Ajuste fiscal tem que ser no topo da pirâmide, não na base, diz economista sobre PEC 241

O economista Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia (Confecon), é taxativo: a PEC 241, que propõe um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos, não é nem de longe a melhor opção para equilibrar as contas do país. Para ele, o governo Temer está apertando o cinto apenas da classe média e dos mais pobres, deixando intocada a turma do topo da pirâmide. “Ele tem que mexer é nessa renúncia fiscal, nos gastos com juros da dívida pública”, afirma Miragaya em entrevista ao site The Intercept Brasil.

A afirmação de que a PEC 241 é a melhor solução, senão a única, como vem colocando Temer e seus ministros, não bate com a realidade, afirma Júlio Miragaya. “Esse é um raciocínio um pouco preso às amarras do mercado financeiro”, afirma o economista, lembrando que “85% da dívida pública é apropriado por 0,3% dos investidores, três milésimos. Isso aí é transferência direta para a turma do topo da pirâmide. Então é aí que ele tem que mexer, não é lá embaixo”.

O país pode voltar a crescer? Pode! Mas vai voltar a crescer concentrando renda, promovendo a exclusão social. Tem espaço para crescer, só que vai concentrar num modelo que já foi experimentado e que não foi nada bom.”

Além disso, como bem explicou nossa assessora política Grazielle David, o foco tem sido exclusivamente nas despesas, não nas receitas, “para tentar justificar uma ideologia de Estado mínimo, dizendo que o Estado ‘é inchado e ineficiente, que gasta demais’.

“Se houvesse justiça fiscal no Brasil, e se esses valores estivessem compondo o orçamento da União, sem aumentar a carga tributária, não estaríamos falando em déficit, não estaríamos tendo que ouvir as propostas de medidas absurdas, ditas emergenciais, mas que na verdade são de longo prazo, e não servem para lidar com uma crise fiscal, mas sim para mudar toda a lógica de Estado inscrita na Constituição Federal, como é o caso da PEC 241.”

Confira alguns trechos da entrevista do The Intercept Brasil com o economista Júlio Miragaya:

TIB: Alguns países possuem imposto de renda progressivo, cobrando mais dos mais ricos. Seria uma opção viável?

JM: Tem uma pesquisa do IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] que fala do problema no imposto de renda do Brasil: o pequeno número dealíquotas que a gente tem. Nós trabalhamos com três alíquotas, enquanto em outros países a média é de cinco até sete. Se você começa com uma alíquota pequena, não precisa começar já com 15%. Começa com alíquotas de 7 a 8%, etem países que vão com alíquotas de até 50% ou, às vezes, mais, chegam a 55%.

E tem de aumentar o número de faixas [salariais]. Para que as faixas menores não sejam tão baixas, porque o cara mal ganha dois salários mínimos e já está pagando imposto de renda, o que é um absurdo. É abaixo do salário mínimo Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], que está em R$ 3 mil. E fecha em R$4,8 mil, que é também um absurdo.

Um cara com um salário de R$ 5 mil e outro cara com o salário de R$ 200 mil pagam os mesmos 27,5%. Isso não tem o menor cabimento. Você tem que estender essas faixas, botar uma faixa de 15% para esse camarada com R$ 5 mil e ir aumentando, 20 a 25%. E esse cara com R$ 200 mil paga 40 a 45%.

Não vou nem falar 50 a 55% como tem na Dinamarca, porque aí tem uma revolução aqui no Brasil por conta dessa turma. Mas que evidentemente teria que ter uma diferenciação… não pode parar em R$ 4800.

Então, nessa pesquisa o Sérgio Gobetti mostra isso. A própria tabela do imposto de renda deveria ser profundamente modificada, para que efetivamente pudesse cobrar mais para quem tem condições de pagar.

TIB: E a gente não tem imposto sobre lucros e dividendos no Brasil…

JM: Não tem. Somos um dos dois poucos países do mundo que isentam integralmente. Tem alguns que tributam pouco, mas no Brasil é integral, é isenção total. Só o Brasil e a Estônia fazem isso. O IPEA tem um estudo sobre isso, que mostra que, com uma alíquota sobre lucros e dividendos, o Estado arrecadaria R$43 bilhões. Significa que tem um total de aproximadamente R$ 350 bilhões por ano que são lucros e dividendos auferidos no país e que não são tributados, vai direto para o bolso dessas pessoas.

TIB: Existem também outros impostos para as classes mais ricas que nós não temos e que são adotados em larga escala internacionalmente, não?

JM: A tributação sobre herança, que é pífia no Brasil. Varia de 4 a 8% e, em alguns países, chega a 30%. Imposto territorial rural que é tão pequeno, mas tão pequeno, que a União falou assim: “Oh, fica com os municípios, que é tão mixaria…” Não se tributa efetivamente a renda do capital pessoa física. Então, por que o governo não coloca em questão isso?

Vamos fazer uma reforma no modelo tributário. Não uma reforma tributária, mexer no ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços], nisso, naquilo… Pode fazer, também, os ajustes que têm de ser feitos, mas o ideal é o modelo tributário. É um modelo que não tributa aqueles que deveriam pagar mais.

Então, ele [Temer] coloca a situação em que ou faz assim, a PEC 241, ou o país quebra, ou é o desastre, ou é o caos. E a gente sabe que não é nada disso.

Leia aqui a íntegra da entrevista.

Artigo de Evilásio Salvador discute o regressivo sistema tributário brasileiro

A revista Carta Capital publicou trecho de artigo publicado na revista Politika dedicada à reforma do Estado, de autoria do economista Evilásio Salvador, professor no Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília, discute as distorções do sistema tributário brasileiro.

Segundo o autor, a carga tributária bruta, incluindo a arrecadação da União, estados, Distrito Federal e municípios, aumentou significativamente entre 1995 e 2004, passando de 27% para 33% do PIB. Mas nosso sistema está concentrado em tributos regressivos e indiretos, justamente os que oneram mais os trabalhadores e os pobres.

Mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem sobre bens e serviços, com baixa tributação sobre renda e patrimônio. Nos países mais desenvolvidos, a tributação sobre o patrimônio e a renda corresponde a cerca de 2/3 da arrecadação, conforme dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A eficácia redistributiva da política tributária brasileira é baixa, pois ela não tributa o patrimônio e os rendimentos mais elevados, não originários do trabalho – aluguéis, aplicações financeiras, lucros e dividendos (Silveira et al, 2008).

A forte correlação negativa entre o índice de Gini e a carga tributária reforça a ideia de que o sistema tributário não contribui para a redistribuição de renda no Brasil. Ao contrário, ele deprime o poder de compra da população de baixa renda, alijando-a do mercado de consumo.

Estudo publicado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) destaca que em vários países da OCDE a elevada carga tributária bruta acompanha uma melhor distribuição de renda, mas o sistema tributário brasileiro, fortemente regressivo, associa-se a uma elevada concentração de renda.

O aumento da carga tributária bruta não ocorreu de forma homogênea para todas as classes sociais e faixas de renda no país. Da arrecadação tributária de 2014, de R$ 1,8 trilhão, 13% vêm de tributos que incidem diretamente sobre a renda dos trabalhadores, incluindo a contribuição dos empregados para a previdência social.

Os tributos sobre o consumo (bens e serviços) representam 51%. Considerando-se que a contribuição dos empregadores para a previdência social é um custo que as empresas repassam para ao consumidor, a tributação indireta sobre bens e serviços, na prática, pode representar mais de 60% da carga tributária.

O principal tributo sobre o consumo é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), de competência dos estados e do Distrito Federal. Ele é responsável por 20% da arrecadação tributária, uma peculiaridade do sistema brasileiro, pois em outros países não é comum que o principal imposto pertença a uma esfera subnacional.

O ICMS é um tributo regressivo, que onera a população mais pobre. Uma das principais questões sobre ele diz respeito às inúmeras alíquotas envolvidas e à falta de harmonização da legislação no país. As alíquotas das operações internas são estabelecidas pelos estados e o Distrito Federal, podendo ser seletivas conforme a essencialidade do bem: produtos básicos deveriam ter alíquotas menores que os supérfluos.

Contudo, a situação que predomina no país é exatamente a inversa, com os bens supérfluos sendo menos tributados que os bens essenciais (Lima, 2009). O ICMS responde por 45% dos tributos que incidem sobre os alimentos, com uma alíquota-padrão em torno de 17%. Em alguns estados chegam a ser estabelecidas mais de quarenta alíquotas diferentes para esses produtos (Máximo, 2013).

Como não há harmonização das normas desse imposto, o ICMS, na prática, é regulamentado por 27 legislações. Ademais, é prática usual no Brasil a cobrança “por dentro”: os tributos incidem sobre outros tributos, de modo que as alíquotas nominais são menores do que as efetivas.

Os tributos indiretos são regressivos, pois têm uma relação inversa com o nível de renda do contribuinte, prejudicando as pessoas de menor poder aquisitivo. Eles incidem sobre a produção e o consumo de bens e serviços, sendo passíveis de transferência para terceiros, ou seja, para os preços dos produtos.

Os consumidores pagam o tributo com a mediação das empresas produtoras ou vendedoras, que são as contribuintes legais. Como o consumo é proporcionalmente decrescente em relação à renda, isso prejudica mais os contribuintes de menor poder aquisitivo.

Para Oliveira (2009) trata-se do “fetiche” do imposto: o empresário nutre a ilusão de que recai sobre seus ombros o ônus do tributo, mas este, incorporado à estrutura de custos da empresa, na verdade é repassado aos preços.

A tributação sobre patrimônio reapareceu no debate internacional depois da publicação de O capital no século XXI, de Thomas Piketty (2014). A partir da análise de dados tributários e apresentando vasta evidência empírica, o autor demostra que houve um aumento espetacular na desigualdade de renda nas principais economias do mundo.

E faz um apelo, especialmente, por impostos sobre a riqueza, se possível em escala mundial, a fim de restringir o crescente poder da riqueza hereditária.

No caso brasileiro, o imposto sobre herança é conhecido como imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD), e sua arrecadação compete aos governos estaduais.

Em 2014 foram arrecadados apenas R$ 4,7 bilhões, somente 0,25% do total, conforme estudo da Receita Federal (2015). Oliveira e Biasoto Jr. (2015) destacam que esse imposto, criado em 1988, permanece com pouca relevância no sistema tributário brasileiro e nem chega a ser regulamentado em vários estados. Muitas vezes, sequer é cobrado na transmissão de imóveis por motivo de morte.

Oliveira e Biasoto Jr. (2015, p. 27), com base em dados da Receita Federal, afirmam que “os valores dos bens e direitos declarados como recebidos como heranças e doações, isentos da incidência do imposto de renda, foram, em 2013, de R$ 51 bilhões. Trata-se de uma transferência de riqueza apreciável e, a não ser no caso do cônjuge, imerecida por quem a recebe, por não ser fruto do trabalho, mas resultado apenas da sorte.”

A insignificante arrecadação também resulta da baixa alíquota do ITCDM, que em 1992 foi fixada pelo Senado Federal em 8%, mas raramente passa de 5% nos estados, na maioria das vezes sem progressividade, como é o caso de São Paulo, onde a alíquota única é de 4%.

Na média dos países da OCDE essa alíquota é de 15%, mas há paí-ses, como Japão, em que alíquota máxima chega a 55%. Na Bélgica chega a 50% e na França é de 45%. No Reino Unido, o teto da tributação sobre herança é de 40%. Na América Latina, o Chile tem uma alíquota máxima de imposto sobre herança de 25% (Oliveira e Biasoto Jr., 2015).

Há outras particularidades da tributação sobre patrimônio no Brasil. No período de 2000 a 2011, o acréscimo na arrecadação tributária sobre o patrimônio decorreu, principalmente, do maior recolhimento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), consequência do crescimento da venda de automóveis (Salvador, 2014).

Entre 2003 e 2012 houve um aumento de 98% na produção de veículos automotores, colocando o Brasil como o quarto maior fabricante de carros e o detentor da sétima maior frota, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Convém ressaltar que o IPVA não incide sobre veículos como jatos, helicópteros, iates e lanchas porque, sendo sucessor da antiga taxa rodoviária única, a jurisprudência estabeleceu que sua incidência limita-se aos veículos terrestres.

Apesar de ser um país com forte presença de latifúndios, o Brasil cobra um imposto irrisório sobre as propriedades rurais. Os dados da Receita Federal (2015) revelam que o imposto territorial rural arrecada 0,01% do PIB.

A Constituição prevê progressividade na cobrança do imposto sobre propriedade territorial urbana, de competência municipal, mas têm sido estabelecidas alíquotas neutras para ele (Silveira et al, 2008). Além disso, até hoje não foi regulamentado o imposto sobre grande fortunas, de competência da União, estabelecido na Constituição de 1988.

Também é irrisória a tributação das transações financeiras: apenas 0,54% do PIB, conforme a Figura 2, arrecadado basicamente com o imposto sobre operações financeiras (IOF). No ano 2000, o IOF arrecadava o equivalente a 0,29% do PIB, apresentando um crescimento percentual da ordem de 267% no período de 2000 a 2011 (Salvador, 2014) e alcançando R$ 29,4 bilhões em 2014 (Receita Federal, 2015).

O IOF foi criado na reforma tributária de 1966, realizada pela ditadura militar, concebido como instrumento auxiliar das políticas monetária e cambial para facilitar o alcance dos objetivos macroeconômicos estabelecidos pelo governo federal.

O financiamento das políticas públicas não é sua principal função, pois se trata de um imposto regulatório. Mas as funções do IOF foram paulatinamente ampliadas. Hoje, ele incide sobre diversas operações e serviços oferecidos pelo sistema bancário, destacadamente: operações com títulos mobiliários, com câmbio, com seguro e com crédito, derivativos e ouro.

O IOF vem cumprindo também uma função arrecadatória, contribuindo para repor parcialmente os recursos perdidos com o fim da CPMF. Em tese, trata-se de um imposto repassado ao preço de bens e serviços finais, com características regressivas.

Contudo, o IOF pode se transformar em um imposto sobre a taxação de transações financeiras se adquirir características de progressividade, isentando as operações de crédito popular e alargando a base de tributação para atingir um conjunto de produtos financeiros especulativos.

Um aspecto particular da tributação sobre a renda no Brasil é que nem todos os rendimentos tributáveis de pessoas físicas são levados obrigatoriamente à tabela progressiva do imposto e sujeitos ao ajuste anual de declaração de renda.

A tributação dos salários obedece às quatro alíquotas estabelecidas na legislação, mas os rendimentos decorrentes de renda fundiária variam de 0,03% a 20%, conforme o grau de utilização da terra e a área total do imóvel.

Os rendimentos de aplicações financeiras têm alíquotas que variam entre 0,01% e 22,5%, conforme o prazo e o tipo de aplicação, o que privilegia os rentistas. Essa situação evidencia que, em pleno século XXI, tributamos mais fortemente as rendas derivadas do trabalho.

Isso ocorre porque a atual legislação não submete à tabela progressiva do imposto de renda os rendimentos de capital e outras rendas da economia, que são tributados com alíquotas inferiores à do imposto que incide sobre a renda do trabalho.

Ao permitir a incidência exclusiva de determinados rendimentos na fonte, a legislação tributária acaba estabelecendo discriminações na origem da renda dos contribuintes, que acabam sendo tributados apenas proporcionalmente, fugindo da progressividade.

Trata-se de um contraste com o que está estabelecido na Constituição, que não permite discriminação em razão da ocupação profissional ou da função exercida pelos contribuintes, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, dos títulos ou dos direitos. (Sindifisco Nacional, 2010).

Essa falta de isonomia criou uma situação esdrúxula no país, com um número relativamente reduzido de contribuintes apresentando elevada renda tributável. Análise realizada por Gobetti e Orair (2015), com base na publicação da Receita Federal denominada “Grandes números do IRPF”,7 compara como as distintas rendas que se distribuem na sociedade e mostra como a desigualdade leva a números surpreendentes de injustiça tributária.

Em 2013, 71.440 declarantes estavam no topo da pirâmide de renda no país, com rendimento igual ou maior que 160 salários mínimos, o que correspondia a R$ 108.480,00 mensais. Esses declarantes representavam 0,3% do total de pessoas que prestaram informações ao Fisco, ou aproximadamente 0,05% da população economicamente ativa (Gobetti e Orair, 2015).

Em 2013, essas pessoas tinham um “patrimônio líquido de R$ 1,2 trilhão (23% do total) e uma renda total de R$ 298 bilhões (14% do total), dos quais R$ 196 bilhões em rendimentos isentos e R$ 64,5 bilhões em rendimentos tributados exclusivamente na fonte” (Gobetti; Orair, 2015, p. 15).

Somente cerca de 1/3 desses indivíduos pagam algum imposto de renda; 2/3 são isentos. A média da alíquota paga equivale a 2,6% sobre a renda total. Isso é uma consequência direta da isenção de imposto de renda sobre lucros e dividendos: desses 71.440 declarantes, 51.419 receberam dividendos e lucros, isentos de imposto de renda (Gobetti e Orair, 2015).

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2011) confirma a elevada regressividade do sistema tributário brasileiro: os 10% das famílias mais pobres do Brasil destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto o peso dos tributos cai para 21% da renda dos 10% mais ricos.

O estudo do Ipea é baseado na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009 do IBGE e apresenta resultados consistentes para a incidência dos tributos indiretos nos primeiros décimos de renda. No caso dos tributos indiretos, a avaliação se baseia na renda disponível, já descontados os tributos diretos.

Por isso não surpreende que a BBC Brasil (14/03/2014) tenha noticiado que “rico é menos taxado no Brasil do que na maioria do G20”.8 O texto da jornalista Mariana Schreiber destaca que a elite brasileira costuma reclamar dos impostos, mas sua queixa não procede na comparação internacional, pois os mais pobres é que financiam o Estado brasileiro.

A reportagem publicada pela BBC Brasil foi feita a partir do levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC) realizado em dezenove países que integram o G20 (grupo que reúne as dezenove maiores economias do mundo mais a União Europeia) e concluiu que os brasileiros pagam menos imposto de renda que os cidadãos dos países do G20.

Esse sistema tributário onera a população de baixa renda, que suporta uma elevada tributação indireta. Além disso, os impostos diretos têm baixa progressividade e incidem fortemente sobre a renda dos trabalhadores.

FNDC celebra 25 anos com ato e campanha contra violações à liberdade de expressão

Para marcar seus 25 anos de luta em defesa da democracia no Brasil e nas comunicações, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) promove um ato político nesta terça-feira (18/10), no Salão
Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), com a participação de personalidades, representantes de instituições e organizações da sociedade civil que atuam pela democratização da mídia. Entre os participantes estará José Antônio Moroni, do Colegiado de Gestão do Inesc.

Durante o evento será lançada a campanha nacional para denunciar violações à liberdade de expressão no país.

O FNDC foi criado em julho de 1991 como movimento social e transformou-se em entidade em 20 de agosto 1995. Foi atuante na finalização dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que preparava a nova Constituição Federal. Ao final, apesar de instituído o capítulo V da Carta Magna, com artigos que tratam especificamente da comunicação, as entidades de classe que formavam a então Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação (FNPDC) entenderam que era preciso manter um esforço permanente de mobilização e ação na busca de políticas, de fato, democratizantes. Assim, criaram, em 1991, a associação civil FNDC, com atuação no planejamento, mobilização, relacionamento, formulação de projetos e empreendimento de medidas legais e políticas para promover a democracia na Comunicação.

Nesses 25 anos, a entidade teve atuação importante na discussão e formulação de políticas públicas com as leis do Cabo, das Rádios Comunitárias e do Marco Civil da Internet, na construção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), além de iniciativas próprias, como o Projeto de Lei da Mídia Democrática.

Novo acordo injeta 20 bi em parceria boa para a China e ruim para o Brasil

Brasil e China assinaram acordo na última terça-feira (11/10) para criação de um fundo de US$ 20 bilhões a ser usado em projetos considerados prioritários de infraestrutura nos setores de logística, energia, recursos minerais, agricultura, agroindústria e tecnologia avançada, entre outros. Boa parte desse dinheiro deverá ser usado em projetos de produção e escoamento de recursos naturais conforme os interesses chineses.

E os nossos intereesses, como ficam? A pergunta é importante porque esse novo acordo, assim como todos os demais, têm poucas ou nenhuma preocupação em relação aos impactos socioambientais causados por esse tipo de investimento nas diversas regiões brasileiras, em especial na Amazônia. Esses grandes projetos financiados em boa parte com dinheiro estrangeiro dão muito lucro para as grandes empresas e muito prejuízo para as populações locais e o meio ambiente. Além disso, causam grande desequilíbrio para a economia brasileira, principalmente para a indústria brasileira, questões bem apontadas e discutidas no artigo “Brasil-China: complementaridade ou dependência? de nossa assessora política Alessandra Cardoso.

Segundo Alessandra, entre os efeitos ainda pouco compreendidos para o Brasil desse intenso fluxo comercial baseado em recursos naturais estão a “sobrevalorização do real e a perda de competitividade de vários segmentos da produção manufatureira brasileira”. Além disso, o Brasil deu “perigosos passos no campo da regulação”, como por exemplo com a aprovação da MP 727, que alçou os investimentos em infraestrutura à condição de “prioridade nacional, garantindo-lhes celeridade na liberação de licenças necessárias”.

Com esse novo acordo assinado com a China, o Brasil dá continuidade a um modelo de parceria que tem trazido mais prejuízos do que benesses ao país. Pior: pisa fundo no acelerador.

Brasil é pior país da América do Sul para meninas

Uma sociedade igualitária entre os gêneros ainda parece ser uma realidade distante para o Brasil, é o que aponta relatório da ONG Save the Children, divulgado terça-feira (11/10). O índice, que mede as oportunidades referentes à saúde, desenvolvimento, relacionamentos e educação de meninas, coloca o país em 102a. posição. Os dados levam em conta 144 países.

Em todo o continente americano, o país fica à frente apenas da Guatemala e Honduras, no ranking que considera dados sobre o casamento infantil, gravidez na adolescência, mortalidade materna, representação das mulheres no Parlamento e conclusão do estudo secundário.

O relatório dá destaque à posição do Brasil no ranking, afirmando que o país tem renda média superior e está apenas ligeiramente acima no ranking do “pobre e frágil Haiti”, que aparece em 105o. lugar.

A falta de representação da mulher no Congresso é um dos destaques negativos para a condição de igualdade entre meninas e meninos no Brasil. Por meio de barras coloridas, o gráfico deixa evidente a grande contribuição do parlamento brasileiro para a perpetuação da falta de oportunidades a meninas, como também o casamento infantil e a escolaridade. Segundo dados da União Parlamentar, o Brasil ocupa a 155a. posição no mundo em números de mulheres eleitas para o Parlamento – tem hoje 51 deputadas federais (entre os 513 da Câmara dos Deputados eleitos em 2014).

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A ONG Save the Children esclarece que “os piores lugares para ser uma garota são os países mais pobres do mundo”, sobretudo na África subsaariana. Outro dado que chama atenção é o desempenho aquém do esperado dos países mais ricos.

O relatório leva em conta a mortalidade materna, estimada a cada 100 mil habitantes; a gravidez entre jovens com idades entre 15 e 19 anos a cada  mil partos; e mulheres que se casam com menos de 18 anos, conclusão do ensino médio e representação feminina parlamentar.

Responsabilidade fiscal deve garantir custeio dos direitos fundamentais

A sociedade brasileira sabe ser necessário o equilíbrio das contas públicas, tanto quanto assume e clama ser uma das suas prioridades estruturantes a efetividade dos direitos fundamentais, notadamente saúde e educação. Não há, nem deveria haver, portanto, contradição na agenda pública entre a defesa da responsabilidade fiscal e a promoção desses nucleares direitos sociais.

A bem da verdade, a boa e equilibrada gestão dos recursos públicos não é um fim em si mesmo, mas condição instrumental indispensável de realização dos fins constitucionais do Estado, dentre os quais emerge a máxima eficácia dos direitos fundamentais.

Tal constatação, embora aparentemente óbvia, guarda consigo conflitos orçamentários e financeiros de larga envergadura em momentos de necessário ajuste fiscal, como o que o país vive atualmente. Atravessar a pluralidade de fluxos de correnteza em relação à gestão das receitas e das despesas públicas à luz desse eixo só é possível tendo na Constituição de 1988 a segura baliza do que pode ou não ser feito.

Nesse contexto é que emerge o debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016, que pretende instituir, no âmbito do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, o “Novo Regime Fiscal”, por meio do estabelecimento de teto global de despesas primárias e respectivos condicionantes em termos de sanções, exceções e delimitação do cálculo.

Para cumprir o alegado fim de ajustar as contas públicas e assegurar o equilíbrio intertemporal entre receitas e despesas, a equação concebida foi a de fixar o patamar de gasto primário global efetivamente pago em 2016 – por poder ou órgão autônomo1 – como referência máxima de autorização de despesa para os 20 (vinte) exercícios financeiros subsequentes, hipótese em que será assegurada tão somente a correção monetária pela inflação verificada no ano anterior.

Em igual medida, assegura, na forma do art. 1052 a ser inserido no ADCT, tão somente correção monetária a partir de 2018 para as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde, de que trata o art. 198, e em manutenção e desenvolvimento do ensino, prevista no art. 212, ambos os dispositivos da Constituição.

A estagnação em valores reais da despesa primária global da União e, sobretudo, dos deveres de gasto mínimo em saúde e educação contida nesse teto será tão mais destacada quanto maior for a expansão da arrecadação, em cenário de retomada da atividade econômica do país, ao longo dos vinte anos para os quais a PEC foi projetada.

Tal lógica relativamente simples, a despeito de extremamente forte, busca inserir novos artigos no ADCT para firmar, dentre outros,:

(1) a designação de “Novo Regime Fiscal” (art. 101 do ADCT),

(2) a fixação do teto propriamente dito (art. 102), possibilidade da sua alteração em 10(dez) anos (art. 103) e sua incidência até mesmo para as emendas parlamentares impositivas (art. 106) e para os pisos da saúde e da educação (art. 105),

(3) o estabelecimento de sanções pelo seu descumprimento (art. 104) e

(4) a tentativa de contenção de passivos futuros eventualmente causados pela ou em decorrência da PEC (arts. 107 a 109).

Seu assento estrutural foi concebido sobre três pilares, quais sejam: a delimitação temporal em vinte anos (a pretexto de cumprir o caráter de transitoriedade que justifica a inserção no ADCT), a mitigação do caráter vinculante da execução das despesas primárias obrigatórias e o afastamento da relação de proporcionalidade entre receitas e despesas como limite fiscal objetivo para as leis orçamentárias anuais.

Contudo, ao invés de realmente instituir um limite global de despesas transparente e universal como devem ser os próprios orçamentos, a PEC 241/2016 prevê a criação de uma espécie de contingenciamento preventivo de despesa primária (teto fiscal = despesa efetivamente paga em 2016 corrigida pelo índice de preços ao consumidor amplo – IPCA), alheio ao fluxo da receita e sem se preocupar ou dirigir-se às despesas financeiras, cujos limites de dívida consolidada e mobiliária ainda aguardam, no âmbito da União, parâmetro normativo, no mínimo, desde 2000, por força da conjunção interpretativa do art. 52, VI da CR/88 com o art. 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Aliás, a metodologia do ajuste fiscal ora avaliado reside precisamente nessa paulatina e previsível situação de descasamento entre receitas crescentes e despesas primárias estagnadas, ao longo dos próximos 20 (vinte) anos. O eventual saldo positivo em tal equação será aparentemente destinado à redução dos encargos da dívida pública, para manter sua sustentabilidade intertemporal.

A leitura dos artigos que a PEC 241 busca acrescer ao ADCT (conforme o atual texto do substitutivo já aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados) permite a compreensão de que o teto fiscal discriminatório e parcial afetará notadamente:

1) as despesas de pessoal, a despeito de já existirem parâmetros e instrumentos de controle no art. 169 do texto permanente da própria Constituição, sobretudo em seus §§3º a 6º. A esse respeito, é interessante notar o grande nível de coincidência de vedações inscritas no art. 104 do ADCT ora proposto com o art. 22, parágrafo único da LRF.

Cabe aqui destacar, como elementos de tensão evidente, tanto a vedação da garantia de revisão geral anual, para fins de limitação ao teto (art. 104, §3º do ADCT), em face da sua irredutibilidade constitucional, quanto a aparente cláusula de não assunção de obrigações de pagamento futuro de que trata o art. 107, I do ADCT proposto pela PEC, a despeito da inafastável sindicabilidade judicial (art. 5º, XXXV da CR/88).

2) os pisos de custeio da saúde e da educação, sobretudo por força do art. 105 do ADCT da PEC 241/2016;

3) o Orçamento da Seguridade Social (no que se inclui a espécie tributária que lhe serve de fonte de custeio, qual seja, as contribuições sociais). Interessante notar aqui a grande distorção interpretativa da exceção contida no art. 102, §6º, inciso I do ADCT, conforme a proposta da PEC 241/2016, com as transferências obrigatórias fundo-a-fundo no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, custeadas pela fonte de receita vinculada do Orçamento da Seguridade Social (contribuições sociais);

4) a separação de poderes, na forma do art. 102, §2º do ADCT, cuja restrição fiscal linear remonta o debate sobre a suspensão do art. 9º, § 3º da LRF3 por meio da ADI 2.238-5 MC/DF4 . Em tal decisão cautelar, o Supremo Tribunal Federal considerou que o Executivo não poderia unilateralmente impor limitação de empenhos e de movimentação financeira para a execução orçamentária dos outros poderes e órgãos autônomos, já que isso implicaria “hipótese de interferência indevida do Poder Executivo nos demais Poderes e no Ministério Público”. E, por fim,

5) a pretensão de controle judicial futuro de atos que decorram da aplicação da PEC, na medida em que o art. 107, I do ADCT que ela visa inserir restringe a possibilidade de assunção de obrigações de pagamento futuro, como se criasse uma excludente fiscal de responsabilização administrativa ou judicial das lesões ou ameaças de lesão a direitos oriundas do “Novo Regime Fiscal”.

O rol acima de despesas mais afetadas dá claras indicações acerca dos limites e balizas constitucionais que se apresentam para a proposta do teto fiscal global de despesas primárias. Como visto, o “Novo Regime Fiscal” pretende alterar, via ADCT, tantas disposições estruturais da Constituição e por tanto tempo, que sua proposta de reforma constitucional somente seria processualmente legítima se viesse no próprio corpo permanente da Carta de 1988, isso sem se olvidar de algumas colisões substantivas, que são, por si sós, inafastáveis.

Nem se diga, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal teria feito um exame prévio exauriente acerca da conformidade constitucional da PEC 241 nos autos do Mandado de Segurança 34.448 (MS 34.448-MC/DF) no dia 10/10/2016 e, com isso, estariam refutadas todas as questões ora analisadas

De plano, cabe lembrar que a apreciação perfunctória da matéria no MS 34.448- MC/DF foi feita em decisão monocrática do Ministro Roberto Barroso, quando houve o indeferimento do pedido de liminar para sustar a tramitação da aludida proposta. Ocorre, contudo, que tal análise judicial, além de não ser definitiva, ficou, por óbvio, adstrita aos pedidos feitos no mandado de segurança e não aferiu, por exemplo, a conformidade da PEC 241/2016 em face dos pisos de custeio dos direitos fundamentais à saúde e à educação de que tratam os arts. 198 e 212 da Carta de 1988.

Os fundamentos da decisão tomada pelo STF resumiram-se à negativa de lesão à separação de poderes, à garantia do voto, secreto, direto, universal e periódico e ao direito de acesso ao Judiciário para fins de preservação da estrutura remuneratória dos servidores públicos.

A esse respeito, cabe, portanto, destacar a forte lição dos professores Fábio Konder Comparato, Heleno Taveira Torres, Élida Graziane Pinto e Ingo Wolfgang Sarlet, para quem o financiamento dos direitos à saúde e à educação são mínimos inegociáveis5 :

Há um aprendizado histórico digno de nota na vivência da Constituição de 1988 pela sociedade brasileira: a prioridade do nosso pacto fundante reside na promoção democrática dos direitos fundamentais, com destaque para os direitos sociais, garantes de uma cidadania inclusiva e ativa. Justamente nesse contexto, o regime de vinculação de recursos obrigatórios para ações e serviços públicos de saúde e manutenção e desenvolvimento do ensino tem sido o mais exitoso instrumento de efetividade de tais direitos, ademais de evidenciar a posição preferencial ocupada pela educação e pela saúde na arquitetura constitucional. […] Atualmente, porém, somos confrontados pela proposta de redução da vinculação de gasto mínimo em ambos os setores e, o que é pior, pela desconstrução do esforço de chegarmos a 2024 com a meta de investirmos em educação pública na ordem de 10% da nossa riqueza nacional. Uma demanda das ruas que não ganhou eco. O grande problema da PEC 241/2016, particularmente no artigo 104 [art. 105 no Substitutivo] que ela pretende introduzir ao ADCT, é desconhecer a proporcionalidade entre receita e despesa como metodologia instituída no texto da Constituição de 1988, como proteção formal e material (garantia equiparável ao habeas corpus e ao mandado de segurança, por exemplo) dos direitos à saúde e à educação. […] Tal inversão de piso para teto desprega a despesa do comportamento da receita e faz perecer as noções de proporcionalidade e progressividade no financiamento desses direitos fundamentais. Assim, o risco é de que sejam frustradas a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde de mais de 200 milhões de brasileiros. Ou de que seja mitigado o dever de incluir os cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, que ainda hoje se encontram fora da educação básica obrigatória. […] Estamos em pleno processo pedagógico e civilizatório de educar e salvaguardar a saúde de nossos cidadãos, o que não pode ser obstado ou preterido por razões controvertidas de crise fiscal. Nada há de mais prioritário nos orçamentos públicos que tal desiderato constitucional, sob pena de frustração da própria razão de ser do Estado e do pacto social que ele encerra.

O dever estatal na consecução das políticas públicas de saúde e educação é processado na justa fronteira da proporcionalidade entre receitas e despesas que os pisos constitucionais asseguram. Assim como os cidadãos, por sua vez, possuem direito subjetivo público à educação básica obrigatória e ao acesso universal, integral e igualitário às ações e serviços públicos de saúde Pensar em sentido diverso levará a sociedade brasileira a experimentar, em curto espaço de tempo, a paulatina conversão dos pisos constitucionais que amparam tais direitos fundamentais em volumes cada vez mais significativos de precatórios judiciais. Há nisso, pois, um grave risco fiscal quanto ao adensamento da assim chamada “judicialização” da saúde e da educação nos próximos 20 (vinte) anos, caso a PEC do Teto Fiscal seja aprovada com a restrição imposta pelo aludido art. 105.

Com base nos princípios da vedação de retrocesso e vedação de proteção insuficiente, somente se justifica – em face da sociedade e do nosso ordenamento constitucional – o estabelecimento de nova metodologia de cálculo dos deveres de gasto mínimo em saúde e educação, se ela for uma solução alternativa para melhor proteger a prioridade fiscal de que se revestem. Jamais seria admissível esvaziar-lhes a rota de progressividade, despregando-os do nível da riqueza do país e da arrecadação estatal.

Até para que não haja solução de continuidade nos serviços públicos de saúde e educação, não se pode desconhecer que o dever de aplicação mínima em tais áreas deve ser proporcionalmente progressivo em face do restabelecimento da economia e da expansão dos níveis de arrecadação pelo Estado.

Em igual medida, o ritmo e a metodologia do ajuste das contas públicas deve considerar a equitativa distribuição de responsabilidades e recursos entre os entes da nossa federação. Isso porque o reequilíbrio fiscal de um ente não pode ser feito mediante a transferência – direta ou indireta – de encargos aos demais, sem o devido e pactuado rateio.

Ajuste fiscal algum se sustenta com a pura e simples discriminação entre despesas primárias e despesas financeiras, maldizendo aquelas independentemente do contraste com as respectivas fontes de custeio livres ou vinculadas e da repercussão das despesas financeiras para o equilíbrio global das contas públicas. Tampouco é admissível a mitigação dos pisos da saúde e da educação, em face das exceções estritamente discricionárias e aleatórias, por exemplo, do custeio das eleições e da capitalização de empresas estatais. A via do ADCT e sua transitoriedade não podem simplesmente ferir de morte o texto permanente da Constituição.

A propósito, acerca do controle judicial da efetividade dos direitos fundamentais, absolutamente paradigmático é o firme alerta dado, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Celso de Mello, no exame da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45 (ADPF 45)6 . Naquela ocasião, o STF enfaticamente assinalou que não cabe a frustração da efetividade de direitos fundamentais em nome de restrições orçamentárias falseadas:

[…] a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (grifo nosso)

O legado jurisprudencial da ADPF 45 dado pela Excelsa Corte brasileira é suficientemente forte e claro para alcançar agora a PEC 241/2016: que a sociedade não admita a tese da falta de recursos orçamentários como argumento capaz de legitimar a pretensão do Estado de se desvencilhar de suas obrigações constitucionais para com o pacto civilizatório contido na noção de dignidade da pessoa humana e no título da Ordem Social da nossa Constituição Cidadã.

Nesse contexto, parece-nos claro que a PEC 241/2016 afronta o arranjo sistêmico de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que amparam o custeio dos direitos fundamentais, notadamente por meio de vinculações de receita ou dever de gasto mínimo, como se sucede com a seguridade social e os direitos à saúde e à educação.

Registramos, pois, nossa convicção de que o financiamento mínimo dos direitos fundamentais à saúde e à educação, bem como o orçamento da seguridade social são cláusulas pétreas7 , pela confluência de três prismas normativos que operam em reforço recíproco:

* revelam a dimensão objetiva – dever estatal de custeio – de direitos subjetivos públicos indisponíveis, materializados em serviços públicos essenciais que não podem sofrer solução de continuidade, são amparados pela aplicação imediata prevista no art. 5º, §1º da CR/88 e contra os quais não é oponível a cláusula de “reserva do possível”;

* possuem a natureza jurídica processual de garantias fundamentais (remédios constitucionais), equiparáveis ao habeas corpus, habeas data, mandado de segurança etc e, por fim, mas não menos importante,

* comportam-se como princípios sensíveis da Constituição de 1988, cuja violação pode ensejar a intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal (hipótese tão grave que veda, nos termos do art. 60, §1º, a apreciação de proposta de emenda constitucional no período da vigência da intervenção) ou a intervenção estadual em seus municípios.

Sob qualquer dos ângulos de análise acima, a conclusão a que chegamos é uma só: não cabe impor, via ADCT, uma espécie de “estado de sítio fiscal” que suspenda a eficácia dos direitos fundamentais por 20 (vinte) anos, a pretexto de teto global de despesa primária, como a PEC 241 pretende, independentemente do comportamento da riqueza na economia e da arrecadação governamental.

Ao nosso sentir, as mudanças, de fato, necessárias para reequilibrar as contas públicas e promover o custeio constitucionalmente adequado dos direitos fundamentais não demandam maior inovação legislativa, além da necessária reforma previdenciária e da fixação das balizas para a gestão da dívida pública federal (balizas essas referidas a limites máximos e aos deveres de transparência e motivação).

A sociedade brasileira precisa, isso sim, é de compromisso sério com a revisão de privilégios (como o são, por exemplo, as renúncias fiscais concedidas ao arrepio do art. 14 da LRF e os incentivos creditícios, via BNDES, sem qualquer exame de efetividade); precisa mitigar discricionariedades na execução e no exame das contas anuais dos entes políticos (haja vista os rotineiros falseamentos de gasto mínimo e os desvios de recursos para fins nada republicanos); precisa conter abusos (como, por exemplo, o regime de parcelas indenizatórias em detrimento do teto remuneratório do serviço público); precisa investigar e eliminar inchaços no quadro de pessoal; precisa refutar frouxidões interpretativas e acompanhar cotidianamente o fluxo do dinheiro público.

Nosso alerta é o de que não podemos comprar, na realidade brasileira atual, soluções aparentemente fáceis, novas e drásticas para problemas antigos e culturais, pois são, na verdade, ilusões, algumas delas inconstitucionais. Aqui indiscutivelmente o maior problema reside no art. 105, que o substitutivo da PEC 241, aprovado pela Câmara em 10/10/2016, quer inserir no ADCT da Constituição de 1988, cujo resultado prático é a mitigação dos pisos de custeio que amparam a máxima eficácia dos direitos fundamentais à saúde e à educação.

Diante de tais preceitos fundamentais, o desafio que o presente momento nos impõe a todos é o de conciliar, republicana e democraticamente, a busca contínua por responsabilidade fiscal para que o Estado, dentre outras destacadas finalidades constitucionais, promova mais e melhor educação e saúde para o cidadão brasileiro. Vale lembrar, nessa seara, o dever assumido pelo país em diversos tratados internacionais, na forma do art. 5º, §2º da nossa Constituição, de desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, econômicos e culturais, em rota de plena e íntegra convergência com o fundamento da dignidade da pessoa humana.

Para além de quaisquer cálculos e metodologias de ajuste fiscal, o que está em jogo é a própria higidez da Constituição de 1988 em seu núcleo de identidade, qual seja: o art. 1º, III, o art. 5º, §1º e o art. 60, §4º, IV. Nenhuma proposta de reforma constitucional pode pretender substituir a própria Constituição. Eis a última fronteira que assegura a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, tal como a sociedade brasileira o inaugurou em 1988 e que cabe a nós, atual geração, defender em todas as instâncias cabíveis, até mesmo no âmbito da republicana sistemática de freios e contrapesos.

Assinam esta nota:

1. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal;

2. Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público;

3. Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União – GNDH/CNPG;

4. Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia – APD;

5. Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO;

6. Associação Juízes para a Democracia – AJD;

7. Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde – AMPASA;

8. Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação – FINEDUCA

9. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED;

10. Associação Paulista de Saúde Pública – ASPS;

11. Campanha Nacional pelo Direito à Educação;

12. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES;

13. Centro de Apoio de Implementação das Políticas de Educação do Ministério Público do Estado do Espírito Santo;

14. Centro de Apoio de Implementação de Políticas de Saúde do Ministério Público do Estado do Espírito Santo;

15. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-SP;

16. Grito dos Excluídos Continental;

17. Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA;

18. Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC;

19. Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down – FBASD;

20. Frente em Defesa do SUS;

21. Rede Jubileu Sul Brasil;

22. Pastoral da Saúde, Setor Pastorais Sociais e Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB;

23. Sindicato dos Médicos de São Paulo – SIMESP;

24. Sindicato dos Farmacêuticos de São Paulo;

25. Sindicado dos Psicólogos de São Paulo;

26. SindSaúde-SP;

27. Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo – Sindsep;

28. Sociedade Brasileira de Bioética – SBB;

29. Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal – PFDC/MPF;

30. Fábio George Nóbrega da Cruz – Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público – CDDF/CNMP;

31. Élida Graziane Pinto – Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo;

32. Francisco Funcia – Economista e Mestre em Economia Política (PUC-SP)

33. Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira – Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal;

34. Mauro Guimarães Junqueira – Presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS);

35. Fábio Konder Comparato – Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra;

36. Cláudio Pereira de Souza Neto – Advogado e Professor da Universidade Federal Fluminense – UFF;

37. Lenir Santos – Advogada, coordenadora do IDISA e Doutora em Saúde Pública;

38. Ela Wiecko V. de Castilho – Subprocuradora-geral da República

39. Salomão Barros Ximenes – Professor Adjunto e Coordenador do Bacharelado em Políticas Públicas da UFABC

40. Ligia Giovanella – pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz

41. Nelson Rodrigues dos Santos – Médico e Professor da Unicamp

42. Ana Maria Costa – Médica e Professora Universitária

43. José Marcelino de Rezende Pinto – Professor da USP

44. Bianca Cristina Correa – Professora da USP

45. Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia – Professor Adjunto da UFOP

46. Letícia Carapeto Benrdt – Procuradora da República

47. Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins – Procurador da República

48. Alexandre de Matos Guedes – Promotor de Justiça MPMT

49. Simone Disconsi de Sá Campos – Promotora de Justiça e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação do MPGO

50. Sandra Cureau – Subprocuradora Geral da República

51. Renata Ribeiro Baptista – Procuradora da República

52. Yuri Corrêa da Luz – Procurador da República

53. Daniel Serra Azul Guimarães – Promotor de Justiça do MPSP

54. João Paulo Faustinoni e Silva – Promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Educação do MPSP

55. Luiz Antônio Miguel Ferreira – Promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Educação do MPSP

56. Michael Reiner – Procurador do Ministério Público de Contas do Estado do Paraná

57. Maria Raquel Firmino Ramos – Pesquisadora do Núcleo de Estudos Econômico Tributários da SEFAZ/AL

58. Isabel Horowicz Kallmann – Promotora de Justiça do MPRJ

59. Thiago Rodrigues Cardin – Promotor de Justiça do MPSP

60. Eduardo Dias de Souza Ferreira – Promotor de Justiça do MPSP

61. Daniel Luis Dalberto – Procurador da República

62. Stanley Valeriano da Silva – Procurador da República

63. Eduardo Valério – Promotor de Justiça de Direitos Humanos do MPSP

64. Arthur Pinto Filho – Promotor de Justiça de Direitos Humanos do MPSP

65. Paulo Roberto Gentil Charqueiro – Promotor Regional de Educação do MPRS

66. Luciana Dias de Lima – Pesquisadora Titular e Professora do Programa de Pós Graduação em Saúde Pública da Fiocruz

67. Dilton Depes Tallon Netto – Promotor de Justiça do MPES

68. Daniel Balan Zappia – Promotor de Justiça do MPMT

69. Helena Capela – Promotora de Justiça do MPPE

70. Alexandre Magno Benides de Lacerda – Promotor de Justiça do MPMS

71. André Luis Silva Fetal – Promotor de Justiça do MPBA

72. Fabiana Lemes Zamalloa do Prado – Promotora de Justiça do MPGO

73. Daniel Lima Pessoa – Promotor de Justiça do MPGO

74. Maria Elmira Evangelina do Amaral Dick – Promotora de Justiça e Coordenadora Estadual de Defesa da Educação do MPMG

75. Suely Regina Ferreira Aguiar Catete – Promotora de Justiça do MPPA

76. Flávia Galvão Arruti – Procuradora da República

77. Leandro Maciel do Nascimento – Procurador do Ministério Público de Contas do Estado do Piauí

78. André Barreto Jurkstas – Assessor Jurídico do MPF

79. Ana Cristina Ferrareze Cirne – Promotora Regional da Educação do MPRS

80. Simone Martini – Promotora Regional da Educação do MPRS

81. Gustavo Roberto Costa – Promotor de Justiça do MPSP

82. Maria Fernanda Balsalobre Pinto – Promotora de Justiça do MPSP

83. Maísa de Castro Sousa Barbosa – Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de Goiás

84. Cristiane Corrêa de Souza Hillal – Promotora de Justiça do MPSP

85. Maria Cristina Manella Cordeiro – Procuradora da República

86. Sueli de Fátima Buzo Riviera – Procuradora de Justiça do MPSP

87. Sidney Fiori Junior – Promotor de Justiça do MPTO

88. Antonio Carlos Ozório Nunes – Promotor de Justiça e Assessor do Centro de Apoio Cível – Educação do MPSP

89. Thaís Vasconcelos Sepúlveda – Promotora de Justiça do MPSP

90. Eleonora Marise Silva Rodrigues – Promotora de Justiça do MPPE

91. Mariana Apparício de Freitas Guimarães – Promotora de Justiça do MPSP

92. Andrea Beatriz Rodrigues de Barcelos – Promotor de Justiça do MPGO

93. Thiago Alves de Oliveira – Promotor de Justiça do MPSP

94. Marcelo Pedroso Goulart – Promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Educação do MPSP

95. Tadeu Salgado Ivahy Badaro Junior – Promotor de Justiça do MPSP

96. Rosangela Corrêa da Rosa – Promotora de Justiça do MPRS

97. Danielle Bolzan Teixeira – Promotora de Justiça do MPRS

98. Delisa Olivia Vieiralves Ferreira – Promotora de Justiça da Educação do MPAM

99. Lilian Miranda Machado – Procuradora da República

100. Ricardo Augusto Negrini– Procurador da República

101. Nathalia Mariel ferreira de Souza Pereira– Procuradora da República

102. Mara Oliveira – Procuradora da República

103. Flávia Cristina Tavares Tôrres – Procuradora da República

104. Paulo Sérgio ferreira filho– Procurador da República

105. Gustavo Kenner Alcântara – Procurador da República

106. Ana Fabíola de Azevedo Ferreira – Procuradora da República

107. Walquiria Imamura Picoli – Procuradora da República

108. Almir Teubl Sanches – Procurador da Republica

109. Indira Bolsoni Pinheiro – Procuradora da República

110. Felipe Augusto de Barros Carvalho Pinto– Procurador da República

111. Carlos Alberto Valera – Promotor de Justiça do MPMG

112. Thales Fernando Lima – Procurador da República

113. Luís Fernando Cabral Barreto Junior – Promotor de Justiça do MPMA

114. Fernando Merloto Soave – Procurador da República

115. Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros – Procurador da República

116. Almir Teubl Sanches – Procurador da República

117. Lucas de Morais Gualtieri – Procurador da República

118. Sérgio Rodrigo Pimentel de Castro Pinto – Procurador da República

119. Gabriel Pimenta Alves – Procurador da República

120. Martha Carvalho Dias de Figueiredo – Procuradora da República

121. Valéria Etgeton de Siqueira – Procuradora da República

122. Paulo Cogo Leiva – Procurador da República

123. Álvaro Ricardo de Souza Cruz – Procurador da República

124. Leonardo Andrade Macedo – Procurador da República

125. Marcelo Freire Lage – Procurador da República

126. Águeda Aparecida Silva Souto – Procuradora da República

127. Gustavo Henrique Oliveira – Procurador da República

128. Edmundo Antonio Dias Netto Junior – Procurador da República

129. Paulo Sergio Ferreira Filho – Procurador da República

130. Eduardo Henrique de Almeida Aguiar – Procurador da República

131. Aurélio Veiga Rios – Subprocurador-Geral da República

132. Natalia Lourenço Soares – Procuradora da República

133. Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara – Procuradora da República

134. Isabela de Holanda Cavalcanti – Procuradora da República

135. Ludmila Junqueira Duarte Oliveira – Procuradora da República

136. Gabriela Saraiva Vicente de Azevedo – Procuradora da República

137. Helder Magno da Silva – Procurador da República

138. Marcelo Malheiros Cerqueira – Procurador da República

139. Talita de Oliveira – Procuradora da República

140. Suzete Bragagnolo – Procuradora da República

141. Silmara Cristina Goulart – Procuradora da Republica

142. Ticiana Sales Nogueira – Procuradora da República

143. Carolina da Hora Mesquita Hönh – Procuradora da República

144. Sergio Rodrigo Pimentel de Castro Pinto – Procurador da República

145. José Godoy Bezerra de Souza – Procurador da República

146. Eugênia Augusta Gonzaga – Procuradora Regional da República

147. Ana Carolina Alves Araújo Roman Procuradora da república

148. Ana Paula Carvalho de Medeiros – Procuradora da República

149. Maria Rezende Capucci – Procuradora da República

150. Rodrigo Valdez de Oliveira – Procurador da República

151. Márcio André Madeira de Vasconcelos – Procurador do Ministério Público de Contas do Estado do Piauí

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“PEC 241 vai colocar o Brasil na contramão do mundo”

Publicado por Exame.com

economista Felipe Rezende, professor da Hobart and William Smith Colleges, no estado de Nova York, sabe que é uma voz dissonante em meio ao apoio quase irrestrito da classe política e econômica à PEC 241, que propõe limitar os gastos públicos pelos próximos 20 anos, mas nem por isso deixa de afirmar que ela vai colocar o Brasil “na contramão do mundo”.

Para ele, de saída, a avaliação da equipe econômica está errada, já que o Brasil não estaria vivendo uma crise clássica de desarranjo econômico por falta de confiança dos investidores, como se propaga. O problema está no endividamento das empresas.

Em primeiro lugar, ele afirma que a dívida pública bruta, que subiu de cerca de 56% do PIB em 2008 para cerca de 69% do PIB em 2016, não está em uma trajetória ascendente inevitável. Cerca de 30% deste aumento se deve, segundo os cálculos de Rezende, a gastos extraordinários, tanto do Banco Central, com o programa de compra de dólares, quanto do BNDES, com a transferência de títulos.

Descontando estes fatores, afirma, a dívida pública brasileira estaria no mesmo patamar dos países emergentes com grau de investimento (representando cerca de 45% do PIB). Portanto, na opinião dele, não faria sentido criar uma emenda constitucional que congelasse os gastos públicos por um intervalo tão grande.

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Vamos falar de orçamento e direitos?

Além disso, Rezende afirma que o modelo pregado pela PEC está ultrapassado, já que o próprio FMI tem reconhecido que políticas contracíclicas são mais efetivas. Nestes casos, parte-se da premissa de que, quando o país está em expansão econômica, os gastos públicos podem diminuir; quando está em crise, não há problema em aumentar os gastos e enfrentar um período de déficits fiscais.

A solução adequada, segundo ele (e para espanto de muitos), seria adotar uma política anticíclica e acomodar os déficits, adotando algumas medidas de alívio tributário no curto prazo. Entenda o ponto de vista de Rezende, na entrevista concedida a EXAME.com:

Com base no seu diagnóstico, o que o governo está fazendo de errado nesta proposta de ajuste fiscal?

Em todos os países que adotaram medidas contracíclicas, aumento de gastos em momento de crise, a recessão passou e os indicadores melhoraram. Nos Estados Unidos, no Japão, no Reino Unido, na França, o déficit diminuiu.

Um déficit deste tamanho acaba estabilizando a atividade econômica e dá as bases para o crescimento. Os déficits do Brasil não vão ficar nesses níveis nem nos próximos cinco anos, quem dirá nos próximos 20. Adotar estas medidas é ir na contramão do mundo.

O que acontece é que grande parte dos economistas do Brasil ignoraram completamente o crescimento do endividamento privado. O endividamento privado mais que dobrou, de 35% do PIB em 2005 para quase 80% do PIB em 2015. Ao comprar ativos, a empresa espera que ele vá gerar retorno e que este retorno seja suficiente para bancar as obrigações financeiras.

Entre 2010 a 2016, você tem forte elevação do endividamento com uma queda brutal na valorização de ativos. O ROE (retorno sobre patrimônio) caiu 86% entre 2010 e 2016. A empresa se endividou muito, o retorno sobre ativos caiu brutalmente e o fluxo de caixa é insuficiente.

Tem alguma coisa que o governo poderia estar fazendo e não está?

Quais são as políticas apropriadas? Se eu estou com problema de honrar os compromissos, o governo tem que tentar garantir que volte a aparecer fluxo de caixa. No curto prazo, é fundamental aliviar o fluxo de caixa.

O impacto deste endividamento se dá sobretudo sobre o sistema bancário. Uma possibilidade é o corte temporário de impostos que incidem sobre produção, para que você possa ter aquela renda e pagar suas dívidas, honrar seus compromissos.

O Brasil tem que entender que esse é um momento emergencial, mas ainda não percebeu que está tentando trocar o pneu do carro sem ver que o motor está fundido.

Uma desoneração de impostos não causaria conflitos com representantes do setor produtivo quando fosse a hora de subi-los novamente?

Eu defendo uma desoneração diferente da que foi feita no governo Dilma, sem conversa. Ela deu desoneração para setores que tinham lobby maior no Congresso, de forma totalmente desordenada. Se você fizer de forma acordada, gradual, é a melhor saída.

Também defendo uma revisão da tabela de imposto de renda, principalmente para as classes mais baixas. Os EUA adotaram um programa de transferência de renda, e foi até interessante, porque o dinheiro do governo foi usado para pagamento de dívida, e o impacto na inflação foi praticamente zero.

A questão é que o governo mais que cumpriu a PEC em 2015, mas a confiança e os investimentos não voltaram. O efeito foi agravar a recessão. Esta política não é nem cíclica nem anticíclica, é acíclica, porque o crescimento dos gastos será o mesmo independente da fase econômica do país. Fora que o governo não controla a receita. Não há nenhuma garantia de que essa medida vá controlar a trajetória da dívida.

Atrelar os gastos públicos à inflação não pode levar essa inflação a se “retroalimentar” e continuar crescendo?

Sim, esse mecanismo pode piorar o processo inflacionário do Brasil. O plano real fez um esforço monumental para quebrar os mecanismos formais e informais de indexação da economia brasileira. Embora a indexação ainda tenha permanecido por algum tempo, o plano tinha conseguido quebrar a espinha dorsal. E o governo, de uma forma muito assustadora, reintroduz esse mecanismo constitucional de reajuste de gastos com base na inflação, imagina o que você vai espalhar pela economia como um todo. Eu considero isso muito perigoso.

PEC 241: o fim da Constituição Cidadã

As medidas em votação atualmente no Congresso Nacional, se aprovadas, significarão o fim da Constituição Federal de 1988 e a eliminação dos direitos sociais por ela garantidos. A Carta Magna do país, amplamente discutida e aprovada num processo constituinte que selou o fim da ditadura civil-militar de 1964-1985, consagra os direitos que hoje regem o Brasil e os recursos para financia-los, incluindo os sistemas de saúde público (SUS), de educação pública e de previdência social acessíveis a todos/as os/as brasileiros/as.

A PEC 241 (Projeto de Emenda Constitucional)  que está neste momento em discussão na Câmara dos Deputados, colocada como agenda prioritária do governo Temer, trará o desmantelamento da política social do País. A PEC propõe o congelamento dos gastos sociais nos próximos 20 anos, o que atingirá em primeiro lugar as políticas públicas de saúde e de educação.

Estudo do DIEESE mostra que, se esta PEC estivesse em vigor nos últimos 10 anos, nós teríamos gasto menos 47% em educação e menos 26% em saúde: o investimento seria de menos R$ 384 bilhões em educação e menos R$ 290 bilhões em saúde.

Esta PEC tornará o Sistema Único de Saúde (SUS) inviável, assim como impossibilitará a garantia de gratuidade, manutenção e melhoria do ensino público. No caso da previdência social, inviabilizará o piso dos benefícios, que, pela Constituição, é de um salário-mínimo.

Na prática, esta PEC obrigará os/as cidadãos/ãs brasileiros/as a pagar por planos/seguros privados de saúde e que os estudantes paguem, por exemplo, os estudos universitários. A saúde e a educação deixarão progressivamente de ser públicas e serão transferidas para o setor privado; o  maior programa social do Brasil desde 1988, a previdência social, será seriamente prejudicado, atingindo especialmente os mais pobres e as novas gerações.

Além de significar retrocesso e perda de direitos, a questão é que esta PEC baseia-se em um argumento totalmente falacioso: ao contrário ao que tem sido divulgado pelo Governo Temer e pela grande mídia, esta medida não resolverá o problema das contas públicas no país e há muitas alternativas apresentadas que eles se recusam a, sequer, considerar. O maior gasto público atual é com a dívida pública e o pagamento de seus juros. Em 2015, por exemplo, os gastos com saúde e educação foram em torno de R$ 100 bilhões cada um, mas o pagamento de juros foi de R$ 500 bilhões. Sobre este gasto, a PEC não diz nada. Tampouco discute-se outras alternativas tributárias para aumentar arrecadação – impostos progressistas, taxação de grandes fo! rtunas, regulação efetiva do sistema financeiro. Ou seja o objetivo desta emenda constitucional é retirar recursos da área social, essenciais para as pessoas mais pobres, deixando intocáveis os grandes grupos concentradores de riqueza no Brasil.

Por isso, em defesa da Constituição, em defesa dos direitos garantidos nesta Constituição, nos somamos à todas as vozes que se manifestam contra esta Emenda Constitucional e nos comprometemos a somar forças com outros setores da sociedade na luta contra esta Emenda Constitucional.

Saúde sim, juros não!
Educação sim, juros não!
Previdência Social sim, juros não!

Exposição de fotos tiradas por catadores do Lixão da Estrutural é destaque no jornal Correio Braziliense

Publicado no Correio Braziliense.

Esconder o rosto como forma de proteção faz parte da rotina dos catadores do Lixão da Estrutural, um dos maiores ainda em atividade da América Latina. Deixam apenas os olhos de fora. No entanto, com um celular nas mãos, eles se expressam e se revelam, sem medo, por meio da fotografia. Selfies, retratos de amigos, a hora do intervalo para um lanche, as máquinas que despejam o lixo, os entulhos, os begues — sacos usados para carregar material reciclável —, tudo acompanhado de um olhar sempre cheio de expressão. “O Lixão está acabando. Quero guardar uma lembrança. Gosto muito de lá”, relata o catador Francisco Manso, 50 anos. “Quero mostrar meu trabalho para os meus netos, bisnetos e mostrar para o povo que é um trabalho digno”, complementa Valdineide dos Santos Ferreira, 61, a Baiana da Estrutural.

Munidos desse objetivo, de memória e de registro, os catadores do Aterro Controlado do Jóquei transformaram o dia a dia do lixão em obra de arte. No começo, as fotografias eram tiradas sem pretensão, apenas imagens para o arquivo pessoal. Contudo, dentro do projeto Pró-Catador, elas ganharam outros contornos e desvendaram os rostos dos trabalhadores, assim como a realidade do Lixão, e se transformaram na exposição Eu Catador — O olhar dos catadores sobre o cotidiano do trabalho. “Aqui, quis mostrar a poeira. O caminhão despeja água para conservar a rua, mas é para eles passarem, e não porque se preocupam com a gente”, reclama Francisco, ao mostrar uma de suas fotos. “Aqui, são os entulhos de papelão”, continua.

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Veja algumas das fotos da exposição:

Para cada registro exposto na Casa da Luz Vermelha, eles querem esclarecer os detalhes. Da lida com as máquinas que quebram até os amigos que fizeram ao longo dos anos de trabalho. “Essa moça aqui faz parte do que a gente chama de nova geração. Pessoas que trabalham há menos de 10 anos no Lixão”, conta Francisco. Diante das fotografias que os próprios catadores fizeram, prevalecem o orgulho e a satisfação. “Tenho mais fotos e quero fazer outras. Olha aqui”, diz a Baiana pegando o celular para mostrar mais imagens. Ao circularem pela galeria, param diante dos registros e fazem uma selfie para depois mandar aos familiares. De pés descalços e bem à vontade, Baiana domina o espaço como se fosse sua casa. Vaidosa, ela se preocupa com as minúcias do que está exposto. “Olha como meu cabelo ficou nesta foto”, comenta. “Tenho ciúmes das imagens”, acrescenta.

Talvez Baiana seja uma das catadoras mais antigas do Lixão. Segundo ela, “eu que fiz aquilo tudo há muito tempo”. Começou a fotografar para guardar registros para os meninos passarem de geração em geração. O objetivo era revelar aos netos e bisnetos que a avó trabalhava no lixo e que foi dali que ela conquistou tudo o que tem. Mas a fala também guarda uma indignação. “Tenho raiva desse povo de fora. É bom para mostrar que não somos coitados e temos um trabalho digno”, declara. De acordo com a trabalhadora, quando vai ao hospital, tem sempre que enfrentar os olhares indiferentes. “Falam da gente como se fôssemos muito sujos”, lembra.

Simpática e alegre, Baiana não se deixa levar pela frieza. Esbanja um sorriso sincero que cativa a todos. Dos anos de trabalho no Lixão, ela guarda como principais conquistas as amizades, o respeito e a confiança. “Ali, a gente se ajuda”, conta. Num barraco simples da Estrutural, ela mora com os dois filhos, já criados e crescidos. “Prefiro tirar dinheiro do lixo do que pedir para eles. O dinheiro deles é para a faculdade”, assegura.

História
Francisco também integra a geração mais antiga do aterro. Vai fazer 25 anos que trabalha como catador. Ele chegou na Estrutural quando ali era só Cerrado. Antes, foi jardineiro durante nove meses. Mesmo assim, já criava uma relação com o futuro local de trabalho. “Ia lá andar e ficar observando. Parecia que estava desenhando meu caminho”, relembra. Francisco foi mandado embora da empresa de jardinagem e nunca mais saiu da Estrutural. “Eu era muito humilhado nas empresas. Lá (no Lixão) a gente faz a nossa tarefa. Tomamos conta de tudo”, conta. Na Igreja que frequenta, chegou a enfrentar preconceitos. “As pessoas falavam que ali não era lugar de trabalhar, que tinha gente ruim. Mas gente boa e ruim tem em todo lugar. Só vai depender de você”, conclui.

O amor pelo trabalho está no olhar e na fala de Francisco. “Vou ficar até o fim e ver no que vai dar”, diz. Na exposição, ele mostra cada foto que fez com apreço e conta as histórias por trás dos registros. “Quando olho essas fotos, vejo as pessoas trabalhando para sobreviver, os amigos e as recordações que tenho de lá”, destaca. O clique preferido é a sequência que mostra uma carreta quebrada. “Fico igual a menino ao lado das máquinas”, comenta, aos risos.

Nossos direitos cabem no orçamento – sonegação, privilégios e desigualdade fiscal é que não cabem

O Brasil vive um período de polarização de ideias, mas impressiona como no governo federal, entra equipe, sai equipe e o discurso no campo econômico tem sido único e repetido à exaustão: “as despesas cresceram demais, não tem orçamento que dê conta de tantas políticas públicas, de tantos direitos. O país estaria falido. Seria hora de “arrumar as contas”. Não haveria outra alternativa além do “ajuste fiscal”, medidas de “austeridade”, mostrar para o mercado financeiro que estamos comprometidos com o superávit primário, com o pagamento de juros e amortização da dívida.

Mas será que esse discurso único é verdadeiro? Será que de fato não existe alternativa? Examinemos os números:

Ao avaliarmos as despesas, entre 1995 e 2014, passando pelos governos FHC (I e II), Lula (I e II) e Dilma (I), é possível observar uma média praticamente constante da despesa total do setor público entre todos os governos, em torno de 7,7%. A exceção é o governo Lula II, quando se chegou a 10,16%, numa política anticíclica para enfrentar a crise econômica global de 2008. Já a despesa primária do governo federal, depois da queda de 50% do governo FHC I para o FHC II, subiu 25% no Lula I, e depois se manteve com uma tendência de queda tanto no Lula II quanto em Dilma I.

Já ao avaliar as receitas entre 1995 e 2010, passando pelos governos FHC I e II e Lula I e II, tanto a receita total do setor público quanto a receita primária do governo federal cresceram progressivamente. Já no governo Dilma I (2011-2014), essa tendência inverte-se, havendo uma redução de 50% da média de crescimento dos dois indicadores.

Essas análises, feitas a partir de dados do FMI, mostram nitidamente que não houve crescimento fora de controle das despesas; pelo contrário, houve redução. O mesmo não pode ser dito das receitas, reduzidas pela metade no governo Dilma I. As despesas não cresceram fora de controle, foram as receitas que foram muito reduzidas.

Então, por que o foco das propostas de retomada da economia tem sido nas despesas e não nas receitas? Para tentar justificar uma ideologia de Estado mínimo, dizendo que o Estado “é inchado e ineficiente, que gasta demais”. Para tentar justificar o discurso único da política de austeridade; que, aliás, é comprovadamente falida, tanto na prática dos países que a adotaram, quanto na teoria – até o FMI produziu um estudo em que reconhece os prejuízos das medidas de austeridade e deixa de recomendá-la para os países.

A verdade é que existe alternativa à caríssima “Campanha vamos tirar o Brasil do vermelho” do governo Temer em defesa da PEC 241. No orçamento brasileiro cabem todos os direitos previstos na Constituição de 1988. Cabem os direitos humanos, os sociais, os econômicos, os culturais, os ambientais; cabem as políticas públicas, cabe o “Minha Casa, minha Vida”, o “Bolsa Família”, a “Farmácia Popular”, a Previdência Social, o SUS, as Escolas e Universidades Públicas. O que não cabe no orçamento são as “bolsas milionários”, a ampliação das desigualdades fiscais e sociais, os privilégios, as manobras para transferir renda para os ricos, um Robin Hood às avessas. O que definitivamente não cabe no Orçamento são as receitas que deviam chegar a ele, mas que são sonegadas, evadidas, inscritas na dívida ativa e nunca pagas. A alternativa é a Justiça Fiscal.

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Elisão Fiscal, Paraísos Fiscais e Sonegação Fiscal

Existem duas maneiras de não pagar os tributos devidos, reduzindo as receitas:

– A elisão fiscal – que apesar de não ser ilegal, é imoral – ocorre por meio de um planejamento tributário agressivo, fazendo uso de brechas nas leis, para dar vantagens indevidas às empresas, com o apoio de consultorias, especialmente de escritórios de Direito Tributário, que costumam cobrar grandes valores pela assessoria. Por essas características são em sua maioria utilizadas por grandes corporações, especialmente as multinacionais, que se aproveitam de uma legislação internacional frouxa sobre o comércio entre a empresa produtora e suas vinculadas espalhadas pelo mundo e fazem uso de paraísos fiscais, onde têm sigilo bancário extremo e praticamente não pagam tributos.

Por exemplo: a prática do preço de transferência – a empresa produtora exporta seus produtos a preços abaixo do valor de mercado para uma coligada que fica em um paraíso fiscal. Depois, essa coligada vende o mesmo produto com o preço de mercado, portanto mais alto do que havia comprado, para outros mercados, inclusive para o do país da produtora. Nesta operação a mesma empresa multinacional usurpou: (i) os tributos que não recolheu no país da produtora ao realizar um subfaturamento; e (ii) e os tributos que não pagou no paraíso fiscal. Outro mecanismo utilizado pelas firmas é vender por preço abaixo dos valores de mercado para o comprador final e realizar um acordo tácito com o importador para que o restante seja enviado para uma conta offshore. Isso tudo dá a essas empresas indevidas vantagens competitivas sobre as empresas nacionais dos país em que atuam. O que enfraquece principalmente as micro e pequenas empresas nacionais, e consequentemente a economia do país e a geração de empregos, já que diversos estudos demonstram que essas geram mais empregos que aquelas.

Como visto, um importante instrumento tanto para a elisão quanto para a sonegação fiscal é o uso dos paraísos fiscais: Estudo da Tax Justice Network aponta que os super-ricos brasileiros detinham o equivalente a mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, o quarto maior total em um ranking de países divulgado em 2012 pelo grupo de pesquisa; sendo que quem mais manda dinheiro brasileiro para os paraísos fiscais são os setores de mineração, petróleo, farmacêutico, comunicações e transportes.

Vamos a um exemplo concreto, em estudo do Inesc, sobre a mineradora Vale foi observado que o preço do ferro praticado estava consideravelmente abaixo (-23,3%) do valor de mercado internacional. Como trata-se de um preço médio, há a possibilidade da empresa operar com preço de mercado em vendas para terceiros e com outro significativamente inferior para coligadas. O fato do ferro, sozinho, representar quase 60% da receita da empresa em 2013, pode ser um fato motivador para a companhia buscar reduzir o pagamento de tributos para elevar os lucros. Como resultado a Vale estava pagando 40% a menos de só de CFEM, sendo que os valores a serem pagos de IR e CSLL também são afetados por essas manobras.

– A sonegação fiscal: é ilegal. Um exemplo clássico e dos mais praticados de pessoas jurídicas é a de venda sem nota fiscal e de pessoas físicas a compra de recibos para utilizar na declaração de imposto de renda. Entre os tributos mais sonegados estão o IPI e o IR, conforme estudo do Sinprofaz.

Pelo estudo, foi encontrado um indicador estimado médio de sonegação fiscal de 23,2% da arrecadação, que equivaleu a R$ 453,0 bilhões ou 7,7% do PIB em 2015.

É um valor imenso e quatro vezes maior que o déficit fiscal da União em 2015, que foi de R$ 111 bilhões. Infelizmente, sempre que o tema da sonegação fiscal é trazido para o centro do debate, é extremamente comum ouvir argumentos para justificar a sonegação: “a carga tributária é alta demais, tem corrupção demais e os tributos pagos são desviados”; há até mesmo quem diga que “sonegar é um ato heroico contra o Estado ladrão”. Esses argumentos contêm erros:

1 – A carga tributária brasileira não é alta, ela é extremamente mal distribuída, pesando muito maios para os pobres e a classe média do que para os super-ricos, devido à estrutura dos tributos que incidem muito mais sobre o consumo do que sobre a renda e o patrimônio. Além disso, como é difícil sonegar os tributos sobre o consumo e sobre a renda (que são retidos na fonte), a sonegação ocorre muito mais nos tributos em que os mais ricos e as corporações podem sonegar. É uma lógica perversa, aqueles que teriam uma maior capacidade de contribuir são justamente os que têm uma carga tributária menor e que mais sonegam.

2 – A sonegação fiscal amplia desigualdades: em decorrência da sonegação fiscal ocorre queda de arrecadação, como resposta muitos governos recorrem ao aumento da carga tributária. Com o sistema tributário brasileiro super regressivo, esse aumento acaba recaindo sobre os mais pobres e classe média, que são aqueles que proporcionalmente já pagam mais tributos e menos sonegam, ampliando ainda mais as desigualdades (fiscal e social). Ou, como a PEC 241, propõem o corte dos gastos sociais que financiam os direitos sociais, e que igualmente impactam de forma desproporcional os mais vulneráveis, que são mais dependentes das políticas e serviços públicos.

3 –Sonegação fiscal é crime: argumentar desobediência civil é irresponsabilidade e descompromisso com o interesse público e com a própria Constituição Federal, uma vez que o texto constitucional prevê a escolha do povo brasileiro por um modelo de Estado que garanta direitos por meio de políticas e serviços públicos. Sonegar é inviabilizar o texto constitucional e causar imensos danos ao financiamento da educação, da saúde, da segurança, transporte, entre outros. Aqui vale aquele famoso ditado “o erro de um não justifica o do outro”.

4 – Sonegação fiscal é corrupção: é preciso encerrar o entendimento de que é corrupção apenas o valor que é desviado do orçamento público já formado, ignorando os imensos valores que deveriam compor o mesmo, mas nunca chegam. Desviar recursos que deveriam compor o orçamento público por meio de sonegação também é corrupção. Aliás, estudo da Global Financial Integrity (GFI), demonstrou que 80% da corrupção no Brasil é do setor privado, enquanto 20% é setor público.

Dívida ativa da União

Uma vez que os tributos não tenham sido pagos espontaneamente nos prazos, os débitos tanto de pessoas físicas quanto jurídicas são inscritos na dívida ativa. Eles podem ter natureza tributária, previdenciária ou não tributária (ex: decorrente do exercício do poder de polícia, crimes ambientais, entre outros).

A Dívida Ativa da União chega a incríveis R$ 1,58 trilhão (valores de dezembro de 2015), superando a arrecadação total brasileira no mesmo ano, que foi de R$ 1,274 trilhão. E pior: a recuperação desse dinheiro é lenta: segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1% da dívida é resgatado anualmente. Atualmente há R$ 252,1 bilhões que já integram processos transitados em julgado – ou seja, já poderiam ter sido devolvidos aos cofres públicos. Esse valor cobre com sobras o déficit fiscal do país anunciado pelo governo Temer para 2016.

Por trás dessa dívida bilionária escondem-se muitos crimes, não apenas financeiros – há crimes ambientais, eleitorais, grilagem de terras, assassinatos. Foi o que descobrimos em estudo recente do Inesc analisando a lista dos maiores devedores na Amazônia. Cabe destacar que entre os 10 maiores inscritos na Dívida Ativa da União está a Vale, com R$ 43 bilhões de débito, sendo muito desse montante decorrente de processos na Justiça relativo ao pagamento indevido de CFEM, IR e CSLL em diferentes períodos. Isso tudo depois de ter sido privatizada, anulando o argumento de que crimes e corrupção só ocorrem em empresas estatais.

Um importante elemento para a Dívida Ativa da União ser um montante tão alto é que apesar da sonegação fiscal ser crime no Brasil, ela é um crime sem pena. A Lei 9.249/1995, no seu artigo 34, estabeleceu que o pagamento do tributo extinguiria a punibilidade. Neste momento, os legisladores (deputados e senadores) enviaram uma mensagem para a sociedade: “o crime de sonegação fiscal compensa”. Da forma como é hoje no Brasil, vale a pena fraudar as declarações fiscais e sonegar; pois, o risco de prejuízo é, no máximo, financeiro, que pode ser calculado, e inclusive lucrativo.

Depois de avaliar esses imensos valores de receita em potencial, temos:

> Sonegação fiscal – R$ 500 bilhões/ano;

> Dívida ativa da União – R$ 1,5 trilhão, sendo que R$ 252 bilhões já estão prontos para serem recolhidos;

> Mais alguns bilhões se fossem taxados valores de brasileiros que hoje estão em paraísos fiscais e chegaram lá irregularmente, sem pagar os tributos devidos;

Chegamos a uma conclusão óbvia: se houvesse justiça fiscal no Brasil e se esses valores estivessem compondo o orçamento da União, sem aumentar a carga tributária, não estaríamos falando em déficit, não estaríamos tendo que ouvir as propostas de medidas absurdas, ditas emergenciais, mas que na verdade são de longo prazo, e não servem para lidar com uma crise fiscal, mas sim para mudar toda a lógica de Estado inscrita na Constituição Federal, como é o caso da PEC 241. O que querem é mudar o modelo de sociedade escolhido pelo povo brasileiro, que tem como princípio a solidariedade, com um Estado indutor e promotor de direitos, que tem o dever de garantir a Seguridade Social (Previdência Social, Assistência Social, Saúde), a cultura, a educação, o transporte, a segurança, o lazer, a moradia, o trabalho, a alimentação, que tem o dever de avançar e não retroceder os direitos.

PEC 241 inviabiliza direitos garantidos pela Constituição Cidadã

Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho.

No texto constitucional, está escrito que o Estado Democrático brasileiro está “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Em um de seus artigos, a Carta estabelece que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. É dever do estado levar adiante políticas públicas e econômicas que sigam na direção da efetivação desses direitos, para que não se tornem letra morta.

A PEC 241, que pode ser votada em comissão especial na Câmara já nesta quinta (6), pretende impor um teto para os gastos públicos, que não poderão ter crescimento real por duas décadas. Caso seja aprovada, as despesas primárias (sem incluir os juros) do governo só poderão, no máximo, serem acrescidas do reajuste da inflação do ano anterior. Isso mesmo que economia deslanche, a população cresça e os governos mudem.

Para a especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, a PEC 241 é um “atentado” contra a Constituição. De acordo com ela, ao alterar a política fiscal, restringindo o financiamento dos direitos sociais, a medida impede a efetivação daquilo que está escrito na Carta, rompendo com seus princípios. Trata-se de colocar em xeque o arranjo constitucional de financiamento desses direitos.

Disposições transitórias x retrocesso duradouro

Do ponto de vista formal, a PEC 241 altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), para instituir o novo regime fiscal. Ou seja, utiliza-se uma disposição “transitória” para promover uma mudança estrutural bastante duradoura.

“Se a gente pensar, o ADCT nem deveria existir mais. A Constituição está fazendo 28 anos hoje. Aqueles artigos (da ADCT) existiram para um momento de transição de um cenário pós-ditadura até um período mais democrático, uma fase de adaptação. Eram orientações, na Constituição, de como fazer em um período de transição. Mas praticamente tudo ali prescrevia com cinco anos. Então como é possível que, 28 anos depois, a gente esteja falando em alterações no ADCT”, critica.

Para ela, é “inacreditável”, que o governo proponha uma alteração em algo que foi criado para ser transitório na Constituição, de modo a “mudar toda a lógica do que é essa escrito no texto propriamente dito” da Carta. “Porque se você mexe na política fiscal e no financiamento desses direitos, você inviabiliza as garantias”, defende.

“É uma coisa muito bizarra. Você tem um texto lindo, com uma série de direitos, um princípio norteador de solidariedade, e depois lá no apêndice, que não deveria nem mais existir, você vai fazer uma mudança na política fiscal como um todo, para durar 20 anos, que inviabiliza todo o texto constitucional”, reitera.

Política econômica deve garantir direitos

Como exemplo, Grazielle cita o que acontecerá com a saúde, caso seja aprovada a PEC 241. Segundo ela, apesar de, em um primeiro momento, a nova regra fiscal não ter impacto sobre os recursos da área, com o passar dos anos, as perdas irão se acumular, retirando bilhões do Orçamento, conforme tabela abaixo:

 

De acordo com a Constituição, a saúde “é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas”. Grazielle então destaca que as políticas econômicas têm que existir de tal forma que permitam o adequado financiamento para a garantia do direito à saúde.

“Uma vez que você elabora uma política fiscal que limita, põe um teto, ao que pode ser gasto com esses direitos, você inviabiliza o que diz o texto constitucional. E, como lá diz que a saúde é um dever do Estado, você está negando o dever do Estado de garantir essa política”, condena.

O mesmo se aplica a outras áreas. Estudos já indicam que a PEC vai reduzir em mais da metade as verbas para a assistência social, por exemplo. E, caso ela existisse desde 2006, o salário mínimo, que hoje é de R$880, seria de apenas R$550; o orçamento da educação, em vez de ter alcançado os R$103 bilhões atuais, estaria em R$31 bilhões. Ou seja, trata-se de um corte drástico nas chances de construir uma sociedade mais democrática, igualitária e justa.

O projeto do governo Temer estabelece que o teto se refere aos gastos primários de maneira geral, podendo acontecer de uma ou outra área ter aumento acima da inflação, desde que compensada por outro setor do orçamento.

Grazielle prevê, então, que, se houver o entendimento que saúde e educação podem receber mais dinheiro, em um cenário no qual os gastos com Previdência continuam crescendo ao longo dos anos, será impossível levar adiante qualquer outra política pública.

“Qual o país que vive sem nenhuma outra política pública? Como fica a questão de segurança, da habitação, da ciência e tecnologia, da agricultura familiar?”, questiona.

Ela aponta ainda que outras propostas defendidas pelo atual governo também se somam ao golpe na Constituição. “Se você fala em uma reforma da previdência e das leis trabalhistas, que é na verdade para diminuir direitos, você está atentando contra o texto constitucional também”.

Orçamento a serviço da minoria

A especialista em Orçamento Público analisa que a política de austeridade materializada na PEC 241 expressa um entendimento que fazia parte ada lógica liberal, foi resgatado com o neoliberalismo, mas hoje é rejeitado até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional, grande entusiasta do ajuste fiscal em outros tempos.

Um relatório recente do FMI afirma claramente que medidas de ajuste adotadas pelos países com corte de direitos não trazem benefícios sociais e econômicos. Os cortes são, na verdade, ações pró-cíclicas e não anti-cíclicas diante de uma crise fiscal. Mas, mesmo assim, alguns países de economia em desenvolvimento, como o Brasil atual, continuam tentando adotar esse tipo de política. É um retrocesso total”, condena.

Segundo ela, a visão contida na PEC é diametralmente oposta àquela que deu origem à Constituição Cidadã. “Quando a gente pensa na lógica dos direitos humanos, há uma série de princípios e um deles é de que deve haver uso máximo de recursos para financiar os direitos. Já a PEC 241 fala que o princípio norteador deve ser o superávit primário máximo (economia para pagar juros da dívida). É assustador como a gente muda esses princípios”, afirma.

Para Grazielle, trata-se de uma mudança completa na lógica de porque existe um Estado, porque existe arrecadação e porque a população paga tributos. “Deixa-se de recolher, de fazer arrecadação tributária para financiar direitos e passa a ser tudo para fazer superávit primário, garantir pagamento de juros e beneficiar um pequeno grupo, ao invés de beneficiar toda a sociedade”, encerra.

Histórico de ataques

Promulgada em 1988, após longo período de ditadura, a Constituição marcou a transição para os tempos democráticos. Considerada uma das mais avançadas do mundo, recebeu o apelido de Constituição Cidadã. De lá para cá, contudo, diversas têm sido as tentativas anular seu conteúdo.

O próprio presidente à época, José Sarney, chegou a dizer que a Carta e os direitos que ela assegurava tornavam ”ingovernável” o país, um discurso que volta e meia reaparece na cena. Sob o olhar enviesado do neoliberalismo, o Estado não teria recursos para garantir os direitos constitucionais.<

O retrato da política brasileira: branca, masculina e proprietária

O resultado das eleições 2016 não surpreendeu no que diz respeito à diversidade das candidaturas com relação ao perfil racial e de gênero dos candidatos. De um total de 465.446 mil candidaturas em todo o Brasil, sendo 156.317 candidaturas do sexo feminino (apenas 14,2%), foram eleitas 638 mulheres (0,3% do total) para o cargo de prefeitas e 107 para o cargo de vereadoras nas capitais. No total das cidades brasileiras, foram eleitas 7.818 mulheres vereadoras, o que representa 4,66% do total.

As mulheres pretas e pardas somaram somente 32 eleitas vereadoras nas capitais e nenhuma para o cargo de prefeita. As capitais São Luís, Recife, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Aracaju e São Paulo não elegeram nenhuma mulher preta ou parda para o cargo de vereadora.

“Um debate que precisa ser incorporado ainda à agenda política é o de cotas raciais nas eleições, como já foi iniciado o de gênero, pois olhamos os dados e percebemos que nem mesmo a Lei de Cotas tem impulsionado as eleições de mulheres, e muito menos de mulheres negras”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

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Eleições 2016: no Brasil, mulheres negra não tem vez na política

Inesc apresenta dados da sub-representação de negros, indígenas e mulheres nas eleições de 2014

A boa notícia do pleito é a eleição de duas vereadoras negras que alcançaram o primeiro lugar, ou seja, foram as mais votadas de seus municípios: Aurea Carolina, em Belo Horizonte, com 17.420 votos, e Taliria Petrone, em Niteroi, com 5.121 votos, ambas do PSOL.

Os homens brancos, portanto, dominaram o pleito nas capitais, tendo elegido 62,9% prefeitos no 1º turno e 49,8% dos vereadores nas capitais. Homens negros (pretos + pardos) somaram 36% dos vereadores eleitos nas capitais brasileiras; somente os que se auto-declararam pretos somaram 5,2%. E os indígenas conseguiram eleger 1 vereador, na capital de Roraima.

Os dados que levantamos renderam duas boas reportagens:

O retrato da política brasileira: branca, masculina e proprietária, da Carta Capital

Com vitórias marcantes na vereança, mulheres seguem subrrepresentadas após primeiro turno, no site Gênero e Número.

Fizemos alguns infográficos para dar um panorama geral dos resultados das eleições deste ano (tratamento da base de dados do TSE feita por Luciana Guedes):

Por uma solução das contas públicas que respeite os direitos sociais – NÃO À PEC 241

I. Antecedentes da luta contra a PEC 241/2016

O subfinanciamento do Sistema único de Saúde (SUS) é um dos principais fatores que impedem o cumprimento do princípio que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, estabelecido na Constituição Federal. Além de comprometer a oferta de serviços de qualidade, o subfinanciamento restringe a possibilidade de se promover inclusão social, bem como um modelo de desenvolvimento que reduza as desigualdades socioeconômicas e dinamize a economia nacional.

Em 2013, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) mobilizou e unificou a luta da sociedade brasileira em prol da ampliação do financiamento de um sistema público e de qualidade na atenção à saúde, reunindo mais de 2,2 milhões de assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular o Saúde+10 (PLP 321/2013) com a proposta da alocação mínima de 10% das Receitas Correntes Brutas para o orçamento federal do SUS.

Esse projeto de lei não foi aprovado pelo Congresso Nacional, que em seu lugar votou a Emenda Constitucional nº 86/2015 (EC 86/2015), desrespeitando a vontade popular: esse novo critério de apuração da aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) estabeleceu um escalonamento progressivo de percentuais – de 13,2% em 2016 a 15,0% a partir de 2020 – da Receita Corrente Líquida (RCL).

O CNS denunciou à época que isso representaria uma redução orçamentária e financeira para o SUS, como ficou comprovado – a despesa empenhada em ASPS representou 14,8% da RCL em 2015.

II. Da proposta de Emenda Constitucional 01/2015 (PEC 01/2015) que amplia os percentuais de aplicação mínima em ASPS para a PEC 241/2016, que reduz os recursos para o SUS.

O CNS assumiu então a luta pela aprovação da PEC 01/2015, que foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados com os votos da base governista e da oposição em abril de 2016, que amplia o escalonamento progressivo de percentuais da 2 RCL – 14,8% no primeiro ano de vigência a 19,4% a partir do sétimo ano de vigência. Os deputados começavam a reparar o grave erro cometido com a aprovação da EC 86/2015.

Porém, em junho de 2016, a sociedade brasileira foi surpreendida com o encaminhamento pelo governo federal da PEC 241/2016 à Câmara dos Deputados, que trata do “Novo Regime Fiscal”. Em síntese, essa proposta estabelece um “teto” para as despesas primárias (as financeiras, como juros, continuarão sem nenhum limite) nos níveis pagos em 2016 (corrigidos pela variação anual do IPCA) por um período de 20 anos (2017 a 2036).

Para o caso das despesas com saúde, a PEC 241 estabeleceu um piso diferente daquele fixado pela EC 86/2015 a partir de 2017: 13,2% da RCL de 2016 (corrigido pela variação anual do IPCA) – base fixa que será achatada pela queda de arrecadação tributária no contexto da recessão econômica. Trata-se de um pesado estrangulamento financeiro para o SUS: (i) inviabiliza o aumento dos percentuais de aplicação em ASPS previstos pela PEC 01/2015 já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados; (ii) reduz o piso para ASPS em comparação ao da EC 86/2015 que já era insuficiente; (iii) esse novo piso desvincula a evolução do gasto ao crescimento do PIB nominal e da própria RCL, além de não considerar o crescimento da população e os custos crescentes do setor (magnitude inferior aos valores aplicados nos últimos anos já congelados entre 1,6% e 1,7% do PIB nos últimos anos; (iv) considerando o teto estipulado para o conjunto das despesas primárias, na prática, o piso se tornará de forma impositiva o teto do gasto.

Para exemplificar, a Tabela 1 apresenta os valores aplicados em ASPS no período 2003 a 2015):

Se for adotado como referência o padrão de despesas de 2014 (maior da série), pode-se dizer que:

a) o valor a ser empenhado em 2016 não poderia ser inferior a R$ 113,7 bilhões (enquanto a disponibilidade orçamentária segundo o Decreto 8784 é de R$ 106,9 bilhões, portanto, R$ 6,8 bilhões a menos em termos reais);

b) o valor da programação orçamentária de 2017 não poderia ser inferior a R$ 119,2 bilhões1 (enquanto o valor da PLOA 2017 para ASPS incluindo o valor das emendas impositivas será de R$ 110,1 bilhões, portanto, R$ 9,1 bilhões a menos).

Portanto, o CNS denuncia as perdas de recursos para o SUS em 2016 e 2017, que serão ainda mais elevadas se a PEC 241/2016 for aprovada pelo Congresso Nacional.

III. Não à PEC 241/2016

O CNS diz “NÃO” à PEC 241/2016, porque a essência dela é o corte de despesas primárias ao arrepio dos atuais direitos constitucionais para fazer valer o superávit primário nos próximos 20 anos, “corte” este expresso pela lógica da correção dos gastos tão somente pela variação anual do IPCA.

Se for aprovada a PEC 241/2016, haverá redução no orçamento do Ministério da Saúde nos próximos anos, desrespeitado o princípio da vedação de retrocesso, conforme fundamentação recente da procuradoria Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a EC 86/2015. Para exemplificar, na redação original encaminhada ao Congresso Nacional, a PEC 241 fixa o mínimo em R$ 98,3 bilhões2 para 2017 (abaixo dos R$ 119,2 bilhões necessários para manter o nível das despesas de 2014 conforme apurado na seção anterior, ou seja, inferior em R$ 20,9 bilhões).

Diante da evidente queda de recursos para o SUS denunciada pelo CNS e por demais instituições e movimentos que defendem a saúde pública universal e gratuita, houve um recuo do governo manifestado no anúncio do Sr. Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Sr. Deputado relator da PEC 241/2016 na Câmara dos Deputados, Darcisio Perondi (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-10/meirelles-diz-que-pontosfundamentais-da-pec-dos-gastos-serao-mantidos Acesso em 04/10/2016): valerá para a saúde em 2017 a aplicação mínima de 13,7% da RCL3 nos termos definidos atualmente pela EC 86/2015, que corresponde a R$ 103,9 bilhões, isto é, também abaixo dos R$ 119,2 bilhões (diferença cai para R$ 15,3 bilhões). A partir de 2018, segundo o anúncio das autoridades, esse mínimo será corrigido pela variação do IPCA medida em junho de cada ano, ou seja, a redução de recursos se aprofundaria a partir de 2018 e até 2036.

Mas, nesse anúncio das autoridades, nada foi comentado em relação ao texto já aprovado do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017 (PLDO 2017), que estabelece para o próximo ano, além do mínimo de 13,7% da RCL da EC 86/2015, um outro valor de referência para o financiamento do SUS: o valor empenhado em 2016 corrigido pela variação do IPCA, que foi definido no citado anúncio das autoridades em 7,2%; considerando que serão empenhados em ASPS pelo Ministério da Saúde em 2016 os R$ 106,9 bilhões que foram disponibilizados no Decreto 8784, o valor de 2017 não poderia ser inferior a R$ 114,6 bilhões, o que representaria uma diferença de recursos para o SUS bem menor em comparação aos R$ 119,2 bilhões apurados anteriormente para manutenção dos níveis de 2014 (ou seja, haveria uma perda de R$ 4,6 bilhões). O que pode representar o silêncio das autoridades: esconder que esse dispositivo será revogado se a PEC 241/2016 for aprovada ainda este ano e, com isso, que a perda já em 2017 para o SUS seria mesmo os R$ 15,3 bilhões?

Mais uma vez o CNS denuncia que a mudança constitucional na regra de cálculo da aplicação em ASPS trará perdas para o SUS, mas desta vez muito maiores que antes, inclusive porque o “teto” geral de despesas reduzirá as despesas sociais com sérias implicações para as condições de saúde da população.

O Congresso Nacional está diante de uma oportunidade histórica de reparar o erro cometido quando da aprovação da EC 86/2015: basta votar contra a PEC 241/2016, mas para o isso o CNS precisa mobilizar a sociedade contra esse ataque à Constituição de 1988 e aos direitos sociais.

Para o governo, o principal problema fiscal do Brasil é a vinculação constitucional, que garante a aplicação mínima para a saúde e educação: além de não ser verdade, representa uma ameaça ao bem-estar das famílias e dos trabalhadores, para priorizar o pagamento de juros e amortização da dívida pública.

Uma coisa é debater um ajuste fiscal que patrocine justiça distributiva; outra coisa muito diferente é aceitar algum tipo de “remendo” na PEC 241/2016: não podemos, tampouco devemos aceitar propostas que apenas tentem revisá-la. Afinal, o “teto” de despesas representará a deterioração das condições de vida da população, o que significa deterioração das condições de saúde da população pelo conceito da Organização Mundial de Saúde. É uma ilusão acreditar que alguma mudança na PEC 241 poderá ser benéfica para a seguridade social, assim como não será certamente para a saúde e a educação – essa “fragmentação” inexiste. Se não lutarmos firmemente contra a aprovação da PEC 241/2016, perderemos os direitos de cidadania pressupostos na Constituição de 1988.

Há alternativas de modo a preservar o interesse da maioria dos duzentos milhões de brasileiros – que teriam seus direitos suprimidos com a aprovação da PEC 241/2016. Por exemplo: rever a renúncia fiscal (gastos tributários), que está projetada acima de R$ 300 bilhões para os próximos anos; rever a legislação do IR, para criar faixas de rendimentos superiores às atuais com alíquotas mais elevadas (de modo a tributar os que estão no topo da pirâmide social); rever a estrutura tributária, para que se reduza a incidência sobre produção e consumo e aumente a incidência sobre patrimônio, renda e riqueza; rever a isenção da tributação das remessas de lucros e dividendos, criar uma tributação sobre as grandes transações financeiras e sobre as grandes fortunas, bem como aumentar a tributação sobre tabaco, álcool, motocicletas entre outras iniciativas possíveis.

Da mesma forma, o CNS defende que, conjuntamente, sejam adotadas medidas para aumentar a qualidade do gasto público em geral, e da saúde em particular, com a adoção de mecanismos de gestão mais eficientes que, em última instância, requerem recursos para a modernização tecnológica para esse fim de modo a dar conta de um país com dimensão continental e fortes desigualdades regionais. No caso do SUS, é preciso também garantir que os recursos adicionais sejam destinados para a mudança do modelo de atenção, para que a atenção primária seja a ordenadora do cuidado, e para a valorização dos servidores públicos da saúde, que refletirão na qualidade do atendimento às necessidades de saúde da população.

Desta forma, o CNS entende que a PEC 241/2016, se aprovada, aprofundará a atual política econômica recessiva, gerando desemprego, queda de renda e sucateamento das políticas sociais. Portanto defendemos uma mudança da orientação desta política para a promoção do crescimento e da inclusão social, reforçando o papel dos gastos públicos em saúde para impulsionar o desenvolvimento e para reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Não à Recessão e ao Desemprego!

Não à PEC 241/2016 que levará ao Desmonte do SUS e à Redução de Direitos Sociais!

O CNS defende uma nova Política Econômica e uma outra forma de solução das contas públicas que respeite a Constituição-Cidadã!

Brasília

04 de outubro de 2016

RONALD FERREIRA DOS SANTOS

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

———————-

1. Valor da despesa competência 2014 de R$ 113,7 bilhões corrigido pela variação do IPCA de 4,8% apresentada no Projeto de Lei Orçamentária de 2017 (PLOA 2017).

2. Calculado conforme a regra fixada na PEC 241/2016: o valor de 2017 será obtido pelo valor mínimo de 2016 de R$ 91,7 bilhões (13,2% da Receita Corrente Líquida de 2016 estimada em R$ 694,5 bilhões, conforme consta na apresentação do Ministério da Saúde em audiência pública de 29/08/2016 na Câmara dos Deputados), corrigido pela variação do IPCA de 2016 (estimada em 7,23% conforme Relatório Focus do Banco Central do Brasil de 30/09/2016).

3. A Receita Corrente Líquida de 2017 foi estimada em R$ 758,3 bilhões no PLOA 2017.

Moradia adequada deve estar no centro das políticas urbanas, diz ONU no Dia Mundial do Habitat

Do site das Nações Unidas no Brasil.

A moradia adequada é um direito humano universal e precisa estar no centro das políticas urbanas, assim como no centro físico das cidades, afirmaram oficiais das Nações Unidas na segunda-feira (3/10), Dia Mundial do Habitat.

“A rápida expansão não planejada de municípios e cidades significa um número cada vez maior de pessoas pobres e vulneráveis vivendo em condições precárias, sem espaço de moradia adequado ou acesso a serviços básicos como água, saneamento, eletricidade e serviços de saúde”, disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Mais da metade da população global já vive em áreas urbanas. Aproximadamente um quarto dessas pessoas vive em favelas ou assentamentos informais. “Elas frequentemente não têm acesso a oportunidades de trabalho decente e ficam vulneráveis a remoções forçadas ou a se tornar sem-teto. Fornecer acesso à moradia decente para todos é uma das prioridades da Nova Agenda Urbana”, que governos devem adotar na Terceira Conferência da ONU sobre Moradia, que ocorre este mês em Quito, no Equador, disse Ban.

Realizada a cada 20 anos, a conferência tem como objetivo refletir sobre o estado dos assentamentos humanos e sobre como as cidades do futuro devem ser. Com o mundo embarcando este ano na implementação da histórica Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, atingir seus 17 objetivos irá depender, em grande parte, de as cidades e assentamentos urbanos serem mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, disse o chefe da ONU.

“Neste Dia Mundial do Habitat, peço aos governos nacionais e locais, assim como tomadores de decisão nas cidades e comunidades em todos os lugares a manter a moradia no centro”, disse Ban, ecoando o tema da data este ano. “Garantir a dignidade e as oportunidades para todos depende de as pessoas terem acesso a moradia acessível e adequada”, acrescentou.

Em sua mensagem, Joan Clos, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), disse que “nossas cidades e moradias definem quem somos, de muitas maneiras”. “Elas determinam se teremos acesso a educação e oportunidades de emprego. Elas definem nossa capacidade de levar uma vida saudável e o nível de nosso engajamento na vida coletiva de nossa comunidade”.

“A moradia adequada é um direito humano universal e precisa estar no centro da política urbana”, disse, acrescentando que é parte do direito a um padrão adequado de vida, o que significa “muito mais do que ter quatro paredes e um teto”.

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Para que uma casa seja adequada, é preciso levar em conta muitos fatores: onde está localizada, sua acessibilidade e a disponibilidade de serviços básicos como água, saneamento e drenagem, explicou, completando que, atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas no mundo — principalmente nas favelas — não têm possibilidade de exercer seu direito à moradia adequada.

De acordo com estudo recente do Observatório Urbano Global do ONU-Habitat em colaboração com a Universidade de Nova York e o Instituto Lincoln, as moradias públicas representam menos de 15% dos tipos de moradias tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. A tendência nas últimas duas décadas tem sido um aumento do custo da moradia, forçando pessoas a se mudar para cada vez mais longe, para as periferias das cidades, de forma a encontrar uma residência acessível.

A abordagem do mercado imobiliário claramente falhou em fornecer moradia acessível às pessoas pobres e de baixa renda. Onde a moradia é acessível, há políticas fortes e abrangentes que abordam o tema da acessibilidade. O que faz diferença é a coerência e a continuidade de uma política pública de perseguir a acessibilidade independentemente do nível de desenvolvimento do país ou o preço dos terrenos. Esta é a razão pela qual a moradia precisa estar no centro da política urbana, segundo o estudo.

Uma política de moradia acessível, se bem conduzida, pode se tornar não apenas a solução para um problema social e humanitário, mas também um poderoso instrumento para o desenvolvimento local e prosperidade. Pode ser e deve ser uma solução de “ganha-ganha”. Além disso, a moradia deve estar localizada no centro físico da cidade. “Neste momento, isso pode soar utópico, um sonho, mas ao contrário, é um passo urgente rumo a uma solução efetiva para os problemas mais urgentes de nossa sociedade moderna”, disse Ban.

É por isso que o Dia Mundial do Habitat coloca o foco na necessidade de melhorar a acessibilidade por meio de uma nova estratégia, chamada “moradia no centro”, declarou. “Só fazendo isso, seremos capazes de construir cidades que sejam de verdade para todos”.

Nos últimos 20 anos, apesar da crescente demanda, as políticas de moradia não foram priorizadas nas agendas de desenvolvimento nacional e internacional, declarou. Como resultado, a moradia adequada é amplamente inacessível para uma parte relevante da população mundial.

Candidatos indígenas lutam para melhorar representatividade de seus povos na política brasileira

Por Rádio Yandê.

Há dezenas de candidatos indígenas participando das eleições em todos os estados brasileiros e você pode ajudar a eleger alguns deles para dar maior diversidade à nossa política municipal. Na eleição anterior, em 2012, cerca de 100 candidatos indígenas foram eleitos prefeitos ou vereadores, num aumento de pouco mais de 20% em relação a 2008 (78 indígenas eleitos).

O site Rádio Yandê listou todos os candidatos indígenas que disputam as eleições deste ano em todo o Brasil, indicando nome, partido, cidade e número da candidatura, divididos por região do país e Estado.

Veja aqui a lista de candidatos indígenas aos cargos de prefeito e vereador nas eleições de 2016.

Em pesquisa realizada em 2014, o Inesc divulgou pesquisa sobre o perfil dos candidatos na eleição daquele ano, revelando uma grande sub-representatividade não só de indígenas, mas também de mulheres e negros.  Naquela eleição foram apenas 83 (0,32%) candidatos (a cargos no Congresso e Poder Executivo) de um total de quase 26 mil candidatos.

“Motivos de esperança para seus povos e famílias, esses candidatos enfrentam preconceitos e estranhamentos num mundo político 100% não indígena. Ao conquistar e ocupar espaços politicos na sociedade para que possam representar não apenas suas culturas, mas seus parentes de diferente etnias e também os que não são indígenas, acabam descobrindo formas de fortalecer os direitos indígenas”, diz o texto divulgado pelo site da Rádio Yandê.

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Novo sinal da estupidez rodoviária em Brasília

Por Movimento Nossa Brasília.

Nas últimas décadas, cidades de todo o mundo sofreram com os problemas gerados pelo excesso de automóveis e buscaram alternativas para reduzir e desestimular o seu uso. Diversas soluções foram tentadas, como o rodízio na cidade de São Paulo, a tarifa por congestionamento em Londres, o estímulo ao uso da bicicleta em Amsterdã, as áreas livres de automóveis em Freiburg. Mas, no Distrito Federal, a lógica foi outra.

Na cidade modernista, pensada para os automóveis, acreditou-se que ele, nas palavras de Lúcio Costa, “domesticou-se”, que era necessário apenas abrir grandes vias, com rodovias rasgando a cidade e estacionamentos por todos os lados que o convívio seria pacífico. Ledo engano.

Hoje, o Distrito Federal tem uma das maiores frotas por habitante do Brasil. Tem automóveis estacionados em quase todos os espaços públicos, sejam eles calçadas, gramados, ao longo do meio fio e, inclusive, ao lado das placas que proíbem o seu estacionamento. A cidade, que há cerca de 15 anos, se orgulhava de permitir que os moradores, ao menos os do Plano Piloto, almoçassem em casa, hoje tem engarrafamentos constantes que já extrapolam os horários de pico e impedem este tipo de trajeto rápido.

Seria então o momento de reconhecer que a quantidade de automóveis já extrapolou os limites da vida coletiva, que precisamos mudar, repensar toda a lógica rodoviarista que vem desde a gestação da cidade?

Pelo contrário, nossos governantes ainda insistem em dar mais espaços para que mais pessoas andem de carro na cidade. Ainda não tratam o transporte público com a devida prioridade que merece. Ainda pensam que os pedestres e ciclistas são marginais ao Deus Automóvel.

Em 2014, época das eleições ao governo do DF, a sociedade brasiliense se organizou e elaborou a “Carta Compromisso com a Mobilidade Urbana e Sustentável“, que foi apresentada a todos os candidatos ao cargo. Ela foi assinada e incluída no plano de governo do atual governador eleito, Rodrigo Rollemberg.

A carta expressa textualmente o compromisso de “inverter a atual prioridade dada aos meios de locomoção, estabelecendo metas de redução do percentual das viagens diárias feitas de carro ou moto, assegurando a fluidez preferencial aos pedestres, às bicicletas e ao transporte coletivo, reduzindo os espaços destinados ao uso individual do carro”.

Porém, as ações do atual governador vão para o outro lado. Ele insiste na construção de novos viadutos, novas pontes e novas rodovias urbanas, que não garantem de forma nenhuma a prioridade aos modos ativos e, efetivamente, não apresentam nada de novo no modo de governar e de pensar a mobilidade urbana.

O Trevo de Triagem Norte – TTN, é uma obra que sintetiza bem essa vontade de dar mais espaço para os automóveis. A ponte do Bragueto está condenada, é necessário que ela seja reconstruída.

Aproveitando da situação, o Departamento de Estradas e Rodagem (DER) elaborou um mega projeto rodoviário para a região. Cujo objetivo é separar os fluxos de automóveis que passam pela ponte e duplicar a sua capacidade de tráfego. O valor da obra está orçado em cerca de 100 milhões de reais.

Porém, o projeto ignora que por ali passam centenas de ciclistas e pedestres todos os dias, mesmo sendo um dos locais mais perigosos do DF para se pedalar. Ignora, que a ponte dá acesso ao Plano Piloto, que já está entupido de automóveis e que não terá sua capacidade de tráfego aumentada, muito menos duplicada, devido ao seu tombamento. Ignora que as novas infraestruturas vão destruir nascentes, veredas e olhos d’água e assorear, ainda mais o lago Paranoá. Ignora a comunidade local, diretamente afetada, que terá que conviver com mais poluição, ruído e calor. Ignora, que mais infraestrutura viária vai estimular que mais pessoas passem de automóvel naquele local.

Ignora a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei federal 12.587/2012) que determina a prioridade para os modos ativos e para o transporte coletivo sobre o automóvel particular. Ignora todos os estudos e a vivência empírica que demonstram que não precisamos estimular ainda mais o uso de automóveis nas nossas cidades. Ignora a população, que não foi na única audiência pública realizada, que contou com a participação de apenas 39 pessoas, delas, somente 5 eram da sociedade civil. Ignora, que 17 novos viadutos e pontes e seus taludes impedem a passagem de pedestres e ciclistas. Ignora que ao lado tem um setor hospitalar que será afetado com todos os problemas citados e terá seu acesso prejudicado.

“A obra é herança dos governos anteriores…” | “Já está licitada, tem que fazer!”

Estas são as duas justificativas dadas pelo atual governador para que a obra aconteça. Justificativa que não convence. Não faltam problemas ambientais e de mobilidade urbana para parar a obra. Não falta a comunidade se mobilizando contra o empreendimento. Falta apenas que o Rollemberg tome uma atitude que se espera de um gestor sério e mande que a obra seja suspensa. Que chame a sociedade para conversar e se pense em uma solução que recupere a ponte do Bragueto e garanta que as pessoas tenham segurança e conforto para se deslocar pela região, independente de seu modo de transporte.

Infelizmente, pouco se espera que o governador tome tal atitude já que em seu governo foi desenterrada a Via Interbairros, com o novo nome de Via Transbrasília. Que nada mais é que uma nova via expressa que priorizará os automóveis no deslocamento de Samambaia ao Plano Piloto, passando por áreas de proteção ambiental, rasgando e dividindo as cidades por onde passará.

A pergunta que fica é: a quem interessa estas grandes obras rodoviaristas?

Ser contra o Trevo de Triagem Norte não é ser contra a população que necessita atravessar todos os dias a ponte do Bragueto para chegar ao seu local de trabalho, estudo ou lazer. Ser contra o TTN é ser a favor de uma política de mobilidade urbana que priorize os deslocamentos realizados por pedestres e ciclistas. Que os deslocamentos longos sejam realizados através de um transporte público gratuito e de qualidade. É necessário repensar como as pessoas se deslocam no DF e como o governo distrital age na mobilidade urbana.

Na recuperação da ponte do Bragueto poderia ser incluído um corredor estruturante de alta capacidade de transporte público, através de metrô, trem ou BRT. Poderia facilitar o trajeto de pedestres e ciclistas ao invés de piorar. Poderia investir em emprego, cultura e lazer na região norte do DF ao invés de manter a centralização de todas as atividades no Plano Piloto. Mas soluções alternativas nem foram cogitadas pelo DER. É mais fácil continuar repetindo os mesmos erros do que inovar e transformar a mobilidade urbana e o DF.

Por tudo isso, o Movimento Nossa Brasília, luta, apóia e fortalece a mobilização de todas as comunidades do DF pela valorização do transporte público, dos pedestres e ciclistas, visando a transformação das nossas cidades para que mais pessoas desfrutem do espaço público e de todas as possibilidades que a capital federal oferece.

Exposição revela cotidiano no maior lixão das Américas com fotos dos próprios catadores

Eles são invísiveis para boa parte da população do Distrito Federal mas seu trabalho é fundamental para a sustentabilidade da cidade, com a coleta de toneladas de material reciclável no maior lixão das Américas – o Aterro do Jóquei Club, mais conhecido com lixão da Estrutural. Essa dura realidade de milhares de pessoas que atuam diariamente na coleta do material descartado pela população de Brasília – e que dela sobrevivem – terá agora um pouco mais de visibilidade com uma exposição Eu Catador – o olhar dos catadores sobre o cotidiano do trabalho que está sendo organizada pelo fotógrafo brasiliense Kazuo Okubo na sua galeria especializada em fotografia, a Casa da Luz Vermelha (Clube ASBAC, SCES Trecho 2, Conjunto 31, Brasília).

Mas Kazuo é responsável apenas pela organização e curadoria das imagens. Os verdadeiros autores são os próprios catadores, que registraram com celulares o seu cotidiano no lixão da Estrutural, em fotografias impactantes, que dão a exata dimensão do mundo real de milhares de trabalhadores que atuam no local.

A exposição, que ficarão aberta ao público para visitação do dia 30 de setembro a 28 de outubro (de segunda a sexta, das 10 às 19h), tem apoio da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh) do governo do Distrito Federal, da Fundação Banco do Brasil, e do Inesc.

Nós atuamos com os catadores da Estrutural por meio do Projeto Pró-Catador, que em Brasília tem a missão de fomentar os empreendimentos de inclusão social e econômica dos catadoras e catadores de materiais recicláveis com foco na organização, capacitação e articulação política em conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Inesc vem acompanhando de perto a desativação do lixão da Estrutural e tem trabalhado diretamente com os catadores de material reciclável que atuam na área, promovendo cursos técnicos e de formação cidadã. Além disso, os catadores têm se reunido regularmente no Fórum Lixo & Cidadania para discutir o processo de inclusão das milhares de pessoas atuam no Lixão da Estrutural.

Desde 2012, quando foi fechado Gramacho, no Rio de Janeiro, o título de maior lixão das Américas foi transferido para Brasília, mais precisamente para o lixão da Cidade Estrutural. São milhares de toneladas de lixo que chegam a esse local todos os dias, grande parte produzido pelos moradores mais abastados do Distrito Federal, despejado sem qualquer preocupação ambiental, causando contaminação do solo e subsolo, poluindo o lençol freático e provocando inúmeros problemas de saúde.

Essa situação está para mudar com inauguração do novo aterro sanitário de Samambaia, que fica a 40 quilômetros a oeste do centro do Plano Piloto. Uma questão, no entanto, permanece: o que será dos milhares de catadores de material reciclável que hoje dependem economicamente do lixão da Estrutural?

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Reforma do ensino médio por medida provisória é mais um golpe do governo Temer

O ministro da Educação, Mendonça Filho, integrante de um governo não legitimado pelo voto popular, anunciou uma ampla reforma no ensino médio por meio de uma Medida Provisória, o que significa que ela entrará em vigor no dia de sua publicação no Diário Oficial da União (no caso, neste dia 22 de setembro de 2016), sem diálogo ou reflexão. Tal anúncio provoca mais perplexidade a uma sociedade profundamente abalada por inúmeras ameaças e sequestros de direitos que evidenciam aumento de privilégios para poucos, aprofundando as desigualdades sociais no país.

Toda política de educação ao mesmo tempo reflete e contribui para um projeto de sociedade. Cabe-nos perguntar qual é o projeto de sociedade que se fundamenta em decisões unilaterais apressadas, sem amplo debate, especialmente sem a participação dos mais interessados: os próprios estudantes e a comunidade escolar.

As várias reportagens que noticiam mais essa medida intempestiva do governo Temer são sempre comentadas por um único movimento, que referenda a iniciativa e deixa a impressão de que a sociedade, ou ao menos os especialistas, foram ouvidos.

Dia desses uma grande empresa de comunicação fez uma reportagem talhada para esvaziar o debate e dar como evidente a necessidade de uma reforma nos moldes da que foi anunciada hoje. Adolescentes de uma favela de Brasília foram questionados sobre o motivo de não estarem na escola, e os dois meninos dizem apenas ‘porque não’, e a menina diz que saiu porque engravidou. A conclusão, segundo a reportagem: há vários (assim mesmo, genericamente) motivos para o abandono escolar, e os dos entrevistados foi ‘falta de estímulo’. Mas que motivos são esses? Falta de estímulo porque a escola é desinteressante? Por que não aproveitam o assunto para problematizar questões importantes que provocam muitos abandonos da escola, como o racismo, a homofobia, o sexismo, a dificuldade de letramento, e desigualdades de todas as ordens.

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As organizações da sociedade civil estão há muito tempo voltadas para a educação, promovendo inúmeros diálogos com movimentos sociais, educadores e estudantes sobre o ensino médio e as questões que permeiam esse debate. Há uma certa unanimidade quanto à necessidade de mudanças. Os estudantes promoveram dezenas de ocupações de escolas pelo país, principalmente São Paulo, Ceará e Goiás, apresentando pautas e propostas para o ensino médio e sobre a relação dos governos com as escolas públicas. Essas reflexões têm se acumulado e já se tem muitos elementos que apontam caminhos.

Uma das principais reivindicações de adolescentes e jovens estudantes de escolas públicas é a participação direta nas possíveis mudanças na educação. Eles sabem que a educação que querem e, especialmente, a que não querem. O Inesc, em parceria com a UNICEF, desenvolve um projeto em escolas públicas em Brasília desde 2014, e em municípios da Chapada Diamantina (BA) e Belém (PA) desde 2016. O projeto Educação de Qualidade tem como principal objetivo ouvir o que os estudantes têm a dizer sobre o ensino médio e qual escola desejam. Os diálogos têm sido muito enriquecedores e o acúmulo de ideias e propostas é enorme. Mas o que adianta tudo isso se vem um governo ilegítimo, sob aplausos de uns poucos, e muda tudo por meio de medida provisória, de cima para baixo?


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Podemos dizer que nos últimos anos tivemos avanços interessantes, de forma geral, na educação. O ensino fundamental foi praticamente universalizado, houve uma significativa ampliação das vagas para o ensino superior, e o acesso às universidades foi democratizado com a importante ação afirmativa das cotas raciais. No entanto, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 praticamente não saiu do papel, e não há luz no fim desse túnel. Pelo contrario: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, em tramitação no Congresso Nacional, propõe um draconiano corte de recursos a curto prazo, e um enorme prejuízo a médio prazo, para o financiamento de políticas sociais, principalmente as de educação – essa mesmo que o governo Temer alega estar querendo ‘salvar’ com essa medida provisória de reforma do ensino médio.

O mais chocante disso tido é a informação registrada pela imprensa de que a área de educação do governo ilegítimo vem evitando ‘vazar’ informações sobre a proposta de reforma do ensino médio para não esvaziar o ato de seu lançamento. Ou seja: é tudo para a platéia, não há real interesse genuíno em de fato melhorar a qualidade da educação, muito menos do ensino médio, até porque não há política de ampliação do ensino superior para receber um maior número de estudantes. Aliás, ocorre justamente o contrario, um desmonte de políticas que vinham mudando a cara das universidades, em especial as públicas.

Ironicamente, no discurso de apresentação da proposta de reforma do ensino médio, o ministro da Educação falou que o “novo ensino médio tem como pressuposto principal a autonomia do jovem. É muito comum o jovem colocar que aquela escola não é a escola que dialoga com ele”. Pois é ministro, a escola não dialoga com estudante, e o ministério que propõe mudanças também não. Ao contrário, impõe uma proposta por medida provisória!

Pelo jeito, o que importa mesmo para o governo ilegítimo e seu ministro da Educação que tem como um de seus interlocutores centrais o pessoal do equivocado (para dizer o mínimo) movimento ‘escola sem partido’ – é valorizar apenas o ensino técnico para quem estuda em escola pública, para termos mão de obra pronta e barata para atender os anseios do mercado. E assim afastam os jovens das periferias das universidades. Para esses, empregos técnicos, de nível médio, são mais do que suficientes para garantir suas sobrevivências.

“Estamos voltando ao passado para rifar o futuro”

O discurso do presidente Michel Temer em evento promovido esta semana pela Câmara Americana de Comércio no Brasil (Amcham Brasil) em Nova York não deixa mais dúvidas: “Estamos voltando ao passado para rifar o futuro. Temer foi vender o Brasil nos Estados Unidos, assim como foi vender para a China na reunião do G20, dizendo que a parceria de investimentos vai abrir mão inclusive da legislação ambiental, que vai exigir licenças aceleradas para garantir investimento em infraestrutura”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Segundo Alessandra, Temer tenta vender o país a quem estiver disposto a apostar no pacote neoliberal adotado após o golpe parlamentar dado no final do mês passado. É uma clara volta ao passado, diz a analista. “Temer está tentando retomar um pacote ultra-neoliberal que foi tentado nas décadas de 1980 e 1990, e foi interrompido porque é um caldeirão de tensões e de ofensiva a direitos, de flexibilização de legislação, de ofensiva à Constituição e de privatização que não vai resolver o problema estrutural de crescimento do país”, diz Alessandra.

O pacote de reforma trabalhista, previdenciária e de privatização que Temer apresentou a investidores também não vai resolver o problema estrutural do país do ponto de vista da retomada do crescimento, avalia a analista. “O que vamos fazer é aprofundar as desigualdades, a incapacidade do país de construir uma saída a longo prazo para o problema da crise que está posta e que tem um fator político muito evidente.”

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Cidade para quem? Artigo discute a mobilidade urbana que queremos e temos direito

Chegamos a mais uma Semana da Mobilidade, evento que teve início em 1997 na França, chegando ao Brasil em 2003 com a adesão de várias cidades. O ponto alto é o Dia Mundial Sem Carro, sempre celebrado no dia 22 de setembro, data que nos convida a refletir sobre qual mobilidade queremos, e o que essa política tem a ver com democracia e direito à cidade. Perguntas que desembocam em outras, como: qual cidade queremos? E direitos para quem?

Algumas dessas perguntas são em parte respondidas pelos Planos Plurianuais (PPA) dos governos, que mostram por meio dessa peça do ciclo orçamentário quais são suas metas e objetivos, visto que é elaborado quando o governante já está empossado e conhecedor da máquina administrativa.

Rodrigo Rollemberg, governador do Distrito Federal, já aprovou seu PPA, para o período entre 2016 e 2019. Nele estão registrados três eixos centrais, a saber: i) Aumentar a qualidade de vida e reduzir a desigualdade; ii) Conquistar a confiança da população no Estado; iii) Tornar Brasília modelo de cidade sustentável.

Está claro, nos eixos 1 e 3, que há uma grande preocupação do atual governo do DF com a qualidade de vida e a sustentabilidade. Entende-se como qualidade de vida o acesso do cidadão a diferentes políticas públicas, equipamentos públicos e trabalho próximos à sua residência, economizando tempo de deslocamento. Uma cidade sustentável preocupa-se em reduzir o número de viagens feitas com veículos individuais, oferecendo mais e melhores possibilidades de utilização de transporte coletivo e público, e veículos não motorizados, bem como boas condições de mobilidade para pedestres, boa qualidade do ar, redução da emissão de CO2 e áreas públicas arborizadas (praças, parques). Todas essas questões essenciais de mobilidade urbana.

Saiba mais sobre o nosso direito à cidade.

Mas como o Governo de Brasília entende a mobilidade? Vejamos como o assunto foi descrito no PPA em vigor:

“A política de mobilidade urbana, que deve zelar pela qualidade de vida da população, precisa ser norteada pela implementação de um conjunto de estratégias de transporte e de circulação que proporcione o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, reduzindo, na medida do possível, o número de viagens motorizadas, priorizando os modos coletivos de transporte – sobre pneus ou sobre trilhos -, e incentivando o uso do modo não motorizado. No intuito de tornar Brasília um modelo de cidade sustentável, é fundamental que as políticas de mobilidade tenham foco na equidade do uso do espaço público, ofereçam maior segurança nos deslocamentos, prestem melhores serviços de transporte coletivo com tarifa justa e ofereçam condições dignas de deslocamentos a pé ou por bicicleta.”

Irretocável. Sim, queremos acesso amplo e democrático ao espaço público, redução de viagens motorizadas, priorização dos modos coletivos de transporte, equidade no uso do espaço público. Mas queremos algo mais: que as palavras se manifestem em ações e prioridades no orçamento e nas políticas públicas.

O PPA já está em vigor, mas a execução da Lei Orçamentária Anual de 2016 é contraditória com os próprios princípios apresentados pelo governo. Por exemplo, recursos que poderiam melhorar a qualidade de vida e trazer mais segurança, como a ampliação e melhoria da iluminação pública nas diferentes regiões administrativas, praticamente não foram gastos até agora. E são importantes principalmente para as mulheres, que correm riscos ao circularem entre as paradas de ônibus e suas residência no período da noite.

Investimentos em passarelas para pedestres, abrigos para passageiros de ônibus, calçadas e acessibilidade também não foram feitos, bem como para melhoria e ampliação das ciclovias – especialmente a que liga o aterro do Jóquei à Cidade Estrutural, uma obra importante para os moradores daquela região, devido ao intenso tráfego de caminhões no local, que oferece alto risco para pedestres e ciclistas que por ali circulam. Mas tudo isso não estava indicado como prioridade no PPA do governo Rollemberg?

Na Semana da Mobilidade 2016 surgem propostas e propagandas governamentais sobre a política implementada – ou que será implementada. Como a questão da acessibilidade. Mas, quando olhamos para o orçamento do Distrito Federal, percebemos que as ações propostas para a melhoria de calçadas e acessibilidade na cidade estão praticamente todas apenas no papel. A exceção fica por conta da Asa Sul do Plano Piloto. No entanto, para o o Pôr do Sol, em Ceilândia, o recurso sequer foi empenhado.

Prioridade não é o que está apenas no papel, mas o que sai dele na prática. Por isso, podemos dizer que as verdadeiras prioridades do governo atual são bem outras: três grandes obras milionárias, que dão prioridade ao transporte motorizado individual (carros) e, de quebra, ainda causam grandes estragos ambientais. Os três projetos – Trevo de Triagem Norte, Via Transbrasília e Túnel em Taguatinga – estão tanto no PPA como na Lei Orçamentária Anual 2016, têm recursos garantidos e estão adiantados. Só ‘esqueceram’ de consultar a população para saber se essas eram prioridades dela também…

Não é ocioso lembrar que o então candidato Rodrigo Rollemberg assumiu vários compromissos com os movimentos sociais em diversas áreas, em especial com a mobilidade urbana:

“Inverter a atual prioridade dada nos meios de locomoção, estabelecendo metas de redução do percentual das viagens diárias feitas de carro ou moto, assegurando a fluidez preferencial para os pedestres, o transporte coletivo, e por bicicleta, reduzindo os espaços destinados ao uso individual do carro, vetando iniciativas como o projeto do estacionamento subterrâneo da Esplanada dos Ministérios. Tais medidas contribuem também para a redução da emissão de poluentes atmosféricos, que prejudicam a qualidade do ar, bem como gases de efeitos estufa.”

“Desonerar gradativamente o usuário do transporte público coletivo do custeio do sistema de transporte, por meio da integração universal e irrestrita com financiamento não-tarifário do sistema, visando a futura implementação da tarifa zero.”

Até o momento, nenhum sinal de que o governo Rollemberg está indo nessa direção. Pelo contrário. Então, as perguntas voltam: Qual cidade queremos? Direitos para quem? Com a palavra os governantes e parcela da população da cidade que pensa primeiro em resolver o seu próprio problema, que são contrários aos corredores exclusivos para ônibus, que querem mais viadutos, avenidas e vias expressas – os pedestres e ciclistas que se virem, e de preferência saiam da frente. A cidade é de quem anda de carro, pensam. Mas deveria?

Artigo originalmente publicado no site Metrópoles.

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