegemônico da FPA, transforma a imposição do massacre em sementes de outros mundos não dominados pelo capital.  Não é pouca coisa, e deve nos inspirar a todas.

‘Promover os direitos humanos para lidar com assuntos financeiros é do interesse da paz mundial’, diz perito da ONU

Em sua primeira entrevista desde a decisão do governo brasileiro de ‘adiar’ sua viagem ao País, relator das Nações Unidas diz que continua sem data para missão que investigaria impacto de cortes na saúde e educação. Confira a entrevista completa:

>>> Leia Também: Direitos Humanos em tempo de austeridade

Por Jamil Chade, do  Estado de São Paulo.

GENEBRA – O relator da ONU para Dívida Externa e Direitos Humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, foi surpreendido no fim de fevereiro quando foi informado pelo governo brasileiro de que sua missão ao País, marcada para março, estava suspensa e que uma nova data seria apresentada. Mais de um mês depois, porém, ele ainda não recebeu das autoridades do Itamaraty qualquer tipo de indicação sobre quando ele poderia vir ao Brasil.

Sua missão seria a de avaliar o impacto das medidas de austeridade em programas sociais, incluindo educação e saúde. O governo explicou no início de março o motivo para a mudança de planos. Em um discurso, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, insistiu que “a visita teve de ser adiada, não cancelada”. “O Brasil tem muito a mostrar e nada a esconder”, garantiu.

No governo, a justificativa era de que a viagem foi suspensa por conta da saída da ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, demitida pelo presidente Michel Temer. Em função da “transição” no ministério, a viagem teria sido adiada. Mas a suspeita na ONU é de que a visita era vista como obstáculo para a reforma da Previdência e em um momento de debate político sobre eventuais candidaturas para as eleições no segundo semestre. Também na ONU, o Brasil não votou a favor da manutenção de seu mandato.

Em sua primeira entrevista depois da suspensão de sua viagem, ele faz suas considerações sobre a necessidade de equilibrar políticas fiscais e medidas de proteção aos direitos humanos. Eis os principais trechos da entrevista:

P – Sua viagem ao Brasil foi suspensa. O sr. já recebeu uma nova data?
R – Como você sabe, todos os procedimentos especiais (da ONU), como o meu, precisam realizar duas viagens oficiais aos países a cada ano. As datas são acordadas com o governo. No caso do Brasil, essas datas de março de 2018 foram fixadas em agosto de 2017, com o governo. A visita oficial foi adiada no fim de fevereiro de 2018, quando eu fui informado que, diante das mudanças no Ministério da Justiça, não era mais possível realizar a visita oficial. Eu entendo que o governo irá propor novas datas. Mas até o dia 13 de abril eu não as recebi. Ainda estou esperançoso de que as novas datas sejam confirmadas nas próximas semanas.

P – O Brasil votou contra o mandato do sr. Isso é algo que o preocupa?
R – Eu espero que países que não apoiam o meu mandato entendam, mais cedo ou mais tarde, que promover os direitos humanos para lidar com assuntos financeiros é do interesse da paz mundial, da igualdade e de um crescimento inclusivo.

P – De uma forma geral, qual a conclusão que o sr. tira sobre medidas de austeridade?R – Políticas de austeridade tem caminhado, infelizmente, junto com um processo que mina os direitos humanos. Por exemplo, cortes orçamentários em vários países afetaram os direitos à educação, saúde, alimentação, moradia, trabalho, previdência, água e saneamento, assim como direitos políticos e civis, tais como acesso à Justiça, direito de participação, liberdade de expressão e associação. Elas também tem resultado em uma deterioração nas condições de detenção e de prisões. O direito à vida e integridade pessoal não foram poupados. Crises econômicas são aprofundadas por políticas de austeridade e aumentaram os índices de suicídio em alguns países. Elas resultaram ainda na exclusão de pessoas de serviços de saúde pública e enfraqueceram esses sistemas ao ponto de que passaram a não ser equipados para responder a epidemias.

P – Mas a Comissão Europeia argumenta que, apesar do caso da crise de 2012, a estratégia de reformas e austeridade funcionou. O sr. concorda?
R – Como eu expliquei no informe de minha missão para a UE no ano passado, a consolidação fiscal e políticas de reforma estrutural implementadas em vários países da região europeia na prática aprofundaram a recessão econômica e aumentou o desemprego e pobreza. Cortes drásticos aos gastos públicos sobre proteção social, saúde e educação colocam dúvidas se um governo está dando prioridade suficiente à proteção de grupos vulneráveis do impacto da crise.

P – Mas se o corte de gastos sociais não é a solução, como fazer para garantir um estado com responsabilidade social?
R – Bem, garantir a estabilidade financeira e controlar a dívida pública são tarefas importantes. Nem todos os esforços para reduzir gastos públicos são danosos aos direitos humanos. Olhe para a experiência da Islândia. Melhorar o acesso aos remédios essenciais por meio de uma melhor administração de medicações no sistema público e substituir produtos caros por produtos genéricos, da mesma qualidade e mais baratos, pode aumentar o acesso e fortalecer o direito à saúde. Cortar gastos militares desnecessários em hardware pode também liberar muitos recursos para investimentos em direitos humanos. Além disso, reformas de previdências que incentivem o trabalho em tempo parcial de aposentados e o aumento da idade de aposentadoria dependendo da categoria de emprego, escolha individual ou saúde pessoal podem ser caminhos para garantir a sustentabilidade de sistemas de pensão. E para garantir que o direito à segurança social para as gerações atuais e futuras durante um ciclo de vida mais longo. A questão é que o respeito aos direitos humanos e um crescimento econômico inclusivo não são necessariamente opostos. Mas podem se reforçar mutuamente. Crescimento econômico e desenvolvimento são essenciais para o desenvolvimento humano e para a realização dos direitos humanos, como na geração de empregos, oportunidades de renda, assim como investimentos em infraestrutura social e econômica. É por isso que padrões de direitos humanos precisam ser considerados ao se decidir sobre escolhas de política econômica.

Quanto custa a intervenção federal no Rio de Janeiro?

Por Iara Pietricovsky e José Antônio Mororni*,

Publicado originalmente na Revista Época

Quando o governo federal decretou a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro, fez isso sem nenhum diagnóstico técnico ou planejamento estratégico. Essa medida extrema foi adotada sem o respaldo de estatísticas, indicadores, definição das principais ações, projeções e análise do orçamento da área de segurança pública do estado.

Talvez por isso, governo e Exército “batem cabeça” sobre o orçamento previsto para a intervenção e sobre as principais ações e projetos que serão desenvolvidos até 31 de dezembro deste ano, data prevista para o fim do decreto.

Os cálculos sobre o custo total da intervenção só foram apresentados pelo interventor militar, general Walter Braga Netto, semanas após o decreto. De acordo com o oficial e sua equipe, seriam necessários R$ 3,1 bilhões — quantia que corresponde a quase metade do gasto total previsto para a saúde (R$ 6,4 bilhões) na proposta de orçamento do estado do Rio de Janeiro para 2018.

Da quantia exigida pelo general, R$ 1,6 bilhão seriam destinados ao pagamento de dívidas existentes na segurança pública, ou seja, gastos para “zerar a conta” e seguir em frente. Aí estão incluídas despesas correntes, como a folha de pagamentos da Polícia Militar (R$ 643 milhões) e fornecimento de alimentação aos presídios (R$ 245 milhões).

Ora, como é possível que um órgão do governo consiga acumular tamanha dívida? Será que a intervenção não deveria ter sido feita na gestão financeira do estado do Rio de Janeiro e nas razões que levaram a essa crise que tem afetado diversas áreas sociais, incluindo o pagamento dos funcionários públicos?

Para além das dívidas a pagar, R$ 1,5 bilhão estão previstos para gastos futuros, mas não há detalhes sobre que tipo de despesas essa quantia financiaria. Todo orçamento precisa de um plano, e todo plano precisa ser discutido com as populações afetadas. No caso da segurança pública no Rio de Janeiro, isso se torna ainda mais indispensável, visto o alto custo que a população paga, seja por ser vítima de grupos criminosos, seja por ser vítima de operações policiais desastrosas nas favelas, onde execuções e corrupção policial andam de mãos dadas. Os cidadãos pagam a conta e sofrem as consequências, mas não têm direito a participar dos processos decisórios sobre como seu dinheiro vai ser gasto.

Em dissonância com os cálculos apresentados pelo interventor, o governo federal publicou em 27 de março a Medida Provisória nº 825, abrindo um crédito extraordinário de R$ 1,2 bilhão para a intervenção, em uma rubrica genérica de nome “Ações decorrentes da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro”.

Para isso, a Presidência indica remanejamento de R$ 200 milhões de programas da Câmara dos Deputados, mas o volume principal, de R$ 1 bilhão, viria de recursos do Tesouro Nacional oriundos de exercícios financeiros anteriores. Essa é uma fonte de receita bastante genérica e está possivelmente relacionada com superávits financeiros do próprio Tesouro.

Como não existe um detalhamento da ação orçamentária no texto da Medida Provisória, nem no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), fica difícil saber: qual será a destinação desse dinheiro? Que ações serão efetuadas diretamente pelas Forças Armadas?

Recentemente, o interventor mudou a estratégia e tropas estão fazendo o patrulhamento de lugares com visibilidade, como a Praia de Copacabana, onde soldados podem ser vistos em frente ao Copacabana Palace. Além disso, na Vila Kennedy, o laboratório da operação, as Forças Armadas têm realizado ações sociais, como atendimento dentário à população, em um evidente esforço de marketing e propaganda oficiais da intervenção.

Tudo isso indica que não houve e ainda não há nenhum planejamento público para a execução da intervenção. Para além das possíveis violações de direitos promovidas pelas forças de segurança no Rio de Janeiro — cujo Ministério Público, responsável por exercer o controle externo da atividade policial, tem sido historicamente cúmplice por omissão —, é necessário ficar de olho no orçamento da intervenção e cobrar transparência e participação cidadã nas decisões orçamentárias.

O interventor prometeu criar um site de transparência para disponibilizar várias informações sobre a operação, incluindo orçamento e gastos, o que até agora não se concretizou. A Câmara dos Deputados criou um observatório para fiscalizar o planejamento, a execução de metas e o resultado das ações da intervenção. Vamos ver como tudo isso avança.

Enquanto isso, organizações da sociedade civil, acadêmicos, coletivos de favela e órgãos públicos de controle têm se organizado no Observatório da Intervenção para pedir por uma política de segurança pública cidadã. Por uma vida sem violência. Estamos de olho.

*Iara Pietricovsky e José Antônio Moroni são membros do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrantes do Observatório da Intervenção

Coalizão lança mobilização nacional pela revogação do teto dos gastos sociais

Redes e entidades de sociedade civil, movimentos sociais, conselhos nacionais e pesquisadoras e pesquisadores de várias áreas das políticas sociais realizam a primeira mobilização nacional da Campanha Direitos Valem Mais, Não aos Cortes Sociais: por uma economia a favor da vida e contra todas as desigualdades. A Campanha foi lançada em março deste ano no Fórum Social Mundial (FSM), realizado em Salvador (BA).

A Campanha é promovida pela Coalizão Anti-austeridade e pela revogação da Emenda Constitucional 95 e visa estimular o debate público sobre os impactos negativos da chamada política econômica de austeridade no cotidiano da população e articular um conjunto de ações destinadas a dar fim a Emenda do Teto dos Gastos Sociais. Novas mobilizações da Coalizão estão previstas para junho e setembro deste ano com o objetivo de influenciar o processo eleitoral.

Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 estabelece a redução do gasto público em educação, saúde, assistência social e em outras políticas sociais por vinte anos, aprofundado a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população pobre e negra. A EC 95 é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam a revogação da Emenda pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.

Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc/Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA vêm demonstrando o impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos e a piora acelerada da situação dos indicadores sociais do país. O Relator Especial da ONU para Extrema Pobreza, Philip Alston, caracterizou a Emenda Constitucional 95 uma medida drástica que contraria as obrigações do Estado brasileiro na garantia dos direitos sociais.

Rodas de Conversa

Um dos objetivos da Campanha é democratizar o debate público referente às opções econômicas do país, multiplicando rodas de conversa em todo o território nacional sobre como a Emenda Constitucional 95 e a crise econômica vêm afetando a vida das famílias e comunidades e quais são os caminhos para a superação dessa situação. Entre as alternativas, destaca-se a urgência de uma ampla reforma tributária progressiva, que faça com que os setores mais ricos da sociedade paguem mais impostos do que os setores populares e de classe média. O Brasil é conhecido por ter um dos sistemas tributários mais injustos do mundo.

Para alimentar o debate público, foi lançado um site (www.direitosvalemmais.org.br) e foram produzidos vídeos e outros materiais para apoiar as rodas de conversa. As rodas podem ser reuniões entre amigos ou vizinhos, audiências públicas, seminários, aulas públicas, atividades em praças, saraus de poesia, rodas de música, entre outras muitas alternativas propostas nos materiais.

A Campanha também visa coletar assinaturas para a petição online elaborada pelo Conselho Nacional de Saúde, que solicita ao STF que se posicione a favor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.658, revogando a Emenda Constitucional 95. No último dia 5 de abril, o Conselho Nacional de Saúde protocolou as primeiras 70 mil assinaturas no STF. Outra proposta assumida pela Coalizão de entidades e redes é a realização de um referendo revogatório junto à população pelo fim da Emenda Constitucional 95 e de outras medidas do governo Temer que atacam os direitos humanos no país.

Por que participar da Campanha Direitos Valem Mais?

Mais do que nunca, precisamos falar sobre economia, precisamos discutir a situação econômica do país e como ela tem afetado a vida concreta das pessoas: nas periferias, nas cidades, no campo. Precisamos mudar os indicadores do que se entende por uma economia de sucesso: economia de sucesso tem que ser uma economia a favor da vida e contra as desigualdades e não aquela que responde aos interesses do mercado financeiro. Precisamos ampliar a roda das pessoas e instituições que debatam essa situação e que possam atuar pela mudança urgente, em especial, pela revogação da Emenda Constitucional 95”. (Denise Carreira, da coordenação da Ação Educativa e da Plataforma Dhesca, responsável pela coordenação do Estudo Os Impactos da Política Econômica de Austeridade nos Direitos Humanos, desenvolvido pela Plataforma DHESCA).

“O Conselho Nacional de Direitos Humanos conclama os Conselhos de todas as áreas que atuam para garantir direitos no país a participar ativamente da Campanha porque entende que as políticas de austeridade ferem de morte os compromissos do Brasil com os direitos humanos. Essas políticas ferem o Pacto Constituinte com base no qual os direitos sociais estão garantidos. A Emenda Constitucional 95 significa uma violação do principio da progressividade dos direitos econômicos, culturais, sociais e ambientais. (Darci Frigo, coordenador geral da Terra de Direitos e vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos).

“Não há como revogar a Emenda Constitucional 95 sem somar diversas forças políticas, de várias áreas. Essa anomalia constitucional vem levando o país a um gigantesco retrocesso. Vamos fazer dessa Campanha algo que envolva mais gente neste debate e nessa luta pela revogação.” (Vanderlei Gomes da Silva, coordenador da Comissão de Orçamento do Conselho Nacional de Saúde e diretor da Confederação Nacional das Associações de Moradores).

“A Campanha é fundamental em um contexto no qual as políticas econômicas vêm sendo despolitizadas e instrumentalizadas para beneficiar os mais ricos. É preciso fomentar e democratizar o debate sobre decisões econômicas que afetam a vida de todos.” (Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp e diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política).

“A participação e adesão à Campanha é muito importante para os movimentos sociais. Não só aderir por aderir, mas entender como um momento de escuta, de aprendizado. Ao mesmo tempo, a Campanha está aí para difundir informações e criar propostas de incidência. O que vai nos ajudar sair dessa conjuntura tão destrutiva são as alternativas insurgentes, como repensar a economia. Mais do que nunca, é preciso se juntar em rede”. (Carmem da Silva, coordenadora da Frente de Luta por Moradia).

“É fundamental estarmos juntos na Coalizão Anti-Austeridade e pela Revogação da Emenda Constitucional 95 porque só será possível garantir a inclusão educacional plena no país quando avançarmos em justiça social, quando investirmos mais recursos na política educacional e em outras políticas sociais. A Emenda Constitucional 95 é um grande obstáculo para isso, precisamos urgentemente revogá-la”. (Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação).

“O MST participa da Campanha para denunciar que a implementação dessa política econômica e da Emenda Constitucional 95 está no centro do golpe que vivemos no Brasil, que modificou as leis para beneficiar ainda mais uma elite. A Emenda Constitucional tem destruído os programas de reforma agrária, de agricultura familiar, de educação, de saúde, tem levado a crescer a fome no campo. E ainda, tem levado ao aumento dos conflitos agrários, da violência, dos assassinatos. Convidamos todos os movimentos do campo a participar ativamente da Campanha pela mudança da política econômica e pelo fim da Emenda da Morte”. (Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra).

“Nós da Articulação de Mulheres Brasileiras entendemos que a Campanha é de grande importância porque abre possibilidades para discutirmos com a população os muitos fundamentalismos presentes na realidade brasileira: daquele que defende a moral conservadora e a família tradicional e ataca a igualdade de gênero, ecoado por movimentos como o escola sem partido; ao fundamentalismo econômico, que destrói as políticas sociais de cuidado promovidas pelo Estado. Esses fundamentalismos estão profundamente interligados e acentuam a precarização da vida das famílias e, em especial, a precarização e sobrecarga na vida das mulheres, ainda predominantemente responsáveis pelo cuidado de famílias e comunidades”. (Jolúzia Batista, integrante do CFEMEA e da coordenação da Articulação de Muheres Brasileiras).

“A Emenda Constitucional 95 é extremamente racista, porque acirra mais as desigualdades raciais no país, já que ela atinge com perversidade a população pobre. E a gigantesca maioria das pessoas pobres é a população negra, usuária do sistema público. Tanto a reforma trabalhista quanto a reforma da previdência jogam ainda mais às margens a população negra, que sofre violência institucional e violência estrutural do racismo. Por isso, mulheres e homens negros temos que participar ativamente da Campanha e questionar a política de austeridade que está na base do golpe”. (Maria Sylvia de Oliveira, presidenta do Geledés – Instituto da Mulher Negra e integrante da Articulação das Mulheres Negras).

“A Oxfam Brasil defende um Brasil menos desigual, por isso estamos na Campanha Direitos Valem Mais, não aos Cortes Sociais. É essencial que brasileiras e brasileiros, sobretudo aqueles que estão na base da pirâmide social, tenham acesso a serviços públicos de qualidade. Saúde, educação, assistência, entre outros, são fundamentais para garantir uma vida digna, oferecendo oportunidade para um futuro sem desigualdades extremas” (Rafael Georges, coordenador de Campanhas da Oxfam Brasil).

“Geralmente quando pensamos em economia imediatamente vem a cabeça taxas, índices, gráficos, enfim, uma porção de símbolos e números que não dialoga imediatamente com o nosso cotidiano. Mas entendendo que a manutenção das desigualdades tem na economia seu eixo central, inclusive para perpetuação das opressões a grupos historicamente marginalizados – como das mulheres negras – é mais do que necessário, é fundamental e urgente criar conexões entre a vida concreta das pessoas e os universos econômico, político e social. Por isso, a Campanha surge como uma iniciativa muito importante para alimentar o debate da relação da economia e o nosso dia a dia.” (Juliane Cintra, integrante da coordenação da Ação Educativa e do bloco afro Ilú Obá De Min).

É fundamental reverter a Emenda Constitucional 95, que foi criada para destruir a vinculação constitucional dos recursos para saúde e educação públicas. Cortes que têm atingido profundamente o funcionamento das universidades e dos institutos de pesquisa, que têm comprometido a expansão do acesso ao ensino superior e as verbas para pesquisas nas áreas de ciências e tecnologia. Pesquisas fundamentais para o país sair da crise e construir um novo modelo de desenvolvimento, que aponte para justiça social. Por isso, nós do campo da Ciência e das Tecnologias precisamos participar ativamente da Campanha Direitos Valem Mais, Não aos Cortes Sociais e somar forças com outras áreas e movimentos da sociedade brasileira”. (Tatiana Roque, professora de Matemática e Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi coordenadora da Campanha Conhecimento Sem Cortes e presidente do Sindicato dos Professores da UFRJ).

“A CUT entra na Campanha porque entende que a Emenda Constitucional 95 é uma emenda guarda-chuva que desconstitucionaliza as conquistas sociais de 1988, afetando os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores. A Emenda está profundamente articulada às reformas trabalhista e da previdência e com a onda de privatização dos serviços e bens públicos. A CUT defende o Referendo Revogatório de todas essas medidas, em especial da EC 95.” (Ismael José César, da direção da Central Única dos Trabalhadores).

O Brasil passa por um momento muito delicado na política e também na economia. Embora os grandes jornais insistam em dizer que o país se recupera da crise, mas para quem está melhorando? O que vemos nas ruas é o aumento do desemprego, da população sem moradia, a crescente falta de recursos em áreas como saúde, educação, assistência social e o aumento da violência. Temos que envolver a população na discussão sobre a política econômica que queremos. Fazer deste momento uma alavanca para pensar um novo projeto de país, com uma economia a serviço de todos e todas”. (Ana Mielke, coordenadora do Intervozes e integrante do Operativo Nacional da Frente Povo sem Medo).

Vivemos tempos difíceis não só retirada de direitos, mas de destruição de qualquer possibilidade de pensar um Estado de bem Estar Social, uma sociedade mais igualitária, mais livre, soberana e democrática. Uma ação que explicita isso é quando o governo golpista aprova uma Emenda Constitucional que limita os gastos públicos das políticas sociais por vinte anos. Isso demonstra um projeto de sociedade descomprometido totalmente com o enfrentamento das profundas desigualdades do país. Por isso, a Campanha é fundamental nessa disputa, somando várias iniciativas promovidas pela sociedade civil”. (José Antonio Moroni, coordenador do Inesc e integrante da coordenação nacional da Plataforma de Movimentos Sociais pela Reforma Política).

“Há uma profunda relação entre o aumento exponencial da violência policial e a adoção da política econômica de austeridade. Há um conjunto de medidas, que culmina na intervenção militar no Rio de Janeiro, que aponta para o fortalecimento de um Estado repressor, violento contra os pobres, que atua na contenção dos conflitos sociais decorrentes dos cortes sofridos pelas políticas e serviços sociais. No Rio de Janeiro, isso está explicito no aumento das mortes decorrentes da violência institucional, que tem como vítimas as comunidades pobres das favelas. Por meio da Campanha, temos que explicitar para população essa relação: economia de austeridade e violência institucional”. (Melisandra Trentin, integrante da coordenação da Justiça Global e da Campanha Caveirão não! Favelas pela vida e contra a intervenção).

 

ATENDIMENTO À IMPRENSA

Campanha Direitos Valem Mais, não aos Cortes Sociais:

Denise Eloy: (11) 3151-2333, ramais 160 e 129 e (11) 98547-3969

Paola Prandini: (11)99999-0602

Lizely Borges: (61)98270-5382

 

APOIO À MOBILIZAÇÃO

Júlia Dias:  (11) 99198-5668

Fabricio Bonecini: (61) 3327-2448 (Secretaria-Executiva da Plataforma DHESCA)

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