Estudo revela como empresas de mineração retiram bilhões do Brasil sem pagar devida tributação
A Rede Latino-Americana sobre Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd), em conjunto com o Instituto Justiça Fiscal do Brasil, elaborou estudo que analisa os fluxos financeiros ilícitos no setor de mineração no Brasil, encontrando evidências de como as empresas extrativas aplicam práticas de evasão fiscal e remetem os lucros para territórios com baixa ou nenhuma carga tributária.
Entre as principais conclusões, eles disseram: “Na verdade, os poucos estudos sobre o tema sobre o caso do Brasil indicam que a fuga de capitais e a faturação comercial são um grande problema para o país.Este achado é corroborado pelos resultados deste estudo, que encontrou grandes perdas com a fuga de capitais ainda que incidindo sobre a exportação de um único produto“.
“Estima-se que o subfaturamento nas exportações de minério de ferro produziram a fuga de US$ 39,1 bilhões entre 2009 e 2015, uma perda média de mais de US$ 5,6 bilhões por ano. Ao valor subfacturado foi associada uma perda de receitas fiscais de US$ 13,3 bilhões para o mesmo período, o que representa uma perda média anual de US$ 1,9 bilhão.”
Este estudo foi apresentado por Rodolfo Bejarano, coordenador da pesquisa na LATINDADD, ao participar na Mesa Redonda sobre Tributação Internacional, realizada no início de julho, em Cartagena, Colômbia, evento organizado pelo Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT).
A preparação do estudo foi patrocinado pela Transparência Coalizão Financeira (FTC) e o apoio da Tax Justice Network na América Latina e no Caribe. O estudo foi desenvolvido pelo Instituto Justiça Fiscal.
Em junho passado, o Inesc publicou a nota técnica “O modelo mineral brasileiro visto a partir de questões fiscais e tributária”, de Alessandra Cardoso, levantando dados sobre os favorecimentos tributários obtidos pelo setor em meio à crise fiscal e econômica brasileira, e também sobre as muitas violações de direitos socioambientais que as grandes empresas mineradoras promovem com dinheiro público no país.
“Temos acumulado, entre organizações e movimentos sociais, sobre o modelo mineral brasileiro e sua relação com a violação de direitos sociais, ambientais e trabalhistas. As questões fiscais e tributárias, e sua relação com a mineração são um aspecto a mais, e não menos importante desse modelo”, afirma Alessandra Cardoso. “Para entendermos o modelo mineral no Brasil, e como ele produz injustiças sociais e ambientais, é também necessário discutirmos como ele se beneficia de injustiças tributárias e como elas são mais um motor para a expansão da extração e da violação de direitos.”
Nota de Repúdio ao Programa de Revitalização da Indústria Mineral
O lançamento do Programa de Revitalização da Indústria Mineral através de Medidas Provisórias é a marca antidemocrática das ações do Governo Temer. Mudar o Código da Mineração no momento de turbulência política pela qual passa o país, tratando a mineração apenas sob a ótica fiscal e administrativa, deixa claro que esta manobra faz parte do pacote de ações de desmonte da democracia e que é uma clara tentativa de buscar convencer parlamentares da bancada mineradora a votar contra o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva.
Tratar a mineração como se fosse apenas um setor comercial capaz de aumentar a participação no PIB, que segundo anúncio subiria de 4 para 6%, aumenta ainda mais a fragilidade de fiscalização do Estado e coloca ainda mais em risco as populações ao redor das minas, as comunidades no entorno de sua logística e o meio ambiente.
A expansão da mineração no Brasil nos últimos 15 anos tem trazido impactos significativos para as comunidades e o meio ambiente. De várias partes de nosso território ressoam denúncias de injustiças socioambientais provocadas pela mineração e sua cadeia produtiva, de transformação, escoamento e exportação. Ao mesmo tempo, os bens minerais brasileiros se esvaem por nossos portos, em uma verdadeira sangria, rumo ao exterior, reforçando o papel primário-exportador de nossa economia.
A política de expansão da extração mineral, da qual a reformulação do novo Código Mineral é um dos elementos centrais, ganhou força desde 2013, com o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei 5807/2013. As organizações membros do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração travaram uma luta pela garantia de direitos das populações atingidas, dos trabalhadores e contra os impactos ambientais provocados pelo modelo mineral brasileiro e impediram a votação texto do Novo Código em dezembro de 2015. Fez parte da ação do Comitê a denúncia à imprensa que o texto do Código havia sido escrito por advogados do escritório Pinheiro Neto, que representa diversas mineradoras como a Vale S.A e a BHP Billiton e que privilegiava exclusivamente o mercado.
No anúncio do presidente realizado no dia 25 de julho do presente ano foram esquecidas as populações ao redor das minas, as impactadas pela logística de transporte, as comunidades, os povos tradicionais impactados e o meio ambiente. Que sequer foram citadas nos textos das MPs. Infelizmente, essas enormes cifras e cifrões escondem o rastro de destruição que a expansão da mineração vem deixando nos territórios. Essa política gerou desastres como o ocorrido em novembro de 2015 no distrito de Bento Rodrigues, Mariana (MG), onde 20 pessoas perderam suas vidas e mais de 600 suas casas. Até hoje os atingidos por este desastre, que incluem mais de 20 mil pessoas na Bacia do Doce, não foram indenizados pelas empresas e o Governo Federal não tomou nenhuma providência pela garantia dos seus direitos no anúncio do novo Programa. Pelo contrário. O texto na MP deixa claro que os danos ambientais e sociais provocados pela mineração, assim como o fechamento das minas é de responsabilidade exclusiva das empresas mineradoras. Mas como criar mecanismos para que a fiscalização a essas empresas seja feita de forma efetiva?
Ao transformar o DNPM em Agência Reguladora, a Agência Nacional da Mineração, sem um longo processo de concursos públicos para a ingressão de funcionários qualificados, o governo deixa claro que pouco investimento será destinado à fiscalização. O DNPM é hoje um órgão sucateado. No Estado de Minas Gerais são apenas 4 fiscais para cuidar da fiscalização de mais de 700 barragens. Criar a Agência sem a garantia de um aumento significativo do corpo de servidores que farão a fiscalização dos empreendimentos não garante um maior controle sobre do Estado sobre o setor da mineração.
Se a questão é fiscal e é necessário aumentar a arrecadação, porque o Governo não revê as leis que isentam a exportação de minérios do pagamento de ICMS, Lei Kandir, ou a Lei de isenção de Imposto de Renda para as empresas que atuam na Amazônia, entre elas todas as grandes mineradoras?
As MPs 789, 790 e 791 anunciadas de forma antidemocrática pelo governo aprofundam uma lógica de expansão mineral segundo a qual os ganhos ficam concentrados nas mãos das empresas e os danos são distribuídos aos que vivem nos territórios decorrentes dos impactos ambientais significativos e irreversíveis sobre as águas, o ar, o solo, os ecossistemas, patrimônios arqueológicos, paleontológicos, culturais e simbólicos.
O aumento da Cfem por meio de mudanças na fórmula de cálculo (que passa a ser sobre o faturamento bruto e não mais o líquido) e as novas alíquotas não alterará substancialmente a condição do país de paraíso fiscal para as grandes mineradoras, todas transnacionais. Além disso, não resolverá o grave problema fiscal que hoje enfrentam os estados e a União e não reverterá o crônico desmonte do Estado e das políticas públicas. E a destinação dos recursos da Cfem não é clara em investimentos que realmente sejam de grande valia à população dos municípios dependentes da mineração. Principalmente no tocante à área da saúde, pois nestas localidades o aumento de doenças pulmonares, doenças de pele e os mais diversos tipos de cânceres é significativo. É uma irresponsabilidade promover a dependência econômica dos municípios a atividades minerais intensivas em exploração, que são capazes de em pouco tempo esgotar sua produção ao passo em que deixam como heranças irreversíveis para as atuais e futuras gerações a contaminação e depredação dos territórios, inviabilizando, inclusive, outras atividades econômicas que teriam potencial de serem socialmente justas e ambientalmente sustentáveis.
Repudiamos o Programa de Revitalização da Indústria Mineral como um caminho para a saída da crise. Repudiamos o Programa, acima de tudo, porque ele aprofundará os impactos sobre as populações ao redor dos grandes projetos, as comunidades que sofrem o impacto da sua logística, sobre a água, o solo, o ar e todo meio ambiente, além de ampliar os riscos de desastres. São necessárias mudanças na mineração brasileira, mas para isso é necessária uma ampla e democrática discussão sobre o modelo mineral do nosso país, com a ampla participação de todos os atores envolvidos e os impactados pelo setor.
Assinam a nota:
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade – AFES Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – AMAR Associação dos Amigos de Paracatu – AMPARA Associação de Proteção ao Meio Ambiente – APROMAC Associação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB Associação Comunitária Amigos do Meio Ambiente para a Ecologia e Desenvolvimento e o Turismo Sustentáveis, Garopaba – SC. Associação Católica Brasil – SIGNIS Brasil
Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros Associação Pró Pouso Alegre – APPA Abraço Guarapiranga – SP Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas – Conaq Bicuda Ecológica – Rio de Janeiro – RJ Brigadas Populares Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará-CEDENPA Centro Paulista de Estudos Geológicos – CEPEGE – USP Centro de Estudo Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata – CEIFAR Conselho Indigenista Missionário – CIMI Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino Comissão de Assuntos Minerários – OAB-PA Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil Comissão Pró-Índio de São Paulo Comissão Pastoral da Terra – CPT Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CTI Confluências Departamento Profissional Extrativo – DEPRONEX-CNTI Espaço de Formação Assessoria e Documentação – SP Espeleogrupo Pains -EPA Fórum da Amazônia Oriental – FAOR Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social FASE Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativistas de Minas Gerais – Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais -URBANOS/MG FIAN Brasil Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas Fonasc-CBH Greenpeace Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – POEMAS Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA-UFMG Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA-UFMA) Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade – IPAN Instituto de Estudos Pró-Cidadania – PRÓ-CITTÀ Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC Instituto de Pesquisa e Formação Indígenas -Iepé Justiça nos trilhos Movimentos dos Trabalhadores sem Terra – MST Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM Mater Nature Marcha Mundial do Clima Ministério da Verdade Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB Movimento das Mulheres Camponesas – MMC Movimento Nacional Contra a Corrupção e pela Democracia – MNCCD Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP Movimento Artístico Cultural e Ambiental de Caeté – Macaca Movimento pelas Serras e Águas de Minas – MovSAM Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela Missionários combonianos Movimento Aeroporto em Parelheiros Não! Projeto Saúde e Alegria Pastoral da Juventude Rural – PJR Rede ODS Brasil Rede de Cooperação Amazônica -RCA SOS Serra da Piedade SOS Clima Terra Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia – SINFRAJUPE Toxisphera Associação de Saúde Ambiental Via Campesina Brasil
Internacionais: Associación Católica Latinoamericana y Caribeña de Comunicación – SIGNIS ALC Amazon Watch AIDC – South africa Amadiba Crisis Committee Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación – ALC Notícias International Rivers Foundation for Socio, economic rights -Swaziland Jupic Missioneros Claretianos San José del Sur (Argentina, Chile, Paraguay y Uruguay) Mining Affected Communities United in Action – South Africa People’s Dialogue – Southern Africa Rede Iglesias y Mineria Rural Women’s Assembly – Southern Africa Via Campesina Sudamerica Southern Africa Green revolutionary Council – South Africa TCOE – South Africa Women and Land- Zimbabwe Women and Mining – Southern Africa
Pesquisadores: Déborah Danowski (PUC-Rio/CNPq) Eduardo Viveiros de Castro (Museu Nacional, UFRJ/CNPq) Helena Meidani Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Professor de Sociologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) João Batista da Silva- Geógrafo Lêda Casadei Iorio Marijane Vieira Lisboa, Prof.Dra.Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP Pertti Simula Silvana Maria Gritti- Professora Associada- Unipampa- Jaguarão Sandra Luciana Dalmagro – Professora da UFSC e Doutora em Educação Virgínia Fontes – historiadora – UFF e Fiocruz
Hub das Pretas tem encontro nacional em Brasília, com participação no Festival Latinidades 2017
“Essa é a cidade mais negra do DF, a cidade com maior percentual de homens e mulheres negras do DF. É uma cidade que sofre muito com o estigma de ser lida como o lixão da cidade, o lixão da Estrutural. Entende por que é vital realizar esse evento aqui? Brasília foi desenhada para que a população negra não a ocupe, foi feita no modelo casa grande e senzala. Levamos o debate racial e do direitos das mulheres, acessando desde as mais jovens às mais velhas, neste chão que sempre foi marginalizado”, afirma Dyarley Viana, assessora do Inesc.
A atividade contou com roda de conversa sobre a defesa de direitos e a desigualdade enfrentada por mulheres negras e periféricas, participaram do debate Lúcia Xavier, coordenadora da ONG Criola, a rapper Preta Rara e a mestre em cultura popular Martinha do Coco.
Na tarde de quarta-feira (26/7), as jovens articularam o processo de cobertura colaborativa do Festival Latinidades e participaram de uma oficina sobre a história de luta das mulheres negras liderada por Mônica Oliveira, assessora política da Fase-PE e articuladora do projeto em Recife. Segundo Mônica, a oficina tinha como objetivo traçar a trajetória histórica das mulheres negras no Brasil, de uma forma em que as participantes do projeto se sentissem parte dessas histórias e próximas dessas personagens.
“Eu acho que a oficina cumpriu seu objetivo, a forma como as meninas reagiram ao contato com essas mulheres, estabelecendo uma relação com todas, foi muito lindo, foi muito emocionante. Mostramos que a nossa ancestralidade caminha conosco, está presente em nossa luta hoje, no nosso trabalho, na periferia, na universidade, nas organizações. Enfim, essas ancestrais estão conosco, a luta delas continua a partir da gente”, comenta.
As jovens do Hub das Pretas participam da cobertura colaborativa do evento juntamente com uma rede de ciberativistas, trazendo suas pautas de luta, das periferias e favelas. A ideia é disseminar isso para outras lideranças presentes ao Festival, adquirindo uma amplitude nacional.
“Isso é o que a gente chama de conectar global e localmente, fazer com que essas lutas não sejam lutas isoladas, renovando numa perspectiva coletiva as formas de fazer incidência política em momentos de crise como esse que estamos vivendo aqui no país e na região”, ressalta Tauá Lourenço Pires, assessora política da Oxfam Brasil e coordenadora nacional do projeto.
O pessoal da Ação Educativa dá mais detalhes sobre a participação do Hub das Pretas no Festival Latinidades 2017, confira aqui.
Latinidades celebra 10 anos com edição comemorativa em diferentes espaços do DF
O maior festival de mulheres negras da América Latina comemora 10 anos de atividades com uma programação especial em Brasília. De 27 (amanhã, quinta-feira) a 30 de julho, a edição 2017 do Festival Latinidades vai celebrar a cultura e a memória de mulheres negras em grande estilo.
O tema deste ano é “Horizontes de liberdade: afrofuturismo nas asas da Sankofa”, com a promoção de encontros que dão visibilidade para a produção artística, cultural, política e intelectual de mulheres negras em todo o mundo.
Na terça-feira, 25 de julho, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi celebrado com um ‘esquenta’ do festival realizado na Cidade Estrutural (DF). Na programação, uma roda de conversa com Dyarley Viana (Coletivo da Cidade), Joyce Fernandes/Preta Rara (cantora, turbanista, historiadora e idealizadora da página “Eu, Empregada Doméstica”), Lúcia Xavier (coordenadora da ONG Criola) e Martinha do Coco (cantora); sarau com a participação de diversos artistas do Distrito Federal; e atividades para as crianças.
Este ano, o festival conta com a realização da Griô Produções, Instituto Afrolatinas, parceria da Oxfam Brasil, British Council e apoio do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Organização das Nações Unidas (ONU), Fundação Cultural Palmares, Fundo Baobá, IFB Estrutural, Contag e Sinpro DF.
Entre os destaques do Festival Latinidades deste ano está o lançamento do livro “Griôs da Diáspora Negra”, organizado por Ana Flávia Magalhães Pinto, Chaia Dechen e Jaqueline Fernandes, um desdobramento da edição 2014 do Latinidades. Em uma apropriação do termogriôno feminino plural, os textos do volume convidam a um diálogo ampliado, em prosas e versos, caminhando pelas escritas da gente negra e indo até a crítica a modelos globais de dominação, passando por saúde, educação, territorialidade e políticas de memória.
Nosábado(29/07) haverá uma mesa para discutirmoda pretacom a presença da influenciadora digital baiana Magá Moura, de Luciane Barros (idealizadora do África Plus Size Brasil), de Ana Paula Xongani (sócia-fundadora e estilista da Xongani, ateliê de moda afro-brasileira) e da youtuber Nátaly Neri. A partir das 19 horas, o Museu Nacional servirá de palco para a produção de designers e estilistas negras/os com três desfiles imperdíveis que apresentam coleções inéditas de Pinto Música (Moçambique), Rogue Wave (Angola) e África Plus Size Brasil (SP).
Outro destaque da programação é a presença da jornalista baiana Maíra Azevedo, que volta ao Latinidades desta vez com o espetáculo “Tia Má Com a Língua Solta“. No stand up, ela satiriza situações cotidianas e aborda racismo, machismo e relações amorosas utilizando o humor como ferramenta para reflexão.
Para esta 10ª edição, o Latinidades propõe uma reflexão coletiva: como a arte e os saberes de mulheres negras, assim como suas lutas históricas e contemporâneas por direitos e por liberdade, incidem no presente? Como podem orientar a pensar e a criar o futuro dessas mulheres? O conceito de Sankofa, dos povos Akan, ensina que tudo aquilo que foi perdido, esquecido, renunciado ou roubado no passado, pode ser reclamado, reavivado, preservado ou recuperado no presente. “O que queremos resgatar, e o que deixaremos no passado? Que futuro queremos e como vamos construí-lo?” são alguns dos questionamentos pertinentes à essa reflexão.
14h-15h Cine Afrolatinas Local: auditório pequeno do Museu Nacional
Encontro das Águas (2016, 30 min), de Zaíra Pires, Flávia dos Santos e Mestre Negoativo
Antonieta (2015, 15 min), de Flávia Person
15h-17h Mesa 2 – Miragens do futuro no presente Local: auditório principal do Museu Nacional
– Marcelo Caetano (DF) – Erica Malunguinho (PE) – Kênia Freitas (DF) – Debatedora: Larissa Fulana de Tal (BA)
18h-19h Espaço Literário: Lançamento do livro Griôs da Diáspora Negra Local: auditório principal do Museu Nacional Por: Ana Flávia Magalhães Pinto ( DF)
19h-21h Mesa 3 – Afrontosas: agir para transformar Local: auditório principal do Museu Nacional
– Viviane Ferreira (SP) – Maria Clara Araújo dos Passos (PE) – Vilma Reis (BA)
SEXTA-FEIRA (28 de julho)
10h-12h Oficina 1 – Utopias coletivas e projetos de futuro Local: auditório menor do Museu Nacional
14h-15h Cine Afrolatinas Local: auditório menor do Museu Nacional
Rainha (2016, 30 min), de Sabrina Fidalgo
Beatitude (2015, 15 min), de Délio Freire
15h-17h Mesa 4 – Ciência, tecnologia e projetos de transformação social Local: auditório principal do Museu Nacional
– Buh D’Angelo (SP) – Brenda Costa (BA) – Silvana Bahia (RJ) – Debatedora: Katemari Rosa (RS)
17h-19h Espaço literário palavra preta: mostra nacional de negras autoras
Cantautoras
O Festival Latinidades recebe a segunda edição do palavra preta, festival de música e poesia voltado para autoras negras. Local: auditório principal do Museu Nacional
19h – Diálogos transatlânticos Em parceria com o projeto Vidas Refugiadas Local: auditório do Museu Nacional
Coupé Décalé é uma dança africana nascida do intercâmbio da diáspora marfinesa em Paris e da própria Costa do Marfim. Por: Kety Kim Farafina
12h-14h Espaço literário
Palavra preta: mostra nacional de negras autoras Local: auditório principal do Museu Nacional
14h-16h Mesa 5 – Moda preta: poder, lacre, transformação Local: auditório principal do Museu Nacional
– Luciane Barros (SP) – Magá Moura (BA) – Ana Paula Xongani (SP) – Debatedora: Nátaly Neri (SP)
17h-18h Cine Afrolatinas + debate com Day Rodrigues Local: auditório menor do Museu Nacional
Filme Mulheres Negras: Projetos de Mundo – O filme (25 min, 2016), de Day Rodrigues e Lucas Ogasawara
19h-21h Desfile Afrolatinas
Mais uma vez o Festival Latinidades dá destaque para a produção de designers e estilistas negras/os com três desfiles imperdíveis que apresentam coleções inéditas:
Marcas convidadas:
Pinto Musica (Moçambique) Rogue Wave (Angola) África Plus Size ( São Paulo)
Discotecagem: DJ Donna ( DF)
21h-22h30 Stand up: Tia Má – Com a Língua Solta Entrada gratuita (retirar ingresso 1h antes do início do evento) Local: auditório principal do Museu Nacional
DOMINGO (30 de julho)
10h-12h Oficina 4 – Roda da Mãe Preta – Ancestralidade e Maternidade Roda da Mãe Preta é um grupo de mães negras, formado a partir de inquietações sobre a educação de suas crianças. Por: Taisa de Souza Santos
– Priscila Obaci – Ana Paula Xongani
11h-13h Oficina 5 – Dança com P. Afrobeat e Dança Afro
Por: Vanessa Soares
14h-16h Oficina 6 – Malungas: autocuidado como insurgência Por Layla Maryzandra
14h-17h Espaço literário Palavra preta: mostra nacional de autoras negras Local: auditório principal do Museu Nacional
16h-17h Showcase Craca e Dani Nega + Lançamento de clipe da música Papo Reto Com apoio da Fundação Cultural Palmares Entrada gratuita Local: auditório do Museu Nacional
Craca e Dani Nega trazem ao Latinidades o lançamento de seu primeiro videoclipe. Referente à música “Papo Reto”, do disco “Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha”, o clipe contou com a direção de Day Rodrigues e foi gravado na Aparelha Luzia, em São Paulo.
Além da exibição do clipe, o público poderá curtir um pocket show dessa incrível dupla.
18h – Festa Latinidades
DJ Donna (DF) ZAV ( Moçambique) Oshun (EUA)
Local: Outro Calaf (Setor Bancário Sul).
Ingressos antecipados à venda no site https://www.sympla.com.br/festa-latinidades__163197
Primeiro lote por R$ 20 até 20/07, R$ 30 até 30/07, e R$ 35 na hora. Não recomendado para menores de 18 anos.
Especialistas receberam com ressalvas as três medidas provisóriasque mudam as regras da mineração no Brasil e foram anunciadas pelo presidente Michel Temer nesta terça-feira (25). Se por um lado as medidas podem ser interessantes para a economia e atualizar um código criado em 1967, há a avaliação de que o governo pode “afrouxar” demais as leis ambientais para garantir investimentos.
O medo dos ambientalistas é que a busca de investimento em um momento de crise leve à flexibilização extrema das regras de impacto ambiental — com a ausência, por exemplo, de estudos prévios que avaliem o impacto em regiões de exploração.
“O desastre de Mariana tem a ver com redução de investimentos em segurança. Não foi feito um controle efetivo das barragens. Com commodities a baixo custo, temos o potencial para outras Marianas. Isso é evidente”, avalia Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
“A nossa avaliação é que esse pacote de medidas de aceleração do setor vem no mesmo momento em que há uma instabilidade política muito grande e um conjunto de medidas aprovadas no Congresso que representam um tremendo retrocesso na área ambiental, com uma interação direta com o tema da mineração, como por exemplo redução de unidades de conservação”, disse Voivodic.
De acordo com Voivodic, há uma necessidade de o governo divulgar quais são as revisões do código de mineração e se isso pode de fato flexibilizar as exigências ambientais com relação à exploração dos minérios.
Desde 2013, o Congresso discute a criação de uma agência nacional de mineração. O objetivo é aumentar a fiscalização do setor e garantir que empresas cumpram contrapartidas previstas em contratos com o governo – como a de melhorias na região em que a exploração será feita
A nova agência substituirá o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
“A sociedade que está em torno de uma região de exploração deve ganhar com isso porque, se algo acontecer, ela vai ser a principal atingida. Uma agência deve garantir isso”, avalia Jerson Carneiro, advogado especialista em administração pública e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). “Só que o órgão deve ter pessoas com habilidade técnica, sem vínculos com a política.”
Alessandra Cardoso também avalia que a criação da agência pode ser interessante – desde que habilitadas com pessoas com competência no setor. “Não se pode lotear cargos para garantir a governabilidade.”
Já para Marina Gadelha, advogada na área de direito minerário, a criação de agências ocorre no Brasil desde a época em que Fernando Henique Cardoso era presidente. “O setor fica mais independente e fica dissociado das interpéries políticas, o que no quadro atual vejo como positivo”.
Por enquanto, o governo Michel Temer manteve a Renca (Reserva Nacional de Cobre), localizada na divisa do Pará do Amapá,apesar da apresentação de um decreto do Ministério de Minas e Energia para a extinção.A área, criada na época da ditadura militar, em 1984, tem alto potencial para extração de ouro e exploração de outros minerais, como ferro, manganês e tântalo. Tem 4 milhões de hectares e, com a possível extinção após 33 anos, a atividade mineral poderia passar a ser feita por grandes empresas e por cooperativas de garimpeiros.
“É bem positivo [manter a reserva]. Ali é uma região absolutamente sensível do ponto de vista social e ambiental, com um conjunto de unidades de conservação que são fundamentais para conter o desmatamento. Aquela é uma região que realmente não dá pra abrir sem fazer uma discussão bem ampla sobre medidas de proteção ambiental”, disse Voivodic.
“Temos que ficar em alerta para os próximos passos das medidas no Congresso, ver se o governo não inclui a retirada da reserva”, avaliou.
Consulta cidadã investiga confiança da população no Legislativo em 16 países latino-americanos
A Rede Latino-americana pela Transparência Legislativa é a primeira aliança de organizações da sociedade civil da América Latina e Caribe para a promoção políticas de transparência, participação cidadã e prestação de contas em matérias legislativas.
Em um contexto de grave crise de legitimidade do legislativo na região – em 2015, o Latinobarómetro indicou que 70% dos habitantes não se sentem representados pelos Congressos de seus países -, a Rede lança a Consulta Cidadã sobre a Confiança no Legislativo por meio das plataformas de organizações em 16 países para compreender a lacuna que hoje afasta os congressos dos cidadãos e cidadãs na América Latina. Os resultados da consulta serão fundamentais na identificação de soluções conjuntas e abrangentes para reforçar a atuação da sociedade civil por um legislativo mais transparente, responsivo e eficiente.
Para responder à consulta cidadã sobre o Congresso brasileiro, clique aqui.
As seguintes organizações apoiam a consulta no Brasil: Fundação Cidadania Inteligente, Agenda Pública, LabHacker, Cidade Democrática, Open Knowledge Foundation, Operação Serenata de Amor, ITS, Fast Food da Política, Update Politics, Vote LGBT e #Me Representa.
Maior festival de mulheres negras da América Latina promove ‘esquenta’ na Cidade Estrutural
O Festival Latinidades, maior evento de mulheres negras da América Latina, promove nesta terça-feira (25/7) um ‘esquenta’ na Cidade Estrutural com uma extensa programação para celebrar o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Fruto da parceria entre o Festival, Oxfam, Inesc, Coletivo da Cidade, Ação Educativa, Criola, Fase, Ibase e Instituto Pólis, o Esquenta Latinidades levará apresentações artísticas, exposição, discotecagem, sarau, atividades infantis e roda de conversa sobre igualdade de gênero e raça às mulheres da Estrutural e adjascências, que nem sempre têm condições de participarem de eventos e atividades realizadas no Plano Piloto de Brasília.
As atividades do Esquenta começam às 15 horas e vão até às 19h no Coletivo da Cidade, que atende crianças e adolescentes e atua como importante espaço de convivência comunitária e capacitação profissional para os moradores da Estrutural.
O Festival Latinidades, que está completando 10 anos de atividades, começa na quinta-feira (27/7) com programação no Museu Nacional e Funarte, e em outros pontos da capital. O tema deste ano é “Horizontes de liberdade: afrofuturismo nas asas da Sankofa. O festival promoverá encontros que dão visibilidade à produção artística, cultural, política e intelectual de mulheres negras pelo mundo. Veja a programação completa aqui.
A programação tem início na Estrutural com uma roda de conversa com mulheres que atuam na luta pela igualdade de gênero e raça: Dyarley Viana, assessora do Inesc; Joyce Fernandes, cantora, turbanista, professora de História e idealizadora da página Eu, Empregada Doméstica; Lúcia Xavier, coordenadora geral da ONG Criola; e Martinha do Coco, uma das vozes culturais mais fortes do DF e entorno – ela fará uma apresentação depois para os presentes.
A programação conta ainda com a intervenção artística da Cia Bisquetes, companhia de teatro da Cidade Estrutural e a primeira de Brasília composta por gays, lésbicas e transexuais negras.
Outro destaque da programação será o sarau “O futuro em nossas mãos” que contará com a participação do Hub das Pretas, coletivo que atua para construir referências boas para outras mulheres e meninas negras.
Confira abaixo a programação completa:
15h – Recepção, credenciamento, lista de presença. – Discotecagem com Selektha Joy – Abertura da Exposição “A Cidade é feminina”. – Espaço Erezinho
15h30 – Intervenção – Cia Bisquetes
15h40 – Papo Preto Periférico – “Conhecer o passado é fortalecer o presente e garantir o futuro”. – Dyarley Viana (Inesc) – Joyce Fernandes / Preta Rara (Cantora, militante, turbanista e professora de História) – Lúcia Xavier (Coordenadora Geral de Criola) – Martinha do Coco (Cantora)
17h20 – Discotecagem – Selektha Joy + Mc’s Helen Nzinga e Lidia Dallet.
17h40 – Martinha do Coco
18h30 às 19h – Sarau – “O futuro em nossas mãos” – Hub das Pretas
Serviço:
Esquenta Latinidades – roda de conversa, sarau, apresentação artística, exposição e discotecagem. Local: Coletivo da Cidade – Estrutural – Q: 3, Conj 11, Área Especial 2 Cidade Estrutural, DF Horário: das 15 às 19 horas
Com análise prevista para agosto no Congresso Nacional, a proposta de reforma política tem incendiado debates dentro e fora do Legislativo. Entre os pontos que vêm sendo discutidos, surgiu, no cenário parlamentar, a proposta de voto conhecida como “distritão”, modelo que se baseia na eleição dos candidatos individualmente mais votados.
Com isso, o país adotaria um formato de pleito dentro da seguinte lógica: não existira mais o voto de legenda e o eleitor escolheria o candidato sem que necessariamente houvesse uma vinculação deste a um programa político-partidário. Isso porque o modelo está orientado para o desempenho individual dos eleitos, independentemente de propostas programáticas coletivas.
O novo formato seria, por exemplo, terreno fértil para a proliferação de candidatos capazes de vencer a eleição pela fama que possuem entre o eleitorado, como é o caso de artistas, ou por serem tradicionalmente vinculados ao aparato econômico vigente, como ocorre com candidatos de perfil ruralista, empresarial, entre outros.
O novo formato seria, por exemplo, terreno fértil para a proliferação de candidatos capazes de vencer a eleição pela fama que possuem entre o eleitorado, como é o caso de artistas, ou por serem tradicionalmente vinculados ao aparato econômico vigente, como ocorre com candidatos de perfil ruralista, empresarial, entre outros.
É o que dizem, por exemplo, os integrantes da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, grupo criado por movimentos sociais para debater uma proposta popular de reforma política. Recentemente, a plataforma lançou uma notarepudiando a iniciativa dos parlamentares defensores da medida — quase todos eles vinculados a legendas como PSDB, PMDB e ao chamado “centrão”.
Interesses econômicos
O filósofo José Antônio Moroni, membro da plataforma e também do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), afirma que, em primeiro plano, o modelo serviria como sustentáculo para garantir a reeleição dos parlamentares proponentes, agravando a opressão da elite econômica sobre os interesses populares.
“A estratégia do poder econômico hoje é, por termos eleição proporcional, apoiar vários partidos e candidaturas, aí eles ficam bem, independentemente de quem ganhe. No distritão, eles podem, por exemplo, concentrar recurso e força política em 40 [candidatos] e eleger esses, ou seja, eles vão ter muito mais poder do que têm hoje”, analisa Moroni.
Com isso, o modelo não só levaria ao fortalecimento dos tradicionais grupos que dominam o ambiente político como agravaria o problema da sub-representação das chamadas minorias políticas, que incluem mulheres, negros, quilombolas, população LBGT e outros segmentos.
Para se ter uma ideia, nas eleições de 2014, 69,1% dos candidatos eram homens; 55,1% eram brancos; e apenas 0,3% tinham origem indígena, por exemplo — atualmente, o Congresso Nacional não conta com nenhum representante indígena.
O mapa da diversidade no Parlamento estaria, então, diretamente vinculado não só aos valores tradicionais da sociedade brasileira, mas também às distorções do atual sistema político, ainda incapaz de promover mudanças mais radicais rumo à construção da igualdade. Para Moroni, o modelo do distritão tenderia a agravar esse problema.
“Quem vai ser eleito nesses distritos provavelmente vai ser o homem branco, rico, proprietário, etc. Dificilmente serão eleitos uma mulher, algum negro ou negra, alguém ligado à juventude, porque ele inviabiliza a representação das minorias e radicaliza o modelo que nós já temos”, avalia Moroni, acrescentando que seria necessário revisar também as regras atuais.
A plataforma de movimentos sociais defende o modelo de voto a partir de lista pré-ordenada, resultante da escolha coletiva dos nomes, em uma ordem que respeite a alternância de sexo e passe pelo sistema de prévias partidárias. “Seria uma forma mais democrática de lidar com o voto”, finaliza o filósofo.
Política e religião
Na arena dos debates políticos, destaca-se também a atuação de grupos religiosos de caráter fundamentalista, um aspecto considerado preocupante pela pastora luterana Romi Bencke, do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (Conic). Ela aponta a relação desses setores com outros segmentos de viés conservador e elitista.
“A gente já sabe — e isso está amplamente comprovado por pesquisas — que existe uma interação muito forte entre eles e setores como os do agronegócio, da indústria armamentista e da mineração, que defendem agendas absolutamente contrárias a qualquer valor que possa fortalecer a construção da equidade no nosso país”, salienta Bencke.
A força dos referidos grupos está expressa em números. A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, que tem destacada atuação na defesa de pautas conservadoras, conta hoje com 198 deputados e quatro senadores, o que corresponde a mais de 30% do total de congressistas. Boa parte deles é ligada ao Partido Social Cristão (PSC), mas muitos integrantes também pertencem a siglas como PR, DEM e PMDB, geralmente identificadas com o conservadorismo.
Para a pastora, a conexão entre esse tema e a discussão sobre o voto “distritão” é latente: ao favorecer candidatos que tenham mais verbas e aparato de financiamento eleitoral, o modelo tende a comprometer o bem comum quando se trata das discussões sobre o Estado laico.
“Esse é um tema até bastante ambíguo no país. A Constituição fala da separação entre religião e Estado, mas não cita exatamente o termo ‘laico’. Ela garante a cooperação entre as duas partes, mas com vistas ao bem comum, mas o problema é que o bem comum pode ser um monte de coisa”, destaca Bencke, apontando para as distorções que surgem em decorrência das diferentes leituras.
“Alguém lá da bancada evangélica que apoia os ruralistas ou algumas outras bandeiras polêmicas pode dizer que está cuidando do bem comum. Mas como parlamentares que se dizem cristãos vão fazer, por exemplo, discursos misóginos, homofóbicos, tudo em nome da fé? Como vão incitar a violência, defender o porte de arma, quando tudo isso é contrário a qualquer pressuposto religioso? Não se pode utilizar a fé para defender esse tipo de postura”, argumenta a pastora.
Partidos
Outro problema que vem a reboque da proposta do distritão seria o incentivo ao caráter personalista das candidaturas, uma vez que o modelo enfraquece a lógica partidária, de construção coletiva dos programas. O advogado Luciano Santos, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), destaca a importância do fortalecimento das legendas.
“É importante ter partidos fortes porque é através deles que se fazem as cobranças da realização dos programas, não individualmente. Quando se vai para a cobrança individual, você tem que cobrar de 513 deputados, 81 senadores e uma quantidade enorme de vereadores e deputados estaduais”, ressalta Santos, que também é membro da plataforma dos movimentos sociais para a reforma política.
Para o advogado, a atual configuração do Legislativo, com recorrentes fissuras internas nas siglas e casos de infidelidade partidária, ocorre por conta do enfraquecimento das legendas.
“Os partidos enfraquecidos servem simplesmente como um instrumento para as pessoas que têm poder ou condições de lançar o mandato se utilizarem da legenda sem terem nenhum compromisso, tanto com a eleição e com a sociedade quanto com os próprios partidos”, finaliza Santos, reforçando que a solução para o problema estaria também no caminho oposto, com o fortalecimento dos partidos e o consequente aumento da pressão popular.
Rio de Janeiro – Um dos pilares sobre o qual se sustentou o crescimento do prestígio do Brasil no cenário diplomático internacional desde 2003, as políticas de preservação da biodiversidade, de criação de Unidades de Conservação e, sobretudo, de redução do desmatamento na Amazônia não fazem mais parte do cardápio do governo brasileiro. O detalhe é que este importante fato da realidade nacional, que não chega a ser uma novidade para os brasileiros mais atentos, começa a despertar indignação também no cenário político global.
Se antes pareciam ofuscados pela repercussão internacional das crises política e econômica que atingem o Brasil desde que teve início o processo de afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, os retrocessos ambientais na Amazônia já não são mais segredo. Isso ficou comprovado pela saia justa em que se viu o presidente Michel Temer nas suas passagens pela Noruega, onde fez visita oficial no final de junho, e pela Alemanha,onde participou na semana passada da reunião de cúpula do G20.
Muito comentado pelas delegações estrangeiras durante os dois encontros internacionais, o recuo do governo brasileiro na proteção do maior bioma do país tem sido demonstrado aos olhos do mundo com fatos irrefutáveis, como o recrudescimento do desmatamento e o avanço de propostas que atendem a interesses ruralistas e ameaçam a floresta.
Desde que se tornou presidente, Temer surge como grande fiador de um retrocesso planejado nas políticas para a Amazônia que passa pela aprovação de projetos que, entre outras coisas, reduzem áreas protegidas e Terras Indígenas, liberam atividades como pecuária e grilagem, enfraquecem o processo de licenciamento ambiental de construções e empreendimentos e legalizam terras públicas invadidas.
Por mais que tenha tentado em Oslo e em Hamburgo manter um discurso ambiental otimista,Temer foi acossado na Europapelos números do desmatamento que voltaram a crescer de forma alarmante nos últimos dois anos. Os mais recentes dados divulgados pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia (Prodes), que são coletados por satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e tratados como oficiais pelo governo, revelam que entre agosto de 2015 e julho de 2016 foram derrubados 7.989 quilômetros quadrados de floresta amazônica, o que representa aumento de 30% em relação ao período anterior e é equivalente à área metropolitana de São Paulo.
Como primeira consequência, a Noruega, maior financiador individual do Fundo Amazônia com impressionantes R$ 2,8 bilhões já doados desde 2008 a programas de prevenção e monitoramento do desmatamento, anunciou um corte de 50% no montante de cerca de R$ 400 milhões que doaria ao Brasil em 2017. Para constrangimento de Temer, a primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg, cobrou o governo brasileiro publicamente durante uma coletiva de imprensa. “O aumento do desmatamento nos preocupa a todos”, disse.
Em carta aberta enviada ao ministro brasileiro do Meio Ambiente, Sarney Filho, que também fez parte da visita oficial à Noruega, o ministro norueguês da mesma pasta, Vidar Helgesen, creditou o corte no financiamento do Fundo Amazônia ao fato de “o crescimento do desmatamento no Brasil voltar a apresentar uma tendência preocupante” após o país ter “realizado um feito impressionante ao reduzir o desmatamento da Amazônia entre 2005 e 2014”. Por sua vez, em seu discurso para autoridades e empresários noruegueses, Sarney afirmou que o aumento do desmatamento no Brasil se deve a cortes de recursos realizados pelo governo anterior.
Representante da sociedade civil brasileira em diversas reuniões multilaterais nos últimos anos, a antropóloga Iara Pietricovski, que é diretora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integra a diretoria executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), ressalta que “a leitura de que a Noruega está castigando o Brasil é equivocada”.
Ela lembra que o corte anunciado no Fundo Amazônia já estava previsto no contrato original: “Primeiro houve uma queda muito grande do desmatamento e a Noruega aportou bastante mais dinheiro, pois isso estava atrelado aos resultados apresentados pelo Brasil. Com a volta da destruição da floresta, ela cortou agora porque no contrato original isso também já estava pré-estabelecido. Há um aumento no desmatamento e, em função disso, automaticamente vai vir menos dinheiro”, diz.
Para Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), o Brasil passou por um “vexame internacional” e posou como vilão, uma vez que o corte no financiamento norueguês foi encarado como uma sanção necessária pela comunidade internacional: “Na realidade, não houve uma decisão unilateral da Noruega. A redução de recursos ocorreu porque o próprio governo brasileiro não fez seu dever de casa para manter o ritmo de queda do desmatamento”.
Entre 2003 e 2012, a taxa dos desmates na Amazônia caiu de 27,7 mil quilômetros quadrados para 4.500. Entre 2013 e 2016, saltou para 8.000 quilômetros quadrados”, diz.
O deputado estadual do Rio de Janeiro e ambientalista Carlos Minc (sem partido) afirma que “o governo Temer representa um sério retrocesso no campo social, na esfera dos direitos e, muito acentuadamente, na área ambiental”. Minc, que foi ministro do Meio Ambiente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, lamenta o abandono das políticas de proteção à Amazônia: “De abril de 2008 a abril de 2010, reduzimos em 50% o desmatamento da Amazônia: de 13 mil quilômetros quadrados para 6.500. Criamos ou ampliamos parques e reservas extrativistas em 6,2 milhões de hectares. Apoiamos a Funai e o Ministério da Justiça na demarcação ou homologação de 7 milhões de hectares de Terras Indígenas”.
O ex-ministro lembra que o Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a ter metas de redução de emissões de carbono, por lei: “Além disso, criamos o Fundo Clima e o Fundo Amazônia – este com a doação que obtivemos da Noruega – precisamente pelos avanços que mencionei. Infelizmente, todos estes sinais, indicadores e medidas se inverteram, mudaram radicalmente de direção”, diz.
Papel rebaixado
Durante a reunião do G20, o governo brasileiro foi avisado pelo diretor de Políticas Climáticas do governo da Alemanha, segunda maior doadora do Fundo Amazônia com R$ 60 milhões, de que o país deverá também anunciar em breve a redução de suas contribuições: “Como a taxa de desmatamento cresceu nos últimos dois anos, o Brasil receberá menos dinheiro”, disse Karsten Sach.
Este tema acabou desprezado durante o G20 diante do estardalhaço provocado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que confirmou oficialmente a saída de seu país do Acordo de Paris contra o aquecimento global. Mas, Temer e Sarney ouviram diversas cobranças sobre questões como o Plano Decenal de Energia, que na contramão do mundo prevê 70% de combustíveis fósseis, a diminuição de áreas protegidas e o afrouxamento do licenciamento ambiental: “O governo também foi cobrado pelo seu alinhamento aos interesses ruralistas”, diz documento de análise divulgado pelo Observatório do Clima.
No cenário global, a deterioração da imagem do Brasil como ator de primeira linha já é evidente: “Em espaços onde conhecem o mundo da política, como, por exemplo, as reuniões onde eu circulo nas Nações Unidas, no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional, as pessoas estão muito impactadas negativamente com o que está acontecendo no Brasil e existe, sim, uma reserva muito grande em relação à capacidade de o país enfrentar os desafios que estão colocados. Há uma visão muito negativa do Brasil hoje no mundo da politica internacional e nos espaços multilaterais, em especial os da sociedade civil organizada”, diz Iara Pietricovski.
Para a representante internacional da sociedade civil brasileira, diminuiu a interlocução multilateral com o governo. “Há o entendimento majoritário de que houve um golpe de Estado no Brasil e que os indivíduos do atual governo estão ligados a muita corrupção e a uma agenda neoliberal que vai, inclusive, de encontro ao que acontece no mundo, já que nem as próprias análises do Banco Mundial prescrevem mais essas medidas de austeridade como solução de crises econômicas como a que o Brasil está passando. Ninguém esperava que as oligarquias brasileiras fossem tão tacanhas.”
Grilagem premiada
No cenário interno, este avanço sobre as políticas ambientais não cessa, com especial efeito nefasto sobre a floresta. No episódio mais recente, Temer assinou em 10 de julho a lei 13.465, que instituiu oPlano Nacional de Regularização Fundiária e é derivada da criticada Medida Provisória 759, batizada pelos ambientalistas como MP da Grilagempor permitir a legalização massiva de áreas públicas invadidas na Amazônia e retirar exigências ambientais para a regularização fundiária. Negociada ponto a ponto com os ruralistas, a nova lei aumenta de 1,5 mil m² para 2,5 mil m² a área que pode ser desmatada, estenda a anistia aos proprietários que desmataram suas terras até 2011 (antes ia até 2004) e determina que terras públicas já ocupadas possam ser compradas por 50% do valor mínimo da tabela do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra).
AMP já havia sido aprovada em caráter definitivo pelo Senadoe transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLC) 12/2017 em sessão realizada no último dia de maio, mas, após denúncia apresentada por 11 parlamentares do PT que acusaram o relator Romero Jucá (PMDB-RR) de ter feito alterações no texto original da medida e alterado o mérito da votação, o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou em decisão liminar que ela voltasse à Câmara dos Deputados, onde foi novamente aprovada em 27 de junho.
Em um contexto onde o governo busca consolidar apoios no Congresso para barrar a denúncia de corrupção e obstrução da Justiça apresentadas contra Temer pela Procuradoria-Geral da República, também chama a atenção o acordo feito com a bancada ruralista em relação àspropostas que reduzem consideravelmente áreas protegidas na Amazônia. Na véspera do embarque para a Noruega, o presidente anunciou o veto da Medida Provisória 756, que reduzia 600 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no sul do Pará.
A decisão, no entanto, não foi comemorada pelos ambientalistas, uma vez que é o primeiro movimento de um acordo segundo o qual Temer se comprometeu a enviar ainda no mês de julho ao Congresso um Projeto de Lei que retomará o conteúdo original da MP 756, mas quedetermina a transformação de 486 mil hectares da Flona Jamanxim em Área de Proteção Ambiental (APA), categoria que permite atividades como pecuária, mineração e compra e venda de terrenos, entre outras. Detalhe: segundo o próprio governo, cerca de 70% do desmatamento realizado em UCs federais no ano passado ocorreu em Jamanxim.
Em entrevista coletiva concedida ao lado do deputado ruralista Darcísio Perondi (PMDB-RS), o ministro Sarney Filho afirmou que o envio do PL ao Congresso ainda depende de um parecer técnico favorável por parte do Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão subordinado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais. No entanto, em vídeo gravado ao lado do senador ruralista Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e compartilhado nas redes sociais, Sarney declara apoio ao envio do PL e afirma que “o projeto trará mais segurança jurídica” ao processo de redução das UCs: “O projeto será enviado em regime de urgência constitucional”, disse.
As violações de direitos humanos de mulheres encarceradas e suas crianças
Predomina no Brasil uma visão problemática do que sejam direitos humanos e sua importância para o desenvolvimento civilizatório, principalmente quando se trata dos direitos da população carcerária. A opinião pública sobre essa questão é inspirada pela ideologia da vingança e cultura do medo, propagada por alguns veículos de comunicação por meio da cobertura incessante da criminalidade de forma sensacionalista, sem abordar os determinantes da desigualdade e dos conflitos em sociedade.
Por consequência, paira sobre o sistema penitenciário brasileiro a indiferença, omissão e conivência por parte da população com relação às inúmeras violações de direitos humanos que ocorrem cotidianamente e são naturalizadas. Entre as mais graves destaca-se a condição da mulher gestante e da criança que acaba tendo que nascer e viver em privação de liberdade, sem que existam as mínimas condições necessárias para a garantia da dignidade da vida humana. Além disso, faltam o exercício do cuidado acompanhado de políticas de saúde, assistência social e demais políticas para a integralidade da proteção social, destinada às mulheres e suas famílias.
Grande parte dessas mulheres estão presas por crimes de tráfico e/ou associação ao tráfico, os quais aumentaram exponencialmente desde a promulgação da nova lei nacional de drogas em 2006. O problema é que a lei federal nº 11.343 avançou ao não prever pena de reclusão para o usuário, mas deixou um vazio jurídico no que diz respeito à diferenciação entre usuário e traficante, ficando ao cargo do juiz arbitrar sobre essa questão. De acordo com o informativo da Rede de Justiça Criminal, o aumento da população carcerária a partir da nova lei de drogas é realmente assustador. Se em 2006 tínhamos 47 mil presos por crimes de drogas, cerca de 14% do total, em 2013, o número passou para 138 mil, chegando quase a um em cada quatro presos. Notoriamente, o maior índice foi o de mulheres condenadas, chegando a 64% da população carcerária feminina, na sua maioria jovens em idade reprodutiva, entre as quais algumas presas com seus bebês.
A legislação federal de 2009 (Lei nº11.942) prevê uma série de garantias para atenuar os impactos dessa condição, tais como a existência de berçários e creche, onde as detentas possam cuidar e amamentar seus filhos por no mínimo seis meses e no máximo sete anos. Contudo, a grande maioria dos presídios não conta com essa estrutura. Mesmo quando existe a estrutura mínima exigida por lei, uma série de outros fatores indicam violações de direitos humanos da mãe e da criança. De acordo com a pesquisa Dar à luz na Sombra, publicada em 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a qual trata das condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão, a forma como se estabelece o cumprimento da lei federal depende da decisão da direção do presídio, e acaba sendo precarizada pela dificuldade de acesso das detentas à Defensoria Pública.
Além disso, embora a lei de execução penal indique a permanência da criança junto à mãe, não há registros oficiais que indiquem a quantidade de filhos que são aceitos e nem muito menos dados sobre a situação neste contexto. Por consequência, ocorre de modo sistemático o descumprimento das previsões legais, a imprevisão em relação às especificidades da mulher, e outras violações no que tange à convivência entre mães presas e suas crianças, que são a marca da condição de maternidade em regime fechado.
A situação dos presídios brasileiros revela a insuficiência de políticas e ações que garantam a manutenção de vínculos socioemocionais das mulheres encarceradas com suas famílias e bebês, de modo a apoiá-las para o restabelecimento da convivência social e comunitária. Esta exigência nos marcos do Estado Democrático de Direito, a partir do princípio da dignidade humana, pediria condições institucionais adequadas para o trabalho interdisciplinar, e o acesso a um conjunto de direitos sociais. Entretanto, a realidade das mulheres encarceradas aponta para uma situação ainda mais problemática de discriminação racial, já que a grande maioria dessas mulheres são negras, pobres, submetidas aos conflitos e relações de poder em territórios periféricos e desiguais.
As organizações em direitos humanos têm atuado em defesa dos direitos humanos da população encarcerada para transformar essa realidade, mas foi apenas em 2015 que o Conselho Nacional de Justiça implementou a audiência de custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação das pessoas presas a um juiz nos casos de prisões em flagrante. No caso das mães presas, a audiência de custódia possibilita a escuta das mulheres com reconhecimento de suas realidades e a aplicação das recomendações das Regras de Bangkok e do Marco Legal da Primeira Infância, visando, especialmente, à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para mães de crianças com até 12 anos. Contudo, a efetivação do direito à audiência de custódia ainda é um desafio na maior parte dos municípios brasileiros e acaba privilegiando mulheres conforme sua condição socioeconômica.
Considerando o caso da concessão de custódia domiciliar de Adriana Anselmo, ex-primeira-dama do estado do Rio de janeiro, acusada de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, a pergunta que fica é: por que a mesma medida de proteção à infância não se aplica às demais mulheres em condição similar, especialmente as lactantes? Por incrível que pareça, a ministra que concedeu o direito de prisão domiciliar à ex-primeira dama tinha negado o mesmo pedido a uma mulher presa por porte ilegal de drogas, mãe de dois filhos, porém, a decisão foi revertida pelo Supremo Tribunal Federal, em nome da proteção à infância e à maternidade, bem como da dignidade da vida humana. Nesse caso, a custódia domiciliar acabou sendo concedida, abrindo precedentes importantes para decisões futuras, mas a efetivação de medidas alternativas à prisão e de políticas institucionais e sociais que visem à garantia da dignidade de mulheres e crianças coloca-se como desafio na luta por direitos humanos e no combate às desigualdades históricas e à criminalização de mulheres pobres e negras.
Rodrigo Alvarenga é doutor em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-PR
Jucimeri Isolda Silveira é doutora em serviço social pela PUC-SP e pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-PR
Afeto como direito (trans)formador
Afetividade. Este é o tema que meninas cumprindo medida socioeducativa na Unidade de Internação de Santa Maria (UISM) escolheram falar em mais um programa de rádio realizado pelo ONDA – Adolescentes Protagonistas. As adolescentes quiseram dialogar sobre a importância do afeto, assim como a necessidade de tratamento mais humano para todas as pessoas.
Reflexões sobre as vivências de pessoas trans foi o caminho trilhado para a construção do programa. “Pensar no afeto mexeu com as meninas, que passaram a compreender melhor os desafios que pessoas trans enfrentam tanto para conseguirem trabalho como para o exercício do amor”, conta Márcia Acioli, coordenadora das atividades.
“O fato de organizarem um projeto coletivo harmoniza o ambiente e favorece laços de amizade e ajuda-as a rever seus comportamentos com relação ao convívio social”, afirma Márcia sobre a produção colaborativa do programa. 12 meninas participaram de todas as etapas de criação, dividindo funções entre si. Do roteiro, passando pelas entrevistas, locução, edição e até composição de algumas músicas.
O exercício do direito a comunicação e a partir de temas escolhidos pelas adolescentes tem despertado processos muito importantes além dos objetivos pedagógicos previstos. Na UISM, Marcia conta que há meninas que se sensibilizaram para trabalhar com comunicação e estão entusiasmadas para seguir estudando visando o vestibular de jornalismo.
O trabalho foi desenvolvido pelo Inesc e projeto Onda, com a jornalista Cláudia Maciel.
Agenda de austeridade afasta Brasil dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU
No próximo dia 10 de julho reúne-se em Nova York o Fórum Político de Alto Nível da ONU para mais uma rodada de discussão sobre a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordados por quase 200 países – entre eles o Brasil. O encontro serve para monitorar e avaliar os avanços do acordo, que em sua declaração oficial afirma que os governos devem alcançar um desenvolvimento “sustentável nas suas três dimensões – econômica, social e ambiental – de forma equilibrada e integrada” até 2030. Há, no entanto, questões de fundo sobre modelo de desenvolvimento que não estão sendo observadas e comprometem o cumprimento da Agenda 2030.
Uma dessas questões é o papel dos Estados nacionais. Eles têm se mostrado cada vez menos capazes de mediar os diversos interesses da sociedade e estão sendo progressivamente desbancados pelos grandes conglomerados empresariais, que ditam regras, definem prioridades e influenciam as agendas político-econômicas. O saldo não é promissor: destruição de políticas de garantia dos direitos humanos, de combate às desigualdades e promotoras de justiça social – justamente o que o mundo decidiu eliminar até 2030. Um paradoxo e tanto, que a Agenda 2030 não dá conta de resolver.
No Brasil, as condições para o cumprimento dos compromissos assumidos na Agenda 2030 se deterioraram bastante desde 2016, quando Temer e seus aliados resolveram impor ao país uma política de austeridade sem precedentes no mundo, com um duro teto para gastos sociais, cortes orçamentários de mais de 50% em diversos órgãos e reformas que aprofundam a exclusão social e ampliam desigualdades.
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) têm feito uma série de análises socioeconômicas sobre a situação brasileira, e na mais recente – “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil e no mundo: Utopia ou Distopia?” – avalia que fundamentalmente nenhum dos Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS) serão implementados adequadamente no país devido à adoção de tal agenda de retrocessos.
“A questão de fundo, portanto, não diz respeito à incapacidade das políticas públicas e das instituições do poder executivo atuarem para cumprir os ODS. A questão é de ordem política e orçamentária, e diz respeito à profunda falta de compromisso político do atual governo com o adequado financiamento para o desenvolvimento por meio da execução das políticas públicas que estão prometidas no Plano Plurianual (PPA) e também nos ODS. A falta de compromisso, por sua vez, é uma expressão das escolhas de políticas econômica e fiscal e de desmonte do Estado democrático de direito. Nesse contexto, a implementação de grande parte, para não dizer da totalidade, das políticas que estão no PPA, e que são fundamentais ao cumprimento dos ODS, está severamente comprometida.”
Segundo a análise assinada pelas assessoras Alessandra Cardoso, Grazielle David e Iara Pietricovsky (do Colegiado de Gestão), que pode ser lido aqui na íntegra, essa agenda adotada no Brasil é a ponta de um iceberg corporocrata que vem estendendo seu poder sobre governos locais, nacionais e internacionais.
“Hoje, é fato corriqueiro e naturalizado ter as corporações com assento nas negociações das Nações Unidas, por exemplo, assessorando o Secretário Geral e participando ativamente dos Acordos Internacionais. Fato concretizado com a criação, em 2007, do Global Compact, que cresceu em sua força política e em sua participação financeira. O fenômeno inverte-se com as representações dos países que vão perdendo capacidade e poder de decisão. O que temos portanto é uma ONU capturada pelas corporações financeiras e submetida aos interesses e ameaças dos países mais ricos. Não à toa, vemos a era Trump dar seus primeiros passos com ameaças de corte de financiamento às instituições multilaterais, entre elas a ONU.
Do lado político, vemos os processos democráticos sendo solapados por essa lógica econômica, gerando desemprego, perda sucessivas de direitos conquistados em décadas de lutas, migrações forçadas causadas pela crise climática e pela guerra, entre outros. Os países que experimentaram a social democracia depois de uma violenta Segunda Grande Guerra Mundial, e que inspiraram, em grande medida, a democratização e a incorporação dos direitos humanos em grande parte dos países em desenvolvimento, começaram nos últimos anos a cortar direitos sociais, a promover políticas de austeridade, fechamento das fronteiras e discriminação generalizada.”
Essa agenda ultra-neoliberal foi imposta no Brasil como parte de um acordo político que promoveu um golpe institucional em 2016. Os novos governantes, com apoio de um dos Congressos mais conservadores dos últimos 50 anos, “implementaram então, em velocidade acelerada, a desconstrução do frágil Estado democrático de direito iniciado após o fim da ditadura militar no país (1964-1985)”.
A primeira “encomenda” entregue à elite econômico-financeira que deu sustentação ao golpe foi a aprovação da chamada “PEC do teto”, a Emenda Constitucional 95, que congela em termos reais os gastos primários por 20 anos – algo que nenhum país do mundo jamais fez. A medida entrou em vigor a partir de 2017, e tem na sua essência o papel de limitar despesas com políticas públicas e programas sociais para liberar recursos para pagamentos de juros, priorizando o sistema financeiro em vez dos cidadãos brasileiros.
Além do corte brutal nas despesas primárias, o governo federal deu outro duro golpe nas políticas públicas importantes no combate à pobreza e desigualdades sociais do país, contingenciando em março deste ano mais de R$ 40 bilhões no orçamento público federal. Isso atrofiou ainda mais os gastos públicos, que poderiam evitar a perda de (mais) direitos e promover uma retomada econômica. O corte de mais de R$ 40 bilhões é realizado sobre despesas discricionárias, que garantem a execução de várias políticas públicas, de ação afirmativa e enfrentamento da desigualdade racial, políticas para povos indígenas e quilombolas, para mulheres, jovens, idosos, de preservação do meio ambiente e vigilância em saúde e assistência farmacêutica, entre outros. “Logo, os efeitos reais do contingenciamento serão sentidos em especial pela população mais pobre que mais necessita da presença do Estado.”
Mas no pacote de maldades sociais do governo atual cabem mais ações contra a promoção de direitos dos brasileiros. Além do teto dos gastos primários e corte profundo nas despesas discricionárias, sempre preservando intacto os volumes de recursos destinados a pagamento de juros financeiros, o governo federal pretende ainda promover uma ampla reforma da Previdência Social, que dificultaria o acesso de milhões de brasileiros a recursos básicos para sobrevivência. Dos 33,5 milhões de benefícios pagos pelo Regime Geral da Previdência e a Assistência Social, 23 milhões tem valor igual ou menor do que um salário mínimo (hoje em R$ 937) – e serão justamente esses os mais atingidos pela Reforma. No segmento rural e no Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), praticamente 100% dos benefícios correspondem ao piso do salário mínimo; no segmento urbano, esse percentual é de 56,7%. Como se vê, sem esses benefícios, o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1, que é a erradicação da pobreza, fica impossibilitado.
Outros fatores críticos afastam ainda mais a possibilidade de o Brasil cumprir a Agenda 2030, como o crescimento do desmatamento, que vem colocando o país em uma posição crítica no enfrentamento da mudança climática e seus compromissos assinados no Acordo de Paris, e o desemprego que hoje está em 13,8%, um obstáculo gigante na luta para erradicar a pobreza.
A radicalização neoliberal do governo Temer e sua opção por usar os mecanismos de Parcerias Público Privada (PPP) como forma de enfrentar a falta de dinheiro público nos coloca um problema ainda maior que a redução do papel do Estado, por ser moldado à conveniência e usufruto somente das classes ricas e de poder. O Estado capturado pelos interesses privados ou moldado para servir a seus interesses levam à destruição da ideia de República, do Estado democrático de direito e de uma visão que defende a justiça ambiental e social e o bem comum.
“O que estamos assistindo é o governo brasileiro, que foi imposto e não tem legitimidade, promover ações e montando sistemas usando o nome dos ODS para responder aos compromissos assumidos no âmbito internacional, mas que na prática estarão inviabilizados em decorrência de suas opções políticas e econômicas. Tempos nebulosos se colocam em nosso presente futuro – aqui, na região e em todo lugar.Os ODS são, assim, uma referência mínima, que terá um duro caminho pela frente.”
Projeto apoia organização e articulação da sociedade civil em defesa de direitos e democracia
Num momento em que o país passa por uma grave crise institucional, política e econômica, foi lançado em São Paulo o projeto Sociedade Civil Construindo a Resistência Democrática, com o objetivo de apoiar processos de organização e articulação da sociedade civil brasileira em defesa de direitos e da democracia. A iniciativa será executada pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), em parceria com o Centro de Assessoria Multiprofessional (Camp), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) e Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
O projeto tem apoio da União Europeia e vai contribuir para a discussão sobre as estratégias da sociedade civil brasileira no contexto de retirada de direitos promovidas pelo governo federal e Congresso Nacional. “O congelamento do orçamento nacional é algo que não dá para entender fora do Brasil”, afirmou Eduardo Tadeuse referindo à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 – ou 55 –do teto de gastos que se transformou aEmenda Constitucional 95/2016após aprovação no Congresso Nacional e sanção do presidente Michel Temer. A emenda prevê o congelamento de investimentos em assistência social, educação e saúde por 20 anos. Ele criticou também aPEC 287, da Reforma da Previdência, e disse que, se aprovada, vai refletir nos municípios. “O corte e a reforma dificultarão a aposentadoria. As pessoas vão atrás das prefeituras”, alertou.
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) participou do lançamento do projeto, sendo representado por Iara Pietricovsky, do Colegiado de Gestão. Também estiverem presentes representantes da Associação Paulista de Fundações (APF), da Católicas pelo Direito de Decidir, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), da Fundação SOS Mata Altântica, do Fundo Internacional Socioambiental (Ficas), do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), do Instituto Fonte, do Instituto Pólis, do Projeto Rede Brasil e da Viração Educomunicação.
#Resista Deputado Mauro Pereira: não queremos uma fábrica de Marianas!
Está prestes a ser votada mais uma proposta que coloca em risco inúmeras vidas e o meio ambiente. Trata-se do atual texto do Projeto de Lei (PL) 3729/2004, de relatoria do deputado Mauro Pereira (PMDB/RS), que tramita na Câmara dos Deputados e pode entrar em pauta a qualquer momento.
Se for aprovado, o projeto abre precedentes para que tragédias como o desastre de Mariana possam se repetir pelo país. O texto propõe alterações na legislação ambiental que enfraquecem o licenciamento ambiental e podem autorizar a instalação de empreendimentos e atividades potencialmente poluidoras em detrimento da preservação do meio ambiente e das populações afetadas.
Clique aqui (Gmail: http://act.gp/2sRnsW2 e demais emails: http://act.gp/2sIg8fz) e mande um e-mail para o relator Mauro Pereira pedindo para que ele retire de votação esse texto que pode resultar em mais destruição e retrocesso para o país. E clique aqui (https://www.facebook.com/mauropereirapmdb/) para mandar uma mensagem na página do Facebook.
A proposta contém diversos pontos polêmicos, como a dispensa de licenciamento para atividades agro-pastoris, a criação do licenciamento autodeclaratório e a flexibilização das exigências ambientais. Além disso, representantes da sociedade civil, pesquisadores, Ministério Público, Defensoria Pública e especialmente as populações atingidas não foram ouvidas no processo.
A flexibilização do Licenciamento Ambiental faz parte de um pacote de medidas ruralistas negociadas diretamente com o presidente Michel Temer em troca de apoio da maior frente parlamentar do Congresso, a Bancada Ruralista.
Para combater medidas como essa, foi criado o #RESISTA, movimento formado por mais de 140 organizações ambientalistas, movimentos sociais, do campo, indígena e de direitos humanos que se unificaram para denunciar e resistir aos retrocessos ruralistas do governo e do congresso.
Noruega critica políticas ambientais brasileiras mas financia parte da destruição
O governo da Noruega, que fez duras críticas às políticas ambientais brasileiras durante a visita do presidente Temer ao país europeu na semana passada, é o principal investidor na mineradora Hydro que tem quase 2 mil processos judiciais no Brasil por contaminação de rios e comunidades de Barcarena, no Pará. O município fica em uma das regiões mais poluídas da floresta amazônica, que o governo norueguês afirma querer garantir a proteção.
Segundo reportagem de Ricardo Senra, da BBC Brasil em Washington, além das ações na Justiça, a mineradora ainda não pagou as multas de R$ 17 milhões estipuladas pelo Ibama por conta de um transbordamento de lama tóxica provocado por uma de suas subsidiárias na região amazônica, em 2009. Segundo o Ibama, o vazamento colocou a população local em risco e gerou “mortandade de peixes e destruição significativa da biodiversidade”.
“Barcarena é um triste retrato da relação entre a grande mineração industrial e violação dos direitos sociais e ambientais na Amazônia”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), autora de diversas análises e estudos sobre a atividade mineral predatória no Brasil. Seu mais recente texto é a Nota Técnica “O modelo mineral brasileiro visto a partir de questões fiscais e tributárias”, que discute os favorecimentos tributários obtidos pelo setor em meio à crise fiscal e econômica brasileira, e violação de direitos socioambientais que as grandes empresas mineradoras promovem com dinheiro público.
Alessandra Cardoso ressalta que moradores desapropriados pela empresa na região de Barcarena ainda aguardam indenizações garantidas por lei. “Algumas comunidades abriram mão de continuar em seus locais de origem porque os igarapés foram contaminados, mas as empresas não cumprem seus compromissos, enquanto fazem uma enorme propaganda de que são responsáveis e sustentáveis”, disse.
Segundo Alessandra, ações do Ministério Público, incluindo a edição de Termos de Ajustamento de Conduta – TACs, não foram suficientes para proteger a população e o meio ambiente e muito menos para evitar novos acidentes causados pelas empresas que beneficiam minérios em Barcarena, como a Hydro e a francesa Imerys. “Tampouco o governo do Estado e a Prefeitura parecem de fato comprometidos em barrar a atuação criminosa das empresas e proteger sua população”, diz Alessandra. “Não bastasse sua atuação ambiental e socialmente temerárias, as empresas se mostram pouco responsáveis pelo quadro de desemprego vivido pelos moradores da cidade. Em outubro de 2016, a Hydro contratou um empresa baiana e a mesma trouxe toda mão de obra daquele estado para ocupar os novos postos de trabalho abertos, sob o olhar e a expectativa, frustrada, dos 30 mil trabalhadores desempregados da cidade.”
A mineradora norueguesa Hydro explora a bauxita na região de Barcarena (PA) para a produção de alumina e alumínio.
Manifestação de apoio à campanha “Por uma infância livre da publicidade comercial”
As instituições signatárias vêm, respeitosamente, por meio desta, manifestar ciência da importante campanha “Por uma Infância livre da Publicidade Comercial“, proposta pela Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB, presidida por Marié Miranda, e idealizada pelo presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Consumidores da OAB-RO, Gabriel Tomasete.
Por sua relevância, o tema tem despertado a atenção de integrantes do sistema de justiça e da sociedade como um todo. Assim, a aprovação da campanha, que se pretende ser desenvolvida por meio de atuação conjunta das Comissões de Defesa do Consumidor, da Criança e do Adolescente e da Mulher Advogada – mostra-se necessária. Nela estão expressos os graves impactos do consumismo na infância, bem como o dever de proteção a garantias fundamentais asseguradas às crianças, tais como a prioridade absoluta dos seus direitos, seu melhor interesse e proteção integral, inclusive nas relações de consumo.
Em vista de sua missão constitucional, é de suma importância que o Conselho Federal da OAB também leve a discussão sobre o consumismo na infância e o direcionamento de publicidade ao público infantil à sociedade e a outras fundamentais instituições do universo jurídico.
O direcionamento de publicidade aos indivíduos com menos de 12 anos de idade é considerado ilegal pelo ordenamento normativo brasileiro, pois se vale da peculiar condição de desenvolvimento bio-psicológico da criança para persuadir-lhe ao consumo de produtos e serviços, conforme fartamente fundamentado no parecer jurídico que embasa a referida Campanha, que se baseia no disposto nos artigos 227, da Constituição Federal, Lei nº 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.078 de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), especialmente os artigos 36, 37, §2º e 39, IV, e Resolução nº 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
A abusividade do direcionamento de publicidade para crianças também vem sendo analisada pelo Poder Judiciário. Em março de 2016, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, condenou a empresa Pandurata, detentora da marca Bauducco, pela campanha “É hora de Shrek”, de 2007, e objeto de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (REsp n. 1558086/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, d.j. 10.3.2016). A mesma Segunda Turma, em novo julgamento, também reconheceu como abusiva a campanha publicitária “Mascotes”, da Sadia, veiculada durante os Jogos Pan Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, e que havia sido objeto de multa administrativa aplicada pela Fundação Procon de São Paulo (REsp n. .613.561/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, d.j. 25.4.2017).
No âmbito do Poder Legislativo, no último 24.5.2017, mediante pressão social exercida por mães, pais, responsáveis por crianças, organizações da sociedade civil, acadêmicos e deputados, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de mudança do art. 37, do Código de Defesa do Consumidor, apresentada pelo Deputado Federal Eli Corrêa Filho, no âmbito do PL n. 3.515 de 2015, que trata de superendividamento, e retiraria da legislação consumerista a proteção das crianças frente a publicidades abusivas. A respeito dessa iniciativa legislativa, no dia 16.5.2017 foi realizada audiência pública com participação de Cláudia Lima Marques, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB, representando o Brasilcon; Arthur Rollo, Secretário Nacional do Consumidor; Adalberto Pasqualotto, professor titular da PUC/RS; Igor Britto, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Renato Godoy, assessor de relações governamentais do Instituto Alana.
É certo, ademais, que o debate sobre comunicação comercial e infância não se restringe apenas ao meio jurídico, tendo alcançado as mais diversas searas. Em 2014, por exemplo, a publicidade direcionada à criança foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), levando quase 10 milhões de jovens brasileiros a refletir e escrever sobre o assunto. Pesquisa do Instituto Datafolha, realizada em agosto de 2016, com 2.573 pessoas de 160 municípios das cinco regiões do país, revelou, também, um descontentamento da população brasileira para com a comunicação comercial dirigida ao público infantil. O trabalho aponta que 60% dos entrevistados são contra qualquer tipo de publicidade direcionada à criança.
No campo internacional, destacam-se os relatórios da Organização das Nações Unidas, Organização Mundial de Saúde e Organização Panamericana de Saúde, sobre o impacto das estratégias publicitárias, inclusive dentro de escolas, na fruição dos direitos culturais e nos riscos de publicidades de produtos alimentícios ultraprocessados à saúde das crianças. Inegáveis os crescentes níveis de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis que atingem a população mais jovem, o que gera repercussões negativas à economia dos países, conforme atesta estudo da consultoria McKinsey, segundo o qual o Brasil gasta 2,4% de seu PIB com custos decorrentes de obesidade, o que inclui despesas no campo da saúde pública, direitos trabalhistas e previdenciários.
Dado o destaque essas questões estão tendo na atualidade, algumas empresas também se pronunciaram a seu respeito. Coca-Cola Brasil, Ambev e PepsiCo reconheceram que crianças abaixo de 12 anos ainda não têm maturidade suficiente para tomar decisões de consumo e a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) recomendou às indústrias associadas que suspendessem a propaganda de seus produtos voltados para crianças até 12 anos.
Ante o exposto, diante do papel da Ordem dos Advogados do Brasil de colocar em pauta temas de relevância social e do compromisso firmado por essa nobre Instituição de se proteger os direitos das crianças com prioridade absoluta, inclusive nas relações de consumo, as instituições signatárias manifestam-se pela aprovação da campanha “Por uma Infância Livre da Publicidade Comercial” nos termos em que apresentada.
Atenciosamente,
Mineração: contaminação e violações de direitos financiados com dinheiro público
O Brasil vive uma profunda crise fiscal e econômica, que tem gerado um grave retrocesso político social no país, com cortes no orçamento de diversas políticas públicas importantes para a população. Ainda assim, o setor mineral brasileiro recebe do Poder Público inúmeros favorecimentos tributários que só fazem engordar os lucros das muitas transnacionais que atuam no país. Como se não bastasse, a indústria mineradora ainda promove graves violações socioambientais, sem que isso tenha qualquer impacto na concessão de isenção fiscal às suas atividades. Como isso é possível? Qual a relação entre o poder das corporações e a subserviência dos poderes executivos e legislativos brasileiros, que faz com que o setor desfrute de uma carga tributária altamente benéfica para si e gravemente prejudicial ao país?
Essas importantes questões são tema da Nota Técnica “O modelo mineral brasileiro visto a partir de questões fiscais e tributária”, de Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e serão debatidos a partir desta quarta-feira (28/6) na VII Plenária do Comitê em Defesa dos Territórios Frente a Mineração, em Brasília. O evento reúne integrantes de organizações e movimentos, pesquisadores e representantes de comunidades impactadas por projetos de mineração no Brasil.
“Temos acumulado, entre organizações e movimentos sociais, sobre o modelo mineral brasileiro e sua relação com a violação de direitos sociais, ambientais e trabalhistas. As questões fiscais e tributárias, e sua relação com a mineração são um aspecto a mais, e não menos importante desse modelo”, afirma Alessandra Cardoso. “Para entendermos o modelo mineral no Brasil, e como ele produz injustiças sociais e ambientais, é também necessário discutirmos como ele se beneficia de injustiças tributárias e como elas são mais um motor para a expansão da extração e da violação de direitos.”
A Nota Técnica produzida pelo Inesc tem como objetivo levantar e mapear aspectos importantes do tema “para que possamos coletivamente refletir, acumular entendimentos e, idealmente, nos posicionarmos também coletivamente sobre as questões fiscais e tributárias que fazem do Brasil um paraíso extrativista tributário para as grandes mineradoras”, afirma Alessandra.
Estudos técnicos não faltam mostrando que o Brasil é um dos países que menos cobram royalties da mineração, entre os diversos países com mineração industrial relevante. Uma boa síntese desses estudos está disponível na publicação Setor Mineral: rumo a um novo marco legal. Em relação à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), a principal conclusão do estudo pode ser assim resumida: (…) “De uma maneira geral, pode-se dizer que o Brasil apresenta taxas de compensação financeira inferiores às dos outros países. Além disso, é o único país que utiliza, explicitamente, o faturamento líquido como base de cálculo”.
O que explica taxas tão reduzidas no Brasil e uma fórmula de cálculo tão atraente para as empresas mineradoras? Obviamente, uma parte importante dessa história se deve à força da pressão e do lobby das mineradoras, em especial das grandes mineradoras, para que essa situação fosse mantida ao longo dos anos. Expressão disso é a tentativa acanhada do governo Dilma de alterar as taxas da CFEM; ideia que não passou sequer da sala do corpo técnico do Ministério de Minas e Energia, sendo barrada já no próprio comando do órgão, nas mãos do PMDB. Outra parte dessa história, contudo, tem relação com outras questões também complexas que dizem respeito ao lugar estratégico que a mineração ocupou ao longo de sucessivos governos, de direita ou progressistas. O que parece, quando olhamos em retrospectiva, é que para o governo federal, o sentido maior da extração mineral em larga escala sempre foi gerar saldos comerciais. Ou seja, aqui, diferente de outros países, a renda mineral apropriada pelo Estado sempre foi residual.
Segundo Alessandra Cardoso, as inúmeras vantagens tributárias oferecidas ao setor de mineraçào são de interesse do governo federal porque geram saldos comerciais. Grande parte da mineração industrial no Brasil tem como destino as exportações e principalmente a China, explica. No entanto, do ponto de vista fiscal, a capacidade do Estado de acessar a renda mineral é muito baixa. “O Brasil nunca discutiu seriamente a questão fiscal na mineração.”
Já do ponto de vista socioambiental, a atividade mineradora no Brasil é uma tragédia, como vimos em Mariana (MG). “Não só as legislações ambientais são muito frágeis, e serão ainda mais se as medidas legislativas de desproteção ambiental forem levadas adiante, como a revisão do licenciamento”, diz Alessandra.
“Isto acontece porque os interesses do setor estão colocados acima dos interesses da população e do compromisso com a proteção ambiental. Vale lembrar o poder que o setor em especial as grandes empresas, e em especial a Vale, tem tanto no executivo quanto no legislativo.”
Alternativas a minerodependencia e questão fiscal; Áreas livres, mineração em terra indígena, quilombola, tradicional, resistência e água; Saúde, segurança dos trabalhadores e cidades; Luta institucional, código da mineração e legislação.
O sistema eleitoral conhecido por distritão foi defendido pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e pelo Presidente da República, Michel Temer, ambos do PMDB: é um sistema que consiste na eleição dos candidatos individualmente mais votados. No distritão, não existe voto de legenda, ocasionando que somente são eleitos os mais conhecidos e que possuem maquina partidária ou mídia. Portanto é um sistema em que quase não se tem renovação.
Este sistema seria um desastre para as nossas instituições democráticas já tão abaladas, pois reforça as candidaturas individualizadas e sem propostas coletivas. Além disso, enfraquece os partidos, um dos problemas que temos no sistema atual e que seria agravado com esta personalização proposta pelo distritão.
Somente os mais ricos e poderosos seriam eleitos, deixando de fora segmentos que já são subrepresentados nos espaços de poder (indígenas, negros, mulheres, LGBTT, por exemplo). Como o candidato depende de votos de todo o estado, as campanhas acabam ficando caras, o que, de um lado, leva à busca de recursos a qualquer custo (leia-se recursos ilegais ou irregulares, como Caixa 2), de outro lado elimina a chance de candidaturas que disponham de poucos recursos.
O distritão é mais uma tentativa dos que já detêm o poder de o manterem e de aumentar a força do poder econômico e político, por meio do uso da máquina do Estado, dos seus mandatos e da mídia. O distritão torna mais difícil a alternância do poder e a oxigenação dos quadros políticos, pois os novos agentes políticos dificilmente conseguirão alcançar os mandatos e enfrentar este poder.
Somente quatro países adotam este sistema, entre eles o Afeganistão e a Jordânia. O Japão chegou a adotar o modelo, mas o abandonou há mais de 30 anos.
Com o distritão, os candidatos obrigatoriamente precisarão de muitos votos para serem eleitos, e aumentará a tendência dos partidos de lançar figuras “populares”, sejam eles conhecidos pela sua antiguidade na vida política ou pelo nome da família, seja pela exposição que têm na mídia. Isso diluirá o espírito coletivo dos partidos, dificultando ainda mais a formação de maiorias no Congresso, fazendo com que o chefe do Executivo, seja ele prefeito, governador ou presidente, precise fazer ainda mais concessões em nome da chamada governabilidade.
Os partidos não precisarão mais ter programas políticos, não precisarão mais apresentar o projeto de sociedade que defendem, já que não haverá nada a unificar os candidatos de um mesmo partido: cada um estará na campanha eleitoral a seu próprio serviço e não por um ideário comum. Com isso, não teremos mais como cobrar mais nada dos eleitos e os partidos.
Entendemos que, para tornar o processo mais democrático e garantir oportunidade a todos e todas, o ideal é o sistema de lista pré-ordenada (definida de forma democrática e ampla), com alternância de sexo, com a obrigatoriedade de prévias partidárias para a escolha das listas.
Chamamos atenção da urgência para uma verdadeira reforma do sistema político, e não apenas para as regras eleitorais. Precisamos criar novos instrumentos de expressão da soberania popular, precisamos fazer uma profunda mudança das formas de exercer o poder. Isso implica no fortalecimento dos instrumentos da democracia direta e participativa, na democratização da comunicação e do sistema de justiça. Só assim vamos alicerçar o nosso sistema político na soberania popular e não no poder econômico, nas oligarquias e em instituições autoritárias.
Multinacionais estão sequestrando o patrimônio genético agrícola brasileiro
Grande multinacionais estão sequestrando o patrimônio genético agrícola brasileiro das comunidades do país e armazenando em bancos de germoplasma para seu exclusivo uso comercial. O alerta foi dado por José Maria Tardin, integrante do Conselho Gestor e Educador da Escola Latinoamericana de Agroecologia (ELAA), que fica no assentamento Contestado, no Paraná, em entrevista ao site Sul 21. Tardin afirma ainda que esse patrimônio genético brasileiro deveria ser tratado como um tema de segurança nacional.
“A erosão genética no Brasil já é muito grande”, afirma Tardin, que atua na formação em agroecologia nas escolas técnicas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e em cursos de especialização em agroecologia organizados pelo MST em parceria com universidades e institutos de pesquisa no Brasil e em vários países da América Latina.
Tardin participou semana passada em Porto Alegre de um debate sobre a relação entre a agroecologia e os saberes de comunidades tradicionais, organizado pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Além disso, participou de um seminário organizado pelo setor de educação e produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que discutiu a introdução da agroecologia nas escolas infantis e de ensino fundamental do MST em nível nacional. “Serão milhares de crianças que, nos próximos anos, estudarão agroecologia sistematicamente. Estamos dando um passo que representa uma das maiores alegrias da minha vida”, diz Tardin.
Um trecho da entrevista:
Sul21: Quando a agroecologia passou a integrar formalmente a agenda programática do movimento?
José Maria Tardin: O quarto congresso nacional do MST, que ocorreu em Brasília, em 2000, definiu a agroecologia como uma política estratégica do movimento. O tema passou, a partir daí, integrar as diretrizes nacionais do movimento. A orientação estratégica passou a se reorientar as famílias para fazer essa passagem da agricultura convencional para a agroecológica. Uma das primeiras decisões que o MST tomou para concretizar essa diretriz foi começar a formar técnicos. Esses técnicos não estavam disponíveis. Pelo contrário, eram raros. Assim, a formação de técnicos foi a prioridade das prioridades. Naquele momento, não existia no Brasil nenhum curso de formação em agroecologia. O MST deu um passo de vanguarda e iniciou uma experiência ainda embrionária, em 2001, para testar currículo e método pedagógico. Em 2002, começaram os primeiros cursos técnicos de agroecologia no Paraná. Em 2003, iniciaram os cursos também no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo, surgindo um grupo de escolas de nível médio para formar as primeiras turmas de técnicos em agroecologia.
O andar dessa experiência gerou uma efervescência no movimento e logo depois se decidiu que era preciso partir logo para cursos de graduação. Essa costura foi feita pela Via Campesina Latinoamericana. Em 2005, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi assinado um termo de cooperação com representantes dos governos do Brasil e da Venezuela para, entre outras coisas, criar a Escola Latinoamericana de Agroecologia no Paraná e do Instituto Latinoamericano de Agroecologia, na Venezuela. Assim, em apenas cinco anos, passamos de uma situação onde não havia nenhuma escola de agroecologia no Brasil para a criação da primeira escola de graduação. Logo depois, criamos outra escola no Pará, no assentamento Zumbi dos Palmares. Impulsionada por essas experiências, a Via Campesina criou o Iala Guarani, no Paraguai, o Iala Maria Cano, na Colômbia e o das Mulheres Campesinas, no Chile. Queremos abrir também uma escola no Haiti, mas lá a situação é mais complicada.
O ponto de partida de todo esse processo foi a escola cubana. Quem saiu na frente em educação em agroecologia na América Latina foi o Estado cubano, logo depois da queda do Muro de Berlim e da crise que se seguiu em Cuba em função do colapso da União Soviética e do leste europeu. O governo cubano deliberou que era preciso encontrar soluções técnicas para dar conta das demandas de alimentação. Foi um processo interessante, pois Cuba tinha adotado totalmente a Revolução Verde, com um modelo de agricultura industrial subsidiado pela União Soviética.
Os pesquisadores foram para as áreas mais longínquas das montanhas para falar com os camponeses que mantiveram a agricultura tradicional e não entraram na Revolução Verde. Esses camponeses tinham preservado todo um campo de conhecimento e material genético agrícola, vegetal e animal. Com base neste conhecimento e com a qualidade científica dos pesquisadores cubanos, foi iniciado um programa enorme de pesquisa em agroecologia e de educação em agroecologia. Antes de iniciar a nossa experiência, alguns militantes nossos foram para Cuba para conhecer esse sistema de pesquisa e de educação que já estava andando lá desde 1994. A nossa experiência piloto iniciou em 2001. Cuba criou um programa nacional em agroecologia e é hoje a grande escola latinoamericana nesta área. Hoje, o país tem 100 mil famílias camponesas fazendo agroecologia.
Reformas que desestruturam o Estado Social de direitos, sistema tributário regressivo,desregulamentação das relações de trabalhoe precarização dos serviços públicos. O que estas coisas têm a ver com a globalização econômica e com os mecanismos de sonegação fiscal das transnacionais através dosparaísos fiscais?
Parecem coisas independentes, mas não são. A falta de estrutura para a proteção social, para a saúde pública, os baixos salários dos professores, a precarização da segurança, são fatos que normalmente convivem com recordes de lucros das grandes corporações empresariais e com o aumento da fuga de capitais. O recurso que falta para muitos é o que sobra e amplia a riqueza concentrada em poucos.
Estamos vivendo no Brasil um período extremamente conturbado em que as estruturas que sustentam a ideia de um Estado de Bem-Estar Social, inauguradas pela Constituição de 1988, estão sendo rapidamente destruídas. Sob o pretexto da austeridade e da eficiência é o próprio Estado que está sendo radicalmente reformado, tendendo a tornar-se residual, o conhecido estado mínimo.
As reformas propostas produzirão uma drástica redução das despesas primárias da União, dos aproximadamente 20% do PIB de hoje no âmbito federal, para algo em torno de 12% daqui a 20 anos, valor próximo ao que era praticado antes de 1988. Trata-se de desfazer as conquistas sociais históricas que se consolidaram na Constituição.
Do ponto de vista fiscal, é até desonesto fazer ajustes apenas sobre as despesas primárias sem levar em conta oregressivoeinjusto sistema tributário; asrenúncias fiscais, em torno de 260 bilhões de reais anualmente; o estoque da dívida ativa da União, que já alcançou 1,5 trilhão de reais; a elevadasonegação, que alcança500 bilhões de reais por ano; e os débitos junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que superam 580 bilhões de reais.
É da natureza de todos os Estados de Bem-Estar o aumento de investimento nas políticas e serviços públicos, assim como fizeram os Estados europeus que serviram de inspiração à Constituição nacional. A universalização dos serviços públicos essenciais exige o adequado financiamento do Estado via carga tributária para permitir o aprofundamento do combate à pobreza e às desigualdades, especialmente para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, que são as mulheres e negros/as.
A maior efetividade da carga tributária ocorre com uma maior tributação progressiva, que taxe mais os ricos do que os pobres. Entretanto, o que temos são tributos reduzidos para grandes corporações; e rendas advindas de lucros e dividendos, diferentemente dos salários, não tributadas no Imposto de Renda desde 1996.
Além disso, a regressividade persistente no sistema tributário, onde mais de 50% da carga tributária tem incidência sobre o consumo, onera muito mais as camadas mais pobres e de classe média da população do que as mais ricas, contrariando o princípio constitucional da capacidade contributiva. A insignificante participação da tributação sobre o patrimônio, heranças e a reduzida participação da tributação sobre a renda na carga total, constituem o ambiente propício à acumulação e ao aprofundamento das desigualdades sociais.
Voltando à questão inicial, o que isso tem a ver com as transnacionais e com os paraísos fiscais? Absolutamente tudo. Quando dizem que o Brasil precisa ser mais atrativo aos capitais internacionais, de fato, estão dizendo que o País deve se tornar um lugar ainda melhor para as grandes corporações ganharem dinheiro. Dentre as várias formas para proporcionar ambientes de negócios mais lucrativos, a pressão para reduzir os chamados “custos” sociais, ambientais e fiscais, tem sido tão efetiva que nem mesmo os direitos e garantias firmados na Constituição Federal estão a salvo.
É neste contexto que se estabelece a cumplicidade entre os governos e as transnacionais. Soma-se ainda todo um conjunto de brechas às leis que acaba permitindo que as grandes multinacionais transfiram parte significativa dos lucros realizados no País para os paraísos fiscais, onde estas rendas encontram-se isentas de tributação, ou tributadas com alíquotas muito inferiores. Esse é um cenário bastante perverso para as pequenas e médias empresas – maiores geradoras de emprego no País – que acabam sendo fortemente prejudicadas por uma concorrência muito desleal com os gigantes internacionais.
Mas como isso é possível? Com o processo daglobalização econômica, as grandes corporações empresariais pulverizam suas unidades de produção e de negócios por diversos países ao redor mundo, inclusive em paraísos fiscais (mais adequado seria chamá-los de esconderijos fiscais).
Assim, com esta distribuição global das unidades, intensificam-se as transações internacionais por dentro das companhias, tanto de troca de mercadorias como de prestação de serviços. De 1990 a 2012 o crescimento do comércio internacional do Brasil cresceu nove vezes e estima-se que mais de 70% deste volume ocorre entre companhias do mesmo grupo. Paradoxalmente o PIB per capita nesse período cresceu apenas 1,4 vezes.
Como são operações intrafirmas, em sua maioria nada transparentes, os preços praticados são denominados preços de transferência, ou seja, são preços fictícios que não decorrem de atividade comercial normal, mas servem somente para permitir que os lucros produzidos nos países com tributação normal sejam artificialmente reduzidos e os lucros nos paraísos fiscais sejam turbinados.
Ressalta-se que nestes esconderijos fiscais, muitas vezes as empresas não passam de caixas postais, são apenas endereços. Segundo a Tax Justice Network, as Ilhas Virgens Britânicas, importante paraíso fiscal, possuem aproximadamente 480 mil empresas registradas para uma população de aproximadamente 30 mil habitantes.
Assim, fica evidente que as reformas regressivas e desestruturantes que estão em curso no Brasil não são inevitáveis, como querem fazer parecer os discursos governamentais, mas são sim, uma escolha. Trata-se da opção de privilegiar o capital, o mercado e o setor financeiro em detrimento do interesse da maioria da população e do desenvolvimento nacional.
Acampanha global “Multinacionais paguem o justo” alerta que as grandes corporações e os super ricos, ao realizarem a evasão de tributos via artifícios por elos mesmos criados, são também responsáveis pela precarização dos serviços públicos, pelo aprofundamento das desigualdades sociais e pela redução de direitos. A campanha defende a desapropriação do Estado do setor privado para que as necessidades da população sejam o eixo orientador das ações estatais.