Orçamento 2018: Brasil à beira do caos

Conforme rege a legislação, em 31 de agosto de 2017, o Executivo encaminhou para o Legislativo a proposta orçamentária para 2018 (PLOA 2018).

As informações ali contidas são de arrepiar, pois evidenciam um projeto de Nação em que se perde a perspectiva de futuro, ao reduzir muito o orçamento para investimentos e tecnologia e ignora vidas no presente ao reduzir o orçamento para as políticas sociais[1]:

Ministérios prestes a desaparecer: orçamentos encolhidos em mais de dois terços

Cidades: queda de 86%

Integração Nacional: queda de 72%

Esporte: queda de 67%

Turismo: queda de 68%

Sem investimentos e sem tecnologia: como o país vai crescer?

As quedas dos orçamentos do Ministério das Cidades, da Integração Nacional e do Ministério de Ciência e Tecnologia, de 86%, 72% e 27%, respectivamente, expressam que, além de diminuir drasticamente os investimentos, o Estado irá contribuir com muito pouco para a inovação nesse país. O orçamento previsto para o CNPq, por exemplo, teve redução de 33,2%. Já o valor de investimento total das estatais do país para o ano que vem foi reduzido em 23,6% – caiu de R$ 90 bilhões para R$ 68,8 bilhões.

    O descaso com o meio ambiente

O Ministério do Meio Ambiente, tão necessário para assegurar o desenvolvimento sustentável, viu seu orçamento encolher em 18%: o Executivo previu para o MMA recursos da ordem de R$ 3,3 bilhões para 2018. Como é possível enfrentar nossos problemas ambientais e climáticos, para um país de tamanhos continentais, com esse minguado orçamento?

    Presente e futuro sem Educação

Durante a tramitação da EC 95 “Teto dos Gastos” foram diversas as promessas de que a Educação não sofreria redução orçamentária alguma, porém, o projeto de Orçamento para 2018 mostra a mentira: o Ministério da Educação sofre redução de 3%.

A discriminação institucional se acentua

Como é sabido, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo: as distâncias entre pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e homens são expressivas. Com esse orçamento, tudo indica que essas distâncias irão crescer.

Menos recursos para a promoção da igualdade racial e para os direitos das mulheres

As políticas de enfrentamento a violência e de promoção de autonomia das mulheres, na proposta de orçamento 2018, sofrerão reduções orçamentárias de 74% (Programa 2016). Considerando que em 2017 o corte em relação a 2016 foi de 52%, podemos dizer que é a declaração do fim da política de promoção de direitos das mulheres no Brasil. A redução de recursos para programas sociais afetará mais as mulheres pobres e negras: por exemplo, também estão sendo feitos cortes no Programa Bolsa Família e na saúde. As mulheres, que estão expostas a maior vulnerabilidade, perderão também o direito às políticas específicas de combate a violência. Combina-se a este boicote aos direitos das mulheres, a redução do recurso de promoção da igualdade racial (Programa 2034), que segundo a proposta do Executivo terá redução de 34% no orçamento. Enquanto os movimentos sociais e estudiosos do tema apontam que a superação do racismo e do sexismo são prioridades para construção de uma sociedade mais justa e igualitária, o governo decide, sem participação popular, cortar os recursos para as políticas voltadas para combate à violência e superação do racismo no Brasil.

Menos recursos para os mais vulneráveis

O Bolsa Família, tão relevante para o combate à fome e à pobreza no Brasil, viu seus recursos encolherem em 11%.

Os recursos dos programas que buscam a promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente e de pessoas com deficiência sofreram reduções de 69% e 56%, respectivamente.

O programa de mobilidade urbana, tão importante para dar condições dignas de acesso ao trabalho, aos serviços, à cultura e outros equipamentos públicos viu seus recursos praticamente desaparecerem, pois, o orçamento previsto para 2018 é 98% menor que o de 2017.

Menos recursos para os povos indígenas

Os recursos do programa de promoção e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas, que já não eram muitos, passaram para R$ 1,4 bilhões, 12% a menos que o ano passado.

Menos recursos para os agricultores familiares

O programa de Segurança Alimentar, que reúne iniciativas importantes, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a implantação de cisternas no semi-árido, projeto recém premiado pelas Nações Unidas, teve seu orçamento reduzido em 85%. Significa sua desativação num momento crucial, em que dados indicam que a fome volta a rondar o Brasil.

Os recursos para a reforma agrária, que já não eram muito, também encolheram: menos 44%. Também encolheram os recursos destinados ao fortalecimento da Agricultura Familiar, 37% de redução.

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[1] Foram comparadas as seguintes informações: a dotação inicial de 2017, ou seja, o orçamento sancionado pelo Executivo para o ano de 2017, com a proposta orçamentária para 2018 encaminhada pelo Executivo.

Para cada dólar que recebem de ajuda, países em desenvolvimento perdem 10 para paraísos fiscais

Qual impacto que a fuga não-registrada de capitais pode ter no desenvolvimento de um país, principalmente nos mais vulneráveis e pobres? Qual o papel dos paraísos fiscais na facilitação desse fluxo financeiro, que drena importantes recursos de regiões inteiras do mundo? Para tentar responder a essas questões, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o Centro de Pesquisa Aplicada da Escola de Economia da Noruega (SNF), a Global Financial Integrity (GFI), Universidade Jawaharlal Nehru e o Instituto Nigeriano de Pesquisa Social e Econômica, produziu o estudo “Fluxos Financeiros e Paraísos Fiscais: Uma combinação para limitar a vida de bilhões de pessoas“, um extenso relatório em três partes que avalia o fluxo líquido de recursos de entrada e saída de países em desenvolvimento, durante o período de 1980-2012.

Entre as descobertas do estudo, uma impressiona: os países em desenvolvimento, excetuando-se a China (que é um ponto fora da curva), perderam um total de quase US$ 1,1 trilhões em transferências registradas e US$ 10,6 trilhões a partir de fuga não-registradas de capitais- desse último valor, mais de 80% (cerca de US$ 7 trilhões) saíram por meios ilegais.

O relatório conclui, entre outros pontos, que a redução dos fluxos financeiros ilícitos e regulação firme dos paraísos fiscais melhoraria a efetividade das políticas macroeconômicas adotadas nos países em desenvolvimento e contribuiria significativamente para reduzir a desigualdade socioeconômica.

Clique aqui para baixar o arquivo PDF do estudo.

A grande fuga de capitais dos países em desenvolvimento diminui sua capacidade de crescimento, porque boa parte desses recursos poderia ser usada em atividades econômicas destinadas à melhoria do padrão de vida e à redução de desigualdades.

Uma das principais descobertas do estudo é que na década de 1990 os países em desenvolvimento acabaram financiando mais os países desenvolvidos do que o contrário – e isso justamente por conta dos fluxos financeiros ilícitos e paraísos fiscais.

“O fluxo de recursos dos países mais vulneráveis para países ricos claramente confronta a eficiência alocativa, que demanda fluxos em direção oposta. Em escala global, essas alocações de recursos incorretas constituem custos sociais consideráveis que seriam, neste caso, incorridos aos cidadãos de países em desenvolvimento.”

Um estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) descobriu que o fluxo de entrada de capitais impacta positivamente o investimento doméstico em maior grau que fatores como a qualidade institucional e o crédito doméstico. E como a fuga de capitais drena recursos, é razoável pensar que tais fluxos de saída reduziriam o efeito benéfico de fluxos de entrada sobre os investimentos domésticos. Nossas descobertas, baseadas em dados limitados do FMI são consistentes com as descobertas do Fundo em que mostramos que os fluxos de entrada de capital têm impacto positivo no consumo, e que fluxos de saída ilícitos reduziriam os impactos benéficos sobre o consumo e sobre o padrão de vida em países em desenvolvimento pobres.

Leia também:

O que podemos fazer para acabar com os paraísos fiscais?

 

Outro dado interessante que o estudo apresenta é o fato de que paraísos fiscais investem muito mais em países em desenvolvimento do que estes o fazem em paraísos fiscais. O controle de ativos de Investimentos em Portfólio (Portfolio Investments – PI) de paraísos fiscais em países em desenvolvimento quase dobrou de US$ 824,3 bilhões no final de 2009 para US$ 1,3 trilhão no final de 2012.

“O investimento estrangeiro direto (IED) de países em desenvolvimento nos paraísos fiscais encontravam-se em US$ 794,9 bilhões ao final de 2009, e aumentou para US$ 1,1 trilhão ao fim de 2012. No entanto, cerca de 60% dos países em desenvolvimento não reportaram dados de IED. Em contrapartida, a posição de IED de paraísos fiscais em países em desenvolvimento era de US$ 1,1 trilhão no final de 2009, terminando em quase US$ 2 trilhões no fim de 2012. Os vínculos financeiros entre paraísos fiscais e países desenvolvidos, tanto em termos de PI quanto de IED, são muito mais fortes que desses paraísos fiscais com os países em desenvolvimento.”

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Um ano de golpe: só goleada, mas resistiremos!

Faz um ano que, em 31 de agosto de 2016, a presidenta Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo desde maio daquele ano, foi finalmente condenada pelo Senado em processo de impeachment. O afastamento definitivo foi aprovado por 61 votos a favor e 20 contra. Não houve abstenções. Entendemos que foi um golpe parlamentar porque não houve crime de responsabilidade. Dilma foi acusada de desrespeitar leis fiscais por meio das chamadas “pedaladas”, que consistiram no atraso de repasses do Tesouro Nacional para que bancos públicos pagassem obrigações do governo com programas sociais e empréstimos subsidiados. Por conta desses atrasos, as instituições tiveram de honrar as despesas com recursos dos correntistas. É entendido por muitos que essas operações nada mais foram do que atrasos em pagamentos, não havendo qualquer violação da Constituição Federal. Medidas semelhantes haviam sido implementadas pelos presidentes que antecederam a Dilma, sem jamais terem sido acusados de perpetrar crimes de responsabilidade.

Na real, as pedaladas foram um pretexto para que o 1% do país retomasse as rédeas do poder no Brasil. Tratava-se de blindar grande parte dos políticos contra as devastadoras consequências da Operação Lava Jato, já que muitos deles estavam, e ainda estão, envolvidos até a alma, e assumir a distribuição dos recursos públicos em favor deles. É evidente que o ambiente social, cultural e político também contribuiu para o golpe. A crise econômica, que fez aumentar o desemprego e diminuir a renda das trabalhadoras e dos trabalhadores; uma sociedade machista, racista, patriarcalista e conservadora, que tem dificuldades de aceitar a liderança de uma mulher; a desmobilização da sociedade; e a responsabilidade do Partido dos Trabalhadores que se envolveu em esquemas de corrupção, que não encontrou soluções para o enfrentamento da crise e que traiu aqueles e aquelas que o elegeu no pleito de 2015, quando pôs em marcha um programa neoliberal de austeridade.

Uma vez no poder, sem dó nem piedade, Temer e seus aliados, deram início à implementação de um amplo programa de transferência de renda, dos mais pobres em favor dos mais ricos, dos 99% em prol do 1%! A saber:

  1. A consolidação do rentismo: a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 que congela os gastos públicos federais por 20 anos com exceção do que tiver a ver com pagamentos de juros da dívida. Isso garante a renda dos que vivem da especulação financeira. Para poder fazer isso, foi necessário diminuir os recursos das políticas sociais, impondo teto aos gastos e realizando cortes nos programas e nas ações que visam a realização de direitos.
  2. A espoliação dos trabalhadores e das trabalhadoras. Sob pretexto da obsolescência das leis trabalhistas vigentes, foi aprovada uma reforma que desonera o setor privado e joga milhões de trabalhadores e trabalhadoras num mundo laboral cada vez mais inseguro e precário. E mais: está em discussão uma reforma da Previdência que irá penalizar essencialmente os mais pobres, com ênfase para as pessoas negras, principalmente as mulheres, do campo e da cidade.
  3. A venda do Brasil: medidas que visam entregar para o setor privado, nacional e internacional, a preços de banana, empresas (aeroportos, portos, Eletrobras, Casa da Moeda) e bens públicos (terra, territórios, minérios, água). Mais uma iniciativa que têm por único objetivo o enriquecimento de alguns, pois não existem evidências de que tais medidas melhorem a qualidade de vida da maioria dos cidadãos e das cidadãs.
  4. A desproteção crescente da população brasileira: o congelamento dos gastos, os cortes orçamentários e as propostas de desvinculação dos benefícios sociais do salário mínimo estão resultando no crescente encolhimento do já anêmico Estado de Bem-Estar Social brasileiro, penalizando a base da pirâmide e contribuindo para aumentar as desigualdades. Os resultados já se fazem sentir: a fome, a pobreza e o trabalho infantil estão recrudescendo; a violência, que assola principalmente as capitais, e os homicídios na área rural que chegaram em patamares nunca antes alcançados.
  5. A destruição da sociobiodiversidade: são diversos os projetos, de iniciativa do Executivo e do Legislativo, que buscam alterar os procedimentos de liberação de licenças ambientais para empreendimentos. A ordem é “limpar o terreno” para produção, circulação e exportação de commodities. Pouco importam as consequências sobre as pessoas que habitam nessas terras e territórios, sobre a biodiversidade e sobre o aquecimento global, desde que o país seja saqueado em benefício de poucos. Nem a recém e dramática experiência de Mariana, em Minas Gerais, ainda muito viva nas nossas memórias, envergonha esse pessoal.
  6. Uma inserção internacional subordinada: as medidas adotadas pelo governo Temer apontam para uma profunda ruptura em relação à política externa brasileira “altiva e ativa” liderada pelo presidente Lula e que privilegiou as relações Sul-Sul, a diversificação comercial e o protagonismo brasileiro em vários assuntos internacionais, transformando o país em um dos grandes atores emergentes em um contexto internacional multipolar. A proposta atual é de uma inserção internacional subordinada à liderança europeia e estadunidense, por meio de acordos de livre comércio e investimentos. Enfraquecem-se as estratégias de fortalecimento regional e de outros blocos políticos contra hegemônicos, como os BRICS, por exemplo. Na realidade, a política externa brasileira está sem rumo e sem estratégia clara.
  7. A debilitação da dimensão do “reconhecimento” das políticas públicas: Temer assumiu seu governo nomeando uma equipe ministerial de homens brancos. Como se não bastasse extinguiu do primeiro escalão instituições criadas para defender os direitos de grupos da população historicamente excluídos como mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e comunidade LGBTI. Essas canetas reforçaram o caráter discriminatório das nossas instituições.

 

É muito difícil enfrentar esse cotidiano de violações de direitos. Eles estão vencendo de goleada, todo dia parece ser um novo 7 a 1 contra a população brasileira. No entanto, estamos resistindo, e esse é o nosso único gol até agora – e é nele que vamos encontrar fontes de inspiração para seguir lutando, para ganhar outras partidas, para defender a democracia e os direitos humanos. Conseguimos a volta do Ministério da Cultura, conseguimos denunciar o Brasil junto à organismos internacionais, conseguimos que o poder público retrocedesse em áreas indígenas e amazônicas, conseguimos dificultar a aprovação da reforma da previdência, conseguimos por entraves na proposta de reforma eleitoral…. Aparentemente são pequenas conquistas, mas que refletem uma sociedade viva, que mesmo goleada, segue reagindo, pulsando. Uma hora vamos conseguir virar esse jogo!

Novo decreto de Temer sobre Renca é mero jogo de retórica

Por Lilian Campelo, do Brasil de Fato.

Com jogo de retórica, o governo golpista de Michel Temer, do PMDB, publicou uma nova versão do decreto que mantém a extinção da Renca, a Reserva Nacional de Cobre e Associados, uma área um pouco maior que a Dinamarca, por exemplo, e que está localizada entre os estados do Amapá e do Pará.

Publicado em edição extra no Diário Oficial da União nesta segunda-feira (28), o novo decreto revogou o anterior, de número 9.142.

Para Alessandra Cardoso, assessora política no Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a nova medida do governo só reafirmou o interesse em minerar áreas da Renca. “Na verdade, ele só detalha algumas questões e faz todo um jogo de retórica, de colocar adjetivos, para dizer justamente a mesma coisa: que as áreas da Renca que hoje a legislação permite que sejam exploradas,vão continuar sendo prioritárias para a exploração mineral”, afirma.

Ainda segundo Cardoso, que integra o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, o novo decreto diz que em áreas de unidades de conservação da floresta e em terras indígenas não pode haver mineração, o que não é novidade, porque isso já é previsto pela lei brasileira. No entanto, ela pontua que todo esse movimento do governo, de extinguir a Renca, reforça a agenda de liberação da exploração mineral em terras indígenas.

“Agora nós sabemos que não se trata só da Renca. Em paralelo à extinção, tem a tentativa de abrir a exploração mineral em unidades de conservação, em terras indígenas e todo um movimento para expandir a mineração em todos os lugares”, avalia Cardoso.

Ela citou como exemplo o Projeto de Lei (PL) 1610, de 1996, do senador Romero Jucá (PMDB – PE), aliado do governo, que propõe a exploração dos recursos minerais em terras indígenas. O projeto ainda corre no senado.

Incapacidade

Uma as medidas apresentadas no novo decreto será a criação de um Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca. De caráter consultivo, ele será composto por representantes da Casa Civil, Ministério de Minas e Energia, Ministério do Meio Ambiente, Gabinete de Segurança Institucional, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Agência Nacional de Mineração.

Para o pesquisador e professor na Universidade Federal de Juiz de Fora, Bruno Milanez, que também integra o comitê em defesa dos territórios, o Estado não tem capacidade de fiscalizar a atividade de exploração mineral no país: “Achar que ele vai ter condições de fazer uma fiscalização adequada e segura no interior do Amapá, sendo que o Estado não tem capacidade de fiscalizar atividade mineral nem em Minas Gerais é muita ingenuidade, na melhor das hipóteses”.

Ele se refere ao ocorrido em Mariana, no estado de Minas Gerais, após o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, administrada pela empresa Vale.

Em defesa da Renca

Na reserva, existem sobrepostas nove áreas protegidas: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este.

A notícia de extinção da Renca mobilizou diversas entidades e organizações, além de artistas e políticos. A igreja católica também se manifestou. A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) publicou uma nota de repúdio contra a medida. A rede é formada por bispos de 99 dioceses distribuídas nos nove países que têm áreas de floresta amazônica em seus territórios.

Acesse as notas publicada pela Repam nas versões em inglês e espanhol.

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“Governo brasileiro inaugurou a agenda dos Objetivos das Desigualdades Sustentáveis”

O governo Temer está inaugurando uma nova agenda no Brasil, a dos “Objetivos das Desigualdades Sustentáveis”, aumentando a pobreza e promovendo a insegurança alimentar da população por meio de uma série de medidas antidemocráticas e recessivas. “O fantasma da fome está voltando a nos assombrar”, afirma Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em entrevista ao site IHU Unisinos.

“Organizações, nacionais e internacionais, públicas e da sociedade civil, vêm revelando que a pobreza e a fome estão recrudescendo no Brasil. Essas informações nos entristecem, e muito, pois o nosso país já foi referência internacional na eliminação da fome. Tal feito foi atestado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO, em 2014″, lembra Nathalie, que é economista formada pela Université Libre de Bruxelles – ULB, mestra e doutora em Políticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-pesquisadora do Programa de Estudos da Fome, do Núcleo de Estudos em Saúde Pública – Nesp, da UnB, e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea nas áreas de combate à fome e à pobreza, alimentação e nutrição, segurança alimentar e nutricional, desigualdade racial e ação social das empresas.

Nathalie afirma também, na entrevista, que o Brasil está se distanciando cada vez mais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS graças a medidas como o teto de gastos públicos, reforma trabalhista e os cortes orçamentários que praticamente enterraram diversas e importantes políticas públicas no país, inviabilizando o adequado atendimentos aos mais vulneráveis. Já para os mais abastados, tudo continua na mesma – e melhorando:

“À extorsão dos mais vulneráveis somam-se as benesses concedidas aos mais ricos: juros elevados para os rentistas, o direito de invadir terras indígenas e florestas para expansão do agronegócio e das mineradoras; o perdão de dívidas de grandes empresas; a privatização de serviços públicos que abre novos mercados para o setor privado; e a implementação de parcerias público-privadas que transformam a infraestrutura, em todos os níveis federativos, na nova fronteira de acumulação e lucratividade para investidores nacionais e estrangeiros. Enfim, eliminam-se os obstáculos (institucionais, sociais, ambientais, culturais e trabalhistas) que possam postergar ou afetar a rentabilidade esperada pelo setor empresarial.”

Leia aqui a íntegra da entrevista de Nathalie Beghin no site IHU Unisinos.

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Cidadãos reclamam de burocracia, demora e erros nos balcões de repartições

Por Vera Batista e Marlene Gomes, para o Correio Braziliense.

O corte drástico de orçamento prejudicou várias áreas do serviço público. Da emissão de passaportes, passando pela paralisação de áreas prioritárias, como segurança, saúde, educação e projetos fundamentais para a população de baixa renda.

No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o contribuinte,  que arca com pesados impostos, é  prejudicado. Dados da ONG Contas Abertas mostram que o valor pago para o funcionamento das unidades descentralizadas, por meio do programa Previdência Social do Ministério do Trabalho, foi de R$ 70,3 milhões, de janeiro a julho deste ano, o que representa uma queda de 78,7%, na comparação com igual período do ano passado — quando bateu R$ 330 milhões.

Em muitas situações, não se trata apenas de falta de recursos. Especialistas chamam atenção para a necessidade de melhora da produvitividade do setor público, o que é um problema crônico no Brasil devido à dificuldade de punir quem tem desempenho insuficiente. Agora, com os cortes de recursos, a situação se agrava. Há avaliações de que isso esteja sendo usado para justificar, de modo consciente ou não, a ineficiência.  É uma mistura de desalento com falta de dedicação proposital — o que fica difícil de ser combatido no quadro de escassez e de dificuldades generalizadas.

Maria Ines de Souza Alves sabe o que é isso. Foi atualizar o endereço no posto de atendimento da Previdência Social, na Asa Sul. Do Jardim Mangueiral, onde reside, viajou em dois ônibus sob calor intenso. Às 14h30, recebeu a senha no posto. Foi atendida duas horas depois — e quase teve que voltar. O atendente atualizou o endereço com dados errados. “Ele estava muito desatento. Ainda bem que eu prestei atenção para não ter mais transtornos”, desabafa Maria Ines.

Fabíola de Souza Duarte, vai constantemente ao posto da W3 Sul para uma perícia de reabilitação profissional. Ela sofre de uma doença que afeta o formato e a espessura da córnea, provocando a percepção de imagens distorcidas e borradas. Assim, não trabalha há quatro anos. “Em  2015, o INSS negou a minha aposentadoria por causa da idade. E, de seis em seis meses, continuo tendo que comparecer ao posto, porque o serviço de reabilitação profissional não pode ser agendado por telefone”, explicou.

Sindicalistas afirmam que as condições de trabalho são inadequadas. “Falta de tudo: papel para imprimir processo, café, ar-condicionado e segurança nas agências, em um momento perigoso, em que se retiram direitos do trabalhador e o número de agressões a servidores cresce”, afirma Sandro Alex de Oliveira Cezar, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS).

“Raramente se veem filas. Tudo agora é virtual. As pessoas demoram de quatro a cinco meses para agendar um atendimento. Trocaram a fila real pela fila virtual. A população, agora, sofre em casa”, diz Cezar.

A tesourada nem sempre aparece à primeira vista. E, às vezes, o remanejamento de recursos fica mais caro para o governo, que deixar de cumprir a meta.

“O Programa de Fiscalização por Sorteio Público, do Ministério da Transparência e Controle (CGU), que envia auditores a municípios com até 500 mil habitantes para fiscalizar a aplicação de recursos federais, é o mais afetado com a escassez de recursos”, destaca Rudinei Marques, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon).

“Nos órgãos ambientais, os fiscais não conseguem trabalhar porque não têm gasolina para as viaturas. Mais grave é a situação do combate a endemias.  A consequência pode ser a proliferação de doenças que já estavam erradicadas”, aponta Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef).

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) já não faz escoltas de cargas estratégicas e rondas. “Só se faz atendimento a acidentes. Os assaltos a ônibus cresceram 550%; a cargas, 107%; e o número de mortes, 4%, entre julho de 2017 e julho de 2017”, conta Deolindo Carniel, presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF).

A fiscalização do trabalho escravo não funciona desde maio e tem apenas R$ 6,6 mil em caixa. “Em 21 de julho, denunciamos à OIT que o Brasil não está respeitando várias convenções de diretrizes de inspeção que ratificou” , conta Carlos Silva, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

As situações se repetem no setor de segurança. “Até os contratos de manutenção de viaturas, passagens e diárias estão prejudicados. O orçamento de 2017 veio 50% inferior ao de 2016. E, em seguida, sofreu contingenciamento de 44%”, argumenta Luis Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).  “Várias missões serão abortadas por ordem da Superintendência, por falta de recursos para pagamento de diárias”, denuncia Éder Fernando da Silva, presidente do SinpecPF, que representa os administrativos da PF.

A economista Grazielle David, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), destacou que nem sempre o corte nas despesas é aparente. “As consequências dentro dos estados e municípios são graves. Algumas ficam escondidas porque os governadores, ao remanejarem os recursos, tiram sempre da educação e da saúde”, diz Grazielle.

Mineradora avança sobre território quilombola

A maior produtora de bauxita do Brasil, a empresa Mineração Rio do Norte (MRN), está em processo de expansão de sua área de extração na região de Oriximiná, ameaçando territórios quilombolas. O alerta foi feito pela Comissão Pró-índio na página Quilombolas em Oriximiná.

A empresa, que tem a Vale como principal acionista, extrai minério do interior da Floresta Nacional Saracá-Taquera desde a década de 1970.  Contudo, em abril deste ano, a Mineração Rio do Norte protocolou o pedido de Licença Prévia e os Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a extração de bauxita em novos platôs que atingem áreas de florestas que há anos garantem aos quilombolas alimento e fonte de renda.

Em carta aberta ao Ministro do Meio Ambiente e aos presidentes do Ibama, Incra e Fundação Cultural Palmares lideranças quilombolas reivindicaram a suspensão imediata do licenciamento ambiental. “Que nenhuma licença seja concedida para a Mineração Rio do Norte até a titulação de nossas terras”, exigiram. Até 3 de agosto, o EIA ainda estava sob análise do Ibama.

Leia também: Quilombolas lançam campanha “O Brasil é Quilombola, Nenhum quilombo a menos!”

A carta assinada pela Associação Mãe Domingas, Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná e a Cooperativa Mista Extrativista dos Quilombolas do Município de Oriximiná exige também que o Incra agilize a conclusão do processo de regularização de seus territórios iniciado há mais de 10 anos.  Nenhum dos órgãos de governo se manifestou sobre a carta.

Leia mais >>> http://www.quilombo.org.br/mineracao

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Entenda como os ricos pagam menos impostos

Quem tem uma melhor situação financeira do que a média da população consegue fazer o chamado planejamento tributário e evita, assim, pagar os impostos devidos – muitas vezes paga menos que um trabalhador comum. Para isso, abrir uma empresa está entre as estratégias mais recorrentes dos mais ricos, aponta reportagem da BBC publicada esta semana.

Registrar imóveis e veículos em nome da empresa e fazer “doações” de patrimônio para instituições criadas pelos próprios doadores são alguns dos mecanismos utilizados. Contudo, todas as estratégias estão previstas na legislação brasileira, como a isenção de impostos no Brasil dos lucros e dividendos recebidos por pessoa física. A justificativa é que esses rendimentos já seriam taxados dentro das companhias, que pagam ao Fisco até 34% de seu lucro.

É também por esse motivo que o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) defende a reconfiguração do sistema fiscal e tributário. Em entrevista ao programa Expressão Nacional da TV Câmara, realizada em junho passado, nossa assessora política Grazielle David explicou que o tributo não é um mal em si, pois tem um propósito de atender às demandas sociais e garantir o financiamento das políticas sociais. “Para quê existe tributo, afinal de contas? O tributo serve para financiar as necessidades da população, para organizar um Estado, para garantir infraestrutura, para permitir inclusive a economia fluir, a movimentação econômica, e garantir direitos”, explicou.

Grazielle também criticou a composição da carga tributária no Brasil que, ao tributar mais o consumo do que a renda, penaliza desproporcionalmente aqueles que ganham menos. “Se eu vou a um supermercado e compro um produto, e eu ganho dois salários mínimos, pago o mesmo imposto que uma pessoa que ganha 20 salários mínimos.” O cenário brasileiro é de uma tributação que, em vez de redistribuir, amplia a concentração de riqueza no país, penalizando quem menos recebe.

Assista ao programa na íntegra:

Os entrevistados da reportagem da BBC opinam que a reforma tributária que está sendo discutida no Congresso não tratará de praticamente nenhuma dessas questões, centrando esforços somente na substituição de tributos como o ICMS, ISS e PIS/Cofins por um imposto único. O economista Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, defendeu uma “reforma tributária real” que acabasse com todos os regimes especiais e unificasse a alíquota em 22,5% para todos os rendimentos de capital. (leia mais)

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Brasil dá vexame em ranking latino americano sobre mulheres nos parlamentos nacionais

O Brasil ficou na terceira pior posição em ranking recentemente divulgado sobre igualdade de gênero na política na América Latina, Caribe e Península Ibérica (Portugal e Espanha), com 9,9% de mulheres eleitas no Parlamento nacional, ficando à frente apenas de Belize (3,1%) e Haiti (0%). Segundo os dados do Observatório de Gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o país com mais mulheres eleitas na região é a Bolívia, com 53,1% – bem acima da média latino americana e caribenha, que é de 28,8%.

O Brasil aparece mal na foto também no ranking mundial de 172 países Mulheres na Política, estando apenas no 154º lugar, considerando 10,7% de mulheres na Câmara e 14,8% no Senado.

A análise revela que a média regional é de cerca de 28%, com os maiores avanços para garantir maior equilíbrio de gênero sendo observados no México e em El Salvador, devido à lei de paridade e quotas, respectivamente. Atualmente, o México possui 42,4% de mulheres no parlamento e El Salvador, 32,1%.

“O empoderamento político das mulheres é uma das seis prioridades do mandato da ONU Mulheres, no mundo, e está presente em uma série de instrumentos internacionais. Em 1990, o Conselho Econômico e Social da ONU recomendou, para 1995, a meta de 30% de participação das mulheres em cargos de liderança, e de 50% até o ano 2000”, considera Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil.


Em 2016 o Inesc fez uma análise do perfil das candidaturas brasileiras para as eleições 2016 e atestou o sexismo e racismo das estruturas de poder no país. Segundo o levantamento feito, que levava em conta candidaturas aos cargos de vereadora e prefeita, das 493.534 candidaturas em todo o Brasil, 156.317 era do sexo feminino e apenas 14,2% (70.265) de mulheres negras concorrendo ao cargo de vereadora, e 0,13% (652) ao cargo de prefeita – considerando-se “negra” a somatória das variáveis ‘pretas’ e ‘pardas’. Se considerarmos somente as candidatas que se auto-declararam ‘pretas’, o número é ainda menor: 0,01% (60) para prefeitura, 0,03% vice prefeitura (135), 2,64% (13.035) se candidataram ao cargo de vereadora.

Os dados também demonstram a tendência à sub-representação de mulheres em geral (brancas, pretas, pardas, amarelas e indígenas): em todo o país, temos 12,6% para candidaturas ao cargo de ‘prefeita’, 17,4% para ‘vice-prefeita’ e 32,9% para ‘vereadora’ – ou seja, 87,4% das candidaturas a prefeituras de todo o país é composta por homens.

Em 2014, o Inesc publicou análise semelhante para as eleições daquele ano. O “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia” revelou que, apesar de as candidaturas das mulheres cumprirem então a cota de 30% prevista em lei, ainda continuavam sendo minoria em todos os partidos políticos. E no quesito racial, as candidatas pretas e pardas, bem como as indígenas, também não tinham espaço.

Há dois anos, o Parlatino (Parlamento Latino-americano e Caribenho) adotou a Norma Marco para Consolidar a Democracia Paritária, elaborada em cooperação com a ONU Mulheres para Américas e Caribe, para impulsionar o aumento da participação das mulheres na política na região. Saudado por políticas, especialistas em gênero e ativistas dos movimentos feministas e de mulheres da América Latina e Caribe, o Marco Legal estabelece a democracia paritária como modelo de democracia no qual a paridade e a igualdade substantiva entre mulheres e homens são os eixos estruturantes do Estado inclusivo.

São objetivos da democracia paritária: um novo contrato social e forma de organização da sociedade para erradicação de toda exclusão estrutural, em particular, contra as mulheres e as meninas; um novo equilíbrio social entre mulheres e homens no qual ambos assumam responsabilidades compartilhadas na vida pública e privada; Estado e sociedade que se articulem sobre a base da igualdade substantiva em todas as dimensões e processo de tomada de decisão baseada na composição paritária. Uma democracia paritária compreende a igualdade substantiva. É uma democracia real, eficaz, inclusiva e responsável.

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Do assentamento para a sua mesa: 1 ano de Armazém do Campo

Famílias assentadas pela reforma agrária são as responsáveis pela produção dos alimentos expostos nas prateleiras do Armazém do Campo – um presente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para a cidade de São Paulo.

Com um ano de funcionamento, a loja é um exemplo de resistência contra o ataque às políticas de combate à fome, desigualdade e pobreza, ao oferecer alimentos saudáveis e baratos para a população. Produtos não perecíveis, como arroz, feijão, geleias e leite em pó, além de frutas e verduras frescas, são alguns dos alimentos comercializados.

O coordenador nacional do MST João Pedro Stédile explica que o espaço funciona também como uma “tribuna” permanente para o assentado dialogar com a população paulistana e mostrar que é possível produzir alimentos sem veneno para todos/as.

“No fundo, nós lutamos por terra para isso, para poder produzir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, para todo mundo. O agronegócio vive fazendo propaganda, mas não produz alimentos. Produz lucro. Para eles. E para produzir em grande quantidade, de escala, eles enchem de veneno a soja, o milho, que um dia pode dar câncer”, disse Stédile (saiba mais aqui).

Ao contrário do que diz o governo ilegítimo de Michel Temer, o problema da fome voltou a afetar a população mais vulnerável no Brasil. Artigo recente de Nathalie Beghin e Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), revela que a insegurança alimentar e nutricional voltou a assombrar o país. Ao mesmo tempo, o atual governo desmantela as políticas públicas de incentivo à produção de alimentos saudáveis, congela gastos públicos e retira direitos da população.

Para as autoras é preciso resistir:

“Na lógica dos governantes de plantão, comprovadamente corruptos, pouco importa a volta da fome, já que conseguem, mesmo sem voto e sem popularidade, a façanha de assegurar o enriquecimento das elites. Não há qualquer interesse, nem vontade política, de caminhar na direção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por isso é preciso resistir mais que nunca, e lutar para impedir os retrocessos porque a grande maioria da população brasileira só tem a perder com esse arranjo político em exercício.”

Leia a íntegra do artigo aqui.

Em outro texto, Nathalie Beghin dá um depoimento sobre os 11 anos da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), lembrando os bastidores da formulação dessa lei que tinha como objetivo central assegurar o direito humano à alimentação adequada. “Naquela ocasião estávamos animados pelo espírito de esperança e convencidos de que a batalha contra a fome poderia ser vencida”, explica a coordenadora da Assessoria Política do Inesc.

Para Nathalie, o aniversário de 11 anos da Losan exige que denunciemos medidas e propostas de iniciativa dos poderes Executivo e Legislativo que trazem a fome de volta.

“Esse é o caso do congelamento dos gastos por 20 anos, dos cortes orçamentários que afetam especialmente os mais pobres, do aumento das exigências para o acesso ao seguro desemprego e outros benefícios sociais como o Bolsa Família, da flexibilização das leis trabalhistas que aumenta a precarização dos trabalhadores, da reforma da previdência que irá penalizar sobretudo mulheres, do esvaziamento das políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e da expulsão dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais de suas terras e territórios. Se quisermos ser parte de um país justo e inclusivo, temos que pôr fim a essas medidas e propostas! Temos que nos posicionar e mobilizar as pessoas a favor de um Estado redistributivo”.

Confira a íntegra do artigo aqui.

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Acabou o dinheiro para combater o trabalho escravo e infantil no Brasil

O teto de gastos e o corte orçamentário anunciado pelo governo Temer este ano já começaram a apresentar seus nefastos efeitos para o país. Ontem (segunda-feira, 21/8), em audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, foi anunciado que as verbas orçamentárias para o combate ao trabalho escravo e infantil em 2017 no Brasil acabaram este mês. “O corte de recursos do Ministério do Trabalho foi de aproximadamente 50%, mas para a Fiscalização do Trabalho o corte foi mais alto, de 70%”, afirmou Carlos Silva, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

Carlos Silva informou ainda que o quadro de funcionários da Auditoria-Fiscal do Trabalho é o menor dos últimos 20 anos. Se nada for feito, afirmou, a auditoria-fiscal do trabalho vai parar.

Matheus Machado, assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), explicou que os recursos para o Ministério do Trabalho usar na fiscalização do trabalho vêm caindo desde 2008 e que desde 2014 não é mais possível monitorar os valores destinados para esse fim. “Agora, só podemos acompanhar o montante de recursos do Ministério, não tem mais nada específico. Pedimos mais transparência nesses aportes financeiros.”

Com o anúncio do fim do dinheiro disponível para o combate ao trabalho escravo e infantil durante a audiência, o senador Paulo Paim (PT/RS), representantes dos auditores fiscais do trabalho e das instituições presentes decidiram pedir audiência com o ministro do Trabalho para pedir soluções ao contingenciamento do orçamento do Ministério do Trabalho. Paim afirmou ainda que apresentará uma emenda pela CDH para garantir recursos para a fiscalização na questão de combate ao trabalho escravo. Além disso, a CDH vai encaminhar um pedido ao Ministério do Trabalho pedindo mais transparência dos recursos orçamentários da fiscalização no combate ao trabalho escravo.

Leia mais sobre a audiência pública aqui.

No site Investimentos e Direitos na Amazônia foi publicada nesta terça-feira (22/8) reportagem sobre empréstimos feitos pelo BNDES a empresas que exploram trabalho escravo na Amazônia Legal. Entre os anos 2000 e 2016 foram emprestados quase R$ 90 milhões para empresas e pessoas físicas que constam da Lista Suja do Trabalho Escravo nos estados da Amazônia Legal.

Para Antonio Carlos Mello, coordenador do programa de combate ao trabalho forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT), existe a necessidade urgente de o sistema financeiro ter um olhar mais criterioso para a conformidade trabalhista e também ambiental, especialmente (mas não apenas) nas instituições públicas como o BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, entre outros.

Leia aqui a íntegra da reportagem.


Governo e sociedade civil discutem campanha de mobilidade urbana para Ilhéus

Do Instituto Nossa Ilhéus.

Temas como segregação socioespacial, acessibilidade, mobilidade adequada para idosos, mulheres e crianças, ciclovias, estudo de mobilidades alternativas, além do uso do espaço público no município de Ilhéus, foram debatidos em uma reunião que contou com a presença de setores que dialogam sobre a defesa de políticas de Mobilidade Urbana. A reunião foi realizada no último dia 14/8 no Centro Administrativo, no bairro da Conquista. O vice-prefeito de Ilhéus e secretário de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável, José Nazal Pacheco Soub, se encontrou com a Comissão de Elaboração do Plano Municipal de Mobilidade Urbana, agentes diretamente envolvidos na construção de uma campanha que promoverá uma série de eventos públicos, seminários, campanhas educativas e concursos culturais.

“A reunião serviu para trazer ideias para o plano de mobilização, que busca a priorização dos pedestres, portadores de necessidades especiais, ordenando as ações que são importantes em nossa cidade, visando atender a uma demanda que não é somente uma exigência legal, mas uma reivindicação da sociedade que hoje se impõe para ter esse atendimento”, disse o vice-prefeito.

O encontro contou com a presença do diretor de Transporte e Trânsito da (Sutran), Gilson Nascimento; da diretora presidente do Instituto Nossa Ilhéus (INI), Maria do Socorro Mendonça; do representante do Rotary Club de Ilhéus Jorge Amado, Armando Brum; do vice-presidente do Rotary Club de Ilhéus, Ricardo Becker; da presidenta da Associação Beneficente dos Deficientes Físicos de Ilhéus (ABEDEFI), Cleide Avelino; dos representantes da Associação Ilheense de Ciclismo, Amil Gomes dos Santos e Agnaldo Batista de Canabrava (Guigui); representantes do Instituto Nossa Ilhéus; da ABEDEFI, além dos servidores das secretarias municipais de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável (Seplandes) e Turismo (Setur).

A semana – Programada para acontecer de 14 a 22 de setembro, a Semana de Mobilidade Urbana tem o propósito de debater soluções para um dos principais gargalos urbanos de Ilhéus, que passam pela ocupação do solo, qualidade da malha viária, dos transportes coletivos e alternativos, o maciço de veículos particulares, regulamentação de transportes privados de passageiros, além do projeto da regulamentação dos mototaxistas.

Além disso, a Comissão está organizando dois concursos culturais e de Arquitetura, com a participação de graduandos do curso que apresentarão projetos que visem alternativas de melhorias e valorização do centro histórico da cidade. O outro é de Fotografia em Selfie, que terá o tema: “Essa rua tem história”, retratando a rua e escrevendo uma pequena história pitoresca da localidade.

Fortalecimento – O projeto da União Europeia, intitulado Orçamento e Direito à Cidade – Fortalecimento e Organizações da Sociedade Civil para Monitoramento e Incidência na Política de Mobilidade Urbana, é coordenado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), e contemplou Ilhéus, em maio deste ano, por meio do Instituto Nossa Ilhéus (INI) , com o projeto de fortalecimento de políticas de mobilidade urbana, visando promover maior transparência e a efetiva implementação do direito à mobilidade e à cidade, tendo como base a equidade e a sustentabilidade.

A diretora presidente do INI, Maria do Socorro Mendonça, disse que essa política deve ser pensada e discutida de forma participativa e transparente. “A intenção desse projeto é despertar no cidadão o interesse de acompanhar o orçamento público, assunto importante que mostra se os governos estão utilizando os recursos para a melhoria da qualidade de vida das pessoas”, ressaltou.

Já a presidente da ABEDEFI, Cleide Avelino, destacou a importância da Semana, quando o que mais atinge os deficientes é a acessibilidade. Para ela tanto nos transportes, nas vias, nos estabelecimentos públicos e privados, em todo lugar merece um olhar mais ampliado sobre o assunto. “O transporte público, por exemplo, é uma das problemáticas em nossa cidade, pois na maioria das vezes trafegam com o equipamento danificado, impedindo o direito de ir e de vir da pessoa com deficiência”, desabafou.

O diretor de Transporte e Trânsito da Sutran, Gilson Nascimento, disse que este momento é bastante propício para a cidade pois trata de um assunto que envolve a preservação da vida humana. “Esse momento coaduna com a Semana Nacional do Trânsito e o objetivo nosso é tentar fazer um chamamento a comunidade quanto o assunto é mobilidade urbana, envolvendo motoristas, ciclistas, pedestres, deficientes, idosos, além do respeito as calçadas entre outros pontos de discussão”, completou.

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Julgamento no STF: A tese do marco temporal continua ameaçando os povos originários

Por Leila Saraiva, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

No último dia 16, o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu duas ações que contestavam a demarcação de terras indígenas no país, com pedido de indenização por parte do estado do Mato Grosso pela demarcação do Parque do Xingu e das terras Pareci e Utiariti (povo Pareci) e Nambikwara, Salumã e Tirecatinga (do povo Nambikwara). A decisão foi unânime: 8 votos a 0 pela improcedência das ações.

O resultado foi celebrado pelos indígenas e por todos nós que apoiamos a luta deles e estivemos mobilizados para acompanhar a votação e pressionar por uma decisão favorável. Os votos dos juízes do STF mostraram o inquestionável caráter tradicional da ocupação das terras no Mato Grosso. Além de não obter as indenizações, o Estado foi também condenado a arcar com os R$ 100 mil de despesas decorrentes dos custos dos processos.

O veredito sem dúvida nos deixa respirar um pouco mais aliviadas, sobretudo em tempos de tantos retrocessos, nos quais constantemente os julgamentos da Suprema Corte parecem nos empurrar para lugares cada vez mais sombrios.

Havia uma terceira ação a ser votada no STF nesse mesmo dia, a ACO 496 da Fundação Nacional do Índio (Funai) contra o Estado do Rio Grande do Sul, exigindo a nulidade de títulos que atingem e ameaçam a terra indígena Ventarra, do povo Kaingang. E era justamente essa votação que trazia maior apreensão para todos os que lutam pelos direitos dos indígenas, por se tratar de uma demarcação de terra posterior a 1988 – ano da promulgação de nossa atual Constituição Federal. Temia-se que a tese do chamado “marco temporal” defendida pelos ruralistas viesse à tona, tornando-se o novo critério para a demarcação de terras indígenas no país. A pedido da própria Funai e do estado do Rio Grande do Sul, o relator da ação, ministro Alexandre de Morais, a retirou da pauta, deixando de certa forma suspensa essa discussão crucial. Não há nova previsão de data para o julgamento dessa ação.

Marco temporal1 não vingou…

Embora de certa forma excluído da pauta da votação deste dia 16, o marco temporal não deixou de ser discutido por vários ministros – e criticado. Em geral, as intervenções no plenário foram bastante positivas para os/as indígenas. Os direitos originários indígenas sobre seus territórios foram reafirmados, tal como já define a Constituição de 1988, a começar pelo posicionamento do relator das ações julgadas, ministro Marco Aurélio.

Merecem ainda destaque as apreciações de pelos menos outros dois ministros: Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. Barroso foi o mais veemente na oposição à tese ruralista, considerando-a um contrassenso, ressaltando a histórica e presente violência sofrida pelos indígenas nas expulsões de suas terras. Já Lewandowski, além de reafirmar a importância de convenções como a 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para questionar a tese do marco temporal, também apresentou um contraponto à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, reafirmando a validade e seriedade dos laudos antropológicos, constantemente atacados pelos ruralistas.

Em sentido oposto, o ministro Gilmar Mendes se destacou pelo caráter racista de sua argumentação. Ainda que também tenha votado a favor da improcedência da indenização ao estado do Mato Grosso, destilou em sua intervenção uma série de absurdos anti-indígenas, em que ecoam todo o racismo institucional historicamente sofrido pelos povos originários em nosso país. Entre os comentários inaceitáveis do ministro está a insinuação de que a identificação étnica de diversas populações indígenas não se dá por pertencimento, mas por uma espécie de “sociopatia” (SIC), que culminou na infame pergunta: “o que é mais conveniente, ser sem-terra ou ser índio?”.

…mas não caiu.

Embora a tese do marco temporal não tenha se consolidado no julgamento realizado esta semana no STF, tendo sido até mesmo combatida por alguns ministros, a bandeira ruralista está longe de ter sido derrotada. Vale lembrar do parecer recentemente assinado pelo presidente Michel Temer, que orienta toda administração federal a exigir, para dar prosseguimento aos processos de demarcação de terras indígenas, que a área reivindicada estivesse ocupada pelos indígenas na data da promulgação da Constituição. Ou seja, segundo esse parecer, o marco temporal já está em vigor, podendo paralisar 748 processos de demarcação atualmente em curso, segundo estimativa da Advocacia Geral da União (AGU).

Foi, aliás, a própria representante da AGU que fez questão de não nos deixar esquecer do referido parecer, em sua intervenção no julgamento realizado no STF. A advogada Greice Mendonça usou parte de seu pronunciamento para defender o parecer assinado no dia 19 de Julho de 2017, segundo ela, “tomando a liberdade de fazer esse registro, à luz de certas incompreensões que volta e meia são noticiadas”. A explícita e despropositada defesa do parecer, que na prática institui o marco temporal, afirma que tal medida estaria em absoluta consonância com a jurisprudência da Suprema Corte bem como com as ideias do “legislador constituinte originário”. Ainda segundo a advogada da AGU, o objetivo do parecer é fazer a política de demarcações ter “livre fluxo”, viabilizando-a.

Sabemos, no entanto, que trata-se exatamente do oposto. O parecer assinado por Temer anda de mãos dadas com os projetos do agronegócio, tendo sido resultado de uma articulação entre a bancada ruralista, a própria Greice Mendonça da AGU e a Casa Civil. Tal articulação, aliás, sequer acontece em segredo: dias antes do anúncio da assinatura da portaria por Temer, o deputado Federal Luiz Carlos Heinze, membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, divulgou um vídeo anunciando que o “parecer vinculante” estava por vir.

Assim, e como também afirmou a própria advogada da AGU, enquanto o STF não discutir (e derrubar) o marco temporal, as demarcações indígenas continuam sob o julgo desta portaria e, consequentemente, encontram-se ainda mais ameaçadas. Se é verdade que podemos celebrar o julgamento do dia 16 de agosto como uma vitória, a resistência a essa e a outras medidas inimigas dos povos indígenas não pode se desarticular.

*Assessora Política do Inesc

1 A tese afirma que a ocupação das terras só pode ser considerada tradicional caso haja presença indígena comprovada na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de Outubro de 1988. Como artimanha ruralista, o marco temporal ignora as expulsões sofridas e constantes, assim como as diversas tentativas dos povos indígenas de retornarem a seus territórios que foram e são impedidas com violência por latifundiários e pelo próprio Estado. Para saber melhor as implicações do marco temporal, ver: https://inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2017/agosto/a-memoria-da-terra-o-que-o-marco-temporal-nao-pode-apagar

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Mais bicicletas, menos vítimas fatais: 19 de agosto, Dia Nacional do Ciclista

Todo dia é dia de pedalar, principalmente para aqueles que usam a bicicleta como meio de transporte. Mas o dia 19 de agosto é um marco especial. A data é uma homenagem para o biólogo brasiliense Pedro Davison, atropelado por um motorista embriagado e em alta velocidade no Eixo Rodoviário Sul, via urbana que cruza transversalmente a cidade de Brasília.

Há dez anos o dia é lembrado espontaneamente em todo o país e deve se tornar oficial ainda em 2017. O Projeto de Lei do Dia Nacional do Ciclista é um símbolo da justiça contra os crimes no trânsito e pela defesa do uso da bicicleta.

O PL 5988/ 2016 já foi aprovado na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado, onde será relatado pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

O Distrito Federal conta hoje com cerca de 420 quilômetros de ciclovia e tem cerca de 2% de seus deslocamentos feitos de bicicleta. Em todo o Brasil já chega a 6%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No entanto, o número que vem chamando a atenção é a redução do número de ciclistas vítimas fatais. Embora os crimes de violência no trânsito ainda aconteçam, os boletins do DETRAN DF indicam a redução de vítimas fatais envolvendo bicicleta.

Em 2016, foi registrado o menor valor desde o começo dos anos 2000 (Veja o gráfico abaixo). Ainda assim, 19 pessoas tiveram suas vidas ceifadas pela ausência de paz no trânsito.

A conquista é importante, porém, para que não haja retrocesso, é fundamental não esquecer. A mensagem de esperança no Dia Nacional do Ciclista é trazida pela programação realizada por diferentes movimentos e iniciativas cuja mensagem é uma só: paz no trânsito.

PROGRAMAÇÃO

Pedal Cidadão

Passeio ciclístico acontece nesse sábado (19/8) para celebrar o Dia Nacional do Ciclista e também o Dia Nacional de Luta da População de Rua. A concentração será às 8h no Taguaparque. A iniciativa é do “Projeto Pedal Cidadão”, que é desenvolvido no Centro Pop de Taguatinga. O projeto tem como objetivo a capacitação de moradores de rua para trabalharem como mecânicos de bicicleta.
O Pedal Cidadão arrecada bicicletas novas, seminovas ou usadas e peças para seu conserto. As bicicletas são doadas às pessoas em situação de rua.

DFTV Cidadão na Cidade Estrutural

Rodas da Paz e Rede Globo repetem parceria na edição do DFTV Cidadão na Cidade Estrutural. Nos dias 18 e 19 de agosto, das 9h às 16h, as pessoas poderão levar suas bicicletas para fazer pequenos reparos na oficina mecânica itinerante. A Cidade Estrutural é a região Administrativa onde a população mais usa a bicicleta para ir ao trabalho, com 6% dos deslocamentos.

Cine Pedal

Já o Detran faz mais uma edição do especial Cine Pedal, no dia 18/8 em Samambaia, 19/8 na Cidade Estrutural (em frente ao restaurante Comunitário) e dia 20/8 no Recanto das Emas.

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Secretário de Saúde de Doria admite que Unidades Básicas de Saúde serão fechadas

Por Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual.

São Paulo – A gestão João Doria (PSDB) deverá mesmo fechar Unidades Básicas de Saúde (UBS). A confirmação foi feita pelo secretário municipal da Saúde de São Paulo, Wilson Pollara, durante audiência pública realizada na tarde de ontem (16), pela Comissão de Saúde da Câmara Municipal, para discutir a chamada reestruturação da rede.

“Não temos nenhuma intenção de fechar UBSs”, disse, emendando: “a unidade de atendimento não é (mais) a UBS, mas a equipe de saúde da família. Hoje temos UBSs que são inadequadas, com 50, 100 metros quadrados. Com certeza, essas serão fechadas”, admitiu. Em nenhum momento, porém, falou em obras de readequação ou ampliação desses espaços que, segundo ele estão em imóveis alugados. Tampouco em que regiões da cidade estão distribuídos.

O gestor chegou a desdenhar da preocupação de usuários, médicos, servidores e defensores do Sistema Único de Saúde quanto ao temor de desativação de serviços. “Eu não gostaria mais que se falasse em desmonte. Nós não vamos desmontar nada. Não sei quem, acho que nessa sala mesmo, falou que eu ia fechar farmácia. Gente, eu nunca falei que ia fechar farmácia. Tem coisa que colocam na boca do secretário e parece que vira verdade. Nós vamos readequar, por um caminho certo”, disse.

“Esse negócio de fechamento das AMAs é igual a batida do fechamento das farmácias. O prédio é uma coisa, o atendimento é outro. Nós vamos readequar o atendimento. É reestruturação, não fechar, desmontar. Nós não fechamos nada, gente. Ainda”, completou, em meio a protestos.

No início de junho, o prefeito Doria publicou em seu perfil no Facebook vídeo de uma visita à UBS da Vila Carioca, no bairro do Ipiranga. Na conversa com o coordenador de saúde da região sudeste, José Roberto Abdalla, fica claro um processo de fechamento da unidade construída para monitorar a saúde da população daquele bairro contaminada por resíduos de pesticidas, solventes e outros derivados de petróleo enterrados na área de um terminal da petrolífera Shell.

Pollara foi alvo de protestos também ao deixar transparecer um certo cinismo quando respondia às críticas à redução do tempo de funcionamento de onze postos na zona sul, desde o dia 1° deste mês. “Eu liguei para o doutor Marcos, da região sul, e falei: ‘você está maluco, fechando duas horas antes?’. ‘Não, doutor, foi um pedido da comunidade’. O médico fica oito horas. Para ficar até as 19 horas, tem de entrar às 11, 12 horas. É uma questão a ser acertada. Se a pessoa prefere o médico das 11 às 19, em vez de das 7 às 15, tudo bem. A prefeitura só readequou o tempo de presença do médico. Preferimos colocar duas horas antes do que depois”, disse, sob protestos.

Pollara sustenta que a mudança de horário daqueles postos não afeta a oferta dos serviços e que não há redução nas equipes. No entanto, servidores e usuários presentes ao debate afirmaram haver demissões em várias unidades.

Ajuste fiscal de Dória

A chamada reestruturação da rede municipal de saúde apresentada pelo secretário de Doria na abertura da audiência pública consiste no reordenamento dos serviços a partir da valorização da atenção primária à saúde, com foco na valorização da estratégia de saúde da família. Em tese, a proposta converge para o que há de mais efetivo em termos de promoção da saúde da população e na otimização de gastos públicos. No entanto, seu financiamento, baseado em receitas externas, principalmente com recursos federais, parece ignorar a atual conjuntura.

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A ser implementada de maneira gradual, segundo o gestor, consiste ainda na transformação de unidades maiores das AMAs em UPAS, nas quais serão atendidos casos mais simples, deixando para os chamados hospitais estruturantes o atendimento de média e alta complexidade. Essa transformação, segundo ele, “apenas trocando a plaquinha”, permitirá o reconhecimento junto ao Ministério da Saúde para repasse de recursos.

“A reestruturação proposta pela prefeitura pressupõe mudanças que não são bem vindas na atual conjuntura, de aumento do desemprego, quando a população empobrece e aumenta a demanda pelo SUS. O momento é ruim. O governo federal congelou por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, com perdas para a saúde, o que exigirá mais investimentos dos municípios, que no caso de São Paulo já anunciou corte de R$ 1,3 bilhão. Isso sem contar as mudanças previstas na Política Nacional de Atenção Básica, que deverá retirar recursos para a estratégia de saúde da família. Então as oportunidades de financiamento apresentadas pelo secretário são incertas”, advertiu o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti.

Gatti pediu mais transparência da gestão na divulgação de detalhes da reestruturação, informando números, valores, calendários e destino dos servidores, entre outros aspectos. E pediu pressão dos vereadores sobre o executivo. “Não podemos aceitar que nenhum serviço seja fechado sem que antes tenhamos um melhor para oferecer à população”.

O temor de cortes na oferta de serviços, negados sem convicção por Pollara, vem de restrições orçamentárias anunciadas pela própria gestão. Além do corte de R$ 1,4 bilhão, conforme corrigiu o gestor na audiência, há o contingenciamento sobre o qual a secretaria não fala.

Dados de uma pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apresentados pelo médico de família Stephan Sperling, preceptor da residência médica da especialidade na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), dão ideia das dificuldades que a população está enfrentando com o estrangulamento na oferta dos serviços. Analisando a prestação de contas da Secretaria Municipal de Saúde até o mês de julho, o estudo conclui que, até o período, menos da metade do orçamento havia sido empenhado em diversos setores – quando o esperado é que fosse além da metade.

“Houve contingenciamento de quase 100% dos recursos para serviços auxiliares de diagnóstico, que são os exames; em assistência farmacêutica, 8% está congelado; do previsto para reformas de unidades, 33%”, destacou o especialista, que integra o Núcleo São Paulo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).

“Como a gente pode pensar em universalizar a estratégia de saúde da família, como pretende a gestão, se há esse contingenciamento e se a perspectiva é de congelamento dos investimentos federais por 20 anos?”, questionou, apelando à gestão que reprove, junto ao Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), a proposta de alteração da Política Nacional de Atenção Básica em discussão no Ministério da Saúde. Entre outras coisas, a reforma defendida pelo ministro Ricardo Barros retira recursos dos programas de saúde da família.

Pollara, que deixou muitas questões sem resposta, se comprometeu a não fechar postos de saúde antes que tenha aberto outro.

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A memória da terra: o que o marco temporal não pode apagar

Por Andressa Lewandowski, Luísa Molina e Marcela Coelho de Souza, para o site Le Monde Diplomatique Brasil

Desgraçado país o que tenha medo de livrar-se dos próprios erros porque para liberta-se deles tenha de exibi-los. Mil vezes exibi-los, e expondo-os inspirar horror, para que nunca mais voltem a repetir-se, do que envergonhadamente ocultá-los e ocultando-os, protegê-los, com o risco de voltarem amanhã, confiados na complacência que enseja, senão estimula os abusos.

(ministro Paulo Brossard)

“Nossa História não começa em 1988”, afirma a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil. Concomitante ao lançamento dessa campanha, alguns de seus representantes percorreram os gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, tentando convencer os juízes daquilo que parece óbvio: o caráter originário dos seus direitos territoriais. Trata-se de uma peregrinação que tenta mostrar ao tribunal – a quem cabe a precípua guarda da Constituição Federal (CF) –, o que diz e o que não diz a própria Carta Magna. Isto é: mostra aos ministros que a tese por eles denominada “marco temporal” de ocupação – que limita a demarcação de terras indígenas àquelas áreas sob a posse dos coletivos indígenas em 5 de outubro de 1988 – é uma leitura equivocada e arbitrária do texto constitucional, que ignora toda a violência sofrida por esses povos nos períodos anteriores a 1988. Violência esta que, à luz do direito contemporâneo, não implica em nada menos do que crime de genocídio.

A intensa mobilização das organizações indígenas neste momento – especialmente em Brasília, mas também em outras capitais – tem como foco o julgamento, pelo STF, de três Ações Civis Originárias (ACOs), que estão na pauta plenário do tribunal no dia 16 de agosto. Duas dessas ações foram movidas pelo estado do Mato Grosso, que reivindica indenização pela demarcação do Parque Nacional do Xingu e das terras indígenas Nambikwára e Parecis. A terceira, impetrada pela Funai, pede a anulação de títulos incidentes na TI Ventara, no estado do Rio Grande do Sul. A despeito das especificidades de cada uma dessas ações, os três processos trazem mais uma vez ao plenário do Supremo, instância máxima do tribunal, o debate sobre os sentidos e a extensão da expressão constitucional “terras tradicionalmente ocupadas”, do artigo 231 da CF. A última decisão do plenário envolvendo esse debate foi em 2009, quando se decidiu pela demarcação contínua da TI Raposa Serra do Sol – aplicando naquele caso específico (e ainda que de modo controverso) o critério do marco temporal.

Mesmo sem caráter vinculante, a utilização desse critério no caso Raposa Serra do Sol serviu de referência para pelo menos três outros processos de demarcação (TI Guyraroká, TI Limão Verde, TI Porquinhos), que foram suspensos ou anulados por decisões da segunda turma do STF. Decorre daí a importância das decisões acerca das ações agora em pauta. São três processos que podem orientar e consolidar a jurisprudência do STF sobre a questão, tornando-se parâmetros concretos para os demais casos judicializados, e mesmo para a regulamentação do próprio processo administrativos de demarcação. Uma intepretação que admita o marco temporal para demarcação só serve como instrumento político de grupos econômicos cujos interesses são diametralmente opostos aos dos índios – grupos esses que são responsáveis por grande parte do esbulho e da violência promovida contra esses povos.

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Por outro lado, se um critério ou um marco objetivo é aquilo que faz falta para os ministros ou para o Estado, basta lembrar que a própria Constituição de 1988 é um marco. Mas o que ela marca não é e nem pode ser um limite temporal para o direito à terra – uma vez que, como insistem os povos indígenas, a história deles não começou em 1988, e tampouco terminou lá.  Parece tratar-se exatamente do contrário: ao proteger “seus usos costumes e tradições” e seus direitos originário sobre as “terras que tradicionalmente ocupam”, a Constituição celebra a resistência dos indígenas, reconhecendo os efeitos desastrosos da política de colonização, rompendo com o paradigma assimilacionista, e garantindo aos povos originários que, para “intergrar-se” à cidadania nacional, não lhes seja exigido des-integrarem-se de sua condição indígena. A terra é justamente parte fundamental do direito à diferença. Trata-se de uma promessa de futuro que celebra a pluralidade constituinte do país, como afirmação e positivação das diferenças constitutivas da nacionalidade.

Terra é vida

A peregrinação dos índios a Brasília cobra essa promessa: de que seja reconhecido o seu direito à diferença – o direito de existir enquanto coletividade distinta. Ao cobrá-la, repetem o que todos os povos, de uma forma ou de outra, estão dizendo a todo o momento: que viver (de acordo com) a sua própria cultura – ou existir enquanto coletividade distinta – não se dissocia de viver em suas terras. Estar na terra, viver com/na terra é condição de existência dos modos de vida desses povos. Não à toa, as reivindicações territoriais indígenas são invariavelmente formuladas em termos de uma relação que esses povos descrevem como intrínseca com suas terras – uma relação em que a terra só pode ser dita pertencer a eles na medida em que eles mesmos se veem como pertencentes a ela. Pertencentes, isto é, tendo sua identidade definida, como indivíduos e coletividades, pelos laços com um território que não é apenas recurso econômico mas universo social, político e religioso.

Vale notar que levar a sério essas afirmações está implicado no respeito ao princípio da autodeterminação indígena, como se vê na Declaração da ONU sobre os direitos desses povos e na Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil. E é preciso fazê-lo. Extraindo todas as consequências dessas afirmações e do fato de que elas são respaldadas por determinações constitucionais, torna-se possível ter alguma noção do que está em jogo hoje para os índios, além de vislumbrar a dimensão do retrocesso iminente, em relação a algumas das mais caras conquistas de nossa “Constituição cidadã”. Pois se a garantia da terra é, para esses povos, elemento imprescindível na garantia da vida – se a vida, como ela é conhecida (segundo o próprio modo de vida, a própria cultura) passa fundamentalmente por estar na terra –, expulsar comunidades inteiras (com reintegrações de posse, remoções e afins) ou negar-se a reconhecer determinadas áreas como Terra Indígena é agir diretamente sobre a possibilidade de vida desses povos. Em outras palavras, é promover vetores etnocidas e genocidas (isto é, de morte, uma vez que cultura e vida são indissociáveis para esses povos).

Foi inclusive com esses vetores que a própria Constituição buscou romper ao quebrar o paradigma assimilacionista e integracionista até então vigente – segundo os quais as formas de organização e modos de vida indígenas estariam destinados a desaparecer, com a dissolução dessas coletividades enquanto tais e assimilação de seus membros ao corpo dos “trabalhadores nacionais”. A proeminência da tese do marco temporal é uma das faces do fantasma desse paradigma, que volta a nos assombrar nestes tempos em que a retórica da cidadania e da “inclusão” dos índios é mobilizada, sem nenhum constrangimento, nos discursos de autoridades da República. Basta recordar a recente declaração do ministro da Justiça Torquato Jardim a um grupo de índios Terena, Kinikinau e Kadiweu: “É preciso estabelecer uma relação econômica de custo benefício com a terra que justifique vocês indígenas permanecerem nelas”. Nada mais distante do espírito e da letra da Constituição; nada mais distante da justiça.

Tradicionalidade e imemorialidade

O conceito de tradicionalidade (preferido pela Constituição ao de imemorialidade) se refere ao modo de ocupação, sendo desprovido de referência temporal.  Afinal, não se pode exigir fidelidade territorial de 500 anos aos territórios indígenas: se tal fidelidade já não se verifica no Velho Mundo, o que dizer do Novo, constituído desde a Conquista por processos de colonização que incluíram expulsão violenta, deslocamento e concentração forçados, drástica redução demográfica e recorrente desarticulação social dos povos aborígenes[1]? É mais que evidente que tradicionalidade não pode ser interpretada como antiguidade; nas palavras frequentemente citadas do jurista José Afonso da Silva: “O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com as terras” [2]. Isso não significa que o tradicional seja imutável; mas significa que um dos argumentos levantados a favor do argumento do marco temporal, que podemos batizar “efeito Copacabana” [3] – segundo o qual, na ausência de um tal marco, nada impediria os índios de reivindicar Copacabana – seria inteiramente desprovido de sentido.

O que define a tradicionalidade da ocupação de um povo indígena, do ponto de vista dos seus próprios usos, costumes e tradições, é uma forma determinada de memória da terra, intrinsecamente ligada aos modos indígenas de viver nela. A perda dessas terras e sua subsequente desfiguração com a conversão em espaços urbanos, agrícolas ou industriais — implica, com o tempo (às vezes mais, as vezes menos), na desconstituição dessa memória. Por essa razão mesma, o argumento do “efeito Copacabana”, com todo seu apelo – pois de fato sabemos que foi indígena Copacabana, como tudo o mais – resulta numa falácia perigosa.

Em que sentido podemos afirmar que a tradicionalidade da ocupação refere-se a uma forma determinada de memória? Que forma seria esta? As pesquisas antropológicas voltadas para a questão da territorialidade indígena, em suas múltiplas dimensões — econômica, política, cosmológica ou religiosa — são unânimes em reiterar a relação constitutiva entre modos de habitar, modos de conhecer, e modos de rememorar (e assim transmitir) o conhecimento relativo às terras vividas como território[4] por esses povos. A interpretação jurídica da ocupação tradicional como habitat de um povo, “terra ocupada pelos índios, ocupada no sentido de utilizada por eles como seu ambiente ecológico”[5], aproxima-se dessas conclusões, mas continua concebendo esse habitat como ambiente natural – no velho espírito de que o “selvagem” só é ”bom” quando se apresenta como parte da natureza, não tanto quando se reivindica sujeito de sua própria socialidade.

O que a ocupação tradicional constitui é um ambiente social, histórico e ecológico complexo, criativamente produzido pelos povos e comunidades concernidos, capaz de lhes oferecer uma existência tanto mais satisfatória quanto correspondente a seus valores fundamentais e identidades. Há mais de um século a ideia de que existem raças ou povos “primitivos” (e outros “superiores”) foi inapelavelmente enterrada por todas as ciências sociais e humanas – e, um pouco depois mas mais amplamente, por toneladas de convenções e tratados internacionais que procuraram responder à devastação causada pelo racismo, pelo autoritarismo e pelo colonialismo ao longo do século XX. No fundo, é isso que está em jogo quando se diz ser necessário atentar para as formas concretas da ocupação tradicional, uma vez que, na ausência dos instrumentos metodológicos adequados, elas se tornam invisíveis sob o peso de preconceitos que insistem em negar a povos tradicionais seu lugar na contemporaneidade .

As formas de utilização da terra das comunidades indígenas, suas práticas produtivas, são assim inseparáveis da história de relações políticas e cósmicas com seus coabitantes ou vizinhos: entidades espirituais, espécies animais e vegetais, outros povos, fazendeiros, bois… Todos esses recursos naturais (e sociais) são localizados em lugares específicos, e os sistemas topônimos e tradições etnohistóricas e míticas de cada povo registram o conhecimento de suas presenças, das técnicas, e dos protocolos diplomáticos necessários a sua utilização. A ocupação tradicional, portanto, não é outra coisa que uma ocupação fundada nessa memória em que se entrelaçam valores morais, conhecimento ecológico, regras sociais, que é por sua vez reiterada prática e narrativamente nas formas concretas e coletivas de habitação e uso.

Na medida em que as coletividades enfrentam as transformações do mundo contemporâneo, com a intensificação e diversificação de suas interações com as mais diversas instâncias, é claro que muda o conteúdo desta tradicionalidade se alterará. Mas é claro também que os únicos juízes legítimos do quão “tradicionais” são essas alterações só podem ser os próprios sujeitos, na medida em que a tradição nada mais é do que aquilo que os mantém como uma comunidade culturalmente diferenciada, com sua própria identidade, no que conhecem como seu território.

Permanência e mobilidade

Talvez o traço das territorialidades indígenas mais invisível e incompreensível do ponto de vista moderno e do Estado seja o das formas de mobilidade desses povos. Por isso, antes de mais nada, é preciso descartar definitivamente uma interpretação desinformada da noção de habitação permanente, que a identifica de um lado com o espaço específico das moradias (“aldeias”), e de outro a considera incompatível com o regime de mobilidade e deslocamento próprio aos modos indígenas de uso da terra.

Esses dois erros advém do desconhecimento da dinâmica espaço-temporal das formas sociais da vida indígena. A conversão de roças novas em aldeias, de aldeias habitadas em aldeias antigas (esvaziadas), e destas (com suas roças) em capoeiras e floresta secundária, forma um ciclo temporal que é espacialmente circular, além de circulante, já que as novas roças tendem a ser abertas nas capoeiras e florestas secundárias ‘deixadas para trás’ (o que não significa, dada a circularidade mesma, abandonadas). Essa dinâmica de mobilidade, enraizada não apenas em condicionantes ecológicas, mas também sistemas religiosos, sociais e cosmológicos, é parte integral das formas de organização desses povos, e muitas vezes se estende e reproduz, de maneiras sempre particulares, em condições contemporâneos marcadas por diversos tipos de restrição de direitos sobre essas terras e acesso a elas, incluindo processos de urbanização.

Esse modo de ocupação, hoje se sabe, não apenas dá testemunho da adaptação indígena aos ambientes em que vivem como da própria conformação destes ambientes, em suas características ecológicas, pelas práticas nativas de uso e manejo de recursos. Há hoje inúmeras evidências do caráter antropogênico de diversos tipos de paisagens, de formações pedológicas e florísticas na Amazônia. A extensão em que essas paisagens são antropogênicas, e em que sua biodiversidade foi criada pela intervenção humana (leia-se, indígena), ao longo de milênios de ocupação, ainda é objeto de debate, mas o fato de que muitos ecossistemas geralmente considerados como naturais foram alterados pelo manejo de populações indígenas é irrecusável, e está em acordo com o consenso entre biólogos e ecólogos de que “perturbações” no meio ambiente (como as derivadas da agricultura de toco ou queimadas praticadas por populações de baixa densidade) promovem aumento da biodiversidade[6].

Fica claro o infundado da tentativa de hierarquizar os critérios contidos no parágrafo primeiro do artigo 231 da para CF o reconhecimento da tradicionalidade em círculos concêntricos, como se os vínculos com a terra fossem mais sólidos no círculo da “habitação em carát

Aumenta o número de matrículas com uso do nome social em escolas públicas do país

Por Luiza Souto, em O Globo.

SÃO PAULO – Victor Oliveira nunca foi de sentar na primeira fileira nem no fundão da sala de aula. Ficava no meio. Falante, sempre rindo com os colegas, não escondia a contrariedade na hora da chamada. O nome dele não constava da lista de presença, mas sim o de batismo, no feminino. Aquela, diz ele, não existe mais. Aos 18 anos, o estudante do primeiro ano do ensino médio do Colégio Pedro II, na Zona Norte do Rio, acaba de conquistar o direito de ser tratado conforme sua identidade de gênero. Agora, quando o professor chama Victor Oliveira, ele não esconde a felicidade e responde: “presente”.

– A gente já é julgado por 24 horas. Se o colégio não estivesse ao meu lado, eu não teria seguido em frente – emociona-se Victor, após chorar pelo corredor do colégio ao saber que o requerimento para a mudança tinha sido aceito e que os documentos com seu nome estarão prontos em breve.

O primeiro semestre deste ano começou com pelo menos 703 matrículas com o uso do nome social em escolas públicas de sete estados brasileiros, além do Distrito Federal. Há dois anos havia cerca de 142 registros. Matricular o nome com o qual o aluno se identifica é direito desde 2015, a partir de uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT. De lá para cá, o número de inscrições feitas nas escolas estaduais de São Paulo saltou de 127 para 365. No Rio, de 4 para 9. Em Goiás, de 11 para 14.

Todas as secretarias de Educação do país foram procuradas, mas a maioria diz não registrar o nome social dos alunos no ato da matrícula. Outros estados informaram ter iniciado o processo recentemente. São oito em Minas Gerais, 69 em Pernambuco, 37 no Mato Grosso do Sul, 131 no Paraná e 70 no Distrito Federal.

Uso do banheiro é um dos desafios

Morador do Cachambi, na Zona Norte do Rio, Victor já havia adotado o uniforme masculino. Voltou das férias em janeiro certo de que mudaria o registro no colégio em que estuda desde pequeno, o primeiro federal do Rio a receber formalmente o pedido de inclusão de nome social, em 2016. Hoje há três alunos nesta condição:

– De cara os professores me trataram como Victor e fizeram alteração do meu nome na lista de chamada à mão – conta ele, que logo deve tomar hormônios masculinos e entrou com processo para mudar também o nome no CPF e no Sistema Único de Saúde (SUS).

O chefe do setor de Supervisão e Orientação Pedagógica da escola, Carlos Turque, disse que há debates constantes sobre o tema na unidade, e que o maior deasfio hoje é a questão do uso do banheiro.

– A orientação é que cada um use o banheiro de acordo com sua identidade de gênero, mas estamos discutindo como atender a isso de modo confortável e sem constrangimentos.

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Em São Paulo, o aluno do segundo ano do ensino médio do colégio estadual Rodrigues Alves, na região central, Fellipe dos Santos Martinez, 25 anos, diz que, dependendo do lugar, entra e sai correndo do banheiro. Ele começou sua transição aos 14 anos e abandonou os estudos no ensino fundamental após sofrer bullying. Colegas de classe chegaram  a cercá-lo para uma sessão de maquiagem à força. Hoje o estudante sonha cursar Engenharia Naval:

– Tirei nota 10 esse ano em redação, um milagre – diz ele, que junta dinheiro para cirurgia de retirada de seio. No futuro, ele também quer fazer a mudança de sexo, “quando for segura”.

Esta mesma história aconteceu com Fernanda Gandini, de 47 anos, Loryane Cipriano da Silva, de 41 anos, e Eliza Coelho da Silva, de 54 anos. As três iniciaram sua transição ainda adolescentes e se afastaram da escola após as mais variadas agressões. Voltaram com a resolução que autorizou o uso do nome social no registro escolar.

– Quando entramos, perguntaram na aula: “mas a gente vai ter que estudar com essas travestis?”. A professora respondeu: “se estiverem incomodadas vocês podem se retirar”. Foi muito importante a escola ter nos defendido – afirma Fernanda.

– É gostoso ir para a escola assim. Você é tratado como uma pessoa normal. Aliás, eu sou normal – pontua Eliza.

Dados da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016 revelam que 80% dos alunos que sofreram pouco ou nenhum tipo de agressão receberam notas entre 7 e 10. A média cai entre os que sofreram constrangimentos pela orientação sexual ou expressão de gênero.

A brasiliense Luise Fernandes, de 18 anos, afirma que desistiu esse ano de estudar “por não receber apoio dentro da escola”.

– Um grupo de alunas falou que usar o banheiro delas era ridículo. Não tive forças para continuar e parei – desabafa.

O apoio da família também tem peso fundamental na socialização, mesmo que esse suporte tenha alguns atos falhos como o da mãe de Victor, a enfermeira Sônia Valéria de Oliveira, 43 anos, que ainda o chama pelo nome de batismo.

– Quero que ela faça com que isso seja positivo para outras pessoas na mesma situação. Incentivo muito para ela seja a melhor em tudo, porque senão o preconceito será maior.

CNE quer padronizar registros escolares

O Conselho Nacional de Educação (CNE) está preparando uma norma para padronizar as informações referentes ao uso do nome social em todas as escolas do país. O texto será entregue ao Ministério da Educação (MEC) até outubro. Segundo Ivan Cláudio Pereira Siqueira, vice-presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, a expectativa é de rápida aprovação”:

– É uma questão de sobrevivência, para que se evite evasão e outros males. Estamos falando de direitos humanos.

Siqueira explica que a resolução de 2015 sobre o uso do nome social nas escolas não tem efeito normativo e cada estado acaba fazendo sua própria regra, ditando, por exemplo, como as unidades devem agir nesses casos. Hoje, segundo ele, 24 das 26 unidades federativas adotam alguma medida.

Essa falta de uniformidade impede que o Inep, vinculado ao MEC e responsável pelo Censo Escolar e Prova Brasil, levante em todo o país o número exato de matrículas com o nome social. Já o MEC justifica que incentivar o registro do nome social no ato da matrícula seria o papel de cada secretaria de Educação.

Mesma regras para todos

Caso o MEC aprove o texto do CNE, aponta Siqueira, o documento vira lei e todos os estados terão de cumprir uma mesma regra para o uso do nome social.

A especialista em educação Márcia Acioli, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), defende que “para alunos trans se adequar, a escola tem que fazer o mesmo”.

– É difícil para o aluno engrenar no colégio e na vida se estiver em situação de constrangimento e sofrimento – analisa Márcia.

O secretário de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, aponta ainda a necessidade de um acompanhamento constante:

– É importante saber como as crianças gostariam de ser chamadas. É um constrangimento tratar o João como Maria.

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Mostra de Curtas For Rainbow espalha diversidade sexual pelo Distrito Federal

Amo quem eu quero ♥ Faço uma revolução

A premissa acima está em cada filme e em cada debate da Mostra Itinerante de Curta Metragens do Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual – For Rainbow que começou neste sábado (12/8) em Planaltina e vai chegar a outras cinco localidades do Distrito Federal esta semana. A próxima parada será na Faculdade Dulcina – Sala Conchita, no Conic (Plano Piloto – Brasília) nesta quinta-feira (17/8) às 18 horas, promovido pelo pessoal do Dulcina Vive.

A mostra une cinema e ativismo político LGBT para promover o debate sobre orientação sexual, identidades de gênero e diversidade sexual, numa parceria do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com os coletivos Casa de Cultura #MAIS Periferia, Levante Popular da Juventude, Mercado Sul Vive, Casa Frida, Bisquetes e Família Hip Hop.

Na edição deste ano os organizadores promoverão uma pesquisa sobre “Perfis e Representações Socioculturais da Juventude LGBT Brasileira” entre o público participante da Mostra. A pesquisa servirá para dar mais visibilidade aos múltiplos universos da cultura LGBT no país.

Confira aqui os filmes desta edição.

Confirme sua presença no evento da Mostra!

O primeiro dia da mostra no Distrito Federal foi sábado, em Planaltina. A comunidade compareceu para assistir aos curtas e depois debater sobre direitos LGBTI e diversidade sexual em ambiente ao ar livre – uma experiência inédita para alguns presentes.

“Foi uma boa oportunidade de debater o tema de gênero e sexualidade também com a comunidade não LGBTI”, afirmou Ravena Carmo, educadora do Inesc presente ao evento em Planaltina. “Foi uma intensa experiência de vida, pois foi um momento de escuta, de fala e de nos alinharmos nessa luta que é de todos nós. Precisamos de mais ações assim, onde possamos debater um tema tão relevante de uma maneira agradável. Segundo Ravena, muitos espectadores se viram nas histórias mostradas na tela e ficaram mais à vontade para falar do tema depois, no debate.

“Essa iniciativa pretende contribuir para levar informação sobre direitos humanos para as pessoas e promover o debate sobre o tema a partir da arte e da cultura”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, lembrando que o tema nem sempre é acolhido de forma tranquila pela sociedade. “No Brasil a homo-lesbo-transobia ainda é um problema grave, são altíssimas as estatísticas de violência contra gays, lésbicas e transexuais.”

A Mostra tem origem no Festival For Rainbow de Fortaleza (CE), difunde, valoriza e promove por meio de conteúdos audiovisuais o respeito à livre orientação sexual e identidades de gênero, já tendo percorrido mais de 300 cidades em todo o Brasil. A mostra leva exibições e debates em todos eles, dando ao público a oportunidade de conferir a produção cinematográfica com temática LGBT e de Direitos Humanos e debater ativismo politico e a produção cinematográfica.

Confira as datas e locais da exibição dos filmes na Mostra de Curtas no Distrito Federal:

12/8 – Casa #Mais Perifa (Planaltina)
17/8 – Dulcina Vive (Conic – Plano Piloto) —> NESTA QUINTA-FEIRA!
18/8 – Casa Frida (São Sebastião)
26/8 – Levante Popular da Juventude (Samambaia)
2/9 – Mercado Sul VIVE (Taguatinga)
9/9 – Cia de Teatro Bisquetes (Cidade Estrutural)

Os coletivos parceiros:

A Casa #Mais Perifa de Planaltina atua na pauta de cultura, promovendo a articulação dos artistas locais e dando espaço para que variadas formas de arte e cultura seja ecoadas de forma descentralizadas e democrática, pluricultural e com acolhimento das formas de expressão artísticas e culturais da periferia.

O Levante Popular da Juventude – DF é uma organização de jovens militantes voltada para a luta de massas em busca da transformação da sociedade, discutindo diversas pautas, entre as quais a LGBTI.

O Mercado Sul VIVE tem um histórico de luta e resistência em Taguatinga, ressignificando espaços, histórias e vivências.

A Casa Frida é uma construção horizontal, popular e feminista do fazer cultural em São Sebastião. Sempre pensando nas mulheres e na diversidade sexual e de gênero.

A Cia de Teatro Bisquetes é um movimento atuante de cultura na Cidade Estrutural, composto por pessoas LGBT e negras, que levam essas pautas além da militância, pois são suas vidas e seus corpos que estão na linha de frente.

Um dos grandes parceiros desta atividade (e tantas outras) é o Dulcina Vive, que receberá a mostra no 17 de agosto, é um movimento que promove projetos e eventos culturais no prédio que abriga o Teatro Dulcina, no Conic, em Brasília.

Projetos culturais na Cidade Estrutural recebem jovens em situação de risco

or Daniel Marques Vieira, no Correio Braziliense.

Às margens do maior lixão a céu aberto da América Latina, diversas crianças entram em uma modesta construção. Sobre o muro, uma placa indica: Associação Viver — serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças e adolescentes. Enquanto isso, os pais se dirigem à entrada do aterro voltada aos catadores, a não mais que 20m de distância da instituição. Na placa, a imagem de duas crianças felizes brincando. No muro ao lado, os dizeres “(é) lixo, mas pode chamar de emprego, oportunidade, sustento e dignidade”.

A Cidade Estrutural teve sua população originada de um chamariz distinto. O setor habitacional surgiu da procura por melhores condições de vida pelos catadores de lixo, atraídos pela proximidades do aterro sanitário do DF. Contudo, mesmo décadas depois de seu nascimento, e prestes de ter o Lixão desativado, a população ainda sofre com o abandono.

No ano passado, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) mostrou que a Estrutural ainda é a cidade com a população mais pobre em todo DF, com renda familiar média de R$ 2.004 e renda per capita de R$ 521,80 —  menos de um salário mínimo. E pior: a pesquisa revelou que quase metade da população começou, mas não terminou o ensino fundamental.

É nesse cenário que se estabeleceram organizações sociais e culturais como a Associação Viver, que há 20 anos cuida de mais de 300 crianças em situação de vulnerabilidade social. Elas atuam dando uma opção para as crianças que antes passavam o tempo do contraturno escolar revirando o lixo, à procura de recicláveis. Em vez disso, hoje elas podem participar de atividades esportivas e culturais, como aulas de flauta e violão.

Segundo Patrícia Oliveira Campos, pedagoga que atua no projeto, a ação da organização tem se mostrado essencial no combate ao trabalho infantil. “Aqui nós temos, por exemplo, três crianças, irmãos, que moram só com o pai, porque a mãe foi assassinada há alguns anos. Como o pai trabalha no Lixão, eles acabam ficando sem muito cuidado”, conta.

Outras organizações da região também atuam de forma semelhante. É o caso das ONGs Tia Angelina e do Coletivo da Cidade, formado há seis anos por Coracy Coelho Savant e outros 15 voluntários. “A educação é essencial para o desenvolvimento humano e, aqui na Estrutural, há um índice altíssimo de evasão escolar muito ligada ao trabalho infantil”, lamenta Coracy. A organização tenta driblar essa realidade unindo profissionais e projetos de diversas áreas em em prol da defesa das crianças e adolescentes.

O Saúde Integral faz parte dessa parceria e reúne três projetos de extensão da graduação e pós da UnB na área de saúde. Uma vez por semana, profissionais e estudantes prestam atendimento e fazem o encaminhamento de pacientes no espaço disponibilizado pelo Coletivo da Cidade. A dentista e estudante de pós-graduação da UnB, Rosa Harumi, 48 anos, destaca que a atenção dada à saúde na própria cidade dos pacientes é de extrema importância. Mas destaca que a falta de recursos atrapalha outras ações. “Uma vez conseguimos que o Hospital Universitário de Brasília disponibilizasse atendimento oftalmológico para as crianças do projeto, mas, devido ao custo do deslocamento, as mães não puderam levar o seus filhos até lá”, conta Harumi.  O direcionamento de crianças aos projetos citados é feito pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).

Apesar de não ter nascido na capital federal, Jhosué Jefferson Delfino, 25 anos, é um autêntico brasiliense, filho de pais vindos do Nordeste. Há cerca de 24 anos, o pai de Jhosué viu no lixão da Estrutural uma oportunidade de trabalho. Quando mais novo, Jhosué acompanhava o pai na coleta de material reciclável. Contudo, a vida ganhou um destino diferente quando, há 11 anos, descobriu o Instituto Reciclando Sons. Criado pela musicista Rejane Pacheco, o projeto leva educação musical para crianças e jovens.

Rejane relata que, na instituição, a música é trabalhada como alternativa para resolução dos problemas sociais que afligem a região. Para a musicista, mesmo quando o aluno não segue a carreira musical, o estudo da música e a participação no projeto ajudam a desenvolver características essenciais para a ascensão social dos jovens.

É o caso de Jhosué, que, graças à instituição, entrou em contato com a produção audiovisual e hoje já consegue enxergar um futuro na área. Junto de outros dois alunos da instituição, Jhosué foi aprovado neste ano para a graduação em música na Universidade de Brasília (UnB) e pretende atuar na produção audiovisual de eventos musicais.

Os outros dois alunos aprovados na UnB também vêm de uma trajetória de superação e sucesso. Rejane conta sobre o caso de Damon Eric Pacheco, 20 anos, e Arthur Douglas dos Anjos, 24, alunos da instituição que, em 2016, foram convidados a fazer intercâmbio na Accademia Nazionale di Santa Cecilia. A academia é uma das instituições musicais mais antigas do mundo, fundada em 1585 e sediada em Roma. “Lá eles tocaram na orquestra e cantaram no coral da instituição”, conta Rejane, com orgulho.

Problemas financeiros

Atrás dos portões do Instituto Reciclando Sons, cerca de 20 pessoas ensaiavam uma peça musical cheia de referências brasileiras, obra do compositor brasileiro Marcos Leite. Logo ao lado, numa pequena sala onde os instrumentos são guardados, duas alunas treinavam fraseados sonoro nos violoncelos. Conjugado ao salão principal, uma área de estudos, com estantes repletas de livros didáticos. O ambiente ainda conta com uma sala de aula, um escritório e uma cozinha, onde as quatro refeições oferecidas aos alunos são preparadas. Tudo isso em uma área de apenas 170 metros quadrados.

Apesar da versatilidade do ambiente impressionar, esse racionamento não é o ideal. Há dias em que até 80 alunos têm aula ao mesmo tempo, conta Rejane. “Uma vez por mês fazemos uma apresentação e uma conversa com a comunidade para entender suas necessidades. O espaço fica muito cheio, não tem condições de receber tantas pessoas”. De acordo com a fundadora, a instituição não tem recursos suficientes para uma expansão. Por isso, faz campanha de financiamento coletivo para custear a construção de uma nova sede.

Outras instituições também têm enfrentado desafios para sobreviver e precisam traçar estratégias de captação de recursos. No Coletivo da Cidade, por exemplo, todo o dinheiro vem de doações, bazares beneficentes e também de campanhas online de financiamento coletivo. A pedagoga Patrícia Oliveira conta que atividades como o futebol e o balé, antes oferecidos na instituição, ficaram prejudicadas por falta de voluntários que oferecessem os serviços.

Outro exemplo é o Projeto Educar Dançando, que se destaca não só na Estrutural, como também em Planaltina e outras cidades. O projeto já foi tópico de reportagem do Correio, em 2013, quando os jovens Glauber Lucas Mendes Silva e Matheus Vaz Guimarães, alunos da instituição, foram selecionados para cursarem o ensino superior em dança em instituições renomadas na Alemanha. Em 2017, segundo a diretora artística do projeto, Edna Carvalho de Azevedo, ainda não foram realizadas aulas devido à falta de apoio financeiro. “Nós costumávamos buscar os alunos na Estrutural e levar até o local das aulas, na Asa Norte, mas, sem o apoio do governo para o transporte, ficamos impossibilitados de continuar nosso trabalho”, conta Edna.

No início de julho tomou posse um novo administrador regional da Estrutural e do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), Melquisedeque da Silva Portela. Em entrevista ao Correio, o administrador afirmou que, agora que o Lixão será desativado, o maior desafio será garantir que a população esteja capacitada para sobreviver de outras atividades. “Nesse processo, a educação é de fundamental importância, já que a Estrutural é uma área de população carente”, declarou.

 

Conheça, ajude!

Coletivo da Cidade

Atividades no contraturno escolar para crianças e adolescentes, acompanhamento de saúde

Como participar: Pelo CRAS ou direto na instituição

Como ajudar: participar do financiamento coletivo ou participação como voluntário

Endereço: Quadra 3, Conjunto 11, Área Especial 2, Estrutural

Telefone: 3465-6351.


Associação Viver

Atividades no contraturno escolar para crianças e adolescentes, jiu-jitsu e música

Como participar: Pelo CRAS

Como ajudar: Doações ou voluntariado.

Endereço: Quadra 15, Conjunto C, Setor Oeste, Estrutural

Telefone: 3361-9357.


Centro Social Comunitário Tia Angelina — Polo Tia Nair

Creche e atividades no contraturno escolar

Como participar: Inscrição pelo CRAS

Como ajudar: Doações em dinheiro, alimentos, roupas e equipamentos de informática. Aceitam voluntários

Telefone: 3465-4696

Endereço: Quadra 1, Conjunto 10, Lote 9, Setor Norte, Estrutural.


Instituto Superar

Reforço escolar e aulas de jiu-jitsu.

Como participar: Ir até o projeto ou procurar o CRAS

Como ajudar: doações pelo site do projeto. Aceitam voluntários

Telefone: 99872-2526

11 anos de Lei de Segurança Alimentar e Nutricional – um depoimento

Estamos comemorando este ano o 11o aniversário da aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan). Haverá cerimônia no Parlamento liderada pelo deputado Padre João, presidente da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, com a participação da atual presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e ex-presidentes da instituição.

Esse momento me fez viajar no tempo, mais especificamente para março de 2004 quando realizamos a 2a Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional em Olinda, 10 anos depois da primeira que havia sido convocada pelo então presidente Itamar Franco. Naquela ocasião estávamos animados pelo espírito de esperança e convencidos de que a batalha contra a fome poderia ser vencida. Foram dados passos importantes na Conferência. Reivindicamos, entre outras coisas, que a alimentação fosse incluída no rol dos direitos constitucionais básicos e que fosse criado, por meio de lei, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Voltando à Brasília, o então presidente do Consea, Francisco (Chico) Menezes, deu andamento à implementação das resoluções da Conferência. Fizemos várias reuniões e lembro particularmente de uma, em dezembro daquele ano, quando elaboramos calendário de atividades para dar conta da nossa missão. Naquela época, eu trabalhava na Diretoria Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), liderada por Anna Peliano. Era véspera de Natal e chegando em casa me ocorreu que se não tivéssemos uma primeira minuta do que seria uma Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), iriamos patinar. Assim, passei o feriado mergulhada nas leis orgânicas de Saúde, Assistência Social, Ministério Público, entre outras. Tentei entender a lógica, a linguagem, os objetivos e os formatos de leis orgânicas. A partir daí minutei uma proposta, já em formato de lei. Com essa primeira contribuição, demos início a um rico e desafiador processo. Chico criou um Grupo de Trabalho coordenado por Renato Maluf, e relatado por mim, com a participação de conselheiros e conselheiras da sociedade civil e do governo. Consultamos especialistas e dialogamos com representantes de outros conselhos e sistemas, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Os desafios eram imensos. Pela primeira vez no Brasil tínhamos que construir um sistema efetivamente intersetorial, que envolvesse atores distintos, entre ministérios, estados, municípios, organizações da sociedade civil, conselhos de políticas, universidades, setor empresarial e organizações das Nações Unidas, entre outros. Não havia precedente. Era preciso usar a criatividade para construir o novo.

As dúvidas e os debates eram inúmeros e intensos. O sistema deveria outorgar um caráter consultivo ou deliberativo às instâncias colegiadas? Como poderia ser deliberativo se dois terços dos participantes eram oriundos da sociedade civil? Como ser deliberativo se o sistema tinha que estar em diálogo com outros sistemas que tinham suas regras consolidadas? Como, então, deveria ser a articulação do Sisan com os demais sistemas? Como incorporar estados e municípios? Como regular o diálogo com o setor privado, parte interessada, mas também um dos principais responsáveis pela alimentação inadequada que afetava milhões de brasileiros? Quais deveriam ser as principais instâncias articuladoras do Sistema? E quais seus objetivos?

E assim fomos tecendo e aperfeiçoando nossas versões. Elas foram sendo debatidas com o plenário do Consea e com os estados. Também estabelecemos pontes com parlamentares com o intuito de sensibilizá-los e escutá-los. Em julho de 2005 chegamos à versão final que foi enviada à Casa Civil da Presidência da República que, por seu turno, a encaminhou ao Congresso Nacional. Finalmente, a Lei 11.346 foi promulgada em 15 de setembro de 2006.

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Assim nasceu nosso Sisan que tem como objetivo central assegurar o direito humano à alimentação adequada. A Lei estabelece as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sistema. A dinâmica de elaboração desse importante mecanismo legal foi participativa e construtiva, inédita não somente para o Brasil como para o mundo. Não é por outra razão que nossa experiência virou referência internacional e inspirou o novo formato do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CSA/ONU).

É evidente que não havíamos resolvido todos os problemas e que ainda tínhamos vários desafios para enfrentar, especialmente a insegurança alimentar e nutricional que vergonhosamente atingia, e ainda atinge nos dias de hoje, povos indígenas e quilombolas, bem como os problemas decorrentes de uma alimentação inadequada – sobrepeso, obesidade, alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares e diabetes. Contudo, até recentemente havíamos conseguido o extraordinário feito de  acabar com a fome no Brasil. Agora, essa chaga volta a nos rondar. Nos últimos meses temos recebido notícias de que, cada vez mais, brasileiros e brasileiras não têm o que comer em casa. Esse retrocesso é ética e politicamente inaceitável.

O aniversário de 11 anos da Losan exige que denunciemos medidas e propostas de iniciativa dos poderes Executivo e Legislativo que trazem a fome de volta. Esse é o caso do congelamento dos gastos por 20 anos, dos cortes orçamentários que afetam especialmente os mais pobres, do aumento das exigências para o acesso ao seguro desemprego e outros benefícios sociais como o Bolsa Família, da flexibilização das leis trabalhistas que aumenta a precarização dos trabalhadores, da reforma da previdência que irá penalizar sobretudo mulheres, do esvaziamento das políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e da expulsão dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais de suas terras e territórios. Se quisermos ser parte de um país justo e inclusivo, temos que pôr fim a essas medidas e propostas! Temos que nos posicionar e mobilizar as pessoas a favor de um Estado redistributivo.

Vamos falar sobre Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

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