Brasil está aquém do potencial em participação social no orçamento público
Em entrevista a Rádio CBN no último domingo (18), a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, falou sobre a Pesquisa Orçamento Aberto 2017, divulgada no mês passado pelo Instituto. O estudo revelou que o Brasil não proporciona ambiente de participação social na gestão do orçamento público.
De acordo com Carmela, um dos motivos pelos quais o Brasil acumulou apenas 35 pontos em 100 possíveis no quesito “participação social” foi o fato de que alguns mecanismos de participação não foram efetivados pelo governo durante o período da pesquisa.
“Um desses mecanismos é o Fórum Interconselhos, que reunia diversos conselhos nacionais para discutir as políticas públicas, o plano plurianual e também orçamento. Esse Fórum deixou de acontecer. Avaliamos que ficamos aquém do nosso potencial de participação social, dada as instâncias institucionalizadas existentes, como conselhos, conferências e plebiscitos”, explicou.
Carmela Zigoni lembrou que os dados do orçamento público do país são disponibilizados e atualizados diariamente pelos sistemas do governo. No entanto, só é acessado por especialistas, acadêmicos e alguns jornalistas. No quesito “transparência orçamentária” o Brasil acumulou 77 pontos em 100 na pesquisa.
A assessora do Inesc defende que o governo deve investir em formação, inclusive nas escolas, e em divulgação dos dados do orçamento para despertar na população o interesse pela participação na gestão do orçamento público.
“É preciso aproximar a população desse tema e gerar interesse”, defendeu Carmela. “Nós estamos vivendo um momento de cortes orçamentários e ajuste fiscal e isso não está sendo discutido com a população. O Brasil é um país extremamente injusto do ponto de vista da tributação, pois a gente tributa mais no consumo do que na renda e no patrimônio e, proporcionalmente, as camadas mais pobres acabam pagando mais impostos do que as camadas médias e altas”. Esse imposto sobre fortuna e patrimônio que deixa de ser arrecadado poderia compor o orçamento e evitar o corte de investimentos em saúde, educação e assistência social, explicou Carmela Zigoni.
Apesar de transparência, Brasil não proporciona ambiente de participação social na gestão do orçamento público
De acordo com a Pesquisa de Orçamento Aberto 2017 (OBS, na sigla em inglês), o Brasil fornece informações orçamentárias substanciais à população, mas não fomenta a participação social. O relatório divulgado nesta terça-feira (30) mostra que o país ocupa a 7ª posição no ranking global de transparência orçamentária entre 115 países analisados. No entanto, as instituições brasileiras oferecem poucas oportunidades para a população se envolver nos processos de gestão dos R$ 3,57 trilhões que compõem o orçamento federal.
O Brasil caiu uma posição no ranking em relação a última pesquisa, divulgada em 2015, quando alcançou o 6ª lugar. Contudo, manteve a mesma pontuação: 77 de 100 pontos possíveis para transparência. Além disso, perdeu a posição de líder da América Latina, agora ocupada pelo México.
Elaborado desde 2006, o Índice de Orçamento Aberto (OBI, na sigla em inglês), que faz parte da pesquisa, utiliza 109 indicadores para transparência que avaliam se o governo disponibiliza documentos-chave do orçamento em tempo hábil. Além disso, investiga se os dados desses documentos são abrangentes e úteis. Os resultados são analisados por meio de um questionário de 145 perguntas respondido por especialistas independentes de organizações da sociedade civil em todo o mundo, e revisado por gestores públicos.
Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e responsável pelo Índice no Brasil, pondera que o acesso real a essas informações fica restrito ao próprio Estado, ao meio acadêmico e a algumas organizações e jornalistas que fazem o controle social. “Por exemplo, o Orçamento Cidadão, uma iniciativa positiva que visa à simplificação do orçamento para um público maior, não é muito conhecido, principalmente no segmento da juventude”.
O Inesc é a instituição responsável por analisar os dados do Brasil, em parceria com o International Budget Partnership (IBP). Além de recomendações técnicas relativas aos conteúdos dos documentos e mecanismos de controle, o Instituto ressalta a necessidade de fomento ao debate sobre orçamento nas instâncias de participação social existentes (conferências, conselhos e audiências públicas), criação de novos espaços para o debate público sobre este tema e popularização do Orçamento Cidadão.
Falta participação social
O Brasil acumulou apenas 35 pontos em “participação pública” na pesquisa atual – ainda assim, acima da baixa média global, que foi de 12 pontos. De acordo com Carmela Zigoni, um dos motivos foi o fato de que, em 2016, não foi realizada a reunião do Fórum Inter-Conselhos para debate sobre o orçamento de 2017. Além disso, as audiencias públicas não são obrigatórias e a participação nas consultas digitais é muito baixa.
Ainda segundo a assessora do Inesc, a pesquisa revela que, em uma conjuntura de austeridade fiscal e redução drástica de recursos para políticas públicas, a população brasileira pouco participa de momentos de decisões no ciclo orçamentário. “Os cidadãos e cidadãs não tem acesso real a tais informações, seja porque são muito técnicas, ou porque não se investe em políticas de reuso de dados para apresentá-los de forma mais amigável para a população. As instâncias de participação institucionalizadas, como conferências e conselhos, nem sempre dialogam sobre o orçamento. Isso faz com que a participação em si não promova democracia e diminuição da corrupção: é preciso que as informações sejam apropriadas pelos diversos setores da sociedade.”, observou.
Fiscalização
A capacidade de fiscalização do orçamento também foi analisada na Pesquisa de Orçamento Aberto 2017. Segundo o relatório, as instituições responsáveis oferecem uma fiscalização adequada durante a fase de planejamento do ciclo orçamentário e uma fiscalização limitada durante sua execução. A pontuação do Brasil nessa área foi de 76 em 100, e recomenda-se que o Legislativo analise os relatórios do Tribunal de Contas da União e disponibilize a avaliação à sociedade. A Instituição Fiscal Independente do Brasil (IFI) não foi avaliada na pesquisa, pois ainda não tinha sido criada no momento da coleta dos dados.
Em termos globais, a Pesquisa do Orçamento Aberto 2017 mostra, ainda, que 89 dos 115 países deixaram de disponibilizar publicamente informações orçamentais suficientes. O IBP diz que esse retrocesso prejudica a capacidade dos cidadãos de todo o mundo de monitorar seus governos com relação ao gerenciamento de fundos públicos.
O processo de pesquisa ocorreu entre setembro a dezembro de 2016, envolvendo organizações independentes da sociedade civil de 115 países. Para o relatório completo, incluindo recomendações, e outros recursos, tal como resultados específicos por país, acesse www.openbudgetsurvey.org.
No dia 29 de Janeiro – Dia Nacional da VisibilidadeTrans – busca-se dar visibilidade para travestis, transexuais, mulheres e homens trans, grupo que ainda vive em situação de vulnerabilidade social devido à transfobia.
De acordo com a ONG Transgender Europe (TGEu), o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo.Em pesquisa divulgada pelo Grupo Gay da Bahia, o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil no último ano aumentou em 6%, sendo que as transexuais e travestis negras foram maioria (38%) entre as mortes de LGBTIs no país em 2017.
Isso ocorre porque há interseccionalidade nas desigualdades, ou seja, as mulheres trans negras são vítimas de violências e discriminações de diversos tipos: machismo, transfobia, racismo e, em muitos casos, também por serem pobres.
Entre as pautas dos movimentos sociais estão a questão da inserção no mercado de trabalho, a despatologização, a saúde e, principalmente, a redução da violência.
Saiba mais sobre as contribuições do Inesc para a conscientização e visibilização da população trans no Brasil:
Assista também ao vídeo produzido pelo Inesc sobre inserção de pessoas transexuais no mercado de trabalho, com a participação de Ludymilla Santiago, integrante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros do Brasil – FONATRANS; Wanda Marques Araújo, ativista na União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais – ULTRA e Miguel Haaran, estagiário do Inesc e integrante da Cia de Teatro Bisquetes:
Debate e lançamento do documentário “Um atentado violento ao pudor”
Por ocasião do mês da Visibilidade Trans, entidades promovem nesta quinta-feira (25) o lançamento do documentário “Um atentado violento ao pudor”, acompanhado de debate. A atividade, que acontece em Brasília, é uma parceria entre o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a Associação Nacional das Travestis e Transexuais (Antra), a União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais (Ultra) e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
O filme aborda as conexões entre a vida de Keila Simpson e o movimento social das travestis. Dirigido pela própria Keila e por Gilson Goulart, o documentário também retrata as estratégias traçadas pelo movimento e suas militantes que “evidenciam, ao invés de um empoderamento tutelado, um ativismo emaranhado com autonomia, solidariedade e estratégias educativas”, de acordo com a avaliação dos idealizadores.
Debate A atividade também prevê um debate, logo após a exibição do filme, com a participação da professora da Universidade Federal de Uberlândia Flávia Teixeira, especialista em diversidade sexual; de Gilson Goulart, que dirige o filme ao lado de Keyla Simpson; e de Melissa Massayuri, presidente da Ultra.
Serviço
Lançamento de “Um atentado violento ao pudor” + Debate Quando: 25/01, 19h Onde: Auditório do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF). SCS, Quadra 6, bloco A, 110. Edifício Arnaldo Vilares, 7º Andar (em frente ao Shopping Pátio Brasil.
Ficha Técnica
Gênero: Documentário; Cor; 91 minutos.
Direção: Gilson Goulart e Keila Simpson
Fotografia e câmera: Gilson Goulart
Edição: Gilson Goulart
Produção: Flavia Teixeira
Orçamento para o Meio Ambiente em 2018: pior do que parece
Por Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc
O orçamento aprovado para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e seus órgãos vinculados – IBAMA, SFB, ICMBio, ANA, FNMA, JBRJ, FNMC[1] – sofreu uma redução de R$ 480,5 milhões (12%) este ano. Em termos globais, os recursos destinados à pasta passaram de R$ 3,97 bilhões em 2017 para R$ 3,49 bilhões em 2018.
Corte orçamentário em um órgão com enormes desafios, fragilidades e pressões políticas que visam a redução de áreas protegidas, flexibilização de licenciamento, entre outras, já é uma má notícia. Quando analisamos a proposta orçamentária para o órgão em detalhes, vemos que a situação é ainda pior.
Portanto, esta breve nota tem o propósito de trazer questões que contribuem para uma análise mais precisa do cenário orçamentário do governo federal para o meio ambiente em 2018.
1) As “Reservas de Contingência”[2] embutidas nos orçamentos do MMA e seus órgãos vinculados representam uma perda importante de recursos, para além do corte orçamentário global.
Na proposta orçamentária para o MMA e seus órgãos em 2018, está incluído o valor de R$ 422,5 milhõescomo “Reserva de Contingência”. Este valor é oriundo de receitas próprias ou vinculadas, quer dizer, são receitas que pertencem ao órgão e, quando alocado na forma de Reserva de Contingência, não têm outro objetivo senão o de gerar economias para manter a dívida pública sob controle.
Em outras palavras, trata-se de um recurso que não será gasto com políticas públicas para o Meio Ambiente. A decisão política de alocar crescentes receitas próprias ou vinculadas na forma de Reserva de Contingência evidencia uma intenção clara, embora subliminar, do governo de esterilizar recursos que deveriam ser gastos com meio ambiente e esvaziar a capacidade orçamentária dos órgãos.
Esta Reserva, uma espécie de “fake orçamento”, cresceu quase cinco vezes em três anos. Os números alocados falam por si. Foram R$ 88,2 milhões em 2016; R$ 337,5 milhões em 2017 e R$ 422,5 milhões em 2018.
Estes R$ 442,5 milhões são oriundos de diversas fontes de recursos próprios e vinculados, incluindo boa parte das Doações de Entidades Internacionais ao Meio Ambiente. Por exemplo, de um total de R$ 24 milhões de Doações Internacionais para o Serviço Florestal Brasileiro em 2018, R$ 20 milhões foram parar na “Reserva de Contingência”.
O quadro a seguir especifica as fontes que vão compor os R$ 442,5 milhões da “Reserva de Contingência”. A quase totalidade dos R$ 142,7 milhões oriundos dos royalties do petróleo está alocada na Reserva de Contingência. Igualmente, boa parte dos R$ 72 milhões previstos na forma de Compensações pela Utilização dos Recursos Hídricos e a totalidade dos R$ 6,7 milhões previstos como Compensações pela Exploração de Recursos Minerais também foram drenados pela Reserva.
Os números mostram que não se pode analisar o orçamento do Meio Ambiente ignorando a perda decorrente da “Reserva de Contingência” que tem crescido a cada ano. Trata-se de recursos ímpares, alguns deles garantidos em lei, para que parte da arrecadação de atividades prejudiciais ao meio ambiente pudesse ser revertida para políticas públicas de meio ambiente e não bloqueados na Reserva de Contingência. Da mesma forma, as doações nacionais e internacionais que, evidentemente, não têm como propósito gerar economia de caixa à custa do meio ambiente.
Tal embargo de recursos penaliza e, em alguns casos, sentencia de morte iniciativas e políticas a cargo do MMA e seus órgãos, como é o caso do Bolsa Verde, que iremos abordar adiante.
Logo, se excluirmos os valores aplicados nas Reservas de Contingência dos órgãos onde eles estão alocados, teremos uma situação bem pior do que a inicialmente apresentada.
O gráfico a seguir mostra a variação das dotações iniciais de cada órgão entre 2017 e 2018, desconsiderando as reservas de contingência que somaram R$ 337,5 milhões em 2017 e os R$ 422,5 milhões em 2018. À exceção do Ibama e do JBRJ, que obtiveram pequeno aumento, todos os demais órgãos perdem parte expressiva de seus orçamentos comparativamente à 2017. No MMA, a reserva de contingência passa de R$ 93 milhões para R$ 208,9 milhões. Excluindo esta parte do seu orçamento, o órgão que tinha um recurso de R$ R$ 456,9 milhões em 2017 contará com apenas R$ 237,4 milhões em 2018, ou seja, encolhe 48%. No caso do Ibama, vale registrar que o aumento foi concentrado em ações finalísticas de comando e controle ligadas ao desmatamento e na própria unidade administrativa.
Já no caso do Fundo Nacional de Mudança do Clima (FNMC), não é considerada aqui a parte de recursos sob sua supervisão destinada ao “Financiamento de Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima”. Os recursos para esta ação em específico saltaram de R$ 23 milhões em 2017 para R$ 202,8 milhões em 2018. Tal aumento deve-se ao ganho de recursos oriundo das “Compensações Financeiras pela Produção de Petróleo, Gás Natural e Outros Hidrocarbonetos Fluidos”. Ocorre que esta parte do orçamento é executada pelo BNDES e destina-se ao “Apoio financeiro reembolsável, mediante concessão de empréstimos a empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e a adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos”. Dada a complexidade deste Fundo optamos por aprofundar o tema em outro momento.
2) Os cortes no orçamento e o “fake orçamento” sentenciam particularmente algumas iniciativas, ações ou políticas.
– “Programa de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade”: perde 91% dos recursos a cargo do MMA, restando apenas R$ 7,3 milhões em 2018, frente aos R$ 77,9 milhões autorizados para 2017. Esta queda deveu-se à extinção da ação de “Apoio à Conservação Ambiental e à Erradicação da Extrema Pobreza – BOLSA VERDE”, que em 2017 teve orçamento de R$ 72,2 milhões e em 2018 desapareceu do orçamento de 2018.
O Bolsa Verde, que chegou a garantir o atendimento de 76 mil pessoas até fevereiro de 2016, foi sendo progressivamente reduzido chegando ao final de 2017 com um público atendido de 48 mil pessoas em situação de extrema pobreza. Os beneficiários da Bolsa Verde eram residentes de Reservas Extrativistas (19,8 mil pessoas); ribeirinhos (4,8 mil pessoas) e assentados de Projetos de Assentamento (23,3 mil pessoas). A despeito das críticas e problemas desta modalidade de apoio financeiro de apenas R$ 300 reais a cada três meses, o fato é que era um programa importante que dava um suporte adicional de renda para pessoas e famílias que indiretamente recebiam o benefício. Seu corte radical em um contexto de recrudescimento da pobreza e extrema pobreza, de desmonte de outras políticas públicas, e ainda mais com a drenagem de recursos para “Reservas de Contingência”, denota um quadro angustiante de desrespeito à população mais vulnerável, em especial na Amazônia seu principal foco geográfico, e que tanto contribui para preservar a floresta.
A extinção do Bolsa Verde já havia sido alertada em 2017 pela ex-ministra do Meio Ambiente e também foi tema polemizado na participação do Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, durante a Conferência do Clima em Bonn, na Alemanha. Questionado acerca das notícias de extinção do Bolsa Verde, o Ministro justificou o fim do orçamento em 2018 em função do cenário de “teto de gastos” e da necessidade de direcionar recursos para outras ações, em especial de comando e controle, sinalizando, contudo, a possibilidade de uma nova modalidade de apoio financeiro a ser, ainda, construída como ação do Fundo Amazônia.
– “Programa de Qualidade Ambiental”: também perde 91% dos recursos, restando apenas R$ 10 milhões dos R$ 117,7 milhões aprovados em 2017. As ações mais prejudicadas foram a de “Apoio à Implementação de Instrumentos Estruturantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos” e de “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Voltados à Qualidade Ambiental Urbana”.
3) No caso do ICMBio a situação parece estável, apesar de crítica.
O órgão conta com um orçamento 33% menor em 2018, mas é preciso levar em consideração que a perda não se deve a reserva de contingência e sim à ação orçamentária “Pagamento de Sentenças Judiciais Transitadas em Julgado (Precatórios) devidas pela União, Autarquias e Fundações Públicas”. Segundo explicação oferecida pelo MMA, Nota de Esclarecimento sobre o Projeto de Lei Orçamentária para 2018 (PLOA 2018) divulgada em novembro de 2017, a redução desta despesa obrigatória justifica-se “por não haver decisões que demandassem a alocação de recursos”.
[1] Na sequência: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Serviço Florestal Brasileiro, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Agência Nacional de Águas, Fundo Nacional de Meio Ambiente, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.
A inflação oficial do País fechou 2017 em 2,95%, a menor alta anual desde 1998 e abaixo do piso da meta estabelecida pelo próprio governo. Após a divulgação dos resultados pelo IBGE, na quarta-feira 10, os palacianos anteviram um próspero período de juros baixos e de recomposição do poder de compra do trabalhador.
“Na verdade, a inflação em um patamar tão baixo é mais um sintoma da depressão que vivemos, da forte retração da demanda. Atribui-se o feito à safra agrícola recorde, mas parecem subestimar os efeitos dos sucessivos aumentos no preço da eletricidade, dos combustíveis e do gás de cozinha, estes últimos controlados pelo governo”, alerta João Sicsú, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
“Em 2015 e 2016, o Brasil perdeu 7,2% de seu PIB. A economia recuou seis anos, para o mesmo patamar que tinha no segundo semestre de 2010”, observa o economista. “É possível que tenha recuperado um ponto porcentual no ano passado, mas ninguém sabe com exatidão se existe uma recuperação. O mais provável é que seja apenas um suspiro de quem bateu no fundo do poço.”
Para 2018, os analistas do mercado vendem um cenário otimista. De acordo com o Boletim Focus, pesquisa feita pelo Banco Central com mais de cem instituições financeiras, projeta-se um crescimento do PIB da ordem de 2,69%, com uma inflação de 3,95%. Em outubro, o Fundo Monetário Internacional trabalhava com projeções mais conservadoras, prevendo uma expansão de 1,5% do PIB até o fim do ano. Ainda que o bolo volte a crescer, não há o mais pálido sinal de que será repartido com o conjunto da sociedade. Ao contrário, os indicadores acenam para um aumento da concentração de renda e dos níveis de pobreza.
A Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, divulgada em dezembro, revela um expressivo aumento do número de pobres e miseráveis. O Brasil encerrou 2016 com 24,8 milhões de cidadãos, 12,1% da população, vivendo com menos de um quarto de salário mínimo, o equivalente a 220 reais. O resultado representa um crescimento superior a 50% em apenas dois anos. No fim de 2014, quando a crise econômica esboçava os primeiros sinais, havia 16,2 milhões de brasileiros com essa faixa de renda, usada pelo Ipea para designar os “extremamente pobres” e empregada pelo governo federal como critério para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) aos idosos em situação de miséria.
De acordo com a linha de extrema pobreza estabelecida pelo Banco Mundial, mais usada para comparações internacionais, 13,4 milhões de brasileiros, 6,5% do total, vivia com menos de 1,90 dólar por dia (cerca de 133 reais mensais) no fim de 2016. E um quarto da população possuía renda inferior a 5,50 dólares por dia (387 reais por mês), faixa de renda usada pela instituição para definir um nível menos agudo de indigência. Devido às recentes atualizações de valores nas linhas de pobreza do Banco Mundial, o estudo do IBGE não permite comparações com os anos anteriores.
Ex-ministra do Desenvolvimento Social, a economista Tereza Campello refez os cálculos com base na linha de corte anterior, de 1,25 dólar por dia para definir quem vive na miséria, e identificou alta expressiva. “Por esse critério, a extrema pobreza avançou de 2,5%, em 2014, para 4,9% em 2016. Retrocedemos ao patamar de dez anos atrás”, lamenta. “Para agravar o problema, difundiu-se um falacioso diagnóstico, a atribuir a crise à suposta elevação dos gastos públicos, sobretudo na área social. É mentira. Essas despesas não aumentaram nos últimos anos, o que houve foi uma brutal redução das receitas. O problema está na arrecadação.”
Em vez de ampliar a rede de proteção social, indispensável para amparar os desvalidos em tempos de crise, o governo empenhou-se em reduzi-la. A política de austeridade fiscal, iniciada pelo ministro Joaquim Levy no segundo mandato de Dilma Rousseff e aprofundada por Henrique Meirelles no governo de Michel Temer contribuiu decisivamente para a regressão social.
Um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais, revela queda de até 83% em políticas voltadas à área social nos últimos três anos. De acordo com o estudo, a área que mais perdeu recursos desde 2014 foi a de direitos da juventude, com queda de 83% nos investimentos.
Em segundo lugar, vêm os gastos com programas voltados à segurança alimentar, reduzidos em 76%. A área de moradia digna sofreu perdas de 62%, assim como a de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. A Promoção da Igualdade Racial sofreu uma redução de 60% e os programas para mulheres, 53%. Um dos exemplos citados pelos pesquisadores é a queda significativa no Programa de Aquisição de Alimentos do governo federal, com perdas de 69% em três anos. O estudo alerta para a “ameaça de um retorno da forme e da desnutrição”.
O desemprego massivo é, possivelmente, a maior fonte de angústia do brasileiro. Embora o governo se apresse em anunciar a reativação do mercado de trabalho, a verdade é que Temer nem sequer conseguiu suprir as vagas perdidas durante a sua gestão. Em maio de 2016, quando foi alçado ao poder sem voto, em meio ao golpe branco deflagrado no Parlamento, a taxa de desocupação atingia 11,2% da população economicamente ativa, um total de 11,4 milhões de cidadãos sem emprego. O problema atingiu o ápice no primeiro trimestre de 2017, quando o País somava 14,2 milhões de desempregados, 13,7% do total. Em novembro passado, a taxa de desocupação alcançava 12%, algo em torno de 12,6 milhões de brasileiros. Os dados são da Pnad Contínua, divulgada pelo IBGE.
Curiosamente, em novembro, primeiro mês de vigência da reforma trabalhista, o Brasil fechou 12.292 vagas com carteira assinada, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). “Em dezembro, é comum haver um maior número de demissões, como consequência do encerramento de contratos de trabalho temporário para o comércio no período do Natal. Novembro não tem, porém, esse caráter sazonal. Essa oscilação negativa recomenda prudência ao falar da suposta reativação do mercado de trabalho”, observa José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).
Na realidade, os números revelam um processo de desaparecimento do emprego formal. Desde 2014, o País perde, em média, 1 milhão de postos com carteira assinada por ano, segundo a Pnad Contínua do IBGE. Além da retração da atividade econômica, a redução dos postos formais pode ter sido intensificada com a sinalização política de Temer, a considerar as regras trabalhistas excessivas e passíveis de flexibilização, diz Krein. “Diante desse aceno, os agentes econômicos sentiram-se à vontade para optar pelas formas mais baratas de contratação, antes mesmo de a reforma ser aprovada.”
Em vez de induzir à formalização, a reforma de Temer contribui para desestruturar o mercado, emenda o especialista. “A pejotização e o trabalho intermitente devem avançar, sobretudo, sobre o emprego formal”, avalia o economista da Unicamp, antes de citar o “didático exemplo do Grupo Estácio”. Em dezembro, instituição de ensino superior confirmou a demissão de 1,2 mil professores e anunciou a criação de um “cadastro de reserva”, para atender “possíveis demandas”. “Provavelmente, serão contratados docentes intermitentes, que vão receber por hora, e menos.”
Diante desse cenário, a insistência de Temer em nomear a deputada Cristiane Brasil como ministra do Trabalho só revela o descaso do presidente ilegítimo com a área. Desde o primeiro momento, ele transformou a pasta em um feudo do PTB. Sua primeira escolha foi o deputado Ronaldo Nogueira. Além de tramar o desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho, que teve mais de cem artigos alterados, ele se notabilizou ao editar a portaria que afrouxou a repressão ao trabalho escravo, ao cabo revogada. Investigado pela Controladoria-Geral da União por supostas fraudes em um contrato de prestação de serviços de tecnologia, abandonou o governo no apagar das luzes de 2017.
O PTB indicou um deputado do Maranhão para substituí-lo, mas o nome acabou vetado pelo ex-presidente José Sarney. Temer chamou, então, o presidente do partido, Roberto Jefferson, delator do “mensalão” e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, para oferecer o cargo à sua filha. “Tínhamos três nomes em mente. No meio da conversa, o presidente me indagou: e por que não a Cristiane? Ela é experimentada, foi secretária municipal de diversos governos”, contou Jefferson. “Tenho que ligar para ela, porque ela é candidata. Fiz isso e ela, prontamente, respondeu: papai, eu aceito”.
Em resposta a uma ação popular, o juiz Leonardo da Costa Couceiro, da 4ª Vara Federal Criminal de Niterói, concedeu uma liminar para impedir a posse de Cristiane, após a revelação de que ela foi condenada a pagar 60 mil reais por dívidas trabalhistas com dois ex-motoristas. Segundo o magistrado, o ato configura um “desrespeito à Constituição no que se refere à moralidade administrativa”. Ao julgar um recurso apresentado pela deputada, Vladimir Santos Vitovsky, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, manteve a decisão. O caso segue sub judice, enquanto a parlamentar é alvo de novas denúncias, por usar verbas da Câmara para pagar serviços de uma locadora de veículos, aparentemente uma empresa fantasma, ligada a uma funcionária de seu gabinete.
Para os trabalhadores, a nomeação de uma ministra com esse invejável currículo só aumenta o desalento. Há três anos, o rendimento médio mensal está estagnado. No trimestre encerrado em novembro de 2017, estava em 2.142 reais, exatamente o mesmo valor auferido pelo IBGE no fim de 2014. Com a legalização de contratos precários de trabalho e a liberação das terceirizações, o valor pode despencar, alerta o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. “O empregado pode se ver forçado a virar um microempreendedor, assumindo todo o ônus da atividade empresarial, ou mesmo ter a mão de obra intermediada por uma prestadora de serviços, que certamente vai reduzir os benefícios e achatar os salários para garantir a sua margem de lucro.”
De acordo com o especialista, o Brasil vive um dramático processo de desindustrialização e de queda do nível de emprego na agricultura, em razão do crescente processo de mecanização do campo. Esses dois fenômenos levaram a uma transição prematura da sociedade industrial para o setor de serviços, que ainda tem uma base frágil, de micro e pequenas empresas, na qual prevalece o trabalho precário e informal, explica Ganz Lúcio.
O presidente Michel Temer sancionou no dia 2 de janeiro a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2018, que prevê R$ 3,5 trilhões de receitas e despesas da União para o exercício financeiro deste ano. Este será o primeiro orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), que limita as despesas públicas à inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos. Uma das principais novidades é o aporte de R$ 1,7 bilhão para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que vai custear com recursos públicos as campanhas dos partidos políticos.
Educação
Em contrapartida, foi vetado o recurso extra de R$ 1,5 bilhão para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que ajuda a custear o salário de professores de escolas públicas em estados cuja remuneração não alcança o piso nacional da categoria, e pode ser usado também em atividades como o custeio de programas de melhora da qualidade da Educação, a formação continuada dos professores, a aquisição de equipamentos e a construção e manutenção das escolas, por exemplo. Isso porque segundo o Palácio do Planalto, o Fundeb já possui previsão de R$ 14 bilhões para 2018.
De acordo com Catarina Almeida, professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do comitê distrital da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o veto de Temer a essa complementação inviabiliza o atendimento às demandas da educação básica. “Para que a educação básica seja implementada de forma mínima, nós precisamos objetivamente dessa complementação da União. Pelo menos dez estados hoje na Federação não conseguem, com sua arrecadação, chegar ao patamar de uma qualidade mínima necessária para a educação”, alerta a professora. Para ela, o veto também atingiria de forma negativa metas estabelecidas no Plano Nacional da Educação (PNE): “O veto vai impossibilitar uma expansão do atendimento às crianças que estão fora da educação infantil, além das expansões de creches e do ensino médio”.
Para Catarina, isso mostra definitivamente que a educação não é prioridade para o governo. “E além do mais, esse veto pode inviabilizar que se cumpra o mínimo que a EC 59 coloca – a universalização da educação básica obrigatória”, acrescenta.
Do total das despesas de R$ 3,5 trilhões do orçamento, R$ 1,16 trilhão serão destinados ao refinanciamento da dívida pública e outros R$ 316 bilhões com o pagamento de juros da dívida. Por tratar-se de uma despesa financeira da União, a dívida ficou de fora dos limites impostos pelo teto de gastos, que abrange apenas as despesas primárias. Os gastos com Previdência Social somam R$ 585 bilhões. O orçamento prevê ainda um déficit primário de R$ 157 bilhões para o ano.
Para a Educação e a Saúde, o quadro tem agravos. A LOA prevê R$ 130 bilhões para a Saúde e outros R$ 109 bilhões para a Educação, valor que, em teoria, faz com que o governo gaste com juros da dívida três vezes mais do que com Educação. “Claramente, o que se vê é a valorização de quem não precisa, seria a questão da dívida e do fundo eleitoral, e você tira da maior parte da população brasileira, que é exatamente quem vai precisar dos investimentos nas áreas sociais”, diz Cataria.
Se os cortes chegaram até a educação básica, com a educação superior a situação também não é diferente. No planejamento do governo em 2018, o orçamento previsto é de apenas R$ 5 bilhões para universidades, enquanto em 2017 foi de R$ 8 bilhões e de R$ 15 bilhões em 2015, uma queda progressiva. Segundo dados da Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a LOA de 2017 já trouxe uma redução no orçamento das universidades federais de 11,2% em relação a 2016. Os cortes atingiram principalmente as despesas com investimentos, que caíram 40%. E, segundo a Andifes, 35% dos valores previstos na LOA 2017 para as universidades sofreram contingenciamentos, agravando o quadro. As despesas com investimentos novamente foram as mais atingidas: o governo liberou apenas 40% do valor previsto em 2017.
Com esse orçamento, Catarina acredita ser provável um maior endividamento das universidades e até mesmo suspensão de atividades, como já vem acontecendo nos últimos anos com o corte de terceirizados. “Se elas já não estavam nas melhores condições e pedindo sempre mais verbas para o seu funcionamento básico e desenvolvimento de pesquisa, com esse corte a gente pode ter dificuldades de manter as universidades funcionando. Nessa perspectiva entra a lógica da privatização das universidades públicas, que vem na pauta de prioridades desse governo”, ressalta. Na área de Ciência e Tecnologia, a redução é de R$ 2 bilhões em relação ao ano passado. “Como o país sai da crise se a gente não investe naquilo que pode provocar o seu crescimento, o seu desenvolvimento? Ao contrário, o que o governo está fazendo é exatamente cortar essa possibilidade de gerar novos empregos, pesquisas e conhecimentos”, lamenta Catarina.
O baixo orçamento também vem agravar a situação da Educação Profissional. “Os Institutos Federais (IFs) têm uma grande importância no processo de profissionalização. E como formar com qualidade com esses cortes?”, questiona Catarina. E continua: “O corte na verba da educação superior vai impactar também no trabalho dos IFs. E por outro lado, a gente tem uma lógica de Reforma do Ensino Médio que, para ser implementada como o governo supostamente diz, com a construção dos itinerários formativos, precisaria, na verdade, de mais verbas e não corte das verbas existentes. A gente coloca o país no lugar de consumidor do que se produz em outros países e não de produtor de conhecimento”, analisa, explicando que o orçamento expressa uma ação sistêmica de desvalorização da educação, que vai desde a educação infantil até a pós-graduação.
Saúde
A especialista em orçamento público e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David também observa algumas tendências para a saúde no orçamento deste ano. Segundo ela, em 2017, o governo previu um valor acima dos 15% da receita corrente líquida para saúde, mas não executou. “Era para ele ter executado, pelo menos, R$ 114 bilhões, mas ele só executou R$ 107 bilhões, então sobraram R$7 bilhões inscritos em restos a pagar. A grande questão é: quando isso vai ser pago? A saúde já tem R$ 51 bilhões inscritos em restos a pagar e sem previsão de quando vai ser pago”, afirma.
Em relação ao valor destinado para a saúde em 2018, de R$ 130 bilhões, Grazielle explica o cálculo realizado pelo governo: “Esse valor é superior ao mínimo que tem que ser aplicado, porque se eu pego 15% de 2017, que eram R$ 114 bilhões, acrescento 3% de Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), que é aregra do teto dos gastos da EC 95, eu chego a R$ 118 bilhões, que seria o mínimo a ser aplicado em saúde em 2018”. Ela conclui: “Os R$ 130 bilhões estão de acordo com a lei e até um pouco acima. A grande questão é: será que ele vai executar esse dinheiro mesmo? Porque é bastante frequente que os governos não executem o orçamento destinado”, alerta.
Grazielle identifica um baixo investimento ao longo dos anos, aliado ao fato de haver um congelamento real dos gastos, só corrigido pela inflação, um crescimento e envelhecimento significativo da população e uma demanda tecnológica cada vez mais ampliada. Ainda assim, segundo ela, são destinados cada vez menos recursos para a saúde. Qual o grande risco disso? A especialista acredita que é a perda de abertura de serviços, o que segundo ela já é bastante previsto para este ano. “O orçamento de 2018 para a saúde praticamente não tem previsão de investimento em inversão financeira, então a gente pode esquecer ampliação de novos serviços e, ao longo dos anos, juntamente com o teto dos gastos, haverá diminuição ainda maior da qualidade dos serviços ofertados. E como o Ministério da Saúde também aprovou uma portaria que acaba com os blocos de financiamento – que tinha atenção básica, média e alta complexidade, vigilância em saúde, e agora só tem custeio e investimento -, o grande risco é que os setores que gastam mais, como ambiente hospitalar e medicamento suguem todo o recurso, deixando a atenção básica bastante prejudicada e afetando diretamente a população”, alerta.
Grazielle acrescenta que a LOA expressa apenas números de destinação orçamentária, não baseados em uma necessidade. “A gente não tem um planejamento de fato ascendente, é um cálculo de orçamento previsto não de acordo com a necessidade da população, mas meramente nas regras das emendas constitucionais 86 e 95”.
O mínimo
O gasto com funcionalismo público foi estimado em R$ 322,8 bilhões para 2018. Esse montante contempla os reajustes salariais previamente acordados e já conta com o aumento da contribuição previdenciária dos servidores (de 11% para 14%), conforme determinado pela Medida Provisória 805/17, embora ela tenha sido suspensa por uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que será submetida a referendo do plenário do STF após o término do recesso forense e a abertura do Ano Judiciário de 2018.
Em relação ao salário mínimo, que era R$ 937 em 2017, no texto aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro, a previsão para 2018 era de R$ 965. No entanto, o cálculo para o reajuste foi atualizado e o governo confirmou na última semana o novo mínimo de R$ 954, em vigor desde o dia 1° de janeiro – um reajuste de apenas 1,81%, que não repõe nem a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano, que fechou em 2,07%. Além de estar abaixo da estimativa que havia sido aprovada pelo Congresso, esse será o menor reajuste do piso nacional dos últimos 24 anos, desde a criação do Plano Real.
A lógica dos últimos anos, segundo Catarina, é que o salário mínimo fosse reajustado de forma que, em um futuro próximo, pudesse chegar o mais próximo possível daquilo que a Constituição Federal de 88 previa – no artigo 7º, inciso IV: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.
“Com esse salário mínimo, o Governo Temer mostra mais uma vez que a maior parte da população brasileira, que ganha um ou dois salários mínimos, não é olhada pelo governo, não faz parte desse processo de priorização”, afirma. E completa: “Além de ter um salário mínimo baixo, a gente teve uma reforma trabalhista e a aprovação do processo de terceirização que, na verdade, desobriga que muita gente, inclusive, olhe nessa perspectiva do valor do salário mínimo, já que existem agora diversas possibilidades de negociação e de precarização da oferta de trabalho”.
Retrospectiva 2017: confira algumas das nossas principais lutas ao longo do ano
Estamos encerrando 2017 com a certeza de que fizemos o nosso melhor! Definitivamente, não foi um ano fácil: enfrentamos muitos desafios e retrocessos sociais, mas continuamos de cabeça erguida e lutando por justiça social.
Fizemos um levantamento de nossas principais lutas e conquistas em 2017. Muitos desses desafios terão sequência no ano que vem e contamos com sua parceria! Que venha 2018, pois estamos prontos para encarar os desafios com a mesma disposição, criatividade e esperança de sempre!
Confira:
JANEIRO
Já no começo do ano, a gente precisou defender as políticas de demarcação de terras indígenas dos ataques do governo Temer. Diversas organizações, entre elas o Inesc, divulgaram nota conjunta de repúdio à Portaria MJ n.º 80/2017, do Ministério da Justiça, e exigiram atuação do governo federal pelo fortalecimento da Funai. Leia aqui.
FEVEREIRO
Outra medida do governo ilegítimo de Temer precisou ser combatida: a “reforma” do ensino médio. Artigo de Cleo Manhas, assessora política do Inesc, questionou a ausência de temas importantes no texto da reforma, como bullying provocado por LGBTfobia, racismo, gravidez na adolescência, necessidade de trabalhar precocemente. Leia aqui.
MARÇO
Para marcar o Dia Internacional da Mulher deste ano, o Inesc decidiu juntar forças com o site Outras Palavras para a publicação de uma série de artigos sobre os atuais desafios do feminismo e como a maior parte das lutas são transversais. Reunindo textos dos assessores políticos do Inesc, a série abordou temas como justica fiscal, direito à cidade, igualdade racial, educação e homo e transfobia. Leia aqui.
ABRIL
Nesse mês, debate promovido pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio do Inesc, reuniu representantes de diversas organizações para discutir os rumos do país após um ano do golpe institucional e perguntar: afinal, qual democracia o Brasil quer? Leia aqui.
MAIO
Artigo da nossa assessora política Grazielle David fez um apanhado das medidas de austeridade adotadas no país pelo governo de Temer até maio de 2017. Até então, muita maldade já tinha sido feita contra os brasileiros, sendo a mais perversa delas a execução da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos, aprovada no ano anterior. Leia aqui.
JUNHO
Nesse mês divulgamos uma Nota Técnica sobre o modelo mineral brasileiro, que discute os favorecimentos tributários obtidos pelo setor em meio à crise fiscal e econômica brasileira, e violação de direitos socioambientais que as grandes empresas mineradoras promovem com dinheiro público. Leia aqui.
JULHO
Em julho, continuamos denunciando os efeitos das medidas de austeridade adotadas pelo governo. Análise de Alessandra Cardoso, Grazielle David e Iara Pietricovsky alerta para a improbabilidade de o Brasil cumprir com os compromissos assumidos na Agenda 2030, da ONU, devido à falta de um orçamento adequado para o financiamento de políticas públicas que enfrentem a desigualdade social no país. Leia aqui.
AGOSTO
Em agosto completamos 20 anos sem Betinho, um grande parceiro do Inesc na luta contra a fome e por direitos.Uma entrevista com Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc que conviveu com o sociólogo no início dos anos 1990, foi nossa forma de homenageá-lo. Leia aqui.
SETEMBRO
No Dia Mundial Sem Carro, comemorado em 22 de setembro, publicamos artigo no jornal Correio Braziliense dos assessores políticos Cleo Manhas e Yuriê Baptista, sobre a situação da mobilidade urbana no Distrito Federal. Leia aqui.
OUTUBRO
Diante das notícias de que a fiscalização do trabalho escravo corria o risco de ser interrompida por ausência de recursos, o Inesc elaborou Nota Técnica que analisou os dados dos contingenciamentos orçamentários realizados pelo governo federal em 2017. Leia aqui.
NOVEMBRO
No Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, denunciamos: Apenas 6% do recurso federal para a promoção da igualdade racial havia sido executado até a data. Nenhum centavo tinha sido gasto, por exemplo, com o Disque Igualdade Racial, que atende vítimas de racismo. Leia aqui.
DEZEMBRO
Mesmo após 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda foi preciso afirmar: acesso à saúde, educação, alimentação adequada, moradia e meio ambiente saudável são direitos essenciais. Não são opcionais. Por isso o Inesc realizou a Semana dos Direitos Humanos, onde divulgamos textos dos nossos assessores sobre a temática, a partir de diferentes enfoques. Leia aqui.
Indiscutivelmente, um dos grandes méritos da “Nota Técnica do Trilhão” é ter colocado em evidência uma matéria que passava, como tantas outras, despercebida pela opinião pública brasileira. A MP do Trilhão é agora amplamente conhecida como aquela que aumenta expressivamente isenções tributárias para todas as empresas petroleiras e que terá pelo menos duas consequências importantes: 1) maiores isenções significam menor arrecadação e, por suposto, menos orçamento para políticas públicas; 2) maiores investimentos para exploração do petróleo brasileiro, potencializados por menores custos tributários, significam maiores emissões de gases de efeito estufa – e isto tem consequências para o Planeta.
Por isso, ao contrário do que sugere o texto publicado pelo jornal Jornal Folha de S. Paulo, em 14 de dezembro, na coluna do jornalista Vinícius Torres Freire, independente das polêmicas técnicas, a mensagem do trilhão cumpriu o importante papel de descortinar um debate que não pode ser somente técnico-econômico, porque é essencialmente político, social e ambiental.
A propósito da matéria, o autor da “Nota Técnica do Trilhão” apresenta argumentos adicionais para sustentar sua posição técnica de que interpretações do artigo 1º da MP 795 “podem gerar renúncia fiscal da ordem de R$ 1 trilhão”.
Sim, sabemos que são muitos os fatores que afetarão, ao fim e ao cabo, o comportamento tributário do setor petroleiro depois desta MP, já que estamos falando de uma exploração em um futuro que é sempre incerto, com condições de partilha que dependerão de leilões que ainda não ocorreram, além da interação entre muitos fatores econômicos em um setor complexo e com muitos efeitos de encadeamento em sua cadeia produtiva, etc e etc…
Do ponto de vista tributário, somente o futuro dirá o tamanho real dos subsídios às empresas petroleiras que aqui estão e que para cá virão. Mas não ficaremos sabendo – este é um ponto importante – porque depois da guerra de simulações que estamos vendo, o setor seguirá seu rumo, seus investimentos e seus subsídios ficarão protegidos pelo sigilo fiscal. O sigilo fiscal nos impede de saber quanto existe realmente de subsídios e quem se beneficia deles. Por isto, defendemos o fim do sigilo fiscal para os beneficiários dos gastos tributários no Brasil, assim como ocorre com os inscritos na Dívida Ativa da União.
Do ponto de vista orçamentário, se a isenção não é compensada por “medidas de compensação por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição” como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal” (Artigo 14, inciso II), ela implicará, necessariamente, em menos recurso para políticas públicas. Em outras palavras, a Medida Provisória 795 não apresentou, como prevê a LRF, como será compensada essa perda de arrecadação. Logo, sobrou para todos nós, brasileiros e brasileiras, pagarmos a fatura do subsídio às petroleiras com medidas do tipo Teto dos Gastos e Reforma da Previdência.
Por fim, do ponto de vista ambiental, as consequências do aumento da produção de petróleo serão creditadas ao nosso Planeta, que terá que lidar com mais emissões, além das projetadas.
Trilhão ou não, os subsídios são altos e têm muitas consequências!
Mulheres inspiradoras 2017: Hub das Pretas
O projeto Hub das Pretas foi listado entre os trabalhos de mulheres inspiradoras em 2017. A organização feminista Think Olga divulgou lista com 200 mulheres ou coletivo de mulheres com trabalhos relevantes e inspiradores em diversas áreas.
O Hub das Pretas entrou na lista pela categoria Arte & Entretenimento, com destaque para a websérie produzida pelo coletivo, a Sonho de Preta Conta. Filmada em julho de 2017 durante o Festival Afrolatinas, a websérie de 12 episódios contém depoimentos de mulheres negras que reafirmam a necessidade de renovação de sonhos e utopias, mesmo em tempos difíceis.
O projeto Jovens Mulheres Negras – ou Hub das Pretas – envolve diferentes organizações e coletivos que atuam no combate ao racismo e ao sexismo em quatro cidades: Brasília, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo.
Em Brasília, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é a instituição de referência do projeto. A assessora política do Inesc, Carmela Zigoni, comemorou a menção ao projeto Hub das Pretas pela ONG feminista que pauta ações e campanhas importantes para os direitos das mulheres. “O movimento de mulheres negras no Brasil é histórico e o projeto veio pra somar. O protagonismo é delas”, ressaltou. Carmela explicou que a iniciativa tem como proposta “ser um espaço de encontros, oportunidades, vivências de mulheres jovens negras que desejam enfrentar o machismo e o racismo”.
De acordo com Layla Maryzandra, que atua como articuladora, mobilizadora e educadora no projeto em Brasília, em um ano e meio o coletivo realizou 22 encontros, entre oficinas de comunicação, eventos autogestionados, atividades no Festival Latinidade e intercâmbio entre as cidades envolvidas no projeto. Para ela, o Hub é mais um dos projetos incentivadores para fortalecer e contribuir com a luta racista e sexista.
“Tendo em vista o retrocesso de direitos instaurados nos últimos tempos e o processo de reorganização dos diversos movimentos sociais no país, sobretudo de mulheres negras, o fato de sermos citadas em ´Mulheres Inspiradoras de 2017’ nos dá mais um fôlego para construir – hoje e para as gerações futuras – a concretude de outros mundos possíveis, para além das brechas do que a cultura patriarcal, eurocêntrica e racista nos coloca”, analisou Layla.
Duas integrantes da equipe do Inesc, Helena Rosa e Dyarley Viana, contaram seus sonhos na websérie Sonho de Preta Conta. Confira os episódios aqui
Estudo “Direitos Humanos em tempos de austeridade”
O Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, corre o risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência, em sua maioria negras e jovens, desprotegidas. Esses são alguns dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completou um ano de vigência.
Os dados fazem parte de estudo produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), lançado nesta quinta-feira (14/12) durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados.
Medidas de austeridade levaram a queda de até 83% em programas sociais
As políticas de austeridade adotadas por Dilma Rousseff em 2015 e intensificadas a partir da ascensão de Michel Temer à Presidência resultaram em uma expressiva queda nos investimentos em programas sociais e de direitos humanos no Brasil.
Divulgado nesta quinta-feira 14, um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais revela uma queda de até 83% em políticas públicas voltadas à área social nos últimos três anos.
Segundo o estudo, a área que mais perdeu recursos desde 2014 foi a de direitos da juventude, com queda de 83% nos investimentos. Em segundo lugar, vêm os gastos com programas voltados à segurança alimentar, reduzidos em 76%.
Na sequência, surgem as políticas para mudanças climáticas, com queda de 72%. A área de moradia digna sofreu perdas de 62%, assim como a de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. A Promoção da Igualdade Racial perdeu 60% em recursos e os programas para mulheres, 53%. Os cortes foram calculados com base em dados do site Siga Brasil (veja abaixo).
Em meio à redução nos investimentos sociais, os gastos do governo com o pagamento da dívida cresceram de forma expressiva no período. Os custos com juros da dívida interna aumentaram 90%. Já o refinanciamento da dívida externa resultou em um aumento de 344% nos gastos.
O estudo alerta para os cortes drásticos em programas alimentares, que “ameaçam um retorno da forme e da desnutrição”. O informativo revela que o governo Temer reduziu os investimentos em políticas de segurança alimentar em 55% apenas em 2017.
Um dos exemplos citados pelos pesquisadores é a queda significativa no Programa de Aquisição de Alimentos do governo federal. O informativo lembra que o PAA teve uma queda de 31% no orçamento deste ano na comparação com 2014. Nos últimos três anos, o corte na área foi de 69%.
Em relação às políticas para mulheres, a queda também é significativa. Programas voltados ao fortalecimento da autonomia das mulheres, à promoção da igualdade de gênero e à provisão de serviços para mulheres em situação de violência sofreram cortes drásticos. O orçamento do Programa de Políticas para as Mulheres de 2017 foi estabelecido 96,5 milhões de reais, mas apenas 32,2 milhões foram liberados até o momento.
O estudo relaciona às quedas de investimentos nessas áreas em 2017 à aprovação da Emenda à Constituição que congelou os gastos públicos no País por 20 anos. Os efeitos do projeto que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior passou a ter efeito neste ano, com exceção às áreas da Saúde e Educação, que terão o teto aplicado a partir do próximo ano. Ainda assim, esses setores sofreram quedas orçamentárias em 2017 de 17 e 19%, respectivamente.
O estudo critica a adoção do teto de gastos como solução para o déficit fiscal no País. “Ainda que a queda dos preços das commodities, a fraca geração de receita e as altas taxas de juros decorrentes da política monetária sejam avaliadas por todos como sendo as principais causas dos crescentes déficits fiscais do Brasil, o governo brasileiro decidiu adotar cortes orçamentários pró-cíclicos afetando principalmente os investimentos em direitos humanos, na proteção social, na mudança climática, nos jovens e na igualdade racial e de gênero.”
Audiência debate impactos negativos do Teto de Gastos aos direitos humanos no Brasil
O Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, corre o risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência, em sua maioria negras e jovens, desprotegidas. Esses são alguns dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completa nesta semana um ano de vigência.
Os dados fazem parte de estudo produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), que será lançado nesta quinta-feira (14/12) durante audiência pública a ser realizada na Câmara dos Deputados, às 9h30, para discutir os impactos negativos do Teto dos Gastos sobre os direitos humanos da população brasileira.
O estudo mostra que a austeridade no Brasil, além de seletiva, desrespeita a Constituição ao mesmo tempo em que coloca em risco décadas de progresso socioeconômico. Também constam no documento propostas de alternativas ao novo regime fiscal.
A audiência pública é desdobramento da relatoria especial sobre as consequências da política de austeridade e congelamento do investimento público lançada em outubro pela Plataforma Dhesca Brasil – rede formada por 40 organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos. A relatoria investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.
Entre as principais recomendações apontadas no relatório, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas e a realização de uma consulta junto à população sobre as emendas constitucionais 95 (teto de gastos) e 93 (desvinculação das receitas da União).
Segundo Denise Carreira, coordenadora da relatoria especial da Plataforma Dhesca, a ideia é promover formas de engajamento da população em relação ao tema em diferentes espaços, por meio de uma consulta popular e a realização de rodas de conversa, entre outras ações.
Organizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara em parceria com Oxfam Brasil, Inesc, Conectas Direitos Humanos e Plataforma Dhesca, a audiência pública terá a participação de economistas, parlamentares, representantes de movimentos sociais, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e Anistia Internacional Brasil.
Desconstruindo a “austeridade”: os mais pobres continuam pagando a conta
É certo que desde 2015 a população vem sofrendo com cortes orçamentários em áreas essenciais para o bem-estar dos brasileiros. Mas o ano de 2017 – quando se consolidou um projeto político que não passou pelo crivo das urnas – foi marcado pelo desmonte avassalador de políticas públicas que apontavam para a garantia dos direitos humanos.
A Emenda Constitucional 95, conhecida como “teto dos gastos”, é a medida-símbolo desse projeto irresponsável que está levando o Brasil de volta ao mapa da fome e aumentado a desigualdade que tanto separa pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e homens. Em vigor há um ano, a EC 95 congelou o gasto público real por vinte anos e, dessa maneira, tornou constitucional a austeridade, impedindo qualquer futuro governo eleito sem uma maioria absoluta de determinar o tamanho dos investimentos em direitos humanos.
Mas, afinal, o que é essa tal “austeridade” tão defendida por governos quando se deparam com uma crise econômica e fiscal? Em economia, a austeridade significa um maior rigor no controle dos gastos. Mas quais gastos? Essa é a questão: criou-se um mito de que os “gastos” que devem ser cortados são justamente os investimentos em serviços públicos, atingindo principalmente os setores mais vulneráveis da sociedade, como os negros e as mulheres.
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Oxfam Brasil e a Center for Economic and Social Rights (CESR), vai apresentar nesta Semana dos Direitos Humanos dados de um estudo sobre os efeitos perversos da EC 95, mostrando que a austeridade no Brasil, além de seletiva, desrespeita a Constituição e impede o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU- ao mesmo tempo em que coloca em risco décadas de progresso socioeconômico.
Outro mito criado em torno do tema da austeridade é o de que a população brasileira é totalmente contra o aumento de impostos. A pesquisa recente da Oxfam Brasil/DataFolha revelou que para 71% dos brasileiros, os muitos ricos devem sim pagar mais impostos para financiar educação, saúde e moradia. Nós já sabemos que existem outras soluções para a crise fiscal. Taxar as grandes fortunas em uma reforma tributária progressiva e justa é uma das medidas defendidas pelo Inesc para alcançarmos uma sociedade menos desigual.
Nesta semana queremos reafirmar a necessidade dos Direitos Humanos delineados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948. Acesso à saúde, educação, moradia, alimentação adequada e a uma vida socioambiental saudável é essencial. Não é opcional. Que coloquem teto para a desigualdade no Brasil, não para os direitos.
Fórum denuncia genocídio de negros brasileiros a conselho da ONU
A alta taxa de homicídios de jovens negros levou o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) a protocolar denúncia contra o Estado brasileiro em relatorias do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
A denúncia foi formalizada em 22 de agosto e divulgada nesta quarta-feira (29/11), no aniversário de um ano do fórum, que reúne movimentos em defesa da igualdade racial, como a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa).
A denúncia tem como principal base o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Assassinato de Jovens, do Senado, finalizado em 2016. Na página 145, o documento afirma, em sua conclusão, que a comissão, desde o início, “se deparou com uma realidade cruel e inegável: o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem e negra”.
A expressão genocídio aparece já no capítulo 1 do relatório, cujo título é O genocídio da população negra. “É a que melhor se adequa à descrição da atual realidade em nosso país com relação ao assassinato dos jovens negros”, diz o texto.
Advogado do fórum, Daniel Teixeira argumenta que o Estado assumiu a existência do genocídio ao produzir o documento. “Textualmente, o Estado Brasileiro, por meio de uma de suas casas legislativas, reconhece que há um genocídio em curso contra os jovens negros”, disse. “É tão naturalizada essa situação dos jovens negros, que é um dos únicos casos na história em que o próprio país a assume”.
Consta ainda no relatório da CPI que um jovem negro é assassinado no Brasil a cada 23 minutos, e que, entre as vítimas de homicídio no país, 53% são jovens, 77% são negros e 93% são do sexo masculino.
A denúncia foi apresentada a diferentes relatorias do conselho: a de afrodescendentes, a de racismo, a de questões de minorias e a de execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais. O texto será avaliado pelas relatorias, que podem pedir esclarecimentos e fazer vistorias no país, além de emitir um posicionamento formal na próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos, em março.
A intenção do fórum é gerar pressão internacional para a implementação de políticas que enfrentem o problema, como as que foram recomendadas pelo relatório.
Para Hélio Santos, do Instituto Baobá, uma das entidades integrantes do fórum, só foi possível encerrar a segregação racial na África do Sul com pressão estrangeira.
“Acreditamos que haverá, como na África do Sul, o reconhecimento de um absurdo. Entre os 10 mais ricos, o Brasil é o único de maioria negra. É uma situação avassaladora. A palavra genocida também cabe se pensarmos no impacto demográfico: são 23 mil homens [assassinados por ano], com idade entre 12 e 29 anos. Homens que ainda não procriaram. Durante 10 anos, são menos 230 mil pessoas”.
A denúncia endossa as recomendações da CPI no Senado e também traz proposições próprias, como a formulação de um Plano Emergencial de Políticas para a Juventude Negra e uma CPI da Segurança Pública.
A coordenadora Executiva do Instituto Odara, Valdecir Nascimento, defendeu que é preciso cobrar a responsabilidade do estado, mas também é necessário discutir a falta de sensibilidade da sociedade e da mídia em relação às mortes.
“Precisamos de novas formas de comunicar e implodir o imaginário que a mídia criou sobre a população negra brasileira. Não basta colocar negros na TV se você não implodir esse imaginário racista”, disse a coordenadora. Ela criticou a associação constante de periferias e favelas à criminalidade.
“A mídia não consegue enxergar as riquezas dessas comunidades. Ela tem um olhar cotidiano de desqualificação”.
Divulgado neste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência mapeou que, entre 2005 e 2015, a taxa de homicídios entre negros subiu 18,2%, enquanto a de não negros caiu 12,2%.
Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Ministério da Saúde, o estudo mostrou que a taxa de homicídios da população negra em 2015 foi quase 2,5 vezes maior que a da população não negra.
MP 795 rouba o futuro do país e das próximas gerações no planeta
Congresso está prestes a aprovar a MP 795 que permite que empresas que exploram petróleo e gás no Brasil não paguem os principais impostos federais: Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
Como?
As empresas irão considerar todos seus custos para reduzir a base de cálculo dos impostos que terão a pagar. Não sobrará quase nada para tributar!
O governo brasileiro deixará de arrecadar cerca de US$ 7,48 por cada barril de petróleo produzido.
Somente no campo de Libra, onde a reserva é estimada em 10 bilhões de barris recuperáveis,
o governo brasileiro abrirá mão de arrecadar US$ 74,8 bilhões ou R$ 240,8
bilhões ao longo de 25 anos.
Estimativas de especialista mostram que a MP isentaria as petroleiras em pelo menos R$ 1 trilhão ao longo de 25 anos. Isto, considerando somente os campos já explorados hoje.
Em média seriam R$ 40 bilhões por ano de isenção. Sabe o que isso significa? 35% de todo o gasto do governo federal com saúde em 2016 ou 36% de todo o gasto com educação.
E não para por ai…
A MP não rifa somente a chance de ter recursos para políticas públicas no Brasil.
Com lucros extraordinários, as empresas estrangeiras irão se fartar de petróleo: o potencial de extração no pré-sal é estimado em 176 bilhões de barris recuperáveis.
Sabe o que isso significa? que este petróleo queimado liberaria 74,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera; o aquecimento sem volta do planeta!
Por todos os motivos, diga não à MP 795!
INESC
Organizações denunciam falta de transparência do Governo de Brasília
Governo de Brasília não divulga o Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado à Câmara Legislativa do DF
É obrigação do poder executivo, todos os anos, elaborar e enviar ao legislativo pelo menos duas leis que objetivam guiar o uso dos recursos públicos no ano seguinte: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), a qual deve ser enviada pelo executivo ao legislativo até o dia 15 de setembro, devendo ser aprovada na casa até o fim do ano legislativo.
Apesar do discurso de transparência e participação social repetido intensamente pelo atual governador durante sua campanha, a participação social neste processo se deu apenas com uma audiência pública que tinha por objetivo coletar sugestões da sociedade sobre o PLOA, porém não houve nenhum processo de diálogo, debate ou devolutiva por parte do executivo sobre as propostas apresentadas.
Ao enviar o projeto para a Câmara Legislativa do DF, é de praxe que o documento fosse divulgado pelo executivo, como o fazem diversas prefeituras e governos em todo o país, contemplando os princípios de transparência ativa que fazem parte da legislação brasileira e os princípios de boas práticas políticas que deveriam ser parte de todos os gestores públicos.
O que foi divulgado no portal da Secretaria de Planejamento do DF (SEPLAG) foram apenas alguns documentos que compõem o imenso texto da PLOA, porém, o arquivo mais importante, o Anexo XX – DEMONSTRATIVO DAS METAS FÍSICAS POR PROGRAMA, EVIDENCIANDO A AÇÃO E A UNIDADE ORÇAMENTÁRIA, que é justamente o que especifica quanto cada uma das ações orçamentárias poderá utilizar em 2018, não consta nos documentos disponíveis para download.
No dia 5 de outubro, entramos em contato por telefone com a SEPLAG informando a ausência do documento e solicitando a sua disponibilização. Fomos informados que no mesmo dia o arquivo seria disponibilizado no site, o que não aconteceu. No dia 6 de outubro, a Coordenadora de Transparência da Subcontroladoria de Transparência e Controle Social do DF também foi informada. Na última semana, no dia 16 de novembro, um novo contato telefônico foi realizado com a SEPLAG, porém, até a data de hoje o documento não foi disponibilizado.
Aproveitamos o momento para reforçar a necessidade de que estes arquivos, em sua maioria tabelas, sejam disponibilizados em formatos abertos e não proprietários, como a Lei de Acesso à Informação determina. Atualmente, o Governo de Brasília só os disponibiliza em formato PDF, o que impossibilita uma análise criteriosa das informações.
Assim, denunciando a falta de transparência do Governo de Brasília, solicitamos que os princípios da transparência ativa sejam adotados pelo Governo de Brasília e que os arquivos do Projeto de Lei Orçamentária de 2018 sejam completamente disponibilizados no site, em especial o Anexo XX, em formato aberto e não proprietário.
Assinam esta carta:
Movimento Nossa Brasília Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos Associação Andar a pé Bike Anjo DF Bicicentro Comunitário Mercado Sul VIVE RUAS Brigadas Populares – Distrito Federal Valores Bicicleta Livre Rodas da Paz Movimento Passe Livre do Distrito Federal e entorno
Inesc ganha prêmio de participação legislativa
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) recebeu, na tarde desta terça-feira (21), o prêmio “Selo Participação Legislativa”, concedido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. A premiação agraciou entidades da sociedade civil que tiveram atuação relevante na Câmara em 2016.
O Inesc ficou em 1º lugar na categoria de maior número de participantes em eventos propostos. No final de 2016, frente à proposta de emenda constitucional, conhecida como ‘teto dos gastos’, que congelaria os gastos públicos por 20 anos e também dos projetos de reforma trabalhista e da previdência, o Inesc requereu a realização de um ciclo de debates sobre o futuro da seguridade social no Brasil.
A demanda foi acatada pela Comissão de Legislação Participativa e foram realizadas audiências públicas, com ampla participação da sociedade civil, na Câmara dos Deputados, em Brasília, e também nas cidades de Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE). Nesta última, a lotação da Assembleia Legislativa fez com que pessoas acompanhassem o debate do lado de fora.
Para Grazielle David, assessora política do Inesc, o fato das audiências públicas contarem com grande assistência demonstra o interesse da sociedade em debater tanto sobre o tema da seguridade social quanto da política fiscal no Brasil. A emenda constitucional EC 95 e a reforma trabalhista acabaram aprovadas pelo Congresso Nacional, a despeito da reprovação de grande parte da população, “mas continuamos resistindo e debatendo sobre os efeitos perversos dessas medidas e os interesses por trás da proposta de reforma da previdência, prevista para entrar em votação ainda esse ano”, afirmou Grazielle.
Durante a cerimônia de premiação, Grazielle agradeceu à deputada Luiza Erundina, que endossou a proposta do ciclo de debates, e a todos os membros da Comissão que, segundo ela, cumpre um importante papel de facilitar o processo de incidência no legislativo pela sociedade civil, permitindo e ampliando a capacidade de realização de audiências públicas com temas diversos. “O Inesc também tem essa missão de estimular a participação social e o entendimento sobre o tema do orçamento público para a promoção de direitos. O prêmio demonstra o compromisso do Inesc com sua missão junto à sociedade brasileira” ressaltou. “Essa parceria nas audiências foi muito importante, porque permitiu que a sociedade, de fato, se envolvesse no tema”, concluiu.
Apenas 6% do recurso federal para promoção da igualdade racial foi executado
Apesar do Congresso Nacional ter autorizado um orçamento de cerca de R$22 milhões para as políticas de promoção da igualdade racial (Programa 2034) em 2017, até ontem (20), Dia Nacional da Consciência Negra, apenas R$ 1,4 milhão (6%) desse recurso tinha sido executado. Nenhum centavo foi gasto, por exemplo, com o Disque Igualdade Racial, que atende vítimas de racismo.
Para 2018, o cenário é ainda mais grave: a proposta orçamentária para o próximo ano (PLOA 2018) prevê redução de 34% em relação à dotação inicial de recursos para essa área, que vai passar a contar com apenas R$16 milhões. Além disso, desapareceu o orçamento para “apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais”. Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, a redução orçamentária proposta pelo governo Temer para políticas de promoção da igualdade racial, “revela os mecanismos do racismo institucional e um flagrante descaso com os jovens e as mulheres negras deste país”.
Estudo do Inesc sobre as implicações do sistema tributário nas desigualdades de renda mostrou que, pelo caráter regressivo da carga tributária brasileira, as mulheres negras são as que proporcionalmente mais pagam impostos. Para Carmela, essa população deveria ter seus direitos garantidos por meio do orçamento público, “mas a realidade é que mulheres negras ganham menos, têm dificuldade em acessar serviços como saúde e educação, não conseguem representatividade política e sofrem uma série de violências cotidianamente”, ressaltou.
Racismo institucional no DF
As políticas de promoção da igualdade racial também sofreram duros golpes na esfera distrital. No Distrito Federal – onde 56% dos habitantes se declaram negros/as – levantamento feito pelo Nosso Coletivo Negro, em parceria com o Inesc, mostrou que entre 2015 e 2017 o governo local não executou nenhum centavo em medidas de combate ao racismo, como estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
De acordo com o estudo, parcialmente divulgado em setembro (5/9), o orçamento do Governo do Distrito Federal em 2015 previa a destinação de R$ 41,2 mil para a realização de políticas públicas de igualdade racial. Desse total, apenas R$ 35,2 mil foram efetivamente disponibilizados. No entanto, nenhum centavo do dinheiro foi gasto pela Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEDESTMIDH).
Algumas coisas estão fora da ordem, do tempo e do espaço na COP-23
Hoje (17) foi o último dia de intensas negociações da COP-23 – a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que deveria estar acontecendo nas Ilhas Fiji, mas em decorrência da falta de infraestrutura, aconteceu em solo alemão. Assim, o símbolo da COP, representando a presidência do país-sede, foi uma palmeira e uma onda do mar, mas o clima real era de árvores amareladas perdendo sua força num inverno que se aproxima na cidade de Bonn. O outono na Alemanha é muito bonito.
A COP-23 elaborou uma primeira versão do que está sendo chamado de o “Livro de Regras”, que pretende ser um texto mais detalhado do Acordo de Paris (APA), cobrindo todos os órgãos subsidiários SBSTA (sigla em inglês para Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice) e SBI, (sigla em inglês para Subsidiary Body for Implementation). O documento foi aprovado cheio de colchetes, que em linguagem diplomática significa que todos colocaram suas posições, mas longe ainda de um acordo, de modo que muitos temas em debate ainda serão submetidos a demoradas negociações.
O fato é que os tempos das negociações não estão equilibrados com os impactos reais que estão ocorrendo em função da mudança climática e da manutenção de um modelo de desenvolvimento que insiste em manter privilégios e intensificar desigualdades. A conclamada “nova economia”, recorrentemente referida pela diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, tem implicações diretas na vida de milhões de pessoas que ficarão desempregadas e sofrerão, cada vez mais, os efeitos da mudança de clima. O propalado salário universal, que toma corpo nos debates do Banco Mundial e FMI, é um grande colchão para amenizar o desastre que está sendo anunciado para um futuro não muito distante.
Mas, vamos às questões que me pareceram mais relevantes nessa COP-23:
A Plataforma Indígena nasce no Acordo de Paris (APA), em 2015, e tem como objetivo incluir os conhecimentos indígenas e de comunidades tradicionais dentro do debate e das soluções para a mudança climática. Desde então, houve intensas negociações nas reuniões intermediárias, resultando, inclusive, em um grande encontro patrocinado pelo governo canadense, onde se estabeleceram princípios e bases comuns para serem apresentados na COP-23. O texto foi debatido e aprovado e agora seguirá para as negociações dentro dos órgãos subsidiários SBSTA e o SBI e da próprio UNFCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima)
Uma questão que parece ambígua no texto aprovado da Plataforma Indígena é o financiamento dos membros do Grupo de Trabalho, por parte da UNFCC, que terão a responsabilidade de acompanhar as negociações, efetivar a governança e construir o plano de trabalho. Aqui poderá se estabelecer uma desigualdade de tratamento em prejuízo da plena participação dos e das representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que definitivamente não tem condições financeiras de acompanhar estes processos.
A segunda questão se refere ao financiamento e ao caráter contencioso desde sua origem. São três os principais fundos de financiamento dentro do guarda-chuva da UNFCC: o GEF, o Fundo Verde de Clima e o Fundo de Adaptação. As nações mais ricas e industrializadas se comprometeram, há sete anos, a levantar US$ 100 bilhões por ano, até 2020, para atacar os problemas de emissão dos gases de efeito estufa e a adaptação aos efeitos da mudança climática. Entretanto, até agora, o Fundo Verde só conseguiu levantar cerca de US$ 10,3 bilhões, muito aquém daquilo que havia sido acordado. Além disso, as decisões de financiamento que vem sendo tomadas são alvo de críticas pela falta de transparência.
Os Fundos de Clima, em geral, podem estar sendo bloqueados em decorrência de mudanças nas regras da cooperação dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e isso vem colocando mais pedras no caminho da efetivação desse compromisso.
Por fim, existe sempre nestas negociações a dimensão política, que ao fim e ao cabo, é a que define tudo. Em seu discurso, Angela Merkel teve que explicar, com constrangimento, o inexplicável: o aumento do uso do carvão como energia. A redução dessa produção de fonte energética pode lhe causar prejuízos políticos irreparáveis no plano nacional. Do outro lado, o governo nortre-americano, que bloqueia os debates, ameaça tirar dinheiro dos fundos dos trabalhos científicos do IPCC. Já o presidente francês Macron propõe substituir a doação de US$ 2 milhões feitas pelos EUA, até antes da era Trump. O Brasil, por sua vez, ignora toda a tendência mundial e amplia subsídios a combustíveis fósseis, na contramão da história e do tempo.
Os que duvidam dos efeitos da mudança climática, ou se orientam por fé religiosa cega, retrógrada e conservadora, ou por má fé daqueles que querem continuar o modelo de lucro fácil nas costas do trabalho mal pago da maior parte da população e do esgotamento da rica biodiversidade do planeta. Em ambos os casos, são forças poderosas que persistem e atuam dentro do jogo político. E, sem dúvida, pelo andar da carruagem e pelo estado da arte das negociações, vivemos tempos de guerra, um tempo de luta. O que prevalecerá saberemos em breve. Muito breve mesmo.