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Genocídio da juventude negra: como pensam os candidatos e candidatas à Presidência

Por Carmela Zigoni, assessora política do Inesc

O genocídio da juventude negra é um grave problema em nossa sociedade. Estima-se que anualmente são assassinados cerca de 28 mil jovens no país. Destes, 77% são negros (em torno de 20 mil/ano)[1]. A violência contra esta população não regrediu no período de crescimento econômico e pleno emprego experimentado poucos anos atrás, quando políticas de distribuição de renda, segurança alimentar e inserção nas universidades foram implementadas no Brasil, melhorando a vida das camadas mais pobres da sociedade.

Os movimentos sociais negros, antirracistas, de mulheres e de mães têm reivindicado o fim deste massacre, mas o Estado não tem dado conta de responder de forma efetiva. Longe de ser um problema pontual, o genocídio dos jovens negros é reflexo do racismo estrutural e institucional, coloca em xeque ideais de solidariedade e igualdade, e impacta o tipo de sociedade que estamos construindo para as próximas gerações. Como bem questionou Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, executada em março deste ano por defender os direitos humanos de jovens de favelas e policiais no Rio de Janeiro, “Quantos mais terão que morrer para que essa guerra acabe? ”.

Buscamos, assim, avaliar como as propostas das 13 candidaturas à Presidência da República abordam o tema do genocídio da juventude negra (ou extermínio, ou violência letal contra jovens negros), considerando principalmente a política de segurança pública, mas também políticas sociais que impactam as comunidades mais pobres. A análise também abordou a política de austeridade fiscal que resultou em uma mudança constitucional (EC95/Teto de Gastos) e impedirá o financiamento de muitas promessas de campanha, impactando os direitos da juventude negra.

Juventude, violência e racismo

Para começar, os planos de governo dos candidatos e candidatas à Presidência da República neste tema podem ser divididos em dois blocos: aqueles que reconhecem a existência do racismo no Brasil e aqueles que invisibilizam parcial ou completamente esta agenda. Os candidatos que nem mesmo mencionam que o racismo existe no Brasil são: Álvaro Dias (PODEMOS), Cabo Daciolo (PATRIOTA), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoedo (NOVO) e José Maria Eymael (PSDC) – os mesmos que também não falam em mulheres, quilombolas e indígenas (o plano de Bolsonaro menciona as mulheres uma única vez em um gráfico sobre índice de estupros no Brasil).

Os que reconhecem que os jovens negros são as maiores vítimas da violência no Brasil são: Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB), João Goulart Filho (PPL), Lula/Haddad (PT), Marina Silva (REDE) e Vera Lucia (PSTU); Geraldo Alckmin (PSDB) menciona a “violência racial” como algo a ser superado, mas não a relaciona com a juventude ou com segurança pública. Os únicos candidatos que utilizam o conceito ‘genocídio da juventude negra’ (ou “extermínio da juventude negra”), dialogando, portanto, com as pautas dos movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos humanos são Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia.

Segurança Pública

No que se refere à política de segurança pública, podemos observar planos que consideram a prevenção, repressão e punição; e aqueles que focam somente na repressão e punição. A integração das forças de segurança parece ser o único consenso entre os candidatos. Muitos deles assimilaram a necessidade de maior participação do Governo Federal nesta política, ainda que a responsabilidade seja dos Estados, na medida em que o problema é complexo e urgente, exigindo um esforço coletivo para soluções. O que difere é que alguns candidatos pensam em fazer reformas apenas em nível de forças policiais (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Jair Bolsonaro, João Amoedo e José Maria Eymael); outros acreditam que é preciso envolver a sociedade, ou seja, as organizações e movimentos sociais, as universidades e, principalmente, os moradores de comunidades pobres, grupo mais afetado pela violência (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, João Goulart Filho, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia).

Todas as propostas abordam a vigilância das fronteiras como parte da repressão ao tráfico de drogas: o Brasil é o principal país de passagem para drogas que são enviadas à Europa e África. Todos falam em combater as facções criminosas que comandam presídios, e alguns candidatos destacam a necessidade de monitorar as transações financeiras para identificar fluxos ilícios como forma de combate ao crime organizado: o tráfico de drogas é um mercado internacional que movimenta cerca de 320 bilhões de dólares ao ano. A maioria das propostas cita o investimento em inteligência, no entanto, diferem bastante na forma como usar as informações, se para criminalização de pobres e de movimentos sociais, ou para aperfeiçoar as investigações e reduzir a violência no sistema como um todo.

Os candidatos que defendem a superação do modelo de encarceramento de massa são: Guilherme Boulos, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia. João Goulart Filho propõe investir na ressocialização do apenado. Ciro Gomes e Cabo Daciolo denunciam a superlotação de unidades carcerárias de delegacias, e defendem a redistribuição de presos no sistema penitenciário. Henrique Meirelles propõe construir mais penitenciárias. João Amoedo sugere a celebração de parcerias público-privadas para gestão de presídios e retirada de direitos dos apenados, como indultos e saídas temporárias. Jair Bolsonaro promete “prender e deixar na cadeia”, assim como o fim da progressão de penas e saídas temporárias.

É importante registrar que muitas das propostas de reformas ou melhorias já estão previstas na Lei Nº 13.675 de 2018 que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), por meio do Plano Nacional de Segurança Pública, com participação da sociedade civil, por meio de conselhos, e implantação de um sistema de dados para monitoramento e incremento da inteligência. Marina Silva, por exemplo, propõe a criação de diversas medidas que já existem, além das anteriores, a Política Nacional de Alternativas Penais e um Programa de Apoio aos Egressos do Sistema Prisional – resta saber como serão realidade no contexto de corte de gastos sociais impostos pela EC95, medida que a candidata não se propõe a discutir.

Mudanças na legislação

O candidato que propõe a revisão do Estatuto do Desarmamento é Jair Bolsonaro, e os que se declaram totalmente contra a ampliação do porte de armas por civis são Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.  Marina Silva menciona o controle de armas, mas não se posiciona em relação à flexibilização. Jair Bolsonaro também é o único a defender a redução da maioridade penal para 16 anos. Os candidatos que declaram apoio ao fim dos Autos de Resistencia são Guilherme Boulos e Lula/Haddad. Sobre a descriminalização das drogas como forma de regulamentar o comércio e reduzir a violência e a corrupção decorrentes do tráfico, Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia se posicionam a favor de realizar este debate.

Prevenção à violência e promoção dos direitos da juventude negra

Com relação ao financiamento das políticas sociais como prevenção à violência, podemos dividir os planos entre aqueles que deixam claro que sem financiamento é impossível garantir políticas públicas (saúde, educação, assistência social, direitos de mulheres, etc.), sendo necessário trabalhar pela revogação da EC95/Teto de Gastos (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, João Goulart Filho, Lula/Haddad e Vera Lucia); e aqueles que prometem políticas sociais sem dizer de onde vão sair os recursos, propondo a redução de impostos e/ou privatização de serviços e empresas públicos (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoedo e Marina Silva).

As candidaturas que propõem ações de prevenção a partir do fortalecimento das expressões culturais da juventude negra e da cultura periférica, como slams, saraus, Hip Hop, etc., são as de Ciro Gomes e Guilherme Boulos; Lula/Haddad se referem ao “fortalecimento da cultura popular”; Marina Silva menciona “investimento em atividades culturais”; João Goulart Filho ressalta o fortalecimento de “produções culturais locais” e de “artistas independentes”. Os demais não veem a cultura como forma de prevenção da violência, combate ao racismo e promoção dos direitos da juventude negra.

Direitos humanos de policiais

Sabemos que os policiais que recebem menos e atuam na linha de frente também morrem, ainda que os números sejam muito menores do que as mortes de jovens. De acordo com o Observatório da Intervenção, as mortes de policiais aumentaram após a intervenção federal no Rio de Janeiro – assim como os registros de crimes como roubos de cargas –, demonstrando que aumento do efetivo e ostensividade não contribuem, necessariamente, com a diminuição da violência e o combate ao crime. As propostas que mencionam a valorização da profissão e melhoria nas condições de trabalho são as de Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.

Guilherme Boulos e Lula/Haddad são os únicos a propor a desmilitarização das polícias. Geraldo Alckimin, na direção oposta, sugere a criação de uma Guarda Nacional militar, uma espécie de PM Federal. Em 2014, uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública demonstrou que 77% dos policiais são a favor da desmilitarização.



[1] Fonte: https://anistia.org.br/imprensa/na-midia/exterminio-da-juventude-negra/

Análise das propostas de educação das candidaturas à Presidência da República

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc

As soluções encontradas pelos governos para enfrentar a crise econômica que aflige o país desde 2015 foram baseadas em medidas de austeridade que afetaram diversos serviços públicos essenciais.  Com a educação não foi diferente: este setor teve cortes de recursos severos, especialmente para o ensino superior e a pesquisa.

A situação de crise foi aprofundada com a aprovação da Emenda Constitucional Nº95, conhecida como “teto dos gastos”.  O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, por exemplo, está no quarto ano de vigência e sob sério risco de não ser cumprido. Apesar de prever a destinação de 10% do PIB para a educação até 2024, com a EC 95 andamos a passos de caranguejo, pois a previsão é de apenas 5,5% do PIB em dez anos.

O teto dos gastos inviabiliza ainda o atendimento ao Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais (PIDESC), do qual o Brasil é signatário desde 1992, que em seu artigo 2º diz que é necessário o máximo de recursos disponíveis para assegurar progressivamente os direitos reconhecidos no Pacto – o que não tem condições de acontecer sem orçamento para investimento social.

Com relação ao ensino superior, a situação é ainda mais grave. O orçamento das universidades caiu de R$ 13 bilhões em 2015 para R$ 5,9 bilhões em 2018. Os institutos federais, que em 2015 receberam recursos de R$7,9 bilhões, devem receber apenas 2,8 bilhões este ano. Visando a privatização, a grande mídia insiste em classificar como má gestão, o que na verdade é falta de recursos.

Diante desse cenário, esse texto pretende analisar os programas dos candidatos à Presidência pela lente dos direitos humanos, observando se as propostas apontam ou não para a garantia da qualidade do ensino, do acesso à educação infantil, do crescimento da oferta de vagas no ensino superior, do financiamento da pesquisa e extensão, da revisão das Bases Nacionais Comuns Curriculares e da Reforma do ensino médio.

O programa do candidato Lula

Diz que a educação terá prioridade estratégica e aponta como ações principais a formação de educadores, a reformulação do ensino médio e a expansão da educação em tempo integral. Promete, ainda, concretizar as metas do PNE, até mesmo criando o Sistema Nacional de Educação com negociação interfederativa, o que hoje é uma grande questão, visto que os municípios ficam com uma sobrecarga de atribuições diante de uma carga menor de arrecadação.

Financiamento

O plano diz que o governo vai ampliar o financiamento com vistas a cumprir os 10% do PIB previstos no PNE até 2024, além de implantar o CAQi (custo aluno qualidade inicial), que está inserido no PNE graças à mobilização do movimento social.  Além disso, indica institucionalizar o novo Fundeb, tornando-o permanente. Propõe, ainda, retomar os royalties do petróleo e Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

Outra importante medida proposta é repactuar a distribuição dos recursos arrecadados pela União, das folhas de pagamento, destinados ao sistema S. O retorno para a sociedade é ínfimo e com dificuldades de serem mensurados pela falta de transparência. Vejam o que está proposto:

O ensino técnico e profissionalizante será articulado com o ensino propedêutico, assegurando a possibilidade de acesso à educação universitária para todos os jovens que desejarem. O objetivo é destinar 70% dos recursos destinados à gratuidade, oriundos das Contribuições Sociais arrecadadas pela União para manutenção do SESI, SENAI, SESC, SENAC e SENAR, sejam direcionados à ampliação da oferta de ensino médio de qualidade. Além disso, haverá uma forte participação da União na oferta do Ensino Médio”.

Ademais, no âmbito do Ensino Médio Federal, propõe criar um programa de permanência para os jovens em situação de pobreza para combater a evasão e melhorar o rendimento escolar.

Pontos críticos

Toca em todos os pontos críticos, como contraposição ao avanço da escola sem-partido, por exemplo, registra que: “As ações de educação para as relações étnico-raciais e as políticas afirmativas e de valorização da diversidade serão fortalecidas; serão massificadas políticas de educação e cultura em Direitos Humanos, a partir de uma perspectiva não-sexista, não-racista e não-LGBTIfóbica.” No entanto, é importante pontuar que durante os governos petistas houve retrocesso em relação a iniciativas semelhantes, por aceitarem a pressão da bancada da bíblia, em nome da “governabilidade”. Cita as cotas e diz que irá reforça-las para a democratização do ensino superior.

Outros pontos relevantes, que diz respeito aos principais gargalos da educação: 1) Revisão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com participação social. Houve recente alteração na BNCC, mas com vários problemas e sem participação. 2) Valorização dos professores e professoras alfabetizadoras e fortalecimento do PIBID (programa de bolsa de iniciação científica voltado ao fortalecimento das licenciaturas e que está praticamente esquecido no atual governo). 3) Garantia do Piso Salarial Nacional para professoras, o que também não foi feito durante as últimas gestões. 4) fortalecer e ampliar as universidades e os institutos federais; revogar a reforma do ensino médio; e compartilhar as responsabilidades por esta etapa do ensino com os estados – medida esta que se for concretizada poderá mudar a realidade de abandono em que se encontra, há tempos, esta importante fase transitória entre a educação básica e o ensino superior.

O programa do candidato Ciro Gomes

Fala que investir em melhoria da qualidade da educação pública será uma das principais prioridades, dando como exemplo as escolas do Ceará, que estão entre as melhores, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Também propõe ampliar o número de anos de escolaridade, com a expansão do ensino em tempo integral a partir da segunda etapa do fundamental até o médio. Promete fazer da escola um ambiente criativo para combater a evasão escolar.

Diz ainda que “A política educacional vai reconhecer e valorizar o professor e os gestores escolares. As universidades públicas deverão, além de ampliar a oferta de vagas e prosseguir com as políticas de cotas, estreitar seus laços com as políticas e ações no campo da educação básica e ciência, tecnologia e inovação. Como objetivo geral, vamos caminhar na direção do alcance das metas de desenvolvimento sustentável da ONU no tocante à Educação e persistir na aplicação das metas estabelecidas no Plano Nacional da Educação (PNE).

Financiamento

Promete “eliminar o subfinanciamento das despesas com educação causado pela Emenda do Teto de Gastos”, mas não se compromete textualmente com a ampliação do financiamento da educação. Fala de reposição, mas não de ampliação dos recursos até 10% estipulados no PNE. Também não se refere ao Custo Aluno Qualidade.

Com relação ao Fundeb, o candidato fala de enviar ao Legislativo, até 2019, a sua reformulação com participação da sociedade, sem explicar se será uma proposta definitiva. Uma questão importante é que, de acordo com o plano, a União repassará 10% discricionários aos estados e municípios que aderirem às diretrizes propostas pelo MEC.

Uma maior parcela de financiamento por parte da União é muito bem-vinda, porém, o problema da proposta do candidato é centrar em “premiar estados e municípios” que seguirem as diretrizes, além de focalizar em resultados. É evidente a importância de um bom planejamento para alcançar resultados, contudo, a realidade da maior parte dos nossos municípios é de total falta de estrutura, pessoal e capacidade de gestão, que devem vir antes dos resultados traduzidos em notas.

Pontos críticos

Apesar de se comprometer em dar continuidade à política de cotas, não faz referência ao combate às discriminações de gênero, raça/etnia, LGBT nas escolas.

A revisão com participação social da BNCC também está proposta, além da preocupação com a formação de formadores, deixando registrado que criará um programa de formação docente com estágio, residência e mentoria. Propõe a continuidade de programas tais como Prouni, Fies, Enem, salientando que com aperfeiçoamentos. Também promete dar continuidade a todas as provas de avaliação nacionais, sem fazer críticas ao modelo vigente, que desconsidera as diferentes realidades brasileiras, especialmente no norte e nordeste.

O programa do candidato Geraldo Alckmim

É bem enxuto e carece de detalhes. Dá destaque para a primeira infância (creches e pré-escola), sem delinear as ações que pretende fazer.  O texto destinado ao tema da educação no programa se resume a:

Vamos dar prioridade à primeira infância. Promoveremos a integração de programas sociais, de saúde e educação, do período pré-natal até os seis anos de idade, para que nossas crianças possam ter, de fato, igualdade de oportunidades. Investiremos na educação básica de qualidade e teremos como meta crescer 50 pontos em 8 anos no PISA – o mais importante exame internacional de avaliação do ensino médio.  A revolução na educação básica requer um sério investimento na formação e qualificação dos professores. Vamos transformar a carreira do professor numa das mais prestigiadas e desejadas pelos nossos jovens. ”

Não cita em sua curta proposta o ensino superior, o que nos faz crer que não terá centralidade em seu governo, bem como EJA, alfabetização, etc. Deixa brechas até mesmo para inferirmos que só investirá em educação básica, apostando na privatização do ensino superior.

Financiamento e pontos críticos

Não faz menção a como pretende resolver o problema do subfinanciamento da educação, nem toca em pontos polêmicos, como  política de cotas, discussão de gênero nas escolas e combate às discriminações.

O programa da candidata Marina Silva

Diz que o primeiro compromisso é com o Plano Nacional de Educação (PNE) e com a implantação do Sistema Nacional de Educação em diálogo com estados e municípios. Fala na valorização dos professores e do respeito à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sem falar da necessidade de rever o processo de elaboração da atual versão, que não contou com participação. Com relação à reforma do ensino médio, diz rapidamente que é preciso “avaliá-lo criticamente”, pois muitas questões ali propostas não estão de acordo com a realidade de vários estados e municípios. No entanto, não fala em revogá-lo, mas sim em dar assistência para que não haja prejuízo aos estudantes.

Financiamento e pontos críticos

Com relação ao ensino superior, diz que continuará com a política de cotas, ampliação do acesso e aproximação com ciência e tecnologia, e diz que combaterá as desigualdades em todos os níveis da educação.

Não cita nada acerca de financiamento, ampliação do investimento ou mesmo revogação da EC 95, apesar de ter criticado a medida publicamente, citando como principais prejudicadas a saúde e educação. Suas propostas, assim como as do candidato Alckmim, são bastante genéricas.

O programa do candidato Jair Bolsonaro

Não apresenta nenhuma proposta de política pública concreta e resume a “solução” para o problema da educação em “mais matemática, português, ciências e menos doutrinação”.

Financiamento e pontos críticos

Não menciona o Plano Nacional de Educação e diz que é possível fazer muito mais com os atuais recursos. Fala em melhorar a alfabetização, atualizando métodos e “expurgando Paulo Freire”. Registra, ainda, que ensino à distância precisa ser considerado, especialmente nas áreas rurais de difícil acesso, sem mencionar que essas localidades carecem de equipamentos e internet com boa conexão para essa modalidade de ensino.

O candidato ainda sugere que o Brasil deve copiar as inovações de países como Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão, Taiwan.

O programa do candidato Cabo Daciolo

Inicia sua proposta dizendo que investirá 10% do PIB na educação e ressalta a evasão no ensino médio como um dos grandes problemas a ser enfrentado. Propõe ampliar o repasse de recursos para estados e municípios e tornar as escolas mais acessíveis.

Financiamento e pontos críticos

Com relação ao ensino superior, diz que ampliará o financiamento, que vem sendo reduzido, e ampliará a oferta de vagas. Diz que ampliará também o valor do piso do magistério para além do proposto atualmente.

O candidato não cita BNCC, PNE reforma do ensino médio ou mesmo a revogação da EC 95.

O programa do candidato João Amoedo

Apresenta suas propostas em forma de itens, sem detalhes, e prioriza educação básica para alocação de recursos. Propõe expansão de creches e pré-escolas; programa de bolsas em escolas particulares para alunos da educação pública; premiação de municípios na distribuição dos recursos do Fundeb; ampliação do ensino profissionalizante e busca de “recursos não estatais” para o ensino superior.

Financiamento e pontos críticos

O candidato baseia-se em princípios meritocráticos em todas as suas propostas, além de apostar na privatização do ensino, não apenas superior, mas também quando oferece sistema de bolsas em escolas particulares, em vez de investir nas escolas públicas. Não fala nada sobre PNE e BNCC ou mesmo financiamento público da educação. Além de atentar contra a gestão democrática quando anuncia gestão profissional nas escolas do país.

O programa do candidato Guilherme Boulos

Inicia sua proposta dizendo que revogará todas as medidas antidemocráticas do governo Temer, como a do teto dos gastos, BNCC, reforma do ensino médio e retomada do Fórum Nacional de Educação. Propõe a reedição da Conferência Nacional de Educação e constituição democratizada do Conselho de Educação.

Propõe também a revisão do regime de colaboração, onde municípios pequenos precisam arcar com muito; a criação do Sistema Nacional de Educação e a implantação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi); Fundeb permanente, tendo o CAQi como referência para o custo-aluno.

Vale destacar o trecho que fala sobre as bases curriculares: “Somos contra a padronização curricular, modelo que se presta aos interesses dos mercados editoriais, consolida e legitima as grandes avaliações e pouco considera as necessidades e diferenças da educação brasileira. Defendemos diretrizes curriculares nacionais que possam assegurar a toda a população brasileira o acesso ao conhecimento científico, tecnológico, artístico e cultural em perspectiva histórico-crítica, valorizando a pertinência das escolas e universidades com os seus contextos sócio históricos e com as condições de vida de seus estudantes”.

Financiamento e pontos críticos
Defende atender às metas do PNE, mas com verbas públicas para educação pública. Para isso, propõe uma transição para programas como FIES e PROUNI, com o objetivo de que os seus beneficiários migrem para a educação pública, sem desrespeitar os contratos que estiverem vigentes no momento. Além disso, defende a valorização do profissional de educação com base no tripé “salário, carreira, formação”. E utiliza o lema “educação não é mercadoria” para reforçar que a educação pública regulará a oferta de educação privada.

Defende todas as ações afirmativas, as quais salienta ser fruto de muita luta social, com garantia de dotação orçamentária para que se realizem. Promete “Aplicação e ampliação das políticas de cotas raciais e políticas de permanência nas universidades e nos concursos públicos. As cotas raciais são uma importante política de reparação em um país que conta, em sua história, com mais de 300 anos de escravidão e 130 anos de trabalho livre”.


Conclusão

Com base no que identificamos inicialmente como os principais gargalos da Educação, podemos dizer que as propostas dos candidatos Lula e Boulos são as mais eficientes, por se preocuparem com a redistribuição de recursos e competências entre os entes federados, reconhecerem a necessidade de maior financiamento, ampliação de vagas, democratização do acesso e condições de permanência.

Estes candidatos defenderam a manutenção das cotas e manifestaram preocupação com a discriminação e com propostas como a “escola sem partido”. Guilherme Boulos é mais radical ao defender recursos exclusivamente para educação pública, mas não diz como fará uma transição, migrando todo o público do FIES e PROUNI para a universidade pública em pouco tempo.

Ciro Gomes também detalha bem o seu programa, fala de ampliação do financiamento e respeito ao PNE, mas centra-se muito em ações meritocráticas, usando como exemplo as escolas de Sobral. Mesmo que o exemplo seja bom, estamos tratando com um território muito diverso. Marina não detalha propostas, faz apenas um texto com possíveis caminhos, ainda que mencione o Sistema Nacional de Educação e o respeito ao PNE. Cabo Daciolo também fala de respeitar a educação pública, mas não desenvolve propostas concretas.

Já os demais candidatos são excessivamente neoliberais ou até “delirantes”, como Bolsonaro. Não se comprometem com a educação pública, querem privatizar o ensino superior, além de estabelecerem critérios excessivamente meritocráticos.

E aí, para qual proposta daremos nosso voto?

Campanha #SóAcreditoVendo pede fim do sigilo fiscal dos gastos tributários

Todo ano, o Brasil perde cerca de R$ 250 bilhões* com gastos tributários que o governo federal concede para empresas, instituições ou pessoas físicas. Mas quem, exatamente, recebe esses incentivos? Eles são de fato benéficos para o conjunto da sociedade? Buscando respostas para essas questões, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou nesta sexta-feira (24) a campanha #SóAcreditoVendo, que pede transparência no processo de concessão de incentivos fiscais.

De acordo com o manifesto da campanha, a falta de transparência e monitoramento dos gastos tributários acaba “gerando alterações de mercado e criando privilégios que aumentam a injustiça do sistema tributário brasileiro”. Da maneira como está organizado hoje, nosso sistema está concentrado em tributos regressivos e indiretos, justamente os que oneram mais os trabalhadores e os pobres.

>>> Assine aqui o manifesto que será entregue ao STF e ao Senado Federal <<<

O argumento do governo é de que esses incentivos e benefícios – que equivalem a 4% do PIB – podem aumentar a oferta de emprego e o crescimento econômico do país. Mas o Inesc defende que a população precisa ‘ver para crer’: “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem”, explica Grazielle David, assessora política do Inesc.

Apoiam a campanha organizações como a Fian Brasil, o Ibase, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, a Internacional de Serviços Públicos (ISP) e a ACT – Promoção da Saúde.

O que diz a lei?

O nosso Código Tributário Nacional diz que o Estado não pode divulgar informações sobre a situação econômica e financeira dos contribuintes. O próprio Código prevê algumas exceções, porém os gastos tributários não estão entre elas.

A campanha #SóAcreditoVendo defende que os incentivos fiscais devem ser considerados como gasto público indireto e, como tal, enquadrados dentro das exceções do Código e também dentro dos princípios de publicidade do orçamento público.

Já existem precedentes: em 2015, o Superior Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor do acesso público a esses dados. O STF entende que o sigilo pode ser relativizado quando existir o interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. Também existem projetos de Lei em tramitação no legislativo que pedem o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários.

*Dados oficiais da Receita Federal. A estimativa do TCU, que trabalha com um conceito ampliado de gastos tributários, é de R$354,7 bilhões.

Conheça a campanha e assine o manifesto: www.soacreditovendo.org.br


Eleições 2018: novas candidaturas, velhos desafios

Por Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O perfil das candidatas e candidatos às Eleições 2018 apresenta alguma mudança em relação ao último pleito em 2014, mas os desafios às candidaturas de mulheres, negros, negras e indígenas continuam.

As mulheres ainda são minoria nas Eleições

Do total de 27.835 candidaturas para todos os cargos, 69% são de homens e apenas 31% de mulheres. Os partidos com maior quantidade de mulheres são o PMB (39,42%) e o PSTU (38,39%), e os que contam com menor número de mulheres são o PSL (28,29%), PPL (28,31%) e o DEM (28,38%).

No segmento juventude, a proporção de mulheres é maior: elas são 51% na faixa de 20 a 24 anos (242 candidatas) e 44% na faixa de 25 a 29 anos (435 candidatas). Os homens são maioria nas faixas de 65 a 69 anos, com 74% (913 candidatos) e 72% na faixa de 60 a 64 anos (1.671 candidatos).

Se considerarmos os candidatos entre 30 e 59 anos (21964 candidaturas), a média é a estipulada pelas cotas previstas na Lei 9.504/97: proporção de 70% homens para 30% mulheres, lembrando que a faixa de 40 a 54 anos concentra o maior número de candidaturas (13.021).

Com relação à proporção de mulheres por cargo concorrido, observa-se sua baixa presença, muito menos do que o mínimo de 30%, em cargos como governador (14,57%), presidente (15,38%) e senador (17,24%). Já para o Legislativo, a média se mantém nos 30% definidos pela Lei.

Mulheres negras e indígenas

Em relação aos números de 2014, cresceu em 70% o número de candidatas que se autodeclaram pretas: de 679 para 1.153. O aumento de candidatas pardas foi um pouco menor (23%): de 2.328 para 2.862, acompanhando o crescimento geral das candidaturas. Porém, ao olharmos para o universo das candidaturas, que também cresceu, em 22% (de 22.907 em 2014 para 27.835 em 2018), a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável: de 13% em 2014 para 14% em 2018. Considerando que as mulheres negras (pretas + pardas) representam 25% da população brasileira, o número de candidatas continua aquém da representatividade.

Das 13 candidaturas para a presidência da república, apenas duas candidatas registradas se declaram negras: Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, e Vera Lucia, do PSTU; além da candidatura indígena de Sonia Guajajara à vice-presidência pelo PSOL.

Considerando a autodeclaração a partir das categorias do IBGE quanto à raça/cor, do total de candidatas, 16% são brancas (4.417candidatas), 4% pretas (1.153), 10% pardas (2.862) e somente 0,24% amarelas (66) e 0,17% indígenas (47). Verificou-se leve aumento nas candidaturas de mulheres brancas, de 14% para 15% (em 2014 foram 3.512 candidatas). Houve pequena queda nas candidaturas de homens brancos, de 40% em 2014 para 37% em 2018.

Presença de negros e indígenas no pleito

Os candidatos autodeclarados indígenas aumentaram em 59% em relação ao pleito anterior, passando de 81 para 129 candidatos.

Se considerarmos negros a somatória de pretos e pardos, o total de candidaturas é de 46% – 14% de mulheres negras e 32% homens negros (destes, 7% se declararam pretos e 25% pardos) – um discreto crescimento em relação a 2014, quando as pessoas negras representaram 44% do total.

 

Os negros (pretos + pardos) representam mais de 51% das candidaturas nos partidos PATRI (51,72%), PCdoB (55,74%), PHS (53,12%), PMB (54,12%), PMN (51,67%), PRP (52,89%), PPL (53,18%), PSC (54,33%), PSOL (54,29%), PSTU (53,55%), PTC (54,79%), SOLIDARIEDADE (51,37%) e REDE (54,26%). O partido com menos representantes negros é o NOVO (14,49%). O MDB conta com 36,32%, de pretos e pardos, o PSDB 32,72% e o PT 49,32%.

No que se refere aos cargos, candidatos pretos, pardos e indígenas estão mais concentrados nas candidaturas para deputado estadual e federal, e os brancos são maioria para o Senado, governos e Presidência.

Com relação aos estados, somente Goiás não tem candidatos que se autodeclaram indígenas. O maior número de candidaturas neste grupo se encontra em Roraima (20), Amazonas (17) e Ceará (10). Os que se autodeclaram pretos estão mais presentes no Rio de Janeiro (558), São Paulo (400), Minas Gerais (258) e Bahia (251). Considerando pretos e pardos, os estados com maior número de candidaturas de negros e negras é o Rio de Janeiro, com 1.685 candidaturas, seguido de São Paulo, com 1.008.

Diversidade nas candidaturas

Além do aumento em números absolutos de mulheres negras e indígenas no pleito, outra mudança positiva foi o reconhecimento, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do nome social de pessoas trans. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), são 43 candidaturas de pessoas trans para os cargos de deputado estadual e federal, em 18 estados do Brasil.

Com relação às candidaturas quilombolas, ainda que as categorias do IBGE não contemplem este grupo populacional, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) informou que serão 6 candidaturas quilombolas, sendo 5 de mulheres: Piauí, Goiás e Sergipe (deputado estadual); Maranhão e Rio de Janeiro (para deputado federal), pelos partidos PT (2), PSOL (2) e PSB (1).

A necessária reforma do sistema político

Assim, ainda que possamos identificar candidaturas mais plurais do ponto de vista da diversidade étnico-racial e de gênero, novos(as) candidatos(as) enfrentarão um sistema eleitoral que continua jogando contra a democratização dos espaços de poder. Em 2014, por exemplo, das 30% candidatas mulheres, somente 10% foram eleitas para o Parlamento. Destas, menos de 4% eram negras (pretas e pardas). Elas enfrentam o machismo e o racismo nas campanhas, e também são as candidatas com menos recursos para divulgar suas propostas aos eleitores.

Em relação ao recorte de raça/cor, embora o balanço racial das candidaturas se aproxime um pouco mais do perfil da população brasileira, no voto a situação muda, pois o racismo e o machismo operam também na hora da escolha pelos eleitores e se concretiza em espaços de poder ocupados majoritariamente por brancos.

Como vimos, nem todos os partidos cumpriram a cota de 30% de mulheres no pleito. As candidatas são, em geral, mais jovens e disputam os cargos de deputada estadual e federal, havendo muito menos mulheres candidatas para ocupar o Senado, os governos estaduais e a Presidência. O mesmo ocorre ao considerarmos o perfil étnico-racial. Uma estratégia adotada pelos partidos para dialogar com as eleitoras parece ter sido garantir mulheres no lugar de vice ou suplente.

Vitória dos movimentos sociais, o fim do financiamento empresarial de campanhas é uma realidade, mas não veio acompanhada de mecanismos de financiamento público que equilibrem o jogo: candidatos com patrimônio e renda altos acabarão se beneficiando do novo modelo. Isso porque o fundo público criado usa os mesmos critérios de partilha que o fundo partidário e tempo de TV, favorecendo os grandes partidos. Outro desafio para a maioria das candidaturas, especialmente as novas, é dialogar com o eleitor que não vota em ninguém: a soma de abstenções, brancos e nulos representou cerca de 29% do eleitorado em 2014 e 32,5% em 2016. Iniciativas inovadoras têm surgido para enfrentar este cenário, como a plataforma Mulheres Negras Decidem e as candidaturas coletivas.

Em 2014, demonstramos como o Congresso Nacional eleito se assemelhava em muito às casas grandes do período colonial brasileiro: branco, masculino, proprietário; além de machista e comprometido com bancadas econômicas e religiosas. Assistimos à forma como, desde então, estes parlamentares têm atuado, compactuando com a violação de direitos de mulheres, juventude negra, LGBTI, indígenas e quilombolas, e também contra os trabalhadores e grupos mais pobres da sociedade. Neste sentido, podemos afirmar que sem uma reforma ampla e participativa do sistema político, pouco ou nada avançaremos em termos de representatividade, diversidade e superação das desigualdades no processo eleitoral brasileiro.

 

*Tratamento da base de dados realizado por: Nailah Veleci, Consultoria em Estatística.

Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias

Nos dias 14 e 15 de agosto, nossa assessora política, Cleo Manhas, participou do XII Seminário Prazer em Ler: Bibliotecas Comunitárias na Promoção do Direito Humano à Leitura, em São Paulo.

Inspirada pelos debates e trocas de experiências vivenciados nesses dias, ela escreveu um texto sobre o universo das bibliotecas comunitárias, as quais descreve como mosaicos: nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, mas que ao se juntarem, formam algo iluminador, com potencial transformador. Confira:

Uma ode aos Livros, à leitura, à literatura e às bibliotecas comunitárias

Por Cleo Manhas. assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Mosaico: a figura que vem à mente é uma peça de mosaico colorido, criado para reciclar o que aparentemente não teria outro destino a não ser o descarte e se transforma em obra de arte. O poder de criar vidas das cinzas. É desta forma que percebo as bibliotecas comunitárias. Pequenos núcleos incrustados em lugares onde um senhor chamado Estado não quer entrar, pois não quer combater uma injustiça conhecida por desigualdade.

Desde jovens desejamos salvar o mundo das intempéries criadas pela própria humanidade, com pensamentos grandiosos, projetos volumosos e poderosos. Com o passar do tempo e com mais experiência, vamos percebendo os mosaicos, nascidos de pequenos retalhos de pedras, madeiras, tecidos, fagulhas, enfim, que ao se juntarem formam algo iluminador, com potencial transformador. Assim são os inúmeros projetos espalhados pelos cantos das cidades e dos campos. Levando uma vida nova às pessoas, uma vida ampla, com a qual não ousavam sonhar e agora encontram nas páginas mágicas dos livros. E também nas vozes de mediadores e mediadoras de leitura, que conseguem traduzir letras em histórias, lapidando palavras para ampliar o mundo e transportar para além dos muros das aldeias.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, nos apresentou em seu livro acerca da “democratização da democracia”, ou “contra o desperdício da experiência”, que há em vários cantos revoluções silenciosas, que mudam o destino das pessoas, que fortalecem grupos e permitem que juntos sejam mais poderosos e anseiem por justiça. E essas experiências precisam ser sistematizadas, reaplicadas e perpetuadas. Precisam entrar para a história, aquela não contada nos livros tradicionais, ocupados com as nobrezas, os eternos mandatários, os patrimonialistas, os patriarcas – ontem de botas e guaiacas, hoje de terno e gravata.

Esses pequenos pontos de luz vão escrevendo e publicando as “outras” histórias, de resistência, luta e sobrevivência, na arte dos encontros periféricos, nos saraus que as fazem mais fortes porque juntas. Nos chamados Slams de poesia em diferentes periferias ou juntando todas elas para trocar energias para os novos rounds de uma luta cotidiana contra o racismo, o machismo, as desigualdades que marcam os corpos.

Onde meninos negros como Bruninho crescem e percebem que podem sonhar para além de serem atendentes das lojas dos shoppings centers, recebendo os “pleibas” do andar de cima, que os subjugam todos os dias. Que percebem que não precisam alisar os cabelos para ficar com franjas “de emo”, pois os seus cabelos crespos constituem, também, suas identidades e os fortalecem para a batalha diária de se manterem vivos, pois o capitalismo mata um menino negro a cada 6 minutos.

Onde meninas tomam microfones em suas mãos, a princípio com nervosismo – afinal foram criadas ouvindo e sentindo que não são do espaço público – e relatam vivências, desenvolvem sororidade com as “manas”, transformam-se em seres do espaço público para lutar contra o patriarcado. Revolução cotidiana que acontece todos os dias em vários cantos, com ou sem mediação, mas sempre com pessoas autônomas, soberanas, que sabem que precisam fortalecer suas identidades periféricas para tomar as cidades, para mostrarem as caras e lutar por direitos, cada vez mais raros. Pessoas raras! Luz Ribeiro diz em sua poesia, “Não me vista de culpa, já sei me cobrir de alegria”. Ou Mel Duarte, que mostra a cara dizendo “(…) sou filha da luta, da puta, a mesma que aduba esse solo fértil, a mesma que te pariu!

Experiência que tem urgência de escrita para multiplicação, espaços poderosos de soberania sem senhores, ao contrário, facilitam a autonomia, mudam vidas, multiplicam ativistas. Aprendi só agora que biblioteca não é espaço intocável, de silêncio e solidão, mas de encontros, trocas, festas, teatros, músicas, leituras coletivas de construção de mosaicos. Vida longa às bibliotecas comunitárias, contra o desperdício da experiência, pelo compartilhamento desse saber coletivo.

>>> Leia também “Orçamento público para promover o direito humano à leitura”

>>> Saiba mais sobre o universo das bibliotecas comunitárias

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Especialista da ONU: “Economia e direitos humanos não podem estar separados”

O especialista independente da ONU sobre dívida externa, finanças públicas e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, foi o palestrante principal, no último dia 9, em São Paulo, do seminário “Impactos de medidas de austeridade em direitos humanos”.

Promovido pelo Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, contou com a participação de movimentos sociais, conselhos nacionais de políticas e organizações da sociedade civil, entre elas o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O encontro aconteceu em um contexto de corte de gastos, por parte do governo, em áreas fundamentais para a sociedade, como saúde e educação. Para o especialista, “economia e direitos humanos não podem estar separados”.  Ele elencou algumas consequências das crises econômicas, agravadas pelas políticas de austeridade adotadas recentemente em países como o Brasil: “aumento dos suicídios em alguns países, exclusão de pessoas da saúde pública, e erosão dos sistemas de saúde pública”.

Assista ao vídeo com a íntegra do seminário:

Em maio deste ano, Bohoslavsky fez parte do grupo de sete especialistas que enviou um comunicado interno ao governo federal recomendando que o Brasil reconsidere seu programa de austeridade econômica e coloque os direitos humanos da população no centro de suas políticas econômicas. O documento utilizou como uma das fontes, o Informe “Direitos humanos em tempos de austeridade”, produzido pelo Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR, na sigla em inglês), sobre os efeitos negativos do “teto dos gastos” no Brasil.

Versão ampliada

Uma versão ampliada desse estudo foi lançada nesta semana, com um aprofundamento da avaliação dos impactos da austeridade sob a lente dos princípios internacionais de direitos humanos.

>>> Baixe aqui o estudo Monitoramento dos Direitos Humanos em tempos de austeridade no Brasil

“Neste estudo, analisamos, por meio dos cinco pilares da Metodologia Orçamento & Direitos do Inesc e da Metodologia OPERA do CESR, como os cortes orçamentários nas políticas para as mulheres, no programa de aquisição de alimentos – PAA e no Programa Farmácia Popular afetaram os direitos das mulheres, de alimentação saudável e de acesso a medicamentos” explicou Grazielle David, assessora política do Inesc.

De acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em momentos de adoção de medidas de consolidação fiscal existem princípios de direitos humanos que devem ser observados. Segundo esses princípios, as medidas devem ser: temporais, necessárias e proporcionais, não discriminatórias e garantidoras do conteúdo mínimo dos direitos.

“Ao final do documento, consideramos essencial revogar a EC-95 do ‘Teto dos Gastos’, uma vez que ela não atende a nenhum desses critérios, o que já coloca o Brasil numa situação de descumprimento de relatórios da ONU e de tratados dos quais é signatário” conclui Grazielle.

Orçamento público para promover o direito humano à leitura

Representantes dos coletivos que integram a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) estiveram reunidos, entre os dias 6 e 8 de agosto, em encontro promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em Brasília.

A reunião encerrou um ciclo de formações locais sobre orçamento público e direitos humanos e Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Mrosc) que ocorreu entre 2017 e início de 2018. Neste período, a equipe do Inesc percorreu oito cidades realizando as oficinas junto às redes locais: Rio de Janeiro, Fortaleza, Nova Iguaçu, São Paulo, Olinda, São Luís, Belo Horizonte e Salvador.

Posteriormente, foi realizado um processo de tutoria à distância, que auxiliou no aprofundamento de conteúdos e acompanhamento da incidência política das redes de bibliotecas comunitárias nos Planos Plurianuais locais e nos projetos de Leis Orçamentárias.

De acordo com as educadoras e educadores do Inesc, todo o processo formativo evidenciou a necessidade de uma construção participativa e efetiva de Planos Municipais e Estaduais de Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB) e a sua inclusão nas leis e projetos que determinam o orçamento público de cada cidade.

Para Cristine Lima, da Rede LiteraSampa,  as formações do Inesc  ajudaram a construção da incidência política nos municípios. “Nos deu e tem dado ferramentas para entender o ciclo orçamentário e conseguir incidir nele pela perspectiva dos direitos humanos, entendendo que a sociedade civil pode e deve participar dessa disputa do orçamento na garantia de direitos, no nossa caso, o direito humanos à literatura”. Assista ao depoimento da Cristiane:

Celina Santos, da Baixada Literária (RJ) conta como a formação em orçamento e Mrosc tem ajudado a Rede a lutar para que o Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura seja efetivado como uma política pública que possa ajudar o município a crescer. Confira:

Já Ladailza Teles, da Rede de Bibliotecas Comunitárias de Salvador, contou que a Rede tem buscado discutir com o poder público a importância de garantir recursos para livros, leitura e bibliotecas. “Temos tentando envolver outros atores sociais, porque é uma política pública importante para toda a cidade”, afirmou.

Metodologia Orçamento & Direitos

As formações utilizaram a metodologia Orçamento & Direitos, desenvolvida pelo Inesc, que analisa o orçamento público, tanto as receitas como as despesas, pela lente dos direitos humanos. Durante o encontro, os participantes receberam a cartilha com a sistematização da desta metodologia, traduzida em uma linguagem de educação popular, voltada a educandos/as e multiplicadores/as.  Stephano Santana, da Rede Releitura (PE), explica como o material elaborado pelo Inesc pode ajudar ainda mais nos processos formativos e de incidência:

>>> Baixe aqui a metodologia Orçamento & Direitos

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Ações do documento

“Chegamos ao menor nível de investimento público no país em 50 anos”

Por Antonio Martins, do Outras Palavras, especialmente para o Outra Saúde

Quando ainda era uma proposta tramitando, ela ficou conhecida como PEC do Fim do Mundo. Afinal, é difícil imaginar alguma sustentabilidade na ideia de passar 20 anos com as despesas primárias praticamente congeladas, corrigidas apenas pela inflação. É pior ainda quando se pensa em uma área como a saúde, que tem como agravante o fato de que a população cresce e envelhece, demandando mais serviços.

Mas as preocupações e protestos não surtiram efeito, e a proposta passou feito relâmpago no Congresso: foi apresentada à Câmara em junho de 2016 e, no fim daquele mesmo ano, o texto foi promulgado como Emenda 95, também chamada de Emenda do teto dos gastos.

De lá para cá, o que já a saúde já sentiu? Por que a revogação dessa Emenda é tão importante? Durante o 12ª Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), no Rio, conversamos sobre isso com Grazielle David, que é especialista em orçamento público e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Na entrevista, concedida ao jornalista Antonio Martins (do Outras Palavras), ela foi além:  explicou, de modo bem didático, por que as leis que regem a política fiscal no Brasil hoje se chocam — e como, neste choque, o governo optou por desrespeitar a regra de ouro.

Quais são os efeitos da Emenda 95 já sentidos sobre as políticas públicas e, em especial, sobre a saúde?

Temos observado no Abrascão que os espaços que discutem a austeridade e a Emenda Constitucional 95 e seus efeitos para a saúde têm sido os mais cheios, o que mostra como esse é um tema central. Como as pessoas querem entender como as políticas econômicas e o orçamento público impactam as políticas públicas e a oferta dos serviços.

A gente não imaginava que os efeitos mais perversos viriam de uma forma tão rápida.

Quando a Emenda 95 ainda era um projeto de emenda constitucional, uma série de estudos foram realizados. Alguns projetaram o que teria acontecido se ela tivesse sido adotada há 10 anos, e observamos nesses estudos que, se pegássemos a porcentagem do PIB que estava sendo investido em saúde, teria caído muito. Outros fizeram projeções para o futuro e mostraram como, ao longo dos anos, o investimento em diversas políticas públicas vai cair, inclusive em saúde e educação.

Mas a gente não imaginava que os efeitos mais perversos viriam de uma forma tão rápida. Estou falando, por exemplo, do aumento da mortalidade infantil. Esse é um indicador extremamente sensível. A gente chama de indicador-sentinela, porque, quando alguma coisa se altera, imediatamente temos mudanças nesse tipo de indicador. É grave que no Brasil, depois de um longo período em que vínhamos diminuindo a mortalidade infantil, pela primeira vez tenhamos aumentado essa taxa, nesse momento de recortes orçamentários, de EC 95, e austeridade. E os grupos mais vulneráveis, recém-nascidos e crianças, sendo os primeiros afetados pela diminuição doa investimentos públicos e do orçamento da saúde.

E os cortes são feitos justo nas políticas mais essenciais. Só do ano passado para agora, se olharmos qual subfunção orçamentária está sendo mais afetada, a primeira que vemos algum corte orçamentário é a da Vigilância Sanitária. Tem gente que acha que não usa o SUS, mas vigilância sanitária é algo que todo mundo usa  — tem várias coisas que todo mundo usa, como vacina, ou transplante quando precisa, etc. E vigilância sanitária todo mundo usa o tempo todo. Se você vai num restaurante, se vai à padaria todos os dias, numa farmácia, todos aqueles estabelecimentos são monitorados pela vigilância sanitária. Se tem um recorte orçamentário, pode ter certeza que no seu dia a dia você está sendo afetado na capacidade de monitoramento.

Outro corte orçamentário muito importante, tanto na saúde como no orçamento geral, é o corte nos investimentos. E isso é uma situação dramática que tem a ver com a lei orçamentária do ano que vem, para 2019.

Por que isso é muito sério? Países que têm grande crescimento econômico promovem grandes investimentos públicos. Olha que cenário preocupante: a gente precisa pagar a dívida, e diz-se que a Emenda 95 foi adotada para pagar a dívida. Mas a melhor forma de pagar a dívida é tendo crescimento. Se você cresce, consegue pagar a dívida. Porém, a gente diminui o investimento público, inviabiliza o crescimento e só vai aumentando a dívida.

E quando se diminui o investimento, isso tem duas consequências. Uma delas é prática: chegamos ao menor nível de investimento público no país em 50 anos. A gente não só não está investindo em nada novo como também não estamos conseguindo fazer a manutenção da estrutura. É como se já estivéssemos em um cenário de desinvestimento.

Um exemplo são as Casas da Mulher Brasileira. Nos últimos anos construímos várias casas para atender mulheres em situação de violência. Elas estão montadas, prontas e equipadas, mas, por falta de dinheiro para fazer manutenção ou comprar um equipamento que esteja faltando, elas não vão ser abertas. E isso em um momento em que a violência contra a mulher está aumentando. É muito comum em momentos de austeridade, como o que estamos vivendo, a violência contra a mulher aumentar. Porque aumenta o desemprego, aumenta o uso de bebidas, por exemplo. E, enquanto aumenta essa violência, estamos diminuindo os serviços especializados e fechando as portas dessas casas. Isso pode ter outros efeitos, na medida em que sofrem violência, às vezes tem uma criança, eles vão para a rua, ou adoecem, e vão buscar o SUS. Só que o SUS está sem investimento… Olha a série de problemas que vamos gerando e as consequências que vamos causando.

Além da vigilância sanitária, também tivemos queda importante em vigilância epidemiológica, o que é muito preocupante no Brasil. E acabamos de passar por um surto de zika, sempre vivemos epidemias de dengue, por exemplo, então é preocupante o corte nessas ações específicas.

Com relação ao investimento, além desse efeito prático, existe também o efeito orçamentário. e tem algo que chama muito a atenção no orçamento do ano que vem.

Temos três leis orçamentárias: o PPA ]Plano Plurianual], a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e a LOA [Lei Orçamentária Anual]. E a LDO para o ano que vem, que acabou de ser aprovada, tem um artigo específico que a torna inconstitucional. Temos defendido isso porque o Brasil hoje está com tantas leis regulando sua política fiscal que elas hoje se chocam, não são mais compatíveis entre si. Você tem que escolher respeitar uma ou a outra. E aconteceu exatamente isso no orçamento para 2019.

Essa explicação é de enorme importância. Você publicou um artigo há poucos dias no site do Inesc, que foi republicado pelo Outras Palavras, explicando que, por um lado a Emenda 95 diminui muito todos os recursos exceto os que são para pagamentos de juros. Como os recursos – tanto de custeio dos serviços públicos, como de investimento – são no seu conjunto comprimidos, e como algumas despesas são obrigatórios, o mais prejudicado é o investimento. Porém, os investimentos também incidem na capacidade de endividamento. Então, além de não poder gastar o que se arrecada, também não de pode tomar emprestado?

Sim, é isso. Essa é a grande incompatibilidade. Temos por um lado o teto dos gastos, que é a EC 95 e, por outro, a chamada ‘regra de ouro’ da Constituição. Ela diz que o Estado não pode se endividar para pagar despesas correntes, que são as despesas mais comuns do dia a dia; apenas para fazer investimentos. Só que, com o teto, o principal corte foi nos investimentos, porque eles são despesas são discricionárias, e não obrigatórias, então o governo vai lá e corta primeiro. Se não faço investimentos, não posso tomar novas dívidas. Mas, se já estou com déficit e não posso tomar novas dívidas, como faço para pagar as despesas correntes obrigatórias?

O governo se encontrou em uma sinuca de bico ali. Falou: ‘E agora? Ou eu não respeito o teto dos gastos ou não respeito a regra de ouro. Como hoje quem manda, apesar desse conflito, é o teto dos gastos, então o governo tomou a decisão de desrespeitar a regra de ouro da Constituição.

Para algumas pessoas vale a lei e, para outras, não vale. Para alguns governos, valem as leis orçamentárias e as leis fiscais e, para outros, não vale. Então, que estabilidade jurídica e que respeito à Constituição são esses que nós temos?

Uma coisa importante: não é que, em situações de muita necessidade, o governo não possa tomar uma dívida para pagar despesas correntes. A regra não é 100% boa. Por exemplo, a saúde é despesa corrente? Sim. Mas posso considerá-la como investimento? Posso. Afinal, a cada R$ 1 aplicado em saúde, tenho um retorno no PIB de R$ 1,85. Então a regra de ouro poderia ser revista para pensar despesas correntes que na verdade são investimentos? Poderia. Mas ela também tem um papel importante de garantir justiça geracional. De não permitir que nossa geração se endivide a tal ponto de que comprometa as gerações futuras.

Podemos repensar essa lei? Podemos. Mas não podemos desrespeitá-la antes de ela ter sido alterada. Essa é a questão. Essa é a instabilidade jurídica que estamos vivendo, que se reproduz nas leis orçamentárias e que é preocupante.

Por exemplo, para algumas coisas vale a lei e, para outras, não vale. Para algumas pessoas vale a lei e, para outras, não vale. Para alguns governos, valem as leis orçamentárias e as leis fiscais e, para outros, não vale. Então, que estabilidade jurídica e que respeito à Constituição são esses que nós temos?

O que você está dizendo é que vivemos uma ‘hiperpedalada fiscal’ neste momento? Aquilo que foi usado como argumento para afastar Dilma Rousseff agora está sendo praticado em uma escala muito maior – certamente com um conluio com o Congresso Nacional, que deve ter cobrado muito caro para aprovar esta lei, e em especial com a mídia, que se cada diante dessa megapedalada?

Sim, podemos chamar de pedalada fiscal. O governo poderia fazer o seguinte, que a Constituição prevê: aprovar uma lei com equilíbrio orçamentário e respeitando as duas regras em vigor hoje, tanto a do teto dos gastos quanto a regra de ouro. Depois, ao longo de 2019, poderia abrir um crédito alegando estar com pouca capacidade financeira para pagar as despesas. Então seria feita uma lei específica, votada no Congresso. Mas não: ele escolheu aprovar agora, por iniciativa do executivo e aprovada pelo legislativo, sim, uma LDO, em que  já nesse momento prevê que vai abrir crédito adicional e emitir dívidas para pagar despesas correntes.

Está claramente atentando contra uma regra constitucional. É uma superpedalada, registrada em uma lei orçamentária, sem que ninguém levante isso de forma mais séria. Sem que isso seja levado ao STF, sem que se questione essa forma de se fazer as coisas.

Essa questão, muito mais do que orçamentária, é democrática e também uma questão do judiciário. Estamos ignorando a forma como as leis estão em conflito, e nada se faz a respeito.

Além do exemplo que você deu, das casas da mulher, estamos vendo outras políticas em processo de desmonte. A contratação de equipes de saúde da família, a manutenção das unidades de educação básica, situações em que o prefeito de uma cidade sugere a determinados grupos religiosos que procurem determinada pessoa para fular filas para procedimentos… Isso para não falar nas obras de despoluição dos rios e de saneamento que vão sendo paralisadas. Tudo isso pode ser, de alguma forma, relacionado à Emenda 95?

Sim, apesar de esta não ser uma relação tão óbvia de início.

O teto dos gastos trabalha com uma lógica de valor pago e restos a pagar pagos. Quando olho uma política pública, tenho que considerar  no teto dos gastos o pago e o resto a pagar. Mas a lei da saúde, 141/2002, fala que o valor mínimo a ser aplicado em saúde considera a despesa empenhada. E são fases distintas da execução orçamentária [valor empenhado, valor pago e restos a pagar]. Normalmente o valor empenhado é muito maior do que o valor de pagos e restos a pagar.

São bilhões de restos a pagar – um cheque voador para ser pago não sabemos quando, e que vai se acumular.

Veja: o teto considera o valor pago e de restos a pagar para projetar o valor para os próximos anos, acrescido somente da inflação. Mas a lei da saúde considera o valor empenhado. Na prática, quer dizer que o governo diz estar aplicando o mínimo em saúde, mas na realidade o que está chegando lá na ponta, para executar todos esses serviços que estão sendo fechados, é muito menos, ou seja, o valor de pago e de resto a pagar. O que conta para as pessoas e para os municípios é o dinheiro que está chegando, que são o pago e o resto a pagar. Se avalio pelo empenhado, estou desconsiderando que muita coisa vai para ‘restos a pagar’, para outros anos.

Esse valor é empurrado. Aí fica falando que o valor da saúde não está sendo impactado, que o valor mínimo está sendo garantido, mas porque está olhando o empenhado. Mas se olho o resto a pagar e o pago, vejo que não está cumprindo. Tanto é verdade que 2017 foi um dos anos em que o Ministério da Saúde mais colocou dinheiro em restos a pagar. São bilhões de restos a pagar – um cheque voador para ser pago não sabemos quando, e que vai se acumular.

Essa é uma das principais táticas do momento: vamos colocando tudo em restos a pagar, a gente fala que está cumprindo o mínimo, mas não se cumpre. Não chega a política pública na ponta, não se garantem os serviços, as pessoas vão perdendo a assistência.

Especialistas da ONU denunciam efeitos da austeridade no Brasil e pedem que ‘teto dos gastos’ seja reconsiderado

Sete especialistas independentes da ONU* enviaram um comunicado interno ao governo federal recomendando que o Brasil reconsidere seu programa de austeridade econômica e coloque os direitos humanos da população, “que tem sofrido severas consequências”, no centro de suas políticas econômicas.

O documento de 18 páginas foi enviado em maio deste ano e só agora tornado público, após resposta do governo, considerada insatisfatória.  Além das recomendações, traz um diagnóstico da situação dos direitos humanos no Brasil, com base em relatórios e estudos, entre eles o “Direitos humanos em tempos de austeridade”, produzido pelo Inesc, em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR, na sigla em inglês), sobre os efeitos negativos do “teto dos gastos” no Brasil.

A Emenda Constitucional n° 95, também conhecida como do “Teto dos Gastos”, que limita os gastos públicos nos próximos 20 anos, “não deixa qualquer esperança de melhoras no curto prazo. Esse fato torna ainda mais necessária a revisão das políticas econômicas pela lente dos direitos humanos”, constataram os especialistas, em comunicado divulgado à imprensa nesta sexta-feira (03).

Entre os diversos pontos levantados no estudo do Inesc, CESR e Oxfam Brasil e destacados no comunicado dos especialistas da ONU, está que os déficits fiscais no Brasil não têm como causa principal um gasto social excessivo. “Pelo contrário, uma série de medidas pelo lado da receita pública poderia ser adotada, como taxar na média global os lucros e dividendos, que no Brasil não são taxados, combater a evasão fiscal e realizar uma reforma tributária progressiva”, explicou a assessora política do Inesc, Grazielle David.

O comunicado também destaca as análises sobre os efeitos dos cortes orçamentários em políticas públicas específicas, como políticas para mulheres e combate à violência; segurança alimentar e nutricional, saúde, habitação, educação e saneamento.

Os especialistas ressaltam ainda que medidas de austeridade deveriam apenas ser adotadas depois de uma análise cuidadosa de seus impactos, particularmente na medida em que afetam os indivíduos e grupos mais desassistidos. “O Brasil já está violando princípios internacionais de direitos humanos com a Emenda Constitucional 95, pois ela não é temporária, não considerou as alternativas menos danosas ao social, nem garantiu envolvimento dos mais afetados na tomada de decisão”, reforça a assessora do Inesc, Grazielle David.

No início do ano, o governo brasileiro suspendeu a visita oficial de um dos especialistas, Juan Pablo Bohoslavsky, que ocorreria entre os dias 18 e 30 de março. Ele faria um exame do impacto das medidas de austeridade implementadas pelo governo nas áreas sociais, de educação e de saúde. Na ocasião, 50 organizações, entre elas o Inesc, repudiaram a decisão e exigiram que o governo garantisse a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível – o que não aconteceu até o momento.

*Assinaram o comunicado os especialistas independentes da ONU: Sr. Juan Pablo Bohoslavsky (Argentina), Expert independente em dívida externa e direitos humanos; Sr. Léo Heller (Brasil), Relator Especial sobre os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário; Sra. Ivana Radačić (Croácia), Presidenta do Grupo de Trabalho na questão da discriminação contra a mulher na lei e na prática, Sra. Hilal Elver (Turquia), Relatora Especial para o direito humano à alimentação, Sra. Leilani Farha (Canadá), Relatora Especial para o direito humano à habitação adequada, Sr. Dainius Pūras (Lituânia), Relator Especial para o direito humano à saúde física e mental; Sra. Koumbou Boly Barry(Burquina Fasso), Relatora Especial para o direito humano à educação.

Com informações da ONU News

Como enfrentar os desmontes? Mais Direitos, Mais Democracia!

Para abrir horizontes, descobrir caminhos e traçar estratégias coletivas, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política convida toda a sociedade para participar da Roda de Conversa que acontecerá nos dias 8 e 9 de agosto, no Rio de Janeiro, tendo como tema central a luta pela democracia para a reconquista de direitos.

A proposta da Plataforma consiste em três momentos diferentes. Os dois primeiros acontecerão no dia 8 de agosto, na parte da tarde, e terão por objetivo a discussão e diálogo das diversas iniciativas já em curso e que se localizam no enfrentamento aos desmontes patrocinados pelo governo Temer.

Já no dia 9 de agosto, durante todo o dia, a reunião terá como objetivo fortalecer a luta pela democracia como estratégia de resistência ao cenário posto.

Para José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc),  “a proposta da Plataforma para esse encontro é reforçar os diálogos e a construção coletiva entre as iniciativas populares que denunciam e promovem estratégias de enfrentamento à retirada de direitos promovido pelo governo Temer, colocando o debate sobre o fortalecimento da democracia como eixo central”.

O encontro terá a participação da AMB, ABONG, Plataforma Dhesca, CUT Nacional, VAMOS, Brasil Popular, Outras Palavras, Le Monde Diplomatique, Observatório da Intervenção entre outros,

Confira a programação:

8 de agosto

14h às 18h:Dialogo da plataforma com as diferentes estratégias de enfrentamento/resistência –  das 14 às 18 hs.

18:30 às 21h: “Debate aberto com as várias iniciativas populares”

Local:

Fórum de Ciencia e Tecnologia – UFRJ
Av. Rui Barbosa, 762
Térreo
Flamengo RJ

09 de agosto
9h às 17h: Reunião Aberta da Plataforma: “Estratégias pra seguir na luta pela democracia”

Local:

Hotel Golden Park Hotel
Rua do Russel, 374,
Glória RJ

Fonte: site da Plataforma pela Reforma do Sistema Político

Mais Informações: Carol Westrup – (79) 9981-7149

Encontro nacional do MobCidades discutiu transporte como direito social

Reunidos em Brasília, entre os dias 20 e 22 de julho, representantes de 50 organizações participaram do Encontro Nacional de planejamento do projeto MobCidades – Mobilidade, Orçamento e Direitos, iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que visa fortalecer e fomentar a participação popular na gestão da mobilidade urbana, com foco na garantia do direito à cidade e ao transporte.

A partir das discussões sobre os eixos temáticos “Mobilidade e gênero”, “Transporte como direito social” e “Orçamento temático da mobilidade”, as organizações planejaram atividades formativas, de incidência, de comunicação e de monitoramento de políticas públicas de mobilidade urbana nos municípios contemplados pelo projeto.

O encontro contou ainda com um bate-papo sobre transporte público e mobilidade urbana com a presença da cientista social e vereadora de Belo Horizonte, Áurea Carolina e o professor de Planejamento Urbano da UnB, Benny Schvarsberg.

Foto: Fabio Silva

Transporte como direito social
Pela Constituição Federal, o Estado tem a obrigação de oferecer transporte para a população assim como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Transporte foi inserido nessa lista apenas em 2015, depois de muita mobilização social. A partir daí, abriu-se o caminho para destinação de recursos e elaboração de políticas públicas para o setor.

Mas, em três anos, o que foi de fato implementado? Qual o caminho para sua regulamentação efetiva? Para Cleo Manhas, assessora política do Inesc, os caminhos são vários, mas o principal é a mobilização dos movimentos sociais e ativistas, “mostrando que não há direito à cidade sem que a gente tenha transporte público de fato para todas as pessoas”, defendeu.

“Além disso, é necessário um enfrentamento e uma incidência junto ao Congresso Nacional para que esse dispositivo da Constituição seja regulamentado, com fundo fixo de formas de financiamento que não sejam tarifárias”, afirmou. Pensando nisso, os participantes do encontro definiram ações de incidência para o próximo período, inclusive o período eleitoral, visando os projetos de lei orçamentária anuais dos municípios e também a lei orçamentária nacional.

O MobCidades é financiado pela União Europeia e contempla dez organizações integrantes da Rede Cidades – por territórios justos, democráticos e sustentáveis nos municípios de Belo Horizonte, Brasília (DF), Ilhabela (SP), Ilhéus (BA), João Pessoa (PB), Piracicaba (SP), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), São Luís (MA) e São Paulo (SP).

>>> Confira a galeria de fotos do encontro na página do Facebook do MobCidades

Brasil está na contramão do desenvolvimento sustentável

De Nova Iorque, onde participa dos eventos paralelos do Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, a integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Iara Pietricovsky, concedeu entrevista ao programa Cidades Sustentáveis, da Rádio CBN, no último domingo (15/7).

Iara falou sobre o Relatório Luz 2018, lançado na semana passada pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GTSC A2030), do qual o Inesc participa. Segundo ela, o documento mostra que o país andou para trás em todos os níveis e em todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) analisados. “O Brasil está entre os países com maior índice de desigualdade do mundo. Estamos voltando para o mapa da fome, como já foi anunciado no relatório passado”, lembrou.

Para Iara, a desigualdade, que no Brasil é multidimensional, está sendo aprofundada com as decisões tomadas pelo governo para impedir o gasto público – cuja medida-símbolo é a Emenda Constitucional 95, conhecida como “teto dos gastos”.

“A política que está sendo executada no Brasil vai de encontro ao sentido de universalidade dos ODS. Com todas as capacidades que o Brasil tem, culturalmente, politicamente, economicamente, a gente poderia estar construindo uma sociedade saudável, sustentável, politicamente respeitosa, com menos violência. Mas estamos no caminho reverso”, constatou.

>>> Ouça o áudio da entrevista aqui

>>> Acesse a íntegra do Relatório Luz 2018

Para manter ‘teto dos gastos’, governo burla Constituição na LDO 2019

Por Grazielle David, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

O excesso e desalinhamento das regras fiscais, como a regra de ouro, a lei de responsabilidade fiscal, o tripé macroeconômico e o teto dos gastos, colocaram o país numa situação em que é impossível obedecer a todas simultaneamente, tanto na elaboração quanto na execução do orçamento. No momento, o teto dos gastos tem dominado o cenário fiscal.

A política do ‘teto dos gastos’ foi adotada em dezembro de 2016 por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 95. Ela prevê que, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público ficarão limitadas à variação inflacionária. Isso quer dizer que, no período, não ocorrerá crescimento real das despesas primárias, que são agrupadas em duas grandes categorias, as despesas de custeio (com serviços públicos) e as despesas com investimentos. A EC 95 não só congela, mas de fato reduz os gastos sociais em porcentagem per capita (por pessoa) e em relação ao PIB, à medida que a população cresce e a economia se recupera, como é comum nos ciclos econômicos.

Existe um elemento ainda pouco explorado sobre o efeito da EC 95 nas despesas primárias no momento de construção das leis orçamentárias (PPA, LDO E LOA). A regra do ‘teto dos gastos’, no formato em que foi adotada no Brasil, é particularmente maléfica porque ela gera uma disputa orçamentária entre estes dois grandes blocos das despesas primárias. Isso porque, ao longo dos anos, com o teto sufocando cada vez mais as demandas da sociedade e com a lenta retomada econômica, decorrente inclusive dessa escolha de política fiscal de austeridade, o governo tem que realizar cortes orçamentários.

Como o governo tem dificuldade em cortar as despesas com serviços públicos, por serem em sua maioria obrigatórias, a tesoura recai sobre as despesas com investimento, estas discricionárias, ou seja, o governo não tem obrigação de executar. O resultado disso é que o investimento público chegou em 2017 ao menor nível em quase 50 anos, de acordo com Orair e Gobetti. União, estados e municípios investiram apenas 1,17% do PIB – valor sequer suficiente para garantir a conservação da infraestrutura já existente.

Outro efeito da redução das despesas com investimentos é sobre a ‘regra de ouro’ do orçamento público. A Constituição Federal prevê em seu art. 167, inciso III, que “são vedadas a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos adicionais suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.

Assim, inicialmente, a ‘regra de ouro’ proíbe que o montante das operações de crédito supere o montante das despesas de capital, as quais abrangem investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida pública. Entretanto, com o insustentável ‘teto dos gastos’ limitando as despesas primárias, puxando as despesas com investimentos para baixo, e com a não retomada econômica, o governo fica sem espaço fiscal para respeitar a ‘regra de ouro’. Isso porque baixa atividade econômica implica em baixa arrecadação, que por sua vez limita a capacidade de financiamento das despesas públicas. Sem arrecadação suficiente, ao governo resta a possibilidade de emitir novos títulos da dívida. Entretanto, essa emissão tem o limitador da ‘regra de ouro’. A solução encontrada? Ao invés de revogar o teto dos gastos, manobrar a exceção da regra de ouro.

Sim, existe previsão constitucional para a que a regra de ouro não seja cumprida. Durante o exercício orçamentário, no caso em 2019, o governo poderia solicitar a abertura de crédito adicional ao Congresso, com o envio de um projeto de lei com justificativa detalhada e finalidades específica, que requereria aprovação por maioria absoluta. Entretanto, a Constituição ao disciplinar a exceção ao equilíbrio entre receitas de operações de crédito e despesas de capital, pressupõe a existência de um equilíbrio original entre os respectivos montantes na LOA – Lei Orçamentária Anual. E é nesse ponto que a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias 2019 torna-se inconstitucional, por já prever que a LOA 2019 será elaborada sem o equilíbrio entre receitas de operações de créditos e despesas de capital.

Em estudo técnico conjunto das consultorias orçamentárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal sobre o tema, consta que “a interpretação lógica e sistêmica do art. 167, III, da Constituição indica que a regra de ouro se aplica tanto à fase de execução quanto à de autorização da despesa. Afinal, se a exceção (créditos adicionais com maioria absoluta) se aplica apenas no âmbito da execução orçamentária, conclui-se que a regra de ouro deve ser observada antes desse momento – na elaboração e na aprovação dos orçamentos. É acertada, portanto, a disciplina do § 2º do art. 12 da LRF, que exige o equilíbrio entre receitas de operações de crédito e despesas de capital no projeto de lei orçamentária”.

No arcabouço jurídico nacional a regra de ouro deve ser obedecida de forma absoluta nas etapas de elaboração e aprovação das leis orçamentárias anuais. O próprio Ministro do Planejamento à época, Dyogo de Oliveira, em entrevista ao Valor em janeiro deste ano, afirmou que “a regra de ouro tem que ser revista para 2019 porque você não pode fazer o orçamento prevendo o descumprimento. A Constituição só prevê o caso se houver problema durante a execução orçamentária”.

Cabe destacar que a ‘regra de ouro’ é limitada por desconsiderar que algumas despesas de custeio, como as sociais, também podem funcionar como investimento e garantia de justiça geracional, uma vez que elas têm efeitos multiplicadores e de longo prazo. É o caso, por exemplo, das despesas com educação, em que a cada R$ 1,00 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. Entretanto, não é manobrando essas regras que alcançaremos maior justiça fiscal no Brasil.

É nítida e urgente a necessidade de rever as regras fiscais. Para isso, é essencial que sejam consideradas duas premissas: 1. A política fiscal é uma política pública como todas as outras, assim, a participação social deve ser garantida tanto na sua elaboração quanto no seu monitoramento; 2. A política fiscal está sujeita às normas do Pacto Internacional dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, e não o contrário, como vem ocorrendo hoje. Assim, devem existir mecanismos na política fiscal para que ela seja reordenada sempre que ocorrerem riscos à não garantia dos direitos no orçamento.

Austeridade é barreira para alcançar a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável

O Brasil está longe de atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) participou na elaboração de dois documentos que mostram como o país está no caminho oposto ao assumido juntamente com outros 192 países, no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU), para concretizar a Agenda 2030.

Um deles foi lançado hoje (11/7), na Universidade de Brasília (UnB), pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GTSC A2030), do qual o Inesc participa. O “Relatório Luz 2018” foi assim intitulado por apontar um caminho de como alcançar as referidas metas. Construído a partir dos dados oficiais disponíveis, ele analisa 121 (das 169) metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aponta que o caminho trilhado nos últimos três anos pelo Brasil é incoerente com a Agenda 2030.

“As evidências trazidas por este Relatório, portanto, tornam frágil o discurso dos poderes executivo e legislativo de adesão aos ODS. A flexibilização das leis trabalhistas e a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 são símbolos irrefutáveis do descompromisso atual”, constata o documento.

Acesse a íntegra do Relatório Luz do GTSC A2030

Já o relatório Spotlight 2018 – Explorando novos caminhos, organizado pela ONG Social Whatch, traz um diagnóstico de várias partes do mundo focando nos desafios e obstáculos a serem superados pelas organizações da sociedade civil e questionando o comprometimento dos governos com acordos internacionais.

A assessora política do Inesc, Grazielle Custódio David, contribuiu com o capítulo “A irrealidade de promover os ODS´s sem um orçamento suficiente”, que analisa a situação do Brasil. No texto, ela afirma que, após um período de avanços no combate à pobreza, o país corre um sério risco de retroceder devido às maléficas e severas medidas de austeridade adotadas. A autora também destaca a Emenda Constitucional nº 95/2016, conhecida como “Teto dos Gastos”, como exemplo de medida drástica de austeridade.

“Para estarem de acordo com os princípios dos direitos humanos, medidas de consolidação fiscal devem ser temporárias, estritamente necessárias e proporcionais, não discriminatórias, devem levar em consideração todas as alternativas possíveis, inclusive tributárias, proteger o conteúdo essencial dos direitos humanos [e dos ODS], e serem adotadas depois de cuidadosa consideração da escuta dos grupos e indivíduos afetados. A EC 95 não cumpre nenhum desses pré-requisitos”, afirmou.

Leia o texto completo aqui (em inglês)

O relatório será objeto de apreciação e debate na próxima segunda-feira (16/7), durante Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável no evento paralelo “Implementando os ODS na América Latina – os desafios da sociedade civil” organizado pelo Inesc, International Forum of National NGO Platforms, MESA, Social Watch, GCAP, ABONG e CCONG.

Iara Pietricovsky, membro do colegiado de gestão do Inesc, participa da mesa expondo o caso do Brasil, representando também a Associação Brasileira de ONG´s (Abong).

Acabou o racionamento, não acabaram as causas da escassez hídrica

Acabou o racionamento, não acabaram as causas da escassez hídrica

Sem um combate sistêmico aos fatores que levam à falta de água, GDF gasta milhões com obras de infraestrutura enquanto ignora soluções preventivas e educativas.

Por Leila Saraiva, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Estávamos em 2016 quando uma preocupação passou a fazer parte do repertório brasiliense: a falta d’água. Há tempos algo andava mudando: os meses cinza, de chuva quase ininterrupta, já não se faziam tão longos. As consequências, antes sentida em nossos corpos com o aumento da secura, passaram também a ter efeitos nos reservatórios a partir dos quais se dá a distribuição de água para as cidades. O tal “volume morto”, que conhecemos dois anos antes com a escassez de água em São Paulo, tinha chegado ao Distrito Federal.

Diante da propagada crise hídrica, o Governo do Distrito Federal (GDF) adotou, entre outras medidas, o racionamento – ou rodízio, como preferiu chamar – revezando o corte do abastecimento da água entre as localidades do DF, de seis em seis dias. Assim, por quase um ano e meio, a população do DF viu modificada sua rotina, vivendo tal situação até o último dia 15 de junho, quando o governo suspendeu a medida.

Se para as classes médias e altas do Distrito Federal a escassez hídrica chegou apenas em 2016, para as periferias ela é uma velha conhecida. Não é possível recontar a história do surgimento das (então) chamadas cidades-satélites, sem relembrar também das longas filas de mulheres e crianças que, com grandes latas, carregavam a água possível para casa. Da caixa d´água da Ceilândia – símbolo da conquista popular do acesso à água no local – à ocupação do hoje chamado Paranoá Velho, que ergueu seus primeiros barracos às margens do Lago Paranoá na época da construção da barragem do Paranoá, a luta pelo direito à água se inter-relaciona e se sobrepõe à batalha cotidiana de pessoas pela sua existência e permanência no território.

Para essas pessoas, a capital da esperança parece não ter sido planejada – e com a crise hídrica não foi diferente. As medidas implementadas pelo governo não apenas partiram dessas desigualdades, mas as reatualizaram. No que tange ao próprio racionamento, essa reatualização se deu especialmente por um fator: o corte do abastecimento de um dia de água ignorou que alguns domicílios possuem caixa d´água enquanto outros não, especialmente em domicílios mais precarizados. Ou ainda que alguns possuam reservatórios próprios de 750 litros, enquanto outros possuem de 5000 litros. O resultado: aqueles com as maiores caixas d´água armazenaram a água nos dias anteriores ao corte, vivendo o racionamento de forma bastante suave. Os outros viveram um ou mais dias sem acesso ao recurso. Os relatos desde o início da adoção da medida apontam para localidades que chegaram a ficar mais de dois dias sem água.

As estatísticas que versam sobre o uso da água no DF confirmam as alegações dos movimentos sociais que vêm denunciando essa desigualdade na gestão da crise. Mesmo tendo reduzido seu consumo em 16% entre 2016 e 2017, o Lago Sul, região nobre da capital, tem um índice de litros/habitante/dia de 366 litros. Já regiões da periferia como a Fercal e o Itapoã apresentam índice de 55 litros e 58 litros, respectivamente. O índice médio no Distrito Federal, segundo a mesma pesquisa elaborada pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (CAESB) é de 129 litros/habitante/dia, motivo de orgulho para o Governo do Distrito Federal, já que agora nos aproximamos do recomendado pela OMS (máximo de 110 litros/habitante/dia).

Ao comemorar a marca dos 129 litros/habitante/dia, no entanto, o GDF ignora que uma parte da população consome apenas a metade da marca da OMS, enquanto a outra consome mais de três vezes o recomendado. Isso sem falar do consumo pouco controlado na área rural: estudos apontam que, entre 1985 e 2015, os números de pivô-centrais instalados no DF passaram de 3 para 233 equipamentos, irrigando agora uma área de quase 13.000 hectares, em um uso intensivo de recursos hídricos.

Como costuma acontecer em momentos críticos em nosso país, as classes populares foram punidas enquanto as ricas seguiram protegidas pelo Estado, numa espécie de transposição da lógica da austeridade econômica para o manejo da crise hídrica.

Orçamento

Apesar das críticas constantes, o governo declarou o fim do racionamento alegando ter revertido o quadro da escassez de água no Distrito Federal. Não apenas o racionamento, mas uma série de outras medidas adotadas teria ampliado a capacidade hídrica local e afastado períodos sombrios que se avizinhavam.

No diagnóstico que consta no Plano Integrado de Enfrentamento à Crise Hídrica (2017), o próprio governo explica que não se pode pensar a questão da água de forma isolada, pois são vários os fatores que levaram ao quadro de escassez: mudanças climáticas e degradação do meio ambiente, desmatamento predatório da vegetação típica do Cerrado, captações clandestinas de água, ocupações irregulares que ocasionaram a impermeabilização do solo e do assoreamento de mananciais e nascentes. No mesmo documento, o GDF assegura que as soluções para a crise precisam também ser pensadas em dimensões e direções múltiplas e propõe ações planejadas divididas em quatro frentes: Infraestrutura, Educação, Comunicação e Regulação.

As execuções orçamentárias do governo, no entanto, não parecem consonantes com essa visão multidimensional. Segundo o PPA 2016-2019, o principal programa temático para questões socioambientais, chamado “Infraestrutura e sustentabilidade socioambiental”, funciona como um guarda-chuva das questões elencadas como principais desafios na área. Entre eles, está a garantia do acesso à água e saneamento básico para todos/as em uma população crescente, assim como a preservação dos recursos hídricos. Dois objetivos do referido programa temático se relacionam ao tema da água. O primeiro, “Capital das águas”[1], trata especificamente do cuidado e preservação da água no DF, estando aí agrupadas as principais ações orçamentárias sobre a questão. O segundo, “saneamento ambiental[2]”, abrange também outras áreas, mas contém ações orçamentárias relacionadas ao direito e acesso à água pela população do DF.

A partir da análise da execução orçamentária dessas ações[3], vemos que o GDF gastou nesses dois objetivos, entre 2016 e 2018 (até a presente data), R$ 25.953.943,75. O investimento parece significativo, ainda que passe longe dos R$275 milhões investidos apenas pelo Governo do Distrito Federal no grande empreendimento Corumbá IV[4]. Esses quase R$26 milhões, no entanto, mudam de figura quando sabemos que 77% do que foi gasto serviu para custear o 8º Fórum Mundial da Água. Conhecido como o fórum das corporações, o evento já foi alvo de nosso escrutínio justamente pelo alto investimento de recursos públicos para sua realização, além ter sido também alvo de uma forte mobilização por parte de vários setores, articulados principalmente entorno do FAMA (Fórum Mundial Alternativo da Água).

A situação, no entanto, se torna ainda mais grave quando sabemos que diante de um alarmado contexto de crise hídrica, a realização do evento tenha sido prioritária para o governo, em detrimento de ações como as de fiscalização, preservação de mananciais, educação ambiental e conservação dos recursos hídricos.

Algumas das ações citadas no programa – ainda que ocupem lugar importante nos discursos do governo – sequer tiveram qualquer execução durante os três anos analisados, como a AO2580 – Conservação de recursos hídricos. Outras, como a que possibilita o fortalecimento da gestão das águas (3266 – Fortalecimento da gestão das águas – água boa no DF) e a “Educação Ambiental” (4235) tiveram execução orçamentária pífia – respectivamente R$5.760,00 e R$5.960,00. São números tão pequenos que nos fazem duvidar do que vemos. Em tempos de crise hídrica, são esses os totais pagos pelo governo nas principais ações de preservação, cuidado e garantia da água:

Soluções

Os números acima contrastam com os alardeados publicamente pelo GDF, que alega ter investido cerca de R$500 milhões para a superação da crise. Esta quantia, no entanto, refere-se à construção de obras de infraestrutura, como a própria Corumbá IV, o Subsistema do Bananal e o Subsistema Emergencial do Paranoá, sendo financiadas por fundos como o Fundo Constitucional do Centro Oeste. Seguindo uma longa tradição da política brasileira, os principais investimentos do GDF apostam em obras vistosas que, mesmo que ampliem o acesso à água, beneficiam empreiteiras e não tratam das causas e efeitos de médio e longo prazo dos problemas que as justificam. Além disso, há ainda uma complexa rede de interesses no que tange aos lucros gerados a partir das obras para a própria CAESB, atualmente uma empresa de capital misto, e cujos rendimentos tem sido monitorados pelos veículos econômicos e as políticas de atendimento e direitos dos trabalhadores, enfraquecidas.

Não é, claro, o caso de ignorar que a garantia de novas fontes de recursos hídricos seja importante para evitar o desabastecimento, mas de afirmar que a preservação de mananciais, a educação ambiental e a fiscalização dos usos de água por setores como a agricultura são ainda mais fundamentais para evitar o problema em sua origem, sendo possível, por esses caminhos, fazer retroceder cenários desoladores. Se desde já sabemos que a ausência de chuvas não está desconectada da expansão desenfreada das fronteiras agrícolas e do expansivo desmatamento da Amazônia; que a torneira seca não independe da destruição do cerrado, e que o ressecamento de mananciais não está desligado dos efeitos perversos dos grandes empreendimentos, concluímos que só é possível encarar e combater a crise hídrica sob uma perspectiva sistêmica.

Mananciais preservados, no entanto, não geram retornos financeiros milionários, não financiam campanhas e tampouco apresentam resultados que deem conta dos calendários eleitorais, embora sejam eles os que vão garantir que, a médio e longo prazo, não nos vejamos novamente diante de torneiras sem água. Enquanto a ADASA gastou, em 2017, R$ 2.019.442,99 em publicidade e propaganda, as soluções preventivas – aquelas a serem tomadas quando a preocupação é de fato a segurança hídrica da população – foram deixadas de lado.


[1] “Promover a cultura do cuidado com a água, o aperfeiçoamento do marco normativo e institucional e garantir a oferta de água em quantidade e qualidade para a população e os ecossistemas naturais, a conservação e a recuperação das áreas de recarga de aquífero, nascentes e matas ciliares e áreas de proteção de mananciais” (Distrito Federal, PPA 2016-2019, p.201)

[2] Garantir serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem pluvial e gestão de resíduos sólidos, com regularidade e qualidade, assegurando a proteção ao meio ambiente e à saúde da população. (Distrito Federal PPA 2016-2019, P.207)

[3] Ações orçamentárias do “Capital das águas”: “Elaboração do Plano de Negócio” (1947), “Conservação de Recursos Hídricos”, “Monitoramento da Rede Hidrometeorológica e Telemétrica do DF” (2671), “Outorga de Uso de Recursos Hídricos” (2679), “Regulação dos Usos dos Recursos Hídricos no DF” (2683), “Construção do Museu da Água”(3067), “Realização do 8º Fórum Mundial da Água” (3068), “Construção do Centro Internacional de Ref. em Água e Transdisciplinaridade – CIRAT 203” (3256), “Fortalecimento da Gestão das Águas – Água Boa no DF” (3266), “Realização de Eventos”(3678), “Fiscalização de Recursos Hídricos” (4135) e “Educação Ambiental” (4235). Ações orçamentárias selecionadas do “Saneamento Ambiental”: “Expansão do Sistema de Abastecimento de Água” (1827), “Expansão do Sistema de Abastecimento de Água – Corumbá” (1831), “Expansão do Sistema de Abastecimento de Água na Área Rural” (1848), “Manutenção de Redes de Águas Pluviais” (2903), “Melhorias nos Sistemas de Abastecimento de Água” (7006), “Implantação de Sistema de Abastecimento de Água” (7038). Todas do programa temático “Infraestrutura e Sustentabilidade”.

[4] O projeto de construção da usina Corumbá IV está em discussão no DF pelo menos desde os anos 90 e sua obra começou a ser executada há 13 anos. Diante da crise hídrica de 2016, o GDF passou a propagandeá-la como principal solução para a questão, já que garantirá uma ampliação significativa da captação de água para distribuição no DF e Entorno. A construção da usina, ainda em andamento, requereu um investimento de R$550 milhões, sendo metade oriundos do GDF e a outra do Governo de Goiás, financiadas pelo Governo Federal. Ao longo de sua história, a obra de Corumbá IV foi paralisada algumas vezes devido à denúncias de corrupção que interromperam o repasse de verbas do Ministério da Cidades, como a ocorrida em 2016, que identificou um sobrepreço de 388% na obra. Foi depois da propagada crise hídrica no DF que o repasse voltou a ser feito.


Brasil gasta cerca de R$68 bi por ano com subsídios a combustíveis fósseis

Estudo lançado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) nesta quinta-feira (7/6) estimou que, entre 2013 e 2017, os subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil, na forma de renúncias fiscais e gastos diretos, alcançaram R$ 342,36 bilhões. A média anual de subsídios foi da ordem de R$ 68,6 bilhões, ou seja, 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país ou o equivalente a mais de dois programas Bolsa Família.

O documento intitulado “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil: conhecer, avaliar e reformar” partiu da adaptação da base de dados elaborada pela Overseas Development Institute (ODI), em parceria com a Oil Change International (OCI) e International Institute for Sustainable Development (IISD). Foi considerado como subsídio a combustíveis fósseis, tudo o que o governo gasta ou deixa de arrecadar para beneficiar diretamente o produtor de petróleo, gás natural e carvão mineral ou o consumidor de gasolina, óleo diesel e gás de cozinha.

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>>> Acesse a planilha completa com dados e fontes do estudo

Entre as renúncias fiscais identificadas, as de maior montante são aquelas relativas à redução da cobrança do PIS/Cofins sobre combustíveis e da Cide-Combustíveis, as quais resultaram em perdas de arrecadação estimadas em R$ 178 bilhões e R$ 46 bilhões, respectivamente, no período analisado. Nos dois casos, a renúncia configura subsídios ao consumo de combustíveis fósseis para o setor de transporte.

Com a publicação do estudo, o Inesc pretende contribuir para as discussões sobre subsídios em meio à crise do diesel – desencadeada pela greve dos caminhoneiros em maio de 2018, e cuja solução encontrada pelo governo federal foi aumentar os subsídios ao consumo, na forma de uma fatura amarga que será paga pela população.

Para as autoras do estudo, Alessandra Cardoso e Nathalie Beghin, a pesquisa é lançada em um momento oportuno para um debate aprofundado sobre o que são os subsídios aos combustíveis fósseis, qual a importância de medi-los, por que reduzi-los ou eliminá-los e quem se beneficia de medidas nesta direção.

O setor de Óleo&Gás (O&G), por exemplo, é beneficiário de vários regimes especiais de tributação, sendo o mais importante, em termos de valores, o Repetro – Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural. No ano passado, o governo brasileiro, em intenso diálogo com grupos de interesse ligados ao setor de petróleo, renovou este Regime, que venceria em 2020, por mais 20 anos.

“Os subsídios à produção, cujo Repetro é o exemplo principal, revelam o quanto os governos abrem mão de arrecadação, importante para investimentos em políticas públicas essenciais, para reduzir custos ao setor”, destacaram as autoras Alessandra e Nathalie. “E o quanto investem recursos públicos para apoiar o seu desenvolvimento, seja por meio de gastos orçamentários diretos, seja por financiamentos subsidiados ou, ainda, por aportes de investimentos públicos para empresas estatais, como no caso da Petrobrás”, acrescentaram.

Subsídios necessários

O estudo também revela que nem sempre os subsídios são maléficos. Em alguns casos, podem ser necessários ou solidários para garantir, por exemplo, acesso à energia elétrica em condições igualitárias a todos os moradores do país.  É o caso da região Norte do Brasil, onde o custo da geração é mais alto pela fonte principal ser o óleo diesel.

De acordo com o documento do Inesc, nos últimos cinco anos, os subsídios à geração termelétrica baseada no óleo diesel na região norte foi da ordem de R$ 27 bilhões, em sua maior parte, paga pelos consumidores, por meio de taxação na conta de energia elétrica.

Mas existem alternativas a este subsídio, que estão cada dia mais próximas, como a geração descentralizada à base de energia solar ou biomassa. O estudo traz o exemplo dos grupos indígenas da Raposa Serra do Sol, em Rondônia, e do Xingu, no Pará, que já estão testando experiências de geração de energia solar. “São exemplos de como é possível reformar subsídios aos combustíveis fósseis, com planejamento e política pública capaz de incentivar que outras fontes possam surgir e serem mais viáveis econômica, social e ambientalmente” defendem as autoras.

Agenda propositiva

O estudo chama atenção para os impactos climáticos, sociais e ambientais dos subsídios aos combustíveis fósseis e defende que o desafio de mensurá-los e reformá-los precisa ser assumido pelos governos em um esforço global.

Uma agenda propositiva, na visão do Inesc, deveria ser construída em três frentes paralelas: 1) conhecer com mais exatidão quais são e quanto representa os subsídios; para isso, necessita-se de mais transparência e de uma revisão do conceito e  metodologia de mensuração dos gastos tributários hoje adotada pela Receita Federal do Brasil); 2) avaliar quais subsídios são mais custosos, danosos, de reforma mais factível e são mais urgentes frente a outros compromissos também assumidos, em especial o Acordo do Clima (INDC) e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS);  3) aprovar proposta legislativa que acaba com o sigilo fiscal dos beneficiários de Gastos Tributários no Brasil, o que permitiria identificar quais são os beneficiários vinculados ao setor de Óleo&Gás;.

O estudo é assinado por: Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, doutoranda em Economia aplicada pela Unicamp; e Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc, economista formada pela Université Libre de Bruxelles (ULB), com mestrado e doutorado em Políticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB).

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, com sede em Brasília, que atua na promoção dos direitos humanos e da democracia e tem como principal instrumental de trabalho o orçamento público. O Inesc integra a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).

Informações à imprensa: Kátia Visentainer – Empório das Ideias

+55 11 3578.1583 / 96578.7070 – [email protected]

Integrantes do Movimento Nossa Brasília sofrem ataque homofóbico

Eu sou uma pessoa?

Por Lucas Miguel*

Mais um dia comum, me vesti como visto, me comportei exatamente como eu sou, ele também, passamos o dia como todos os outros, nos sentindo seguros, empoderados, seguimos com nosso discurso de que nossos corpos são luta, nossa existência por si é resistência. A noite chega, terminamos nossa jornada diária, trabalho, faculdade, encontro com os amigos… Coisas que todas as pessoas fazem, afinal, somos pessoas, não somos? Como todos os dias, ele me deixa na esquina de casa, ele mora a algumas ruas dali, mas pensa ser mais seguro me deixar, pois meu corpo afeminado, minhas vestes lidas como “gay demais” ou meu cabelo grande, me tornam alvo fácil para algum tipo de violência, que até agora não tinha acontecido. Estamos mais que habituados com a verbalização da homofobia e do machismo derramados sobre nós todos os dias, mas nunca tinha ocorrido nenhuma agressão física, nos sentimos seguros em nossa cidade apesar dos pesares.

Nesse dia em específico não nos abraçamos, apertamos as mãos como dois amigos o fariam, afinal tem muitos homens na rua, não é? Pauladas e pedradas, injúrias e xingamentos voam e ecoam pelo ambiente, estou atordoado, não entendo o que está acontecendo, e no meio da violência escuto nitidamente: VIADO! Tem que morrer mesmo! Coisa do diabo! As palavras ressoam em minha mente, perfuram meu ser como facas apontadas pela sociedade que se enxerga como “pessoas de bem”.

Eu corro o mais rápido que posso, minha casa fica a poucos metros, na hora nem me passa a cabeça pensamentos racionais, o instinto me move, o medo me impulsiona, entro em casa, minha primeira reação é saber se meu companheiro conseguiu chegar bem, temo por ele, temo por nós. Estou escrevendo uma mensagem, contando o ocorrido, rezando para que ele esteja bem, sou surpreendido por uma ligação dele; pelo menos sei que ele está vivo.

Ele conta que após os sete garotos arremessarem pedras e paus em mim, não se contentaram em exercer a força, o medo, o desrespeito e foram atrás dele o apedrejando; mais uma vez o medo impulsiona, o instinto move, ele corre o mais rápido que pode, escutando as risadas e gozações que os garotos fazem por terem conseguido acertar um dos viadinhos.

Desespero, medo, raiva, culpa… São esses os sentimentos que ocupam em meu peito, minha família escuta meu choro e me pergunta o que aconteceu. Ao relatar, falam em chamar a polícia, se esquecem que moramos na Estrutural, se esquecem que nesses casos a polícia pouco pode fazer, e sinceramente quantas vezes a polícia só não nos violentou ainda mais ao pedirmos ajuda? Por outro lado, temo também pelos agressores, só nós sabemos o quanto a polícia amedronta a periferia.

A homofobia é tão violenta que me pego culpando a mim mesmo por ser eu, por viver, por expressar quem sou, é tanta violência que começo a me questionar se eu mereço realmente estar vivo, se eu sou uma pessoa.

Sim! Eu sou uma pessoa, nós somos! Meu corpo mais uma vez foi alvo, minha alma foi destroçada mais uma vez, minha voz foi novamente silenciada e essa violência foi mais uma vez legitimada pelo pastor da igreja que diz que pessoas como eu são pecadoras e que merecem ir para o inferno, legitimada pelas pessoas que assistiram ao ataque e nada fizeram. Essa legitimação se escancara também em forma de lei pelas mãos de políticos conservadores e hipócritas como os da Câmara Legislativa do Distrito Federal que derrubaram o veto ao Estatuto da Família (aquele que exclui relações homoafetivas do conceito de família).

De uma coisa eu tenho certeza, eu, o Fábio, a Taty, o Ariel, a Thayná e todas as pessoas LGBTI da cidade Estrutural, nos conhecemos, nos reconhecemos, nos amamos e respeitamos, cada um com suas particularidades, cada um e cada uma com suas histórias e vivências, não vamos tolerar a homofobia, o racismo, o machismo e nenhuma forma de discriminação! Pensaremos em formas de combater essas violências, por meio da educação e da instrução, fazendo o caminho inverso do opressor, ensinando as pessoas que o amor sempre vence, que o medo não prevalecerá.

Mas sigo dizendo: meu corpo é resiliência, minha voz é arma de denúncia e resistência, meus passos e minhas vestes são a expressão de quem sou! A morte de Dandara dos Santos, Marielle Franco, Lucas Silva ou do aumento de 30% de assassinatos de pessoas LGBTI no Brasil, não vão ser em vão! Nossa luta vai crescer, nossa resistência vai continuar, nosso papel é lembrar a sociedade todos os dias, que suas mãos conservadoras, de família tradicional, de cidadãos de bem estão sujas com o NOSSO sangue, e que nós somos muitos, que não estamos sós, nós existimos e vamos continuar a existir, e vocês vão ter que nos engolir!

LGBTI de periferia presente!

*Lucas Miguel é membro do GT de gênero e sexualidade do Movimento Nossa Brasília, estagiário do Inesc e integrante da Cia de Teatro As Bisquetes.

Organizações pedem posicionamento da CIDH sobre políticas fiscais adotadas na América Latina

No mês de maio, doze organizações latino-americanas mostraram, durante o 168º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), como as políticas fiscais adotadas por governos do continente colocam em risco os direitos humanos. Além da solicitação de uma audiência, foi entregue um relatório com informações detalhadas dos países aos comissionados da CIDH, com o intuito de que elaborem um Informe Temático sobre a questão.

>>> Acesse aqui o relatório intitulado Políticas Fiscais e garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia e Peru

Na República Dominicana, onde ocorreu o evento, a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, apresentou o caso do Brasil durante a audiência “Políticas fiscais e garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina”.

Grazielle destacou três efeitos já perceptíveis após apenas um ano de vigência da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos primários do governo federal por um período de 20 anos. A saber, corte de 58% do orçamento destinado ao programa de enfrentamento da violência de gênero e de promoção da autonomia econômica das mulheres; cortes no programa Farmácia Popular, levando ao fechamento de 314 farmácias públicas; cortes de 69% do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos com redução de 75% no número de beneficiários.

A assessora do Inesc, que em seu pronunciamento conjunto também estava representando as organizações Conectas, Oxfam Brasil, Justiça Global, Plataforma Dhesca e CESR, denunciou que estas políticas violam o princípio de não retrocesso social, contrariando obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil, como já havia sido alertado pela CIDH em dezembro de 2016. “Também é discriminatório por afetar mais as populações vulneráveis, ao mesmo tempo em que conserva os privilégios fiscais e benefícios dos setores mais ricos do país”, alertou.

Para as organizações, a política fiscal é uma política pública como todas as outras e, assim, deve estar sujeita a prestação de contas junto à sociedade e aos órgãos de direitos humanos. Além disso, as normas e os princípios internacionais de direitos humanos têm o potencial de direcionar a forma como a política fiscal é desenhada, implementada e avaliada, por isso o esforço conjunto de incidir junto à CIDH para que faça uma análise detalhada e recomendações aos países da região sobre os efeitos nos direitos humanos das atuais medidas austeras de política fiscal adotadas.

Trabalho infantil perpetua desigualdades no Brasil

 Por Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

No Brasil, a cultura do trabalho infantil se perpetua. Há muita gente que acredita que as crianças devem, sim, trabalhar, mas não se dão conta da perversidade dessa certeza. Até porque o trabalho infantil eterniza desigualdades, pois afasta as crianças mais pobres da escola. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2016 aponta que 1,5 milhão de crianças, entre 5 e 15 anos, estão em situação de trabalho infantil. Apesar de o número ter reduzido em relação a 2015, o Ministério Público do Trabalho contesta a informação, afirmando que não reduziu, apenas mudou a metodologia de análise, não considerando o trabalho na agricultura familiar, apesar de ser pesado e ilegal para crianças até 15 anos.

Além disso, boa parte das crianças em situação de trabalho, o desenvolve sob as piores formas, como o trabalho exercido em mineração, catação de resíduos, corte de cana e por aí vai. E ainda há no Brasil muitas adolescentes que são trazidas dos rincões para trabalharem como domésticas nas cidades, em situação de semiescravidão, já que não podem retornar às suas casas por falta de condições materiais. De acordo com os observatórios do Trabalho Escravo e Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, entre 2003 e 2017, foram resgatadas 897 crianças e adolescentes em situação análoga à escravidão. Entre 2012 e 2017, 15.675 adolescentes foram vítimas de acidentes de trabalho com vários graus de gravidade.

Apesar disso, quando se olha para as políticas públicas de fiscalização do trabalho infantil, ou políticas de concessão de bolsas para a erradicação das piores formas de trabalho, percebe-se que o governo federal está bem longe da preocupação com essa enorme mazela que acompanha a história do país. Em 2017, apenas 10% do recurso previsto para a fiscalização foi executado e, em 2018, a ação de fiscalização não foi prevista, havendo apenas 25 mil executados como restos a pagar (Fonte: Siga Brasil. Ver tabelas). Com relação à concessão de bolsas, apesar de previsto, nada foi executado em 2017 e, até agora, nenhum centavo de execução em 2018.

Além dos cortes na fiscalização e nas bolsas, desde o golpe, a Presidência da República já efetuou dois grandes cortes no Programa Bolsa Família, retirando cerca de 1 milhão de famílias beneficiadas do programa. E é público e notório que esse programa retirou muitas crianças do trabalho infantil, ao condicionar o benefício à frequência na escola. O cenário não é nada promissor.

Lei Orçamentária anual 2017

Lei Orçamentária anual 2018

Carta pública contra o loteamento político da Funai e o desmonte da política indigenista

Nesta terça-feira, 12 de junho de 2018, servidores mobilizados da Funai apresentaram carta pública contra o loteamento político da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o desmonte da política indigenista. A carta denuncia a ingerência político-partidária de interesses alheios ao indigenismo na instituição, por meio de nomeações sem critérios técnicos nem comprometimento com as questões indígenas. Um caso emblemático foi a revelação de áudios divulgados pelo Estadão no dia 23 de maio (acesse aqui), que sugerem a tentativa de favorecimento de empresas por meio da aquisição irregular de equipamentos pelo então Diretor de Administração e Gestão da Funai, indicado com apoio da bancada ruralista. A carta também denuncia o uso dos direitos indígenas como moeda de troca pelo governo Temer.

A mobilização aconteceu hoje, durante a audiência na Câmara dos Deputados em Brasília. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma das instituições que assinam a carta.

Para mais informações, favor contatar [email protected]

Leia a íntegra da carta:

Carta pública contra o loteamento político da Fundação Nacional do Índio e o desmonte da política indigenista

Os servidores mobilizados da Fundação Nacional do Índio (Funai), com apoio das organizações indicadas ao final desta carta, vêm a público se posicionar contra o sucateamento e loteamento político do órgão, a desvalorização do corpo técnico e o desmonte da política indigenista por meio de sucessivos cortes orçamentários, agravados no atual Governo. Diante da repercussão de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (acesse aqui), reveladora de áudios que sugerem a tentativa de favorecimento de empresas por meio da aquisição irregular de equipamentos, e da subsequente exoneração do até então Diretor de Administração e Gestão da Funai (acesse notícia aqui) vimos repudiar a ingerência de interesses alheios ao indigenismo na instituição e exigir a indicação, para assumir a Diretoria em questão, de um(a) servidor(a) do próprio quadro técnico efetivo do órgão ou pessoa com expertise técnica compatível com as atribuições do cargo.

Não é de hoje que o loteamento político dos cargos da Funai compromete a missão primordial da instituição, qual seja, a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil (acesse notícia aqui). Como extensamente noticiado na mídia, o Partido Social Cristão (PSC), sobretudo na figura do líder do governo no Congresso Nacional, dep. André Moura (acesse notícia aqui), tem sido o mais influente na indicação de cargos de chefia. A Funai, no entanto, converteu-se em espaço de manifestação de interesses de parlamentares também de outros partidos, notadamente os de integrantes da chamada bancada ruralista, de cuja pressão resultou a mais recente troca de Presidente do órgão (acesse notícia aqui) e que já havia sido responsável pela indicação da Diretora de Proteção Territorial (acesse notícia aqui). Também nas Coordenações Regionais da Funai (CRs) têm ocorrido nomeações de chefias por indicação de políticos, em detrimento de aspectos técnicos. O órgão indigenista, responsável por promover e proteger os direitos de mais de 300 povos indígenas, cujos territórios abrangem aproximadamente 14% do território nacional, vem sofrendo com ingerências político-partidárias por meio de nomeações sem critérios técnicos nem comprometimento com as questões indígenas. Chama a atenção, neste cenário, a nomeação como assessor da presidência do ex-gerente de licitações e contratos da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., vinculada ao Ministério dos Transportes, exonerado da estatal em 2011, após denúncias de fraudes em obras do trecho tocantinense da ferrovia Norte-Sul (acesse notícias aqui e aqui).

Além da distribuição de cargos em órgãos responsáveis por promover direitos socioambientais, como também vem ocorrendo no ICMBio (acesse notícia aqui), o atual Governo vem sistematicamente utilizando os direitos indígenas como moeda de troca. Entre as mais recentes manobras estão: a aprovação do Parecer nº 001/2017/AGU pelo Presidente Michel Temer, que ameaça as demarcações de terras indígenas (acesse notícia aqui); ataques ao componente indígena do licenciamento ambiental, especialmente evidenciados nos projetos de construção de hidrelétricas e no caso da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista, que atravessaria a terra indígena Waimiri Atroari (acesse reportagens a aqui e aqui) ; e a ameaça de adoção de medidas que permitam a exploração de recursos naturais e o arrendamento em terras indígenas.

Combinados, esses fatores – a utilização da instituição para interesses político-partidários e a imposição de medidas restritivas aos direitos indígenas – têm gerado um clima de tensão e insegurança entre os servidores do órgão e comprometido a sua atuação. Abusos de autoridade, perseguições e desvios de finalidade têm sido parte da rotina de trabalho e impedem a seriedade e continuidade da política indigenista, prejudicando, enfim, e sobretudo, os povos originários. Ao denunciar a recorrência de tais interferências sobre a instituição e a política indigenista, os servidores mobilizados da Funai exigem a reversão de medidas contrárias aos direitos constitucionais dos povos indígenas – principalmente o Parecer nº 001/2017/AGU –, o fortalecimento do corpo técnico com a aprovação de um plano de carreira, bem como a aplicação de critérios técnicos, desvinculados de interesses clientelistas, nas nomeações de cargos de chefia – a começar pela vacante Diretoria de Administração e Gestão.

Servidores Mobilizados da Funai

Apoiam esta carta:

ABA – Associação Brasileira de Antropologia
Amaaic – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre
Anaí – Associação Nacional de Ação Indigenista
Amim – Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão
Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Apina – Conselho das Aldeias Wajãpi
Arpinsul – Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul
Ascema Nacional – Associação Nacional dos Servidores Ambientais
Associação Indígena Pariri
Associação de Mulheres Wakoborun
Cimi – Conselho Indigenista Missionário
Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
CGY – Comissão Guarani Yvyrupá
Conselho Indígena do Distrito Federal
CPI-AC – Comissão Pró-Índio do Acre
CPI-SP – Comissão Pró-Índio de São Paulo
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Esocite.br – Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias
Faor – Fórum da Amazônia Oriental
Fepipa – Federação dos Povos Indígenas do Pará
Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
Formad – Fórum mato-grossense de Meio Ambiente e desenvolvimento
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum Teles Pires
Greenpeace
HAY – Hutukara Associação Yanomami
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
INA – Indigenistas Associados
Índio É Nós
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
ISA – Instituto Socioambiental
ISPN – Instituto Sociedade, População e Natureza
Justiça Global
Laboratório de Antropologias da T/terra
Museu de Arqueologia e Etnologia – UFSC
Opan – Operação Amazônia Nativa
Opiac – Organização dos Professores Indígenas do Acre
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
SAB – Sociedade de Arqueologia Brasileira
SINDSEP-DF – Sindicato de Trabalhadores dos Servidores Públicos do DF
Terra de Direitos
Umiab – União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira

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