São Paulo – A gestão João Doria (PSDB) deverá mesmo fecharUnidades Básicas de Saúde (UBS). A confirmação foi feita pelo secretário municipal da Saúde de São Paulo, Wilson Pollara, durante audiência pública realizada na tarde de ontem (16), pela Comissão de Saúde da Câmara Municipal, para discutir a chamada reestruturação da rede.
“Não temos nenhuma intenção de fechar UBSs”, disse, emendando: “a unidade de atendimento não é (mais) a UBS, mas a equipe de saúde da família. Hoje temos UBSs que são inadequadas, com 50, 100 metros quadrados. Com certeza, essas serão fechadas”, admitiu. Em nenhum momento, porém, falou em obras de readequação ou ampliação desses espaços que, segundo ele estão em imóveis alugados. Tampouco em que regiões da cidade estão distribuídos.
O gestor chegou a desdenharda preocupação de usuários, médicos, servidores e defensores do Sistema Único de Saúde quanto ao temor de desativação de serviços. “Eu não gostaria mais que se falasse em desmonte. Nós não vamos desmontar nada. Não sei quem, acho que nessa sala mesmo, falou que eu ia fechar farmácia. Gente, eu nunca falei que ia fechar farmácia. Tem coisa que colocam na boca do secretário e parece que vira verdade. Nós vamos readequar, por um caminho certo”, disse.
“Esse negócio de fechamento das AMAs é igual a batida do fechamento das farmácias. O prédio é uma coisa, o atendimento é outro. Nós vamos readequar o atendimento. É reestruturação, não fechar, desmontar. Nós não fechamos nada, gente. Ainda”, completou, em meio a protestos.
No início de junho, o prefeito Doria publicou em seu perfil no Facebook vídeo de uma visita à UBS da Vila Carioca, no bairro do Ipiranga. Na conversa com o coordenador de saúde da região sudeste, José Roberto Abdalla, fica claro um processo de fechamento da unidade construída para monitorar a saúde da população daquele bairro contaminada por resíduos de pesticidas, solventes e outros derivados de petróleo enterrados na área de um terminal da petrolífera Shell.
Pollara foi alvo de protestos também aodeixar transparecer um certo cinismo quando respondia às críticas àredução do tempo de funcionamento de onze postos na zona sul, desde odia 1° deste mês. “Eu liguei para o doutor Marcos, da região sul, e falei: ‘você está maluco, fechando duas horas antes?’. ‘Não, doutor, foi um pedido da comunidade’. O médico fica oito horas. Para ficar até as 19 horas, tem de entrar às 11, 12 horas. É uma questão a ser acertada. Se a pessoa prefere o médico das 11 às 19, em vez de das 7 às 15, tudo bem. A prefeitura só readequou o tempo de presença do médico. Preferimos colocar duas horas antes do que depois”, disse, sob protestos.
A chamada reestruturação da rede municipal de saúde apresentada pelo secretário de Doria na abertura da audiência pública consiste no reordenamento dos serviços a partir da valorização da atenção primária à saúde, com foco na valorização da estratégia de saúde da família. Em tese, a proposta converge para o que há de mais efetivo em termos de promoção da saúde da população e na otimização de gastos públicos. No entanto, seu financiamento, baseado em receitas externas, principalmente com recursos federais, parece ignorar a atual conjuntura.
A ser implementada de maneira gradual, segundo o gestor, consiste ainda na transformação de unidades maiores das AMAs em UPAS, nas quais serão atendidos casos mais simples, deixando para os chamados hospitais estruturantes o atendimento de média e alta complexidade. Essa transformação, segundo ele, “apenas trocando a plaquinha”, permitirá o reconhecimento junto ao Ministério da Saúde para repasse de recursos.
“A reestruturação proposta pela prefeitura pressupõe mudanças que não são bem vindas na atual conjuntura, de aumento do desemprego, quando a população empobrece e aumenta a demanda pelo SUS. O momento é ruim. O governo federal congelou por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, com perdas para a saúde, o que exigirá mais investimentos dos municípios, que no caso de São Paulo já anunciou corte de R$ 1,3 bilhão. Isso sem contar as mudanças previstas na Política Nacional de Atenção Básica, que deverá retirar recursos para a estratégia de saúde da família. Então as oportunidades de financiamento apresentadas pelo secretário são incertas”, advertiu o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti.
Gatti pediu mais transparência da gestão na divulgação de detalhes da reestruturação, informando números, valores, calendários e destino dos servidores, entre outros aspectos. E pediu pressão dos vereadores sobre o executivo. “Não podemos aceitar que nenhum serviço seja fechado sem que antes tenhamos um melhor para oferecer à população”.
O temor de cortes na oferta de serviços, negados sem convicção por Pollara, vem de restrições orçamentárias anunciadas pela própria gestão. Além do corte de R$ 1,4 bilhão, conforme corrigiu o gestor na audiência, há o contingenciamento sobre o qual a secretaria não fala.
Dados de uma pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apresentados pelo médico de famíliaStephan Sperling, preceptor da residência médica da especialidade na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), dão ideia das dificuldades que a população está enfrentando com o estrangulamento na oferta dos serviços. Analisando a prestação de contas da Secretaria Municipal de Saúde até o mês de julho, o estudo conclui que, até o período, menos da metade do orçamento havia sido empenhado em diversos setores – quando o esperado é que fosse além da metade.
“Houve contingenciamento de quase 100% dos recursos para serviços auxiliares de diagnóstico, que são os exames; em assistência farmacêutica, 8% está congelado; do previsto para reformas de unidades, 33%”, destacou o especialista, que integra o Núcleo São Paulo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
“Como a gente pode pensar em universalizar a estratégia de saúde da família, como pretende a gestão, se há esse contingenciamento e se a perspectiva é de congelamento dos investimentos federais por 20 anos?”, questionou, apelando à gestão que reprove, junto ao Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), a proposta de alteração da Política Nacional de Atenção Básica em discussão no Ministério da Saúde. Entre outras coisas, a reforma defendida pelo ministro Ricardo Barros retira recursos dos programas de saúde da família.
Pollara, que deixou muitas questões sem resposta, se comprometeu a não fechar postos de saúde antes que tenha aberto outro.
Desgraçado país o que tenha medo de livrar-se dos próprios erros porque para liberta-se deles tenha de exibi-los. Mil vezes exibi-los, e expondo-os inspirar horror, para que nunca mais voltem a repetir-se, do que envergonhadamente ocultá-los e ocultando-os, protegê-los, com o risco de voltarem amanhã, confiados na complacência que enseja, senão estimula os abusos.
(ministro Paulo Brossard)
“Nossa História não começa em 1988”, afirma a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil. Concomitante ao lançamento dessacampanha, alguns de seus representantes percorreram os gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, tentando convencer os juízes daquilo que parece óbvio: o caráter originário dos seus direitos territoriais. Trata-se de uma peregrinação que tenta mostrar ao tribunal – a quem cabe a precípua guarda da Constituição Federal (CF) –, o que diz e o que não diz a própria Carta Magna. Isto é: mostra aos ministros que a tese por eles denominada “marco temporal” de ocupação – que limita a demarcação de terras indígenas àquelas áreas sob a posse dos coletivos indígenas em 5 de outubro de 1988 – é umaleitura equivocadae arbitrária do texto constitucional, que ignora toda a violência sofrida por esses povos nos períodos anteriores a 1988. Violência esta que, à luz do direito contemporâneo, não implica em nada menos do que crime degenocídio.
A intensa mobilização das organizações indígenas neste momento – especialmente em Brasília, mas também emoutras capitais– tem como foco o julgamento, pelo STF, de três Ações Civis Originárias (ACOs), que estão na pauta plenário do tribunal no dia 16 de agosto. Duas dessas ações foram movidas pelo estado do Mato Grosso, que reivindica indenização pela demarcação do Parque Nacional do Xingu e das terras indígenas Nambikwára e Parecis. A terceira, impetrada pela Funai, pede a anulação de títulos incidentes na TI Ventara, no estado do Rio Grande do Sul. A despeito das especificidades de cada uma dessas ações, os três processos trazem mais uma vez ao plenário do Supremo, instância máxima do tribunal, o debate sobre os sentidos e a extensão da expressão constitucional “terras tradicionalmente ocupadas”, do artigo 231 da CF. A última decisão do plenário envolvendo esse debate foi em 2009, quando se decidiu pela demarcação contínua da TI Raposa Serra do Sol – aplicando naquele caso específico (e ainda que de modo controverso) o critério do marco temporal.
Mesmo sem caráter vinculante, a utilização desse critério no caso Raposa Serra do Sol serviu de referência para pelo menos três outros processos de demarcação (TI Guyraroká,TI Limão Verde,TI Porquinhos), que foram suspensos ou anulados por decisões da segunda turma do STF. Decorre daí a importância das decisões acerca das ações agora em pauta. São três processos que podem orientar e consolidar a jurisprudência do STF sobre a questão, tornando-se parâmetros concretos para os demais casos judicializados, e mesmo para a regulamentação do próprio processo administrativos de demarcação. Uma intepretação que admita o marco temporal para demarcação só serve comoinstrumento políticode grupos econômicos cujos interesses são diametralmente opostos aos dos índios – grupos esses que são responsáveis por grande parte do esbulho e da violência promovida contra esses povos.
Por outro lado, se um critério ou um marco objetivo é aquilo que faz falta para os ministros ou para o Estado, basta lembrar que a própria Constituição de 1988 é um marco. Mas o que ela marca não é e nem pode ser um limite temporal para o direito à terra – uma vez que, como insistem os povos indígenas, a história deles não começou em 1988, e tampouco terminou lá. Parece tratar-se exatamente do contrário: ao proteger “seus usos costumes e tradições” e seus direitos originário sobre as “terras que tradicionalmente ocupam”, a Constituição celebra a resistência dos indígenas, reconhecendo os efeitos desastrosos da política de colonização, rompendo com o paradigma assimilacionista, e garantindo aos povos originários que, para “intergrar-se” à cidadania nacional, não lhes seja exigido des-integrarem-se de sua condição indígena. A terra é justamente parte fundamental do direito à diferença. Trata-se de uma promessa de futuro que celebra a pluralidade constituinte do país, como afirmação e positivação das diferenças constitutivas da nacionalidade.
Terra é vida
A peregrinação dos índios a Brasília cobra essa promessa: de que seja reconhecido o seu direito à diferença – o direito de existir enquanto coletividade distinta. Ao cobrá-la, repetem o que todos os povos, de uma forma ou de outra, estão dizendo a todo o momento: que viver (de acordo com) a sua própria cultura – ou existir enquanto coletividade distinta – não se dissocia de viver em suas terras. Estar na terra, viver com/na terra écondição de existênciados modos de vida desses povos. Não à toa, as reivindicações territoriais indígenas são invariavelmente formuladas em termos de uma relação que esses povos descrevem comointrínsecacom suas terras – uma relação em que a terra só pode ser dita pertencer a eles na medida em que eles mesmos se veem como pertencentes a ela. Pertencentes, isto é, tendo sua identidade definida, como indivíduos e coletividades, pelos laços com um território que não é apenas recurso econômico mas universo social, político e religioso.
Vale notar que levar a sério essas afirmações está implicado no respeito ao princípio da autodeterminação indígena, como se vê naDeclaração da ONUsobre os direitos desses povos e naConvenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil. E é preciso fazê-lo. Extraindo todas as consequências dessas afirmações e do fato de que elas são respaldadas por determinações constitucionais, torna-se possível ter alguma noção do que está em jogo hoje para os índios, além de vislumbrar a dimensão do retrocesso iminente, em relação a algumas das mais caras conquistas de nossa “Constituição cidadã”. Pois se a garantia da terra é, para esses povos, elemento imprescindível na garantia da vida – se a vida, como ela é conhecida (segundo o próprio modo de vida, a própria cultura)passa fundamentalmente por estar na terra–, expulsar comunidades inteiras (com reintegrações de posse, remoções e afins) ou negar-se a reconhecer determinadas áreas como Terra Indígena éagir diretamente sobre a possibilidade de vida desses povos. Em outras palavras, é promover vetores etnocidas e genocidas (isto é, de morte, uma vez que cultura e vida são indissociáveis para esses povos).
Foi inclusive com esses vetores que a própria Constituição buscou romper ao quebrar o paradigma assimilacionista e integracionista até então vigente – segundo os quais as formas de organização e modos de vida indígenas estariam destinados a desaparecer, com a dissolução dessas coletividades enquanto tais e assimilação de seus membros ao corpo dos “trabalhadores nacionais”. A proeminência da tese do marco temporal é uma das faces do fantasma desse paradigma, que volta a nos assombrar nestes tempos em que a retórica da cidadania e da “inclusão” dos índios é mobilizada, sem nenhum constrangimento, nos discursos de autoridades da República. Basta recordar a recentedeclaraçãodo ministro da Justiça Torquato Jardim a um grupo de índios Terena, Kinikinau e Kadiweu: “É preciso estabelecer uma relação econômica de custo benefício com a terra que justifique vocês indígenas permanecerem nelas”. Nada mais distante do espírito e da letra da Constituição; nada mais distante da justiça.
Tradicionalidade e imemorialidade
O conceito de tradicionalidade (preferido pela Constituição ao de imemorialidade) se refere aomodo de ocupação, sendo desprovido de referência temporal. Afinal, não se pode exigir fidelidade territorial de 500 anos aos territórios indígenas: se tal fidelidade já não se verifica no Velho Mundo, o que dizer do Novo, constituído desde a Conquista por processos de colonização que incluíram expulsão violenta, deslocamento e concentração forçados, drástica redução demográfica e recorrente desarticulação social dos povos aborígenes[1]? É mais que evidente que tradicionalidade não pode ser interpretada como antiguidade; nas palavras frequentemente citadas do jurista José Afonso da Silva: “O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com as terras”[2]. Isso não significa que o tradicional seja imutável; mas significa que um dos argumentos levantados a favor do argumento do marco temporal, que podemos batizar “efeito Copacabana”[3]– segundo o qual, na ausência de um tal marco, nada impediria os índios de reivindicar Copacabana – seria inteiramente desprovido de sentido.
O que define a tradicionalidade da ocupação de um povo indígena,do ponto de vista dos seus próprios usos, costumes e tradições, é uma forma determinada dememóriada terra, intrinsecamente ligada aos modos indígenas de viver nela. A perda dessas terras e sua subsequente desfiguração com a conversão em espaços urbanos, agrícolas ou industriais — implica, com o tempo (às vezes mais, as vezes menos), na desconstituição dessa memória. Por essa razão mesma, o argumento do “efeito Copacabana”, com todo seu apelo – pois de fato sabemos que foi indígena Copacabana, como tudo o mais – resulta numa falácia perigosa.
Em que sentido podemos afirmar que a tradicionalidade da ocupação refere-se a uma forma determinada de memória? Que forma seria esta? As pesquisas antropológicas voltadas para a questão da territorialidade indígena, em suas múltiplas dimensões — econômica, política, cosmológica ou religiosa — são unânimes em reiterar a relação constitutiva entre modos de habitar, modos de conhecer, e modos de rememorar (e assim transmitir) o conhecimento relativo às terras vividas como território[4]por esses povos. A interpretação jurídica da ocupação tradicional comohabitatde um povo, “terra ocupada pelos índios, ocupada no sentido de utilizada por eles como seu ambiente ecológico”[5], aproxima-se dessas conclusões, mas continua concebendo essehabitatcomoambiente natural– no velho espírito de que o “selvagem” só é ”bom” quando se apresenta como parte da natureza, não tanto quando se reivindica sujeito de sua própria socialidade.
O que a ocupação tradicional constitui é um ambiente social, histórico e ecológico complexo, criativamente produzido pelos povos e comunidades concernidos, capaz de lhes oferecer uma existência tanto mais satisfatória quanto correspondente a seus valores fundamentais e identidades. Há mais de um século a ideia de que existem raças ou povos “primitivos” (e outros “superiores”) foi inapelavelmente enterrada por todas as ciências sociais e humanas – e, um pouco depois mas mais amplamente, por toneladas de convenções e tratados internacionais que procuraram responder à devastação causada pelo racismo, pelo autoritarismo e pelo colonialismo ao longo do século XX. No fundo, é isso que está em jogo quando se diz ser necessário atentar para as formas concretas da ocupação tradicional, uma vez que, na ausência dos instrumentos metodológicos adequados, elas se tornam invisíveis sob o peso de preconceitos que insistem em negar a povos tradicionais seu lugar na contemporaneidade .
As formas de utilização da terra das comunidades indígenas, suas práticas produtivas, são assim inseparáveis da história de relações políticas e cósmicas com seus coabitantes ou vizinhos: entidades espirituais, espécies animais e vegetais, outros povos, fazendeiros, bois… Todos esses recursos naturais (e sociais) são localizados em lugares específicos, e os sistemas topônimos e tradições etnohistóricas e míticas de cada povo registram o conhecimento de suas presenças, das técnicas, e dos protocolos diplomáticos necessários a sua utilização. A ocupação tradicional, portanto, não é outra coisa que uma ocupação fundada nessa memória em que se entrelaçam valores morais, conhecimento ecológico, regras sociais, que é por sua vez reiterada prática e narrativamente nas formas concretas e coletivas de habitação e uso.
Na medida em que as coletividades enfrentam as transformações do mundo contemporâneo, com a intensificação e diversificação de suas interações com as mais diversas instâncias, é claro que muda o conteúdo desta tradicionalidade se alterará. Mas é claro também que os únicos juízes legítimos do quão “tradicionais” são essas alterações só podem ser os próprios sujeitos, na medida em que a tradição nada mais é do que aquilo que os mantém como uma comunidade culturalmente diferenciada, com sua própria identidade, no que conhecem como seu território.
Permanência e mobilidade
Talvez o traço das territorialidades indígenas mais invisível e incompreensível do ponto de vista moderno e do Estado seja o das formas de mobilidade desses povos. Por isso, antes de mais nada, é preciso descartar definitivamente uma interpretação desinformada da noção de habitação permanente, que a identifica de um lado com o espaço específico das moradias (“aldeias”), e de outro a considera incompatível com o regime de mobilidade e deslocamento próprio aos modos indígenas de uso da terra.
Esses dois erros advém do desconhecimento da dinâmica espaço-temporal das formas sociais da vida indígena. A conversão de roças novas em aldeias, de aldeias habitadas em aldeias antigas (esvaziadas), e destas (com suas roças) em capoeiras e floresta secundária, forma um ciclo temporal que é espacialmentecircular, além de circulante,já que as novas roças tendem a ser abertas nas capoeiras e florestas secundárias ‘deixadas para trás’ (o que não significa, dada a circularidade mesma,abandonadas). Essa dinâmica de mobilidade, enraizada não apenas em condicionantes ecológicas, mas também sistemas religiosos, sociais e cosmológicos, é parte integral das formas de organização desses povos, e muitas vezes se estende e reproduz, de maneiras sempre particulares, em condições contemporâneos marcadas por diversos tipos de restrição de direitos sobre essas terras e acesso a elas, incluindo processos de urbanização.
Esse modo de ocupação, hoje se sabe, não apenas dá testemunho da adaptação indígena aos ambientes em que vivem como da própria conformação destes ambientes, em suas características ecológicas, pelas práticas nativas de uso e manejo de recursos. Há hoje inúmeras evidências do caráter antropogênico de diversos tipos de paisagens, de formações pedológicas e florísticas na Amazônia. Aextensãoem que essas paisagens são antropogênicas, e em que sua biodiversidade foi criada pela intervenção humana (leia-se, indígena), ao longo de milênios de ocupação, ainda é objeto de debate, mas o fato de que muitos ecossistemas geralmente considerados como naturais foram alterados pelo manejo de populações indígenas é irrecusável, e está em acordo com o consenso entre biólogos e ecólogos de que “perturbações” no meio ambiente (como as derivadas da agricultura de toco ou queimadas praticadas por populações de baixa densidade) promovem aumento da biodiversidade[6].
Fica claro o infundado da tentativa de hierarquizar os critérios contidos no parágrafo primeiro do artigo 231 da para CF o reconhecimento da tradicionalidade em círculos concêntricos, como se os vínculos com a terra fossem mais sólidos no círculo da “habitação em carát
Aumenta o número de matrículas com uso do nome social em escolas públicas do país
SÃO PAULO – Victor Oliveira nunca foi de sentar na primeira fileira nem no fundão da sala de aula. Ficava no meio. Falante, sempre rindo com os colegas, não escondia a contrariedade na hora da chamada. O nome dele não constava da lista de presença, mas sim o de batismo, no feminino. Aquela, diz ele, não existe mais. Aos 18 anos, o estudante do primeiro ano do ensino médio do Colégio Pedro II, na Zona Norte do Rio, acaba de conquistar o direito de ser tratado conforme sua identidade de gênero. Agora, quando o professor chama Victor Oliveira, ele não esconde a felicidade e responde: “presente”.
– A gente já é julgado por 24 horas. Se o colégio não estivesse ao meu lado, eu não teria seguido em frente – emociona-se Victor, após chorar pelo corredor do colégio ao saber que o requerimento para a mudança tinha sido aceito e que os documentos com seu nome estarão prontos em breve.
O primeiro semestre deste ano começou com pelo menos 703 matrículas com o uso do nome social em escolas públicas de sete estados brasileiros, além do Distrito Federal. Há dois anos havia cerca de 142 registros. Matricular o nome com o qual o aluno se identifica é direito desde 2015, a partir de uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT. De lá para cá, o número de inscrições feitas nas escolas estaduais de São Paulo saltou de 127 para 365. No Rio, de 4 para 9. Em Goiás, de 11 para 14.
Todas as secretarias de Educação do país foram procuradas, mas a maioria diz não registrar o nome social dos alunos no ato da matrícula. Outros estados informaram ter iniciado o processo recentemente. São oito em Minas Gerais, 69 em Pernambuco, 37 no Mato Grosso do Sul, 131 no Paraná e 70 no Distrito Federal.
Uso do banheiro é um dos desafios
Morador do Cachambi, na Zona Norte do Rio, Victor já havia adotado o uniforme masculino. Voltou das férias em janeiro certo de que mudaria o registro no colégio em que estuda desde pequeno, o primeiro federal do Rio a receber formalmente o pedido de inclusão de nome social, em 2016. Hoje há três alunos nesta condição:
– De cara os professores me trataram como Victor e fizeram alteração do meu nome na lista de chamada à mão – conta ele, que logo deve tomar hormônios masculinos e entrou com processo para mudar também o nome no CPF e no Sistema Único de Saúde (SUS).
O chefe do setor de Supervisão e Orientação Pedagógica da escola, Carlos Turque, disse que há debates constantes sobre o tema na unidade, e que o maior deasfio hoje é a questão do uso do banheiro.
– A orientação é que cada um use o banheiro de acordo com sua identidade de gênero, mas estamos discutindo como atender a isso de modo confortável e sem constrangimentos.
Em São Paulo, o aluno do segundo ano do ensino médio do colégio estadual Rodrigues Alves, na região central, Fellipe dos Santos Martinez, 25 anos, diz que, dependendo do lugar, entra e sai correndo do banheiro. Ele começou sua transição aos 14 anos e abandonou os estudos no ensino fundamental após sofrer bullying. Colegas de classe chegaram a cercá-lo para uma sessão de maquiagem à força. Hoje o estudante sonha cursar Engenharia Naval:
– Tirei nota 10 esse ano em redação, um milagre – diz ele, que junta dinheiro para cirurgia de retirada de seio. No futuro, ele também quer fazer a mudança de sexo, “quando for segura”.
Esta mesma história aconteceu com Fernanda Gandini, de 47 anos, Loryane Cipriano da Silva, de 41 anos, e Eliza Coelho da Silva, de 54 anos. As três iniciaram sua transição ainda adolescentes e se afastaram da escola após as mais variadas agressões. Voltaram com a resolução que autorizou o uso do nome social no registro escolar.
– Quando entramos, perguntaram na aula: “mas a gente vai ter que estudar com essas travestis?”. A professora respondeu: “se estiverem incomodadas vocês podem se retirar”. Foi muito importante a escola ter nos defendido – afirma Fernanda.
– É gostoso ir para a escola assim. Você é tratado como uma pessoa normal. Aliás, eu sou normal – pontua Eliza.
Dados da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016 revelam que 80% dos alunos que sofreram pouco ou nenhum tipo de agressão receberam notas entre 7 e 10. A média cai entre os que sofreram constrangimentos pela orientação sexual ou expressão de gênero.
A brasiliense Luise Fernandes, de 18 anos, afirma que desistiu esse ano de estudar “por não receber apoio dentro da escola”.
– Um grupo de alunas falou que usar o banheiro delas era ridículo. Não tive forças para continuar e parei – desabafa.
O apoio da família também tem peso fundamental na socialização, mesmo que esse suporte tenha alguns atos falhos como o da mãe de Victor, a enfermeira Sônia Valéria de Oliveira, 43 anos, que ainda o chama pelo nome de batismo.
– Quero que ela faça com que isso seja positivo para outras pessoas na mesma situação. Incentivo muito para ela seja a melhor em tudo, porque senão o preconceito será maior.
CNE quer padronizar registros escolares
O Conselho Nacional de Educação (CNE) está preparando uma norma para padronizar as informações referentes ao uso do nome social em todas as escolas do país. O texto será entregue ao Ministério da Educação (MEC) até outubro. Segundo Ivan Cláudio Pereira Siqueira, vice-presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, a expectativa é de rápida aprovação”:
– É uma questão de sobrevivência, para que se evite evasão e outros males. Estamos falando de direitos humanos.
Siqueira explica que a resolução de 2015 sobre o uso do nome social nas escolas não tem efeito normativo e cada estado acaba fazendo sua própria regra, ditando, por exemplo, como as unidades devem agir nesses casos. Hoje, segundo ele, 24 das 26 unidades federativas adotam alguma medida.
Essa falta de uniformidade impede que o Inep, vinculado ao MEC e responsável pelo Censo Escolar e Prova Brasil, levante em todo o país o número exato de matrículas com o nome social. Já o MEC justifica que incentivar o registro do nome social no ato da matrícula seria o papel de cada secretaria de Educação.
Mesma regras para todos
Caso o MEC aprove o texto do CNE, aponta Siqueira, o documento vira lei e todos os estados terão de cumprir uma mesma regra para o uso do nome social.
A especialista em educação Márcia Acioli, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), defende que “para alunos trans se adequar, a escola tem que fazer o mesmo”.
– É difícil para o aluno engrenar no colégio e na vida se estiver em situação de constrangimento e sofrimento – analisa Márcia.
O secretário de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, aponta ainda a necessidade de um acompanhamento constante:
– É importante saber como as crianças gostariam de ser chamadas. É um constrangimento tratar o João como Maria.
Mostra de Curtas For Rainbow espalha diversidade sexual pelo Distrito Federal
Amo quem eu quero ♥ Faço uma revolução
A premissa acima está em cada filme e em cada debate da Mostra Itinerante de Curta Metragens do Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual – For Rainbow que começou neste sábado (12/8) em Planaltina e vai chegar a outras cinco localidades do Distrito Federal esta semana. A próxima parada será na Faculdade Dulcina – Sala Conchita, no Conic (Plano Piloto – Brasília) nesta quinta-feira (17/8) às 18 horas, promovido pelo pessoal do Dulcina Vive.
A mostra une cinema e ativismo político LGBT para promover o debate sobre orientação sexual, identidades de gênero e diversidade sexual, numa parceria do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com os coletivos Casa de Cultura #MAIS Periferia, Levante Popular da Juventude, Mercado Sul Vive, Casa Frida, Bisquetes e Família Hip Hop.
Na edição deste ano os organizadores promoverão uma pesquisa sobre “Perfis e Representações Socioculturais da Juventude LGBT Brasileira” entre o público participante da Mostra. A pesquisa servirá para dar mais visibilidade aos múltiplos universos da cultura LGBT no país.
O primeiro dia da mostra no Distrito Federal foi sábado, em Planaltina. A comunidade compareceu para assistir aos curtas e depois debater sobre direitos LGBTI e diversidade sexual em ambiente ao ar livre – uma experiência inédita para alguns presentes.
“Foi uma boa oportunidade de debater o tema de gênero e sexualidade também com a comunidade não LGBTI”, afirmou Ravena Carmo, educadora do Inesc presente ao evento em Planaltina. “Foi uma intensa experiência de vida, pois foi um momento de escuta, de fala e de nos alinharmos nessa luta que é de todos nós. Precisamos de mais ações assim, onde possamos debater um tema tão relevante de uma maneira agradável. Segundo Ravena, muitos espectadores se viram nas histórias mostradas na tela e ficaram mais à vontade para falar do tema depois, no debate.
“Essa iniciativa pretende contribuir para levar informação sobre direitos humanos para as pessoas e promover o debate sobre o tema a partir da arte e da cultura”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, lembrando que o tema nem sempre é acolhido de forma tranquila pela sociedade. “No Brasil a homo-lesbo-transobia ainda é um problema grave, são altíssimas as estatísticas de violência contra gays, lésbicas e transexuais.”
A Mostra tem origem no Festival For Rainbow de Fortaleza (CE), difunde, valoriza e promove por meio de conteúdos audiovisuais o respeito à livre orientação sexual e identidades de gênero, já tendo percorrido mais de 300 cidades em todo o Brasil. A mostra leva exibições e debates em todos eles, dando ao público a oportunidade de conferir a produção cinematográfica com temática LGBT e de Direitos Humanos e debater ativismo politico e a produção cinematográfica.
Confira as datas e locais da exibição dos filmes na Mostra de Curtas no Distrito Federal:
12/8 – Casa #Mais Perifa (Planaltina) 17/8 – Dulcina Vive (Conic – Plano Piloto) —> NESTA QUINTA-FEIRA! 18/8 – Casa Frida (São Sebastião) 26/8 – Levante Popular da Juventude (Samambaia) 2/9 – Mercado Sul VIVE (Taguatinga) 9/9 – Cia de Teatro Bisquetes (Cidade Estrutural)
Os coletivos parceiros:
A Casa #Mais Perifa de Planaltina atua na pauta de cultura, promovendo a articulação dos artistas locais e dando espaço para que variadas formas de arte e cultura seja ecoadas de forma descentralizadas e democrática, pluricultural e com acolhimento das formas de expressão artísticas e culturais da periferia.
O Levante Popular da Juventude – DF é uma organização de jovens militantes voltada para a luta de massas em busca da transformação da sociedade, discutindo diversas pautas, entre as quais a LGBTI.
O Mercado Sul VIVE tem um histórico de luta e resistência em Taguatinga, ressignificando espaços, histórias e vivências.
A Casa Frida é uma construção horizontal, popular e feminista do fazer cultural em São Sebastião. Sempre pensando nas mulheres e na diversidade sexual e de gênero.
A Cia de Teatro Bisquetes é um movimento atuante de cultura na Cidade Estrutural, composto por pessoas LGBT e negras, que levam essas pautas além da militância, pois são suas vidas e seus corpos que estão na linha de frente.
Um dos grandes parceiros desta atividade (e tantas outras) é o Dulcina Vive, que receberá a mostra no 17 de agosto, é um movimento que promove projetos e eventos culturais no prédio que abriga o Teatro Dulcina, no Conic, em Brasília.
Projetos culturais na Cidade Estrutural recebem jovens em situação de risco
Às margens do maior lixão a céu aberto da América Latina, diversas crianças entram em uma modesta construção. Sobre o muro, uma placa indica: Associação Viver — serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças e adolescentes. Enquanto isso, os pais se dirigem à entrada do aterro voltada aos catadores, a não mais que 20m de distância da instituição. Na placa, a imagem de duas crianças felizes brincando. No muro ao lado, os dizeres “(é) lixo, mas pode chamar de emprego, oportunidade, sustento e dignidade”.
A Cidade Estrutural teve sua população originada de um chamariz distinto. O setor habitacional surgiu da procura por melhores condições de vida pelos catadores de lixo, atraídos pela proximidades do aterro sanitário do DF. Contudo, mesmo décadas depois de seu nascimento, e prestes de ter o Lixão desativado, a população ainda sofre com o abandono.
No ano passado, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) mostrou que a Estrutural ainda é a cidade com a população mais pobre em todo DF, com renda familiar média de R$ 2.004 e renda per capita de R$ 521,80 — menos de um salário mínimo. E pior: a pesquisa revelou que quase metade da população começou, mas não terminou o ensino fundamental.
É nesse cenário que se estabeleceram organizações sociais e culturais como a Associação Viver, que há 20 anos cuida de mais de 300 crianças em situação de vulnerabilidade social. Elas atuam dando uma opção para as crianças que antes passavam o tempo do contraturno escolar revirando o lixo, à procura de recicláveis. Em vez disso, hoje elas podem participar de atividades esportivas e culturais, como aulas de flauta e violão.
Segundo Patrícia Oliveira Campos, pedagoga que atua no projeto, a ação da organização tem se mostrado essencial no combate ao trabalho infantil. “Aqui nós temos, por exemplo, três crianças, irmãos, que moram só com o pai, porque a mãe foi assassinada há alguns anos. Como o pai trabalha no Lixão, eles acabam ficando sem muito cuidado”, conta.
Outras organizações da região também atuam de forma semelhante. É o caso das ONGs Tia Angelina e do Coletivo da Cidade, formado há seis anos por Coracy Coelho Savant e outros 15 voluntários. “A educação é essencial para o desenvolvimento humano e, aqui na Estrutural, há um índice altíssimo de evasão escolar muito ligada ao trabalho infantil”, lamenta Coracy. A organização tenta driblar essa realidade unindo profissionais e projetos de diversas áreas em em prol da defesa das crianças e adolescentes.
O Saúde Integral faz parte dessa parceria e reúne três projetos de extensão da graduação e pós da UnB na área de saúde. Uma vez por semana, profissionais e estudantes prestam atendimento e fazem o encaminhamento de pacientes no espaço disponibilizado pelo Coletivo da Cidade. A dentista e estudante de pós-graduação da UnB, Rosa Harumi, 48 anos, destaca que a atenção dada à saúde na própria cidade dos pacientes é de extrema importância. Mas destaca que a falta de recursos atrapalha outras ações. “Uma vez conseguimos que o Hospital Universitário de Brasília disponibilizasse atendimento oftalmológico para as crianças do projeto, mas, devido ao custo do deslocamento, as mães não puderam levar o seus filhos até lá”, conta Harumi. O direcionamento de crianças aos projetos citados é feito pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
Apesar de não ter nascido na capital federal, Jhosué Jefferson Delfino, 25 anos, é um autêntico brasiliense, filho de pais vindos do Nordeste. Há cerca de 24 anos, o pai de Jhosué viu no lixão da Estrutural uma oportunidade de trabalho. Quando mais novo, Jhosué acompanhava o pai na coleta de material reciclável. Contudo, a vida ganhou um destino diferente quando, há 11 anos, descobriu o Instituto Reciclando Sons. Criado pela musicista Rejane Pacheco, o projeto leva educação musical para crianças e jovens.
Rejane relata que, na instituição, a música é trabalhada como alternativa para resolução dos problemas sociais que afligem a região. Para a musicista, mesmo quando o aluno não segue a carreira musical, o estudo da música e a participação no projeto ajudam a desenvolver características essenciais para a ascensão social dos jovens.
É o caso de Jhosué, que, graças à instituição, entrou em contato com a produção audiovisual e hoje já consegue enxergar um futuro na área. Junto de outros dois alunos da instituição, Jhosué foi aprovado neste ano para a graduação em música na Universidade de Brasília (UnB) e pretende atuar na produção audiovisual de eventos musicais.
Os outros dois alunos aprovados na UnB também vêm de uma trajetória de superação e sucesso. Rejane conta sobre o caso de Damon Eric Pacheco, 20 anos, e Arthur Douglas dos Anjos, 24, alunos da instituição que, em 2016, foram convidados a fazer intercâmbio na Accademia Nazionale di Santa Cecilia. A academia é uma das instituições musicais mais antigas do mundo, fundada em 1585 e sediada em Roma. “Lá eles tocaram na orquestra e cantaram no coral da instituição”, conta Rejane, com orgulho.
Problemas financeiros
Atrás dos portões do Instituto Reciclando Sons, cerca de 20 pessoas ensaiavam uma peça musical cheia de referências brasileiras, obra do compositor brasileiro Marcos Leite. Logo ao lado, numa pequena sala onde os instrumentos são guardados, duas alunas treinavam fraseados sonoro nos violoncelos. Conjugado ao salão principal, uma área de estudos, com estantes repletas de livros didáticos. O ambiente ainda conta com uma sala de aula, um escritório e uma cozinha, onde as quatro refeições oferecidas aos alunos são preparadas. Tudo isso em uma área de apenas 170 metros quadrados.
Apesar da versatilidade do ambiente impressionar, esse racionamento não é o ideal. Há dias em que até 80 alunos têm aula ao mesmo tempo, conta Rejane. “Uma vez por mês fazemos uma apresentação e uma conversa com a comunidade para entender suas necessidades. O espaço fica muito cheio, não tem condições de receber tantas pessoas”. De acordo com a fundadora, a instituição não tem recursos suficientes para uma expansão. Por isso, faz campanha de financiamento coletivo para custear a construção de uma nova sede.
Outras instituições também têm enfrentado desafios para sobreviver e precisam traçar estratégias de captação de recursos. No Coletivo da Cidade, por exemplo, todo o dinheiro vem de doações, bazares beneficentes e também de campanhas online de financiamento coletivo. A pedagoga Patrícia Oliveira conta que atividades como o futebol e o balé, antes oferecidos na instituição, ficaram prejudicadas por falta de voluntários que oferecessem os serviços.
Outro exemplo é o Projeto Educar Dançando, que se destaca não só na Estrutural, como também em Planaltina e outras cidades. O projeto já foi tópico de reportagem do Correio, em 2013, quando os jovens Glauber Lucas Mendes Silva e Matheus Vaz Guimarães, alunos da instituição, foram selecionados para cursarem o ensino superior em dança em instituições renomadas na Alemanha. Em 2017, segundo a diretora artística do projeto, Edna Carvalho de Azevedo, ainda não foram realizadas aulas devido à falta de apoio financeiro. “Nós costumávamos buscar os alunos na Estrutural e levar até o local das aulas, na Asa Norte, mas, sem o apoio do governo para o transporte, ficamos impossibilitados de continuar nosso trabalho”, conta Edna.
No início de julho tomou posse um novo administrador regional da Estrutural e do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), Melquisedeque da Silva Portela. Em entrevista ao Correio, o administrador afirmou que, agora que o Lixão será desativado, o maior desafio será garantir que a população esteja capacitada para sobreviver de outras atividades. “Nesse processo, a educação é de fundamental importância, já que a Estrutural é uma área de população carente”, declarou.
Conheça, ajude!
Coletivo da Cidade
Atividades no contraturno escolar para crianças e adolescentes, acompanhamento de saúde
Como participar: Pelo CRAS ou direto na instituição
Endereço: Quadra 3, Conjunto 11, Área Especial 2, Estrutural
Telefone: 3465-6351.
Associação Viver
Atividades no contraturno escolar para crianças e adolescentes, jiu-jitsu e música
Como participar: Pelo CRAS
Como ajudar: Doações ou voluntariado.
Endereço: Quadra 15, Conjunto C, Setor Oeste, Estrutural
Telefone: 3361-9357.
Centro Social Comunitário Tia Angelina — Polo Tia Nair
Creche e atividades no contraturno escolar
Como participar: Inscrição pelo CRAS
Como ajudar: Doações em dinheiro, alimentos, roupas e equipamentos de informática. Aceitam voluntários
Telefone: 3465-4696
Endereço: Quadra 1, Conjunto 10, Lote 9, Setor Norte, Estrutural.
Instituto Superar
Reforço escolar e aulas de jiu-jitsu.
Como participar: Ir até o projeto ou procurar o CRAS
Como ajudar: doações pelo site do projeto. Aceitam voluntários
Telefone: 99872-2526
11 anos de Lei de Segurança Alimentar e Nutricional – um depoimento
Estamos comemorando este ano o 11o aniversário da aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan). Haverá cerimônia no Parlamento liderada pelo deputado Padre João, presidente da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, com a participação da atual presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e ex-presidentes da instituição.
Esse momento me fez viajar no tempo, mais especificamente para março de 2004 quando realizamos a 2a Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional em Olinda, 10 anos depois da primeira que havia sido convocada pelo então presidente Itamar Franco. Naquela ocasião estávamos animados pelo espírito de esperança e convencidos de que a batalha contra a fome poderia ser vencida. Foram dados passos importantes na Conferência. Reivindicamos, entre outras coisas, que a alimentação fosse incluída no rol dos direitos constitucionais básicos e que fosse criado, por meio de lei, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
Voltando à Brasília, o então presidente do Consea, Francisco (Chico) Menezes, deu andamento à implementação das resoluções da Conferência. Fizemos várias reuniões e lembro particularmente de uma, em dezembro daquele ano, quando elaboramos calendário de atividades para dar conta da nossa missão. Naquela época, eu trabalhava na Diretoria Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), liderada por Anna Peliano. Era véspera de Natal e chegando em casa me ocorreu que se não tivéssemos uma primeira minuta do que seria uma Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), iriamos patinar. Assim, passei o feriado mergulhada nas leis orgânicas de Saúde, Assistência Social, Ministério Público, entre outras. Tentei entender a lógica, a linguagem, os objetivos e os formatos de leis orgânicas. A partir daí minutei uma proposta, já em formato de lei. Com essa primeira contribuição, demos início a um rico e desafiador processo. Chico criou um Grupo de Trabalho coordenado por Renato Maluf, e relatado por mim, com a participação de conselheiros e conselheiras da sociedade civil e do governo. Consultamos especialistas e dialogamos com representantes de outros conselhos e sistemas, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Os desafios eram imensos. Pela primeira vez no Brasil tínhamos que construir um sistema efetivamente intersetorial, que envolvesse atores distintos, entre ministérios, estados, municípios, organizações da sociedade civil, conselhos de políticas, universidades, setor empresarial e organizações das Nações Unidas, entre outros. Não havia precedente. Era preciso usar a criatividade para construir o novo.
As dúvidas e os debates eram inúmeros e intensos. O sistema deveria outorgar um caráter consultivo ou deliberativo às instâncias colegiadas? Como poderia ser deliberativo se dois terços dos participantes eram oriundos da sociedade civil? Como ser deliberativo se o sistema tinha que estar em diálogo com outros sistemas que tinham suas regras consolidadas? Como, então, deveria ser a articulação do Sisan com os demais sistemas? Como incorporar estados e municípios? Como regular o diálogo com o setor privado, parte interessada, mas também um dos principais responsáveis pela alimentação inadequada que afetava milhões de brasileiros? Quais deveriam ser as principais instâncias articuladoras do Sistema? E quais seus objetivos?
E assim fomos tecendo e aperfeiçoando nossas versões. Elas foram sendo debatidas com o plenário do Consea e com os estados. Também estabelecemos pontes com parlamentares com o intuito de sensibilizá-los e escutá-los. Em julho de 2005 chegamos à versão final que foi enviada à Casa Civil da Presidência da República que, por seu turno, a encaminhou ao Congresso Nacional. Finalmente, a Lei 11.346 foi promulgada em 15 de setembro de 2006.
Assim nasceu nosso Sisan que tem como objetivo central assegurar o direito humano à alimentação adequada. A Lei estabelece as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sistema. A dinâmica de elaboração desse importante mecanismo legal foi participativa e construtiva, inédita não somente para o Brasil como para o mundo. Não é por outra razão que nossa experiência virou referência internacional e inspirou o novo formato do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CSA/ONU).
É evidente que não havíamos resolvido todos os problemas e que ainda tínhamos vários desafios para enfrentar, especialmente a insegurança alimentar e nutricional que vergonhosamente atingia, e ainda atinge nos dias de hoje, povos indígenas e quilombolas, bem como os problemas decorrentes de uma alimentação inadequada – sobrepeso, obesidade, alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares e diabetes. Contudo, até recentemente havíamos conseguido o extraordinário feito de acabar com a fome no Brasil. Agora, essa chaga volta a nos rondar. Nos últimos meses temos recebido notícias de que, cada vez mais, brasileiros e brasileiras não têm o que comer em casa. Esse retrocesso é ética e politicamente inaceitável.
O aniversário de 11 anos da Losan exige que denunciemos medidas e propostas de iniciativa dos poderes Executivo e Legislativo que trazem a fome de volta. Esse é o caso do congelamento dos gastos por 20 anos, dos cortes orçamentários que afetam especialmente os mais pobres, do aumento das exigências para o acesso ao seguro desemprego e outros benefícios sociais como o Bolsa Família, da flexibilização das leis trabalhistas que aumenta a precarização dos trabalhadores, da reforma da previdência que irá penalizar sobretudo mulheres, do esvaziamento das políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e da expulsão dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais de suas terras e territórios. Se quisermos ser parte de um país justo e inclusivo, temos que pôr fim a essas medidas e propostas! Temos que nos posicionar e mobilizar as pessoas a favor de um Estado redistributivo.
Foram três dias de formação. Em pauta: orçamento público, incidência política, legislação de fomento à leitura. O projeto do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) prevê a formação para bibliotecas comunitárias da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) e de oito redes de bibliotecas nas várias partes do país: a Releitura entre elas. O objetivo é preparar as bibliotecas para que participem dos ciclos orçamentários locais e federal para garantir políticas públicas para o setor do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.
Com atividades práticas e dinâmicas diversas, reunidos em grupos ou em rodas de diálogo, os integrantes da Releitura refletiram sobre o que são políticas públicas; traçaram um panorama da legislação municipal e estadual de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas; entenderam um pouco sobre o PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e LOA (Lei Orçamentária Anual); analisaram estratégias de participar ativamente destes trâmites; construíram propostas de incidência política.
O projeto “Orçamento e direitos para bibliotecas comunitárias” está sendo desenvolvido pelo Inesc em todo o país. Além da Releitura e da RNBC, as formações serão realizadas entre redes de bibliotecas do Maranhão, Bahia, Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Uma leitura dos impactos do golpe em curso na luta de combate ao racismo no Brasil
“É missão do Movimento Negro construir uma identidade política que considere as questões de gênero, raça, e classe e seja capaz de ampliar a luta contra o racismo na perspectiva de contribuir para a transformação da sociedade.”
Trecho do livro Traçando Diretrizes: Relatório do 1° Seminário de Planejamento Estratégico da CONEN-Coordenação Nacional de Entidades Negras-Aracajú. SE. 4-8 de Maio de 1994.
“É um equívoco pensar no Movimento Negro Brasileiro apenas como resposta ao racismo. Queira ou não, saiba ou não, a militância negra não cuida mais apenas de si e dos seus – Tudo é seu! A questão racial está no cerne do sistema de poder e de valores e refina a reprodução do abismo de desigualdades sociais.
Ao rasgar esse véu o Movimento Negro chamou para si a responsabilidade de compartilhar, graças ao acúmulo de lutas e massa crítica, e como garantia moral, perspectivas de aprimoramento do Estado e da sociedade brasileira.”
“A figura mítica do minotauro é uma ótima metáfora para a vida. É a criatura encarcerada, forte e limitada, que pela força se impõe no labirinto, mas que por ela mesma não é capaz de sair. O minotauro administra sua crise (o labirinto), mas sem legitimidade (força) ou mesmo interesse em superá-lo. O golpe é este minotauro que usa da força e que não pode tirar o país do labirinto em que se encontra. Ou matamos a fera, ao estilo de Teseu, e em ato continuum recuperamos a linha que nos retirará da cilada, ou terminaremos como vítimas anônimas.”
Pedro Otoni, dirigente das Brigadas Populares.
Com este documento, originário das reflexões feitas na I Conferência Nacional da CONEN – CONFECONEN, realizada nos dias 26 a 29 de maio de 2016, na cidade de Belo Horizonte (Minas Gerais), afirmamos que há relações entre o avanço da luta contra o racismo e a crise institucional e de valores – especialmente agudizada nesse momento da conjuntura nacional brasileira.
Certamente que, além do peso dos interesses econômicos vistos como principais, esse ambiente repercute na agenda de demandas presentes em todas as latitudes e sociedades contemporâneas: questões de gênero, geracionais, referentes à sexualidade, ao meio ambiente e outras. Mesmo assim, compreendendo que há uma “crise geral”, vale afirmar que o avanço da luta de combate ao racismo no Brasil representa aspecto demais saliente e agravante na “crise política” que hoje divide a sociedade brasileira – é o tom e o jeito brasileiros, no “espírito” das dinâmicas sociais e políticas de ressignificação da diversidade.
[1] PEREIRA, Amauri M. “Toma que o filho e seu…: Políticas públicas pragmáticas e outros desafios na institucionalização da Luta Contra o Racismo. ”Revista da ABPN, v. 3, nº 7, jan a jun 2012.
Organizações juntam forças em busca de unidade e alternativas a modelo de desenvolvimento
A Aula Pública será realizada no âmbito dos projetos“Novos Paradigmas de Desenvolvimento: pensar, propor, difundir”, apoiado pela agência de cooperação internacional Misereor;“Sociedade Civil Construindo a Resistência Democrática”, apoiado pela União Europeia; e Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos do Brasil. Daniela Tolfo, secretária executiva do Camp, comenta que é importante realizar a Aula Pública com esta parceria. “A gente fala que precisa construir a unidade na esquerda e estamos criando a unidade agora. É essencial por conta deste momento em que estamos vivendo, deste contexto de retirada de direitos, de resistência.”
Entre os nomes confirmados para a atividade estão José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Plataforma pela Reforma do Sistema Político; Lindomar Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Olívio Dutra, ex-prefeito e ex-governador do Rio Grande do Sul; Renata Mielli, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC); Salete Carollo, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Frente Brasil Popular; Valdecir Nascimento, do Odara – Instituto da Mulher Negra; e Vitor Guimarães, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo.
Adriana Ramos, diretora executiva da Abong e coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), e Ivo Lesbaupin, secretário executivo do Iser Assessoria, mediarão o debate. “A ideia é que falem do ponto de vista de suas entidades sobre quais modelos alternativos estão propondo”, explica Ivo ressaltando a diversidade representativa dos movimentos sociais brasileiros.
As mesas de debates e oficinas de diálogos que compõem a programação do Seminário Nacional serão realizadas entre os dias 16 e 18 de agosto, no Centro de Formação Sagrada Família, no bairro do Ipiranga, em São Paulo (SP).
O dinheiro da Noruega está pagando a fiscalização da Amazônia?
Em junho, o presidenteMichel Temerfoi a Noruega para assegurar acordos comerciais e mostrar que o Brasil é um parceiro confiável na diplomacia ambiental.A viagem, como sabemos, foi um fiasco. Não só o governo foi criticado por seus parceiros noruegueses, como o país anunciou que reduziria a parcela de recursos destinados ao Fundo Amazônia, já que o desmatamento voltou a subir.
A redução das doações pode, em tese, colocar as operações brasileiras de fiscalização em dificuldade. Isso porque nos últimos três anos o governo aumentou o uso dos recursos noruegueses voltados para órgãos de comando e controle, como o Ibama e a Força Nacional de Segurança, de acordo com um estudo publicado pelas organizações Idesam e Forest Trends. O estudoMapeando os fluxos financeiros para Redd+ e uso da terra no Brasillevantou o uso de recursos de doação internacional para proteção das florestas no Brasil entre 2009 e 2016. Ao todo, foram mais de US$ 2,2 bilhões recebidos, sendo que US$ 1 bilhão foi doado pelo governo norueguês.
O relatório mostra que, até 2014, a maior parte dos recursos do Fundo Amazônia era distribuída para os estados. Em segundo lugar, ficavam as ONGs. Apenas em terceiro ficava os órgãos de fiscalização federal. Esse cenário mudou. No ano passado, a maior fatia do dinheiro da Noruega foi para os órgãos federais: 46%. Os estados ficaram em segundo, e as ONGs em terceiro. Esse cenário deve se repetir em 2017. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) fechou em dezembro de 2016 um repasse de R$ 56 milhões do Fundo Amazônia para ser destinado às operações de controle e combate ao desmatamento do Ibama durante todo o ano de 2017. O valor é quase a metade do que o Fundo Amazônia desembolsou em 2016.
O aumento da captação de recursos internacionais seria positivo não fosse um problema. Ele coincide com a queda no orçamento do Ministério do Meio Ambiente no mesmo período. “A recente captação de recursos pelo Ibama junto ao Fundo Amazônia marca um cenário de retração dos investimentos públicos federais para o combate ao desmatamento na região amazônica. No ano de 2016 o setor de fiscalização do governo sofreu com uma retração de 30% em seu orçamento em relação ao ano de 2013”, diz o estudo. Para um dos autores do texto, Mariano Cenamo, do Idesam, isso sugere que é o recurso de doação internacional que está salvando a política ambiental brasileira. “Nós estamos vendo as estruturas ambientais ser fragilizadas em todos os níveis no Brasil. Nesse contexto, ainda bem que temos o dinheiro do Fundo Amazônia. Se não fosse o recurso de doação internacional, a situação estaria ainda pior.”
O dinheiro da Noruega, evidentemente, é bem-vindo. O temor de quem acompanha as políticas para a Amazônia, no entanto, é a possibilidade de que ele seja usado para cobrir buracos deixados pelos cortes de recursos do governo. Isso deixaria toda a política ambiental brasileira mais vulnerável. Afinal, se amanhã os norugueses decidirem parar com as doações, não haverá mais dinheiro para fazer uma função crucial de combate ao desmatamento.
Em março deste ano, o governo Temer anunciou o contingenciamento de R$ 42 bilhões no orçamento público. O corte também atingiu o Ministério do Meio Ambiente, que perdeu quase a metade dos recursos para as despesas descricionárias – o dinheiro utilizado em programas e projetos do ministério, sem contemplar gastos fixos como salários e pensões. Uma análise feita pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que, mesmo antes do contingenciamento, o orçamento do ministério já estava em baixa. “O orçamento do Ministério do Meio Ambiente vem caindo ano a ano, desde 2013. Com o contingenciamento, passou a ser o menor desde 2007”, diz Matheus Magalhães, pesquisador do Inesc.
Uma reportagem do jornalFolha de S.Paulomostra que a preocupação com os recursos para a fiscalização é grande dentro do ministério. Segundo o jornal, o ministro do Meio Ambiente,Sarney Filho, enviou carta ao Ministério do Planejamento dizendo que a falta de dinheiro para fiscalização agravou o desmate na Amazônia. Sarney Filho pede que o orçamento do Ibama seja aumentado em R$ 104 milhões em 2018.
ÉPOCA entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para tentar entender a situação. Segundo o ministério, o contingenciamento no orçamento e o aumento da captação do dinheiro de doação internacional para fiscalização não estão relacionados. Em nota, o ministério explica que não repassou o contingenciamento para as operações de fiscalização e diz que o ministro Sarney Filho conseguiu um compromisso político da Presidência de que o contingenciamento será revertido ainda no segundo semestre de 2017.
O ministério diz ainda que o dinheiro da Noruega não está sendo usado para substituir o orçamento. “No que tange aos recursos do Fundo Amazônia, estes apoiam atividades do Ibama desde 2014, como fonte adicional, recursos de doação. São valores complementares ao orçamento da Autarquia e estão sendo utilizados para apoiar atividades adicionais de combate a incêndios e queimadas e de fiscalização. Não há substituição de orçamento”, diz a nota.
A Constituição Brasileira assegura no Art. 6º os direitos sociais dos cidadãos brasileiros, utilizando como instrumento a lei que garante que todo brasileiro tenha o mínimo de dignidade para o seu desenvolvimento social. Em linhas gerais são propostas abstratas, que precisam ser regulamentadas por outras leis específicas, para que assim sua aplicação seja real.
O direito constitucional de ir e vir, por exemplo, permite que os cidadãos se desloquem por todo o território nacional. Entretanto, para melhorar a fluidez em grandes avenidas, algumas cidades restringem a circulação de veículos longos durante o dia. Ou seja, o direito do motorista se torna limitado, mas a maior parte da população é beneficiada. Por esse entendimento, compreende-se que os direitos sociais servem como um norteador para que gestores públicos criem leis que melhorem a qualidade de vida do cidadão.
Em decorrência das manifestações de 2013, que levou milhares de pessoas às ruas contra o aumento nas tarifas do transporte público, em 2015 o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 74/2013, que incluiu o transporte público como um direito social. Mas poucas pessoas sabem disso, e de lá para cá pouco mudou. Na prática, tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais e prefeituras deveriam incorporar o transporte na lista de prioridades, definindo no orçamento público os percentuais de investimento nessa política.
Dois anos após a aprovação da PEC 74/2013, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 84/2015 que pretende incluir a acessibilidade e a mobilidade urbana como direito social. O primeiro passo já foi dado com a aprovação da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso em junho deste ano.
Na contramão desse avanço, apesar de a política nacional ter sido aprovada em 2012, os municípios brasileiros ainda não conseguiram elaborar o Plano de Mobilidade Urbana, obrigatório a todo município com mais de 20 mil habitantes.
Pensar a mobilidade como um direito social sem que os municípios avancem na elaboração dos Planos aparenta antagônico, mas não é! Pelo contrário, é uma maneira de legitimar ainda mais as diretrizes estabelecidas na Política de Mobilidade.
Conceituar mobilidade urbana é um grande desafio, principalmente porque é muito comum reduzir o conceito à transporte público de qualidade, fluidez do trânsito, etc. Esses conceitos passam a incorporar o dia a dia das redações jornalísticas, o universo político e aos poucos vai chegando ao conhecimento da população, porém de forma ainda lenta.
Pensar a mobilidade como um direito é desafiador, e ter a mobilidade como um direito à cidade… é possível.? Quando falamos em mobilidade urbana, de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, referimo-nos à “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”, ou seja, todas as formas, maneiras e condições pelas quais as pessoas transitam na cidade, quer seja a pé, de carro, moto, cadeira de rodas, ônibus. Algo estreitamente ligado à forma como nos relacionamos com a cidade, como vivemos a cidade.
O geógrafo britânico David Harvey em seu artigo “The right to the city”, aponta que a cidade é fruto das relações sociais que nós fazemos dela e com ela:
“A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos desejamos. O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade (…) O direito à cidade, como constituído agora, está extremamente confinado, restrito na maioria dos casos à pequena elite política e econômica, que está em posição de moldar as cidades cada vez mais ao seu gosto”.
Para esclarecer a conexão entre a mobilidade e o direito à cidade, entrevistamos a Assistente Social articuladora do Movimento Nossa São Luís, Suelma Kzam, que também é representante da Rede Social Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis (Rede de Cidades) em São Luís (MA).
A Rede de Cidades, em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC-DF), iniciou o Projeto Orçamento e Direito à Cidade, que irá atuar na formação de Organizações da Sociedade Civil para o monitoramento dos gastos públicos com mobilidade.
ANJ–Com toda a rapidez que existe na vida urbana, quer seja no trânsito ou no processamento das informações, a relação das pessoas com a cidade foi alterada?
Suelma –Hoje em dia a cidade não é mais pensadas para pessoas. Os centros urbanos são desenhados para os veículos automotivos, para o comércio… as cidades são pensadas muito mais numa perspectiva mercadológicas, que numa perspectiva social. Então as pessoas que tem planejado a cidade não pensam ela mais como um espaço para viver, para transitar, sim como um ambiente para atender demandas do mercado, para fomentar exclusivamente o ambiente de negócio.
ANJ– Qual público você destaca como o mais afetado pela falta de mobilidade urbana?
Suelma –Aqui estamos considerando as pessoas em geral. Mas se a gente for considerar as minorias, que são as pessoas com deficiência, as pessoas que possuem dificuldades de mobilidade, as mulheres – que são aquelas que mais utilizam a cidade, que mais se locomovem – a gente vai perceber o quanto os grandes centros urbanos acabam sendo frios para as pessoas. As crianças, por exemplo, já não existem vias públicas para que elas brinquem. Nesse aspecto, se formos pensar, estamos considerando uma série de negação de direitos: o direito da criança brincar e do lazer, que é um direito assegurado no Estatuto da Criança e do Adolescente; o direito da pessoa de ir e vir, pois não temos calçadas estruturadas para que as pessoas possam se locomover; as vias públicas não são seguras para as pessoas realizarem grandes percursos a pé ou de bicicleta; entre outros.
Quando a gente pensa nas mulheres, por exemplo, a gente tá negando o direito dessa mulher andar numa determinada rua, porque ela sabe que aquele percurso que ela vai fazer a pé oferece risco dela ser abusada sexualmente, as vias não são iluminadas – isso é um outro fator que nega o direito das mulheres transitar – as mulheres são aquelas que vão ao supermercado, que vão buscar as crianças na escola, poderiam fazer o trajeto a pé, mas muitas vezes não fazem por conta desses fatores que a gente abordou.
AJN – Uma cidade que atende à necessidade da população é uma cidade mais inclusiva?
Suelma –A própria Lei diz isso: o direito básico ao ser humano é o direito de ir e vir. Então quando a gente tem esse direito negado, falando, por exemplo do aspecto urbanístico e arquitetônico da cidade, está negando o direito de andar a pé, a gente está impedindo as pessoas de usarem um direito essencial. A população acaba sendo mais sedentária porque não podem caminhar ou não podem usar a bicicleta. A cultura em vigor é que andar de bicicleta é ser desprovido de recursos financeiros para custear uma passagem, quando na verdade não é isso. Se a gente tiver, por exemplo, ciclovias, elas seriam utilizadas, pois hoje as bicicletas competem espaço com os carros e isso é um risco.
AJN – Hoje as cidade concentram parte nos seus serviços nas regiões administrativas, que em geral são nos centros das cidades. Como você analisa essa necessidade da população se deslocar para ter acesso aos serviços públicos?
Suelma –Isso é outro fator. Hoje as cidades metropolitanas acabam sendo cidades dormitórios, pois as pessoas acabam se deslocando de cassa para o trabalho e às vezes os serviços básicos estão fora de seus domicílios, enquanto esses serviços poderiam estar em seus municípios.
ANJ – O Plano de Mobilidade ainda é um desafio para as cidades com mais de 20 mil habitantes. O que falta para avançar nessa pauta?
Suelma –Eu vejo que não é encarado como uma prioridade. Pouco se fala sobre mobilidade nas cidades brasileiras, a não ser que as tarifas aumentem de preço. Quando há esse aumento as pessoas se mobilizam, só que não é apenas isso, existem muitas coisas importantes para serem tratadas, de pensar a cidade para as pessoas. Ainda não existe esse olhar por parte do governo, nem da sociedade de modo geral. As pessoas precisam conhecer mais o que é mobilidade, elas precisam estar cientes que discussão é essa. Talvez se elas conhecessem isso, elas poderiam cobrar mais os governantes e controlar a aplicação dos investimentos.
“País que violenta a infância deve ser sentenciado como eu fui”
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma legislação criada em julho de 1990 que define os direitos das crianças e adolescentes. A partir dele nos reconheceram como somos, ou seja, sujeitos de direitos como qualquer adulto.
Para cumprir ou respeitar os nossos direitos existem órgãos e instituições, como a Secretaria de Estado da Criança, criada no Distrito Federal em 2011 com o objetivo de coordenar e articular políticas públicas voltadas para nossa proteção integral e promoção dos nossos direitos.
Eu vejo que ainda há muitas situações de negligência, de abandono, maus tratos, crueldade, discriminação, abusos e explorações, e tais violações devem ser acolhidas pelas Unidades de apoio e por políticas públicas para que tais crianças e adolescentes não venham a cair no socioeducativo.
Na rua, os Conselhos Tutelares são os órgãos de proteção e defesa de nossos direitos, porém há adolescentes que só conseguiram acessar direitos básicos dentro do sistema socioeducativo. Não é apenas o direito ao voto, obrigatório, que queremos.
Temos direito de visitar os monumentos da capital, os museus e espaços públicos como o Congresso Nacional, conhecer a história, tirar dúvidas e curiosidades, e com isso pesquisarmos, acessarmos conhecimento e desenvolvermos maior raciocínio. Isso é impossível? Não, afinal temos direito à escolarização, ao conhecimento.
Neste contexto, acredito que o governo deveria garantir boas condições e oportunidades em geral. Num Brasil que milhares de famílias ainda passam fome, as crianças são as que mais sofrem e, infelizmente, acumulam situações de trabalho infantil e até exploração sexual. Este mesmo Brasil que violenta a infância, discrimina pela raça, pelo sotaque ou orientação sexual, deveria também ser sentenciado como eu fui.
20 anos sem Betinho, um grande parceiro do Inesc na luta contra a fome e por direitos
“Quem tem fome, tem pressa”, bradava o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, sempre que era instado a falar sobre a importância e urgência da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, iniciativa que liderou no Brasil nos anos 1990. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) à época, eram 32 milhões de pessoas no país sem os recursos necessários para garantir refeições diárias – e elas não podiam esperar. Nathalie Beghin, economista, especialista em políticas sociais e coordenadora da assessoria política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em Brasília, participou desse levantamento feito pelo IPEA, e conviveu com Betinho à época.
“Era uma pessoa muito bem humorada, criativa e com energia invejável. Não tinha papas na língua nem medo da luta”, recorda Nathalie, que nos conta um pouco sobre sua convivência com Betinho e o legado que ele deixou nesta entrevista, publicada hoje (9 de agosto) em homenagem ao 20o aniversário da morte do sociólogo e ativista.
Além da campanha contra a fome, Betinho também esteve intensamente envolvido em outros temas, como o da reforma agrária e da redemocratização do país – em ambos os casos lado a lado com o Inesc. Betinho era amigo pessoal de Maria José Jaime, a Bizeh, fundadora do Instituto, e participou da sua criação em 1979. Ao lado de Bizeh, Betinho ajudou a criar políticas públicas de combate à fome no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) no início dos anos 1990.
Hoje, 20 anos depois da morte de Betinho, o Brasil experimenta retrocessos que fazem voltar o fantasma da fome e outros tantos. Direitos básicos da população vêm sendo negados e o Estado brasileiro está cada vez mais enfraquecido. Quem tem fome continua com pressa, mas a fome está maior – é também por direitos, por democracia realmente popular, pelas mulheres, pelos jovens negros, pelos indígenas e quilombolas. “Os direitos humanos são a base para uma vida digna para todos e todas”, afirma Nathalie, nesta entrevista que publicamos hoje para homenagear Betinho e sua fome por uma vida justa para todos.
Você trabalhou com Betinho no início dos anos 1990, na elaboração do Plano de Combate à Fome. Como foi essa relação?
R – O Betinho era uma pessoa muito bem humorada, criativa e com uma energia invejável. Não tinha papas na língua e nem medo da luta. Sem dúvida, uma das principais lideranças da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida junto com a Bizeh, fundadora do Inesc. Trabalhamos juntos na elaboração do Plano de Combate à Fome, no começo dos anos 90. Ele desafiou o presidente Itamar Franco a dizer quantos eram e onde estavam as pessoas que passavam fome no Brasil. Na época trabalhava na Diretoria Social do IPEA, na equipe de Anna Peliano. O presidente Itamar nos pediu para atender o pedido de Betinho. Assim fizemos e em tempo recorde produzimos o Mapa da Fome do Brasil que, na época, contabilizou 32 milhões de pessoas sem renda suficiente para se alimentar. Equivalia a uma Argentina! A repercussão foi tamanha, que Itamar juntou todos os ministros para elaborar o Plano Nacional de Combate à Fome que foi lançado em 1993. O IPEA ficou com a incumbência de coordenar a elaboração do Plano. Assim fizemos e uma das primeiras medidas de implantação do Plano foi a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
O que significa ‘democracia’ para você?
R – O poder do povo, o poder popular. É o governo do povo para o povo. É um modelo político no qual os cidadãos e as cidadãs participam das decisões por meio do voto, mas também por meio de consultas e de propostas de projetos. Não é um sistema perfeito, mas é o melhor que construímos até agora.
Betinho costumava dizer que a democracia é formada por cinco princípios: liberdade, igualdade, participação, diversidade e solidariedade. Concorda?
R – Sem dúvida esses conceitos são essenciais para definir a democracia. Acrescentaria a dimensão dos direitos humanos: a democracia, ainda que imperfeita, é o único sistema político existentes que é capaz de promover a progressiva realização dos direitos humanos. E os direitos humanos são a base para uma vida digna para todos e todas, qualquer que seja a classe social, religião, raça, etnia, sexo, orientação sexual, nacionalidade etc.
Também complementaria que a democracia tem a ver com um conjunto de instituições que é maior do que o Parlamento. Tem a ver com o sistema de Justiça e com os meios de comunicação. Se essas instituições não são abertas ao povo, a democracia fica incompleta. Hoje, no Brasil, além de termos um dos parlamentos mais conservadores da nossa história recente, convivemos com um Judiciário totalmente fechado à sociedade, e com meios de comunicação centralizados nas mãos de poucas famílias que têm o domínio das informações que circulam.
Qual o papel da sociedade civil no fortalecimento da democracia e quais os atuais desafios para que isso ocorra?
R – O papel da sociedade civil é o de lutar, resistir e propor. No caso da democracia, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) faz parte de uma Plataforma que reúne dezenas de organizações e movimentos sociais que propõem uma reforma do sistema político justa e inclusiva. No que se refere ao Congresso Nacional, por exemplo, o Brasil está entre os países do mundo que tem menos mulheres parlamentares, apenas 10%. No que se refere à população negra, a sub-representação é abissal, sem mencionar que não há sequer um indígena.
Nós entendemos que uma democracia mais completa deve ser representativa, mas também direta (com instrumentos como plebiscitos, referendos, projetos de iniciativa popular) e participativa, com conselhos e conferências. Também deve contar com meios de comunicação mais livres e diversos, e com um sistema de Justiça (Judiciário, Ministério Público, Procuradorias) que conte com a participação da sociedade. Com isso, o Poder se torna efetivamente popular, de todos e todas, e não somente de alguns, como é hoje.
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A Coppe/UFRJ e o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (Coep) lançaram nesta quarta-feira o site Betinho: celebrar uma história. Cinco princípios e um fime oPrêmio Betinho Imagens de Cidadania, em uma edição inédita da já tradicional premiação e que nesta temporada propõe que as pessoas gravem e inscrevam vídeos com ideias ou iniciativas de mobilização cidadã.
Além de resgatar a história do ativista dos direitos humanos e da cidadania, o site é organizado como um instrumento de sensibilização para que as pessoas sintam-se inspiradas e concretizem novas ações cidadãs, em um movimento mobilizador vivo e forte, como ainda é o legado de Betinho.
O Brasil deixa de arrecadar US$ 2 bilhões por ano devido àfalta de fiscalizaçãoe controle dasexportações de minério de ferro, estrela da pauta de vendas do país ao exterior.
É o que aponta um estudo feito pela Rede Latino-americana sobre Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd) em parceria com o Instituto de Justiça Fiscal (IJF). Inédito, o levantamento apontou subfaturamento de US$ 39,1 bilhões nos embarques da matéria-prima entre 2009 e 2015.
A cifra representa perda média de receitas fiscais da ordem de US$ 13,3 bilhões no mesmo período, o correspondente a cerca de R$ 42 bilhões, quase a metade do orçamento deMinas Geraispara 2017.
No caso do Brasil, esse impacto é grande, pois a economia mineral tem participação bastante relevante nas exportações do país. As vendas externas de minério representaram em 2015 11,7% do comércio total do Brasil com o exterior. Só o minério de ferro foi responsável por 7,4% da receita das exportações naquele ano, segundo dados doInstituto Brasileiro de Mineração(IBRAM), que representa o setor.
De acordo com a diretora administrativa do IJF e auditora fiscal da Receita Federal Maria Regina Paiva Duarte, o mecanismo usado para burlar a tributação consiste em vender o minério por um preço mais baixo para uma mesma empresa do grupo exportador, mas localizada em paraísos fiscais ou países em que a tributação é menor, e depois vender novamente, então pelo preço de mercado, para uma terceira empresa.
“Em geral, a mercadoria é vendida para um desses territórios, a preço menor que o que seria adequado, mas entregue em outro. A mineradora Vale, por exemplo, tem empresa na Suíça e o minério é vendido para lá, mas entregue na China.
A perda de tributação se dá a partir dessa venda por preço inferior, o que reduziria o lucro tributável no Brasil e, por consequência, a base de cálculo sobre a qual vai ser cobrado o tributo”, diz Regina Paiva. Até os países desenvolvidos, de acordo com a auditora fiscal, estão tentando barrar essas operações, porque se deram conta que as grandes empresas não estavam tributando os lucros adequadamente.
Na avaliação de Regina Paiva, os países para onde o minério brasileiro é destinado inicialmente deveriam dar publicidade aos dados das operações realizadas, acabando com o sigilo das transações entre empresas vinculadas.
Para ela, coibir essa fuga de capitais e, consequentemente, a perda de receitas requer que, as administrações tributárias estejam preparadas em termos tecnológicos e de recursos humanos, com fiscalização adequadamente remunerada, a fim de fazer frente ao planejamento tributário abusivo das empresas.
Ela defende também a criação de um organismo supranacional que regulamente essas operações, vinculado a ONU (Organização das Nações Unidas). Caberia a ele “implementar regras que permitam aos países, especialmente os menos desenvolvidos, arrecadar o que é justo, adotar métodos que permitam apurar os preços efetivamente praticados entre empresas vinculadas ou que envolvam guaridas fiscais e criar mecanismos severos de punição ou sanção a países e empresas que não cumpram as regras estabelecidas e pratiquem operações fraudulentas”, afirma a diretora do IJF.
Recurso finito
Com base no estudo, estima-se que 70% de todo o comércio exterior brasileiro ocorra entre empresas vinculadas ou com subsidiárias em guaridas fiscais. “O agravante das mineradoras é que elas trabalham com um recurso não renovável e que pertence legalmente a toda à sociedade. Ou seja, o que uma mineradora extrai e exporta, desaparece. Não poderá mais ser extraído, é colheita única. As gerações futuras não terão mais como explorar este recurso”, afirma Dão Real Pereira dos Santos, diretor de relações institucionais do IJF e também auditor da Receita Federal.
Além de ser um recurso finito, destaca Dão, o minério constitui a principal matéria-prima para a indústria estrangeira. “Então, qualquer sonegação que o setor extrativo produz tem um efeito muito mais grave do que qualquer outro setor, pois é uma riqueza que se perde e uma redução de custos para a indústria estrangeira em detrimento da capacidade do Estado para promover políticas públicas, inclusive aquelas que possam viabilizar alternativas econômicas que compensem a falta do recurso extraído”.
Tonelada sai por metade do preço
Rosiane Seabra, advogada e consultora tributária da Associação Mineira dos Municípios Mineradores (AMIG), diz que o estudo realizado pela Latindadd em parceria com o Instituto de Justiça Fiscal comprova em números o que a entidade há muito vem denunciando. “Essa é uma operação feita pelas mineradoras com o intuito exclusivo de reduzir a tributação. Os municípios mineradores há muito denunciam essa prática”, relata. Segundo ela, a maioria das empresas vende para elas mesmas a tonelada de minério pela metade do preço, reduzindo assim a tributação. Para Rosiane, a única solução seria uma rigorosa fiscalização por parte dos órgãos federais.
O governo já chegou a multar grandes mineradoras por essa prática, mas ela continua ocorrendo e não há controle rigoroso sobre a s vendas externas. “É que o governo federal, quando tem muita tibrutação não fiscaliza com rigor”, afirma.
Ela lembra que, além desse subfaturamento das exportações, o governo federal ainda reduziu, com a Lei Kandir, os tributos para o embarque de minério ao exterior, prejudicando ainda mais os estados mineradores, que brigam na Justiça com a União para ter compensação pela perda de receitas com a desoneração. A Lei Kandir previu compensação aos estados e municípios por perdas decorrentes da isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) nas vendas ao exterior. “O governo desonera a exportação de minério e ela ainda é subfaturada”. O Ibram foi procurado pela reportagem do Estado de Minas, mas de acordo com a assessoria de comunicação da entidade, seus dirigentes estavam em um evento externo e ninguém foi localizado para comentar o estudo.
Observatório da Criança e do Adolescente (OCA) é escolhido para Banco de Tecnologias Sociais do BB
O Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), metodologia desenvolvida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o Coletivo da Cidade e financiada pela União Europeia, avançou em mais uma etapa do Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil (FBB), se classificando agora para receber certificação em 2017. Esta é a 9a. edição da premiação, que tem o objetivo de apoiar projetos sustentáveis que possam ser reaplicados em diversas comunidades.
O OCA foi escolhido juntamente com outras 172 iniciativas, de um total de 753 inscritas no Prêmio, fazendo parte agora do Banco de Tecnologias Sociais da FBB. A triagem foi realizada por uma comissão composta pela equipe técnica da Fundação, que obedeceu aos critérios do regulamento para chegar às propostas selecionadas. Dentre os requisitos solicitados estavam: o tempo de atividade, as evidências de transformação social, a sistematização da tecnologia, a ponto de tornar possível sua reaplicação em outras comunidades, e o respeito aos valores de protagonismo social, respeito cultural, cuidado ambiental e solidariedade econômica.
As propostas inscritas foram classificadas em seis categorias nacionais, das quais foram validadas 15 tecnologias na categoria Agroecologia, 27 em Água e/ou Meio Ambiente, 11 em Cidades Sustentáveis e/ou Inovação Digital, 40 em Economia Solidária, 52 em Educação e 16 em Saúde e Bem-Estar. Na categoria internacional foram classificadas 12 propostas.
Com a certificação, as tecnologias passam a compor o Banco de Tecnologia Social da FBB, que agora conta com 995 iniciativas aptas para reaplicação. O Banco de Tecnologia Social é uma base de dados online que reúne metodologias reconhecidas por promoverem a resolução de problemas comuns às diversas comunidades brasileiras. Neste banco, todas as tecnologias sociais podem ser consultadas por tema, entidade executora, público-alvo, região, Unidade Federativa, dentre outros parâmetros de pesquisa.
A próxima etapa do Prêmio está prevista para o dia 15 de agosto, com a divulgação dos projetos finalistas. Já as propostas vencedoras serão anunciadas na cerimônia de premiação, em novembro. A Fundação Banco do Brasil irá premiar com R$ 50 mil cada uma das seis iniciativas vencedoras nas categorias nacionais, além da entrega de um troféu e a produção de um vídeo retratando as iniciativas das 21 instituições finalistas nacionais e das três finalistas internacionais.
Esta edição tem a cooperação da Unesco no Brasil e o apoio Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), do Banco Mundial, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Escrevo ainda sobo impacto do arquivamentoda denúncia.Nas minhas redes sociais, amigos reclamam porque os brasileiros parecem estar anestesiados diante do que aconteceu. Pode ser. Em resumo: o presidente do país é denunciado como corrupto e os deputados chegam à conclusão de que é melhor mantê-lo no lugar, tomando conta da nação, representando os brasileirosmundo afora. É duro, mas foi isso.
O pior – sim, ainda existe o pior nessa história – é que o presidente, na função do poder, tem prerrogativas para mudar muita coisa. E, como ele tem apenas 5% de brasileiros ao seu lado, é possível que não tenha desejo de fazer coisas boas para o bem do povo, muito menos de ouvir a sociedade civil para fazer qualquer coisa. Sendo assim, a expectativa é de que ele apenas agrade ao mercado, esse personagem invisível que manda e desmanda em nossas vidas.
De uma só canetada, num único setor, o governo vai mandar três medidas provisórias para o Congresso que conseguirá desagradar a gregos e troianos. Falo sobre mudanças nas regras para a mineração. A principal alteraçãodo Código atual, que está em vigor desde 1967, é a forma de cobrança dos royalties. Hoje, o cálculo do valor devido é feito com base no faturamento líquido da empresa. As MPs preveem que, agora, a cobrança será feita com base na receita bruta da venda do minério. Nem pensar em mudar algo para diminuir os impactos fortíssimos da atividade na vida de brasileiros e no meio ambiente. A questão é, única e exclusivamente, financeira.
Não precisou muito tempo para que as primeiras reações começassem a aparecer. Nas páginas de alguns jornais impressos do dia 27 de julho, um anúncio publicado por organizações como Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) entre outras, com o título “Para o governo bater metas, quem apanha é a gente?” lista os problemas que a medida acarretará para os brasileiros.
Em poucas palavras, o principal deles será a perda de competitividade das exportações, o que poderá causar ameaça ao cumprimento da meta de inflação…
“… pois o aumento dos royalties acarretará elevação dos preços dos bens de consumo (TVs, celluklares, carros, geladeiras etc), inclusive dos alimentos. Significa perda de futuros investimentos e risco de aumento de desemprego. Quando deixam de ser competitivas as mineradoras que hoje empregam milhares de pessoas, tendem a deixar de apicar em projetos futuros do Brasil e a procurar outros países”, diz o texto.
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, também se manifestou sobre a medida, quando apresentou resultados da companhia à imprensa. Para ele, Michel Temer“criou um monstrengo”, já que “as mudanças não permitem que a empresa tenha uma estimativa sobre o impacto do aumento de custos, uma vez que o desenho da nova cobrança não permite à companhia projetar qual será o imposto pago ao fim de um determinado período”.
“Mudar o Código da Mineração no momento de turbulência política pela qual passa o país, tratando a mineração apenas sob a ótica fiscal e administrativa, deixa claro que esta manobra faz parte do pacote de ações de desmonte da democracia e que é uma clara tentativa de buscar convencer parlamentares da bancada mineradora a votar contra o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva. Tratar a mineração como se fosse apenas um setor comercial capaz de aumentar a participação no PIB, que segundo anúncio subiria de 4% para 6%, aumenta ainda mais a fragilidade de fiscalização do Estado e coloca ainda mais em risco as populações ao redor das minas, as comunidades no entorno de sua logística e o meio ambiente”, diz a nota.
Temer se esqueceu de incluir as pessoas em sua tentativa de reativar o setor de mineração. Temer se esqueceu também de mencionar problemas ambientais quando fez o anúncio das MPs 789, 790 e 791. E tudo isso estava sendo milimetricamente debatido, como sói acontecer quando entram em jogo movimentos socioambientais num ambiente democrático, em vários encontros do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Mas, quem disse que o novo governo, volto a dizer, que tem apenas 5% de aceitação, vai se importar com o que dizem ou pensam as pessoas para quem, por acaso, ele está governando?
De qualquer forma, não é de hoje que sociedade civil e empresários — quase sempre duas forças opostas quando se trata de cuidados com o meio ambiente ou com os principais impactados por conta da industrialização – se veem lado a lado contra o governo quando o assunto é regular a mineração. Não que a atividade já não tenha seu código de conduta. Ocorre que tal legislação, que pretende pôr travas num setor que, segundo estudos da PricewaterhouseCoopers (PWC), até 2030 deve movimentar cerca de 260 bilhões de dólares ao ano, já está sendo considerada caduca.
Há cerca de cinco anos, ainda no governo Dilma Roussef, organizações da sociedade civil, preocupadas com o anúncio de que um novo Código estava sendo debatido a portas fechadas no Planalto, fizeram um manifesto reivindicando audiências públicas. A ideia era exigir que se começasse a fazer a nova legislação para o setor ouvindo as pessoas que sofrem os maiores impactos provocados pela atividade da mineração. Só para ilustrar, vale lembrar que a maior tragédia do meio ambiente de que se tem notícia no Brasil, em que 19 pessoas morreram e muitas outras tiveram suas vidas inteiramente modificadas, foi causada pelorompimento da barragem de uma mineradora.
Talvez percebendo a dificuldade que tinha pela frente ao mexer numa legislação que trata de um tema tão sensível, talvez por não ter tido tempo ou segurança em meio à turbulência política que se formou no país assim que Dilma Roussef foi reeleita, fato é que a administração interrompida há um ano não mexeu no Código caduco. E ele agora está prestes a ser modificado a bel prazer do governo atual, que não parece estar minimamente interessado em cuidar das populações ao redor dos grandes projetos de mineração.
Não custa aqui dar o recado das organizações que assinaram o atual repúdio:
“Repudiamos o Programa, acima de tudo, porque ele aprofundará os impactos sobre as populações ao redor dos grandes projetos, as comunidades que sofrem o impacto da sua logística, sobre a água, o solo, o ar e todo meio ambiente, além de ampliar os riscos de desastres. São necessárias mudanças na mineração brasileira, mas para isso é necessária uma ampla e democrática discussão sobre o modelo mineral do nosso país, com a ampla participação de todos os atores envolvidos e os impactados pelo setor.”
Atendimento à criança vítima de violência é debatido no Distrito Federal
O Distrito Federal sedia, a partir desta terça-feira (8/8), o 3º Encontro Nacional de Centros de Atendimento Integrado. O evento discute o atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violências. Também será discutida a Lei Federal nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, falando de questões como escuta especializada e depoimento especial.
Dois centros internacionais – um do Alabama, nos Estados Unidos, e outro da Suécia – e toda a rede de proteção às crianças e aos adolescentes do DF poderão trocar experiências entre centros de atendimento integrado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual no Brasil.
A iniciativa é uma parceria da Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude com a organização sem fins lucrativos Childhood Brasil, a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e a Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social.
O 3º Encontro Nacional de Centros de Atendimento Integrado segue até a quinta-feira (10/8), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail encontrocentrosintegrados@gmail.com ou pelo telefone 3541-6450.
Nossa cambaleante democracia sofreu ontem mais um covarde golpe, com a recusa por parte de 263 deputados de darem sequência à denúncia contra o presidente Temer no Supremo Tribunal Federal (STF).
O Inesc vem a público manifestar sua indignação com o que aconteceu neste dia 2 de agosto de 2017 no plenário da Câmara: deputados federais comprados a custas de nossos recursos mantiveram no poder um presidente acusado de corrupção, ilegítimo e sem popularidade.
Ficou evidente que a corrupção não é a verdadeira preocupação daqueles e daquelas que a denunciaram em tempos recentes. Foi apenas um pretexto para tomar o Poder sem passar por eleições e por em marcha um projeto que beneficie poucos em detrimento da maioria.
Continuaremos resistindo. Continuaremos propondo e contribuindo, junto com outros, para a defesa incondicional dos direitos humanos, dos direitos dos homens e mulheres terem uma vida digna. E continuaremos também a denunciar os abusos desse Congresso e a cumplicidade do presidente da República com que há de mais atrasado no país.
Quilombolas lançam campanha “O Brasil é Quilombola, Nenhum quilombo a menos!”
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), entidade que representa mais de 6 mil quilombos em todas as regiões do país, lançou nesta sexta-feira (28), ao lado de outras organizações da sociedade civil, uma campanha para pedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha a titulação de territórios quilombolas no Brasil.
A campanha “O Brasil é Quilombola, Nenhum quilombo a menos!”, é estrelada pelos atores Ícaro Silva e Leticia Colin. As hashtags #somostodosquilombolas e #nenhumquilomboamenos já têm sido usadas amplamente nas redes sociais.
O vídeo de lançamento da campanha é um convite dos artistas para que as pessoas assinem uma petição online, que será enviada aos ministros do STF, demonstrando apoio ao decreto dos quilombos e à causa quilombola.
“Todos os títulos de quilombos no país podem ser anulados. O futuro das comunidades está em perigo. Novas titulações não serão possíveis sem o decreto. Mais de 6 mil comunidades ainda aguardam o reconhecimento de seu direito”, diz um trecho da petição. A lacuna de titulação é grande: apenas 168 territórios quilombolas no Brasil foram titulados até hoje.
A ADI 3.239 foi entregue ao Supremo Tribunal Federal em 25 de junho de 2004, pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 pode paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de ameaçar os já titulados.
O julgamento se estende desde 2012 e será retomado no dia 16 de agosto. A matéria já esteve em pauta no Tribunal em ocasiões anteriores e o placar do julgamento está empatado em 1×1. O relator, César Peluso, que já saiu do Tribunal, foi favorável à ação em 2012, enquanto a ministra Rosa Weber apresentou voto contrário, em 2015.
O voto de Weber, apesar de rechaçar categoricamente a inconstitucionalidade do decreto, defende o estabelecimento de um “marco temporal” para o reconhecimento da titulação: apenas comunidades na posse de seus territórios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, teriam direito à titulação. Este ponto pode prejudicar várias comunidades quilombolas existentes no país. Muitas foram expulsas de suas terras, muitas vezes com uso de violência, inclusive com uso de violência.
A ADI coloca em xeque os direitos garantidos aos quilombolas nos artigos 215 e 216 Constituição Federal; no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais; na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); no Decreto Legislativo nº 143/2002; no Decreto 5.051/2004; no Decreto 6.040/2007; na Instrução Normativa nº 49 do Incra; e na Portaria nº 98 da Fundação Cultural Palmares.
Exposição mostra relação entre modelo mineral brasileiro e tragédia de Mariana
Usando a arte para estimular o debate em torno do modelo mineral brasileiro, a exposição Do Rio que Era Doce ao Outro Lado dos Trilhos: Os Danos Irreversíveis da Mineração chega ao Espaço de Ensino Mirante do Rio, em Belém, de 7 a11 de agosto. Depois, o evento segue para Açailândia (MA), de 18 a24 de agosto, e São Luís do Maranhão, de29 de agostoa4 de setembro.
A mostra nasceu meses após o rompimento da barragem de Fundão, que, em novembro de 2015, deixou a região de Mariana (MG) coberta por rejeitos tóxicos. O rastro de lama chegou até o oceano Atlântico e, com ele, cresceu também a necessidade de se discutir as ameaças socioambientais representadas pela mineração. A contaminação da água e do solo, o inchaço e a sobrecarga das capacidades dos municípios que abrigam barragens e os problemas de saúde de sua população são só alguns deles.
São Paulo foi a primeira cidade a abrigar a exposição, organizada pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração. Agora, com a participação da rede Justiça nos Trilhos, o debate ganha força e amplitude, associando o desastre em Mariana aos efeitos da mineração na Amazônia: mais de 2 mil quilômetros separam as duas regiões, mas os impactos são os mesmos. De Parauapebas (PA), onde o minério é extraído, até São Luís do Maranhão, de onde é escoado para o mercado internacional, a população dos 27 municípios cortados pela estrada de ferro Carajás padece com resíduos tóxicos da poeira de minério e com a própria passagem do trem, que leva à deterioração do ambiente onde vivem e é causa de ferimento e morte por atropelamento.
Juntando o rio e os trilhos, os estragos em Minas Gerais e na Amazônia, a exposição Do Rio que Era Doce ao Outro Lado dos Trilhos: Os Danos Irreversíveis da Mineração conta com fotos da região de Mariana, da estrada de ferro e de Piquiá de Baixo (uma das cidades mais impactadas pela mineração na região, espécie de “Mariana da Amazônia”), além de instalações sensoriais, exibição de filmes, aulas públicas, rodas de conversa e palestras sobre o modelo mineral, sobre Mariana e Carajás. Merecem destaque o muralO Rio que EraDoce, de 14 x 3 metros, da artista Leila Monségur, e as maquetes que, com movimentos, reproduzem o complexo de Mariana antes do rompimento da barragem e logo após o desastre, com lama se espalhando – bastante didáticas, as maquetes ajudam o público a entender como funciona a mineração e a gravidade de seus impactos, especialmente em termos de contaminação da água. Outro ponto alto do evento será o lançamento do documentário30 Anos de Jornal Pessoal: Rebeldia Necessária à Amazônia,do jornalista e pesquisador Lúcio Flávio Pinto, que ministra – no dia 11, fechando a exposição – a aula pública Carajás: Um Ciclo Perdido?.
Sobre o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração:
Articulação de organizações, movimentos sociais, igrejas e pesquisadores, em atividade desde 2013. É uma das principais iniciativas nacionais que se organiza politicamente em defesa dos atingidos pela mineração e de seus territórios. Investe, também, em comunicação e formação sobre o tema.
Sobre o Justiça nos Trilhos:
Rede de organizações não governamentais e movimentos sociais formada em 2007 para denunciar e combater violações de direitos humanos e crimes ambientais ao longo do Corredor Carajás. Atribuir as devidas responsabilidades ao Estado brasileiro e à empresa Vale é uma das missões do Justiça nos Trilhos.